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LIMITES DO PROJETO MODERNISTA: Guerra-Peixe entre o folclore e os grandes centros

Limits of the Modernist Project: Guerra-Peixe Between Folklore and the Urban Areas

RESUMO

O artigo parte da mudança de orientação estética do compositor César Guerra-Peixe, na virada dos anos 1940 para os anos 1950, para empreender uma discussão sobre as relações entre técnica composicional e pesquisa folclórica junto aos compositores brasileiros do período. A ideia de que a música brasileira seria marcada por “limitações” de nosso meio musical figura como catalisador da discussão.

PALAVRAS-CHAVE:
modernismo; nacionalismo; técnica composicional; música de concerto brasileira

ABSTRACT

From composer César Guerra-Peixe’s change in aesthetic orientation, at the turn of the 1940s to the 1950s, the article goes on to discuss the relations between compositional technique and folkloric research among the Brazilian composers of that time. The idea that Brazilian music was marked by the “limitations” of the country’s musical milieu serves as a catalyst for the discussion.

KEYWORDS:
modernism; nationalism; compositional technique; brazilian classical music

Dentre os compositores brasileiros que produziram para a sala de concertos ao longo do século xx, César Guerra-Peixe figura como um dos mais diretamente vinculados ao nacionalismo e à ideia de uma música baseada no folclore. No entanto, durante os anos 1950, quando tentava se estabelecer como compositor nacionalista após abandonar o dodecafonismo, ele não só se lançou às famosas pesquisas no Recife e, depois, pelo interior de São Paulo,1 1 Em 1949, Guerra-Peixe recebeu um convite para trabalhar na Rádio Jornal do Commercio, do Recife, permanecendo na cidade por três anos. Regressou, então, ao Rio de Janeiro, indo em seguida para São Paulo,onde foi trabalhar na Rádio Nacional daquela cidade e na ascendente indústria cinematográfica. mas também refletiu sobre e discutiu muito a forma de compor adotada por ele próprio e por seus pares, sendo explícito em dizer que, junto do desconhecimento do folclore, o maior problema dos compositores brasileiros era a falta de um métier.2 2 Guerra-Peixe; Tavares, 1951. Guerra-Peixe parecia empenhado em encontrar o “arsenal” mais adequado à criação de uma música de concerto que se pudesse dizer brasileira e moderna, recorrendo a todo um aparato que,de certo modo,garantiria sustentação a sua prática composicional, incluindo técnicas baseadas em supostas leis naturais, a escolha cuidadosa de práticas e tradições de origens específicas e uma espécie de argumentação vigilante em torno desses elementos.3 3 Barros, 2013, caps. 2 e 3.

Apesar disso, mesmo com o tanto que Guerra-Peixe falava de si próprio na época como compositor de destacados atributos técnicos, para quem olha em retrospecto essa imagem não chega com a mesma pujança que sua faceta de folclorista. Longe de ser mero acaso, isso parece estar estreitamente ligado à própria história de nossa música de concerto,em geral pensada à luz do debate mais amplo sobre a cultura brasileira, que por sua vez foi praticamente dominado pela questão da nacionalidade durante a primeira metade do século xx. Mesmo levando-se em conta as dificuldades de se falar em bloco sobre nosso modernismo, como se houvesse uma unidade de perspectiva e atuação, pode-se enxergar um arco temporal amplo que tem como nexo precisamente essa problemática, indo de 1924,ano de publicação de A estética da vida, de Graça Aranha, até o início dos anos 1960,quando, no que diz respeito à música, o Grupo Música Nova se articula.4 4 Sobre o lugar ocupado pelo Música Nova nesse debate, ver Kater (2001, p. 350 ss.; p. 131, nota 137).

Dentro desse intervalo de tempo, a partir da metade dos anos 1940,a atuação do grupo Música Viva - primeiro núcleo de produção de música dodecafônica no país, do qual faziam parte Guerra-Peixe, Claudio Santoro, Hans-Joachim Koellreutter e outros - pode ser vista como um marco da perda de impulso do projeto modernista de cunho nacionalizante.5 5 Kater, 2001, p. 165 ss. A oposição ao dodecafonismo e ao vanguardismo do grupo, no entanto, foi encampada por figuras claramente vinculadas já de antes ao modernismo nacionalista,como era o caso de Camargo Guarnieri, cuja célebre “Carta aberta aos músicos e críticos do Brasil” talvez seja o exemplo mais acabado de como ideias prévias a respeito da música nacional ganharam novo impulso naquele momento, com o impacto do 2º Congresso de Compositores e Críticos Musicais, realizado em Praga no ano de 1948. Condenando tendências vanguardistas como representantes de uma suposta cultura burguesa decadente, as diretrizes “baixadas” no congresso estimulavam os ditos compositores progressistas a se aproximarem da “música e das aspirações do ‘povo’”, pois estas, colocadas em oposição direta à vanguarda, seriam o caminho para reencontrar os “traços específicos da vida musical das nações”. Segundo o diagnóstico feito ali, esses traços teriam sido perdidos devido à tendência das músicas populares à banalização,estagnação e padronização,e da música erudita a se tornar cada vez mais individualista e subjetiva no conteúdo e complexa e artificial na forma.6 6 Kater, 2001, seções III e IV.

Sendo assim, na “Carta aberta”, Guarnieri adotava um vocabulário muito próximo das diretrizes de Praga para afirmar ideias que se coadunavam bastante bem com princípios que ele próprio já seguia anteriormente na realização de sua música. Sua afinação com os ideais de Mário de Andrade era tal e a tal ponto conhecida que a dicção adotada na “Carta aberta” chegou a levantar suspeitas de que esta teria sido de fato redigida por seu irmão, Rossini Camargo Guarnieri, este, sim, vinculado ao Partido Comunista Brasileiro na época.7 7 Neves, 1981, p. 124.

O tema é complexo, e Santoro, que atuou como delegado no congresso, é exemplo de um alinhamento mais claro com o zhdanovismo.8 8 Kater, 2001, p. 127, nota 134. Em ambos os casos, porém, a forma de fazer música defendida naquele momento acabou ganhando contornos similares, e é precisamente a maneira como Guerra-Peixe tentou se posicionar em relação a isso que será discutida mais abaixo. Gostaria de sugerir, então, que encarássemos todo o campo de defesa do nacionalismo musical brasileiro ao longo do século xx como guardando laços importantes com a matriz modernista, visto que a recepção das diretrizes de Praga tendeu a ser diretamente pareada ou ao menos amparada, em termos argumentativos,pelas ideias de Mário de Andrade.9 9 Não somente Mário de Andrade é sabidamente referência importante para Guerra-Peixe e Guarnieri, por exemplo, como a mesma ideia apresentada aqui pode ser também encontrada em Kater (2001, p. 132). Ademais,a fidelidade de Guerra-Peixe a esses princípios - mas não necessariamente a certos procedimentos que em geral os acompanhavam - faz parecer plausível enxergá-lo como imbuído de um viés modernista que permanece de fundo, ancorando sua maneira de lidar com as mudanças no panorama das ideias no país ao longo do século,pelo menos no que concerne à música.10 10 Uma argumentação na mesma linha, porém consideravelmente mais detalhada, pode ser encontrada em Barros (2013, caps. 1 e 3).

Aceitando, então, que haveria um período alongado de vida das ideias modernistas, percebemos que o problema do que seriam a arte e a identidade brasileiras figurou em boa parte das discussões no plano da cultura no país, indo-se da esperança no surgimento espontâneo dessa cultura até a necessidade de sua construção ativa; podendo ser dirigida “de cima” ou produto de ações individuais; catalisada e transcendida em nome de um ideal universalista ou apegada às especificidades locais.

Dentro dessa problemática mais geral,as possibilidades de encaminhamento eram muitas e variadas.11 11 Ver Wisnik, 1977; Naves, 1998; Travassos, 1997; Lafetá, 2000. O que praticamente todas as formas assumidas pela perspectiva modernista tinham em comum, no entanto, era que a criação dessa música passaria pelas mãos de um artista visto como portador de um conhecimento aprofundado de sua arte. Não que a ideia fosse sempre colocada nesses termos, mas o ponto é que a criação dessa arte em certo sentido dependia de artistas cuja formação passasse pelas tradições da dita “alta cultura” europeia. Só assim eles seriam capazes de produzir, a partir do que entendiam por folclore, uma arte à altura da “grande tradição”. No caso da música, era conjugando os elementos oriundos da arte, da música, da dança e das festas “do povo” com a proficiência técnica desenvolvida no contato com a alta cultura europeia que surgiria a música de concerto brasileira.12 12 Por questão de rigor histórico, gostaria de chamar a atenção para o fato de que “música de concerto” não figura aqui como categoria nativa, mas, sim, como o termo que está sendo utilizado neste texto para designar a música produzida no contexto do que ficou conhecido como “prática comum” (Piston, 1987) e que segue pelos séculos XX e XXI, sendo apresentada prioritariamente na sala de concertos ou pensada nessas bases, ainda que por vezes composta com outros espaços em vista.

Havia debates importantes e de longo alcance em torno da temática na época, mas aqui optei por abordar o problema apoiando-me na maneira como o próprio Guerra-Peixe lidou com, e se posicionou sobre, as alternativas que tinha à sua disposição. À exceção desta parte introdutória, apenas nas duas digressões mais abaixo - o que explica serem assim designadas - deixarei de lado esse olhar “pessoal” de Guerra-Peixe, isto é, a narrativa que ele próprio oferece, para recorrer a informações que se poderia chamar de contextuais,com o objetivo de,ainda que um pouco precariamente,delinear um quadro que nos auxiliará a entender melhor os problemas a que Guerra-Peixe se referia.

Com isso em mente, o discurso epistolar de Guerra-Peixe aparece como fonte privilegiada, pois oferece informações que, ainda que marcadas pelo viés inevitável que traz aquele que conta sua própria história, nos permitem na verdade observar as construções argumentativas e musicais em que Guerra-Peixe apostou de um ponto de vista em que as duas são de fato indissociáveis.Somente observando como ele próprio articulava suas ideias sobre música com os debates em que estava envolvido é que podemos evitar tratar separadamente - ou ter que unir artificialmente - algo que desde o início era uma coisa só: fazer música. Escolhas composicionais são inevitavelmente avaliadas esteticamente e associadas a outras obras que,ato contínuo,são associadas àquilo a que esses elementos sonoros se ligam numa dimensão mais ampla que o “puramente musical”, que por sua vez leva a novas escolhas composicionais.13 13 Não há como entrar aqui, no espaço deste texto, no clássico debate a respeito das dimensões externa e interna. Limito-me, portanto, a indicar os trabalhos de Hennion (2007) e DeNora (2003), em que, a despeito das diferenças de ênfase, se pode encontrar um tratamento bastante satisfatório do problema. Sendo assim, mesmo correndo o risco de tomar por verdade trechos de discurso que poderiam não passar de racionalizações ou justificações,podemos compreender melhor quais argumentos e decisões composicionais eram, na avaliação de Guerra-Peixe, mais interessantes em cada situação específica, quais ofereciam maiores chances nos debates e disputas em que ele se encontrava envolvido naquele momento etc.

O problema em questão, isto é, como lidar com aquilo que os atores dizem a respeito do que fazem,não é de fácil solução,e nesse ponto é preciso renunciar a reduções ao absurdo - nem se duvida absolutamente do que dizem os atores nem se toma o que é dito por seu valor de face. Como se verá adiante, possíveis motivações ocultas - talvez pudéssemos enxergar certo oportunismo de Guerra-Peixe ao optar pelo nacionalismo justo na virada dos anos 1940 para os anos 1950, por exemplo - não estão tão ocultas assim, uma vez que o veremos admitir abertamente que andava pensando em escrever música de caráter nacional para ver se conseguia que sua obra fosse mais tocada. Além disso, a tentativa aqui foi evitar a problemática da verdade ou ao menos da fiabilidade da explicação dada por Guerra-Peixe sobre esse momento de sua trajetória,tratando seu discurso precisamente como acabei formular: a explicação dada por Guerra-Peixe. Estamos olhando, portanto, para a maneira como Guerra-Peixe estruturou sua própria posição no debate em pauta.

O MÉTIER

Em 1934, Guerra-Peixe graduou-se em violino pelo antigo Instituto Nacional de Música - hoje Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro -, porém, escrevendo arranjos para os grupos em que atuava em bailes, cafés e restaurantes, sentia necessidade de conhecimento técnico específico. Começou então a tomar aulas de harmonia com Newton Pádua, um colega violoncelista, ingressando depois no Conservatório Brasileiro de Música, onde veio a se formar emcomposição.Naépoca,segundoelepróprio,suamúsicaeradecaráter nacionalista, no estilo corrente na época14 14 Guerra-Peixe, 1971. - o que provavelmente explica o fato de ter desdenhado posteriormente dessas obras,inclusive excluindo-as de seu catálogo.Dez anos depois de sua primeira graduação,em 1944,Guerra-Peixe começou a estudar com Hans-Joachim Koellreutter,compositor,regente e flautista alemão que fundou no Rio de Janeiro o grupo Música Viva e a quem é creditada a introdução do dodecafonismo no Brasil.15 15 Após uma fase inicial mais “integradora” em relação à música que se fazia no país, durante os anos 1940 o Música Viva se tornou o principal foco de música de vanguarda no Brasil, tendo o dodecafonismo quase como um ícone estético. Liderado por Koellreutter, era integrado por Eunice Katunda, Edino Krieger, Guerra-Peixe e Claudio Santoro, entre outros. Ver Kater, 2001. Pode-se argumentar que,após um período usando essa técnica - quando a experimentou com graus variados de ortodoxia -,ele por fim voltou ao nacionalismo,porém em outras bases, como veremos abaixo. Antes disso, no entanto, interessa reter um pouco a atenção sobre sua fase dodecafônica.

O dodecafonismo pode ser entendido como uma técnica de composição baseada em princípios de manipulação do material sonoro com vistas, entre outras coisas, à coerência e à estruturação lógica, e Guerra-Peixe viria a dizer que isso lhe foi útil mesmo depois,já em sua fase nacionalista.16 16 Guerra-Peixe, 1951a; 1951b. Por essa razão, o tema talvez forneça uma chave para entendermos parte das críticas que ele fazia à técnica composicional de seus pares.Em certa ocasião,ele foi particularmente explícito ao comentar o modo de Villa-Lobos compor, oferecendo ainda uma reveladora comparação com Guarnieri:

Repare: as composições do Villa (mesmo as de trinta anos passados) são todas moldadas a um só processo. Ele compõe um background rítmico-melódico, num qualquer naipe, e coloca em cima disso uma melodia qualquer.Esta,por sua vez,é uma marcha melódica - ou seja,um fragmento melódico descendente,que depois é transportado,geralmente um grau acima, prosseguindo no mesmo processo de repetição. Não há desenvolvimento dos elementos que formam a ideia. Há, sim, repetição da forma mais elementar. Isso eu o noto, há vários anos, em todas as suas músicas, e não conheço exceção. O Guarnieri trabalha muito melhor a música. A fatura deste é incomparavelmente superior ao [sic] do Villa, se bem que parece ter herdado do Villa (através também de certos processos romântico-impressionistas) alguns desses estéreis cacoetes! Todavia a música é outra. 17 17 Carta de Guerra-Peixe a Mozart de Araújo,Recife,19 jun.1950,Acervo Sala Mozart de Araújo, CCBB-Rio de Janeiro.

Tendo em vista o momento em que a carta foi escrita, quando Guerra-Peixe abandonava o dodecafonismo em favor do nacionalismo,o trecho ganha interesse ainda maior,pois ele iniciava um período de experimentações numa nova forma de compor, o que implicava posicionar-se em relação à prática de seus colegas que já eram nacionalistas. Ao criticar Villa-Lobos por praticar sempre o mesmo processo construtivo, vemos um pouco do que Guerra-Peixe valorizava e do que julgava problemático ou desinteressante.

Em primeiro lugar, é significativo que os termos empregados para falar de Villa-Lobos sejam muito parecidos com aqueles que, ainda em seus tempos de Música Viva, quando eram antinacionalistas radicais, Guerra-Peixe e Claudio Santoro usavam para criticar os nacionalistas brasileiros, afirmando que sua música em geral consistia numa melodia “mais ou menos folclórica” apresentada sobre “uma balbúrdia de sons”, sem possuir qualquer desenvolvimento lógico”.18 18 Egg, 2004, p. 44. Além disso, para além de questões específicas, aparece aí implicitamente a reprovação da repetição de um mesmo procedimento, o que ele chamava de “rotina”. Nos diversos momentos em que acusou seus pares de se repetirem, Guerra-Peixe manifestou explicitamente sua preocupação em evitar esse tipo de estagnação da atividade composicional, mesmo que ao preço de compor menos.19 19 Carta de Guerra-Peixe a Mozart de Araújo,Recife,31 ago.1950,Acervo Sala Mozart de Araújo, CCBB-Rio de Janeiro.

Pelo menos até a metade do século que avançava, paralelamente aos movimentos tipicamente vistos como “modernizadores” na música de concerto ocidental, foi-se abrindo espaço para a revalorização da construção e da técnica composicional, cujas características permaneciam,em boa medida,em aberto.Assim,conviviam procedimentos contrapontísticos dos séculos xvi e xvii com melodias estruturadas por crescimento ou módulos de intervalos, experiências com o desenvolvimento motívico permitiam injetar vida nova às já conhecidas sequências, ou procedimentos politonais serviam para complexificar fragmentos melódicos francamente diatônicos, or exemplo.20 20 Messing, 1996. Nesse contexto, Guarnieri e Guerra-Peixe poderiam afirmar possuírem uma técnica composicional bem desenvolvida, valendo-se de conhecimentos adquiridos com professores até certo ponto tradicionais, como Lamberto Baldi, no caso do paulista, ou Newton Pádua e o Conservatório Brasileiro de Música, no caso do arioca,21 21 Barros, 2013; Egg, 2010. desde que se desse tratamento mais contemporâneo aos procedimentos já consagrados pela tradição.22 22 Dahlhaus, 1997, p. 24; Adorno, 2006. Sobre como isso se deu na música de Guerra-Peixe, ver Barros (2013, cap. 3).

DA TÉCNICA AO FOLCLORE

Como se vê, levando em consideração todas as questões acima, o caminho se tornava relativamente difícil de transitar, contendo armadilhas colocadas talvez pelo próprio Guerra-Peixe ao afirmar haver problemas na música de seus pares tanto devido ao desconhecimento do folclore quanto à falta de técnica. Além disso, tendo em vista seu passado de dodecafonista, suas críticas tocavam em pontos mais profundos do que poderia parecer a princípio. Tomemos o trecho abaixo:

Acho que vou fazer algo mais compreensível para o auditório, seguindo a tendência nacionalista, mas sem exageros… sem pandeiros e tamborins… Já tenho rabiscado, porém me falta métier neste sentido, que a começo se torna mais ou menos estreito. Creio que será somente questão de criar este novo métier. 23 23 Carta de Guerra-Peixe a Curt Lange, Rio de Janeiro, 2 jul. 1949, Acervo Curt Lange, UFMG.

Tudo indica que Guerra-Peixe não considerava que a passagem de dodecafonista para nacionalista se fizesse com a simples mudança de materiais. Era preciso encontrar formas de proceder na criação dessa música brasileira, que deveria ser “compreensível para o auditório”24 24 O ponto remete diretamente à questão da comunicabilidade, que precisarei renunciar a tratar aqui,mas que estava associada à dificuldade de compreensão da música dodecafônica naquele contexto. Para uma discussão do assunto, ver Assis (2006) e Barros (2013, cap. 1). ao mesmo tempo que evitava procedimentos que ele via como banais, estéreis ou já gastos pela prática daqueles que o precederam. Assim, mesmo sendo possível compor uma música vista como tecnicamente bem realizada com base nos ensinamentos de professores mais tradicionais, era preciso evitar cair vítima das críticas que se fazia aos colegas. Nesse sentido, Guerra-Peixe parece ter se voltado para o estudo das práticas musicais e coreográficas encontradas em suas pesquisas de campo pelo interior de Pernambuco e São Paulo como fonte também de procedimentos técnicos - e não só de melodias e figuras rítmicas -, alçando esse tipo de estudo à condição de elemento formador do compositor brasileiro. Em entrevista de 1958,por exemplo,ele colocaria o folclore no mínimo em pé de igualdade com a tradição de concerto,se não em posição de maior importância,no que diz respeito a sua própria formação:

De tempos em tempos minhas preferências a compositores mudam com as minhas ideias. Para mim, tanto Haydn me pareceu compositor oferecendo mensagem bastante nova, como Schoenberg me soou gasto, arcaico. Já achei a Sagração da primavera, de Stravinsky, uma obra passadista e hoje a sinto revolucionária no sentido mais amplo. De qualquer modo, porém, o meu guia mais seguro nos últimos tempos tem sido o folclore, especialmente o de fonte ibero-africana, no qual observo um mundo inédito de experiências e adoto as que suponho me servirem melhor na qualidade e compositor.Aliás,vale acrescentar que,a meu ver,aprendi tanto com os tamborileiros dos cultos africanos do Recife quanto nos conservatórios e nos livros de musicologia. Pelo menos assim o entendo. 25 25 Guerra-Peixe, 1958.

É com essa valorização do folclore em sua própria prática composicional que Guerra-Peixe abre espaço para ir passando sutilmente da desqualificação de seus pares quanto à técnica para a crítica em outros níveis, sendo o principal deles o desconhecimento da cultura de seu próprio país. O trecho abaixo é exemplar:

De repente, a Europa começou a se interessar pela música nacional e o cidadão, que tocava bem violão, começou a produzir uma série de músicas que chamou de choro. Só que o fôlego é pequeno: começa, a ideia está aqui, mas não termina. No meio, é cosmopolita. E fez com isso um certo número de obras, mas de repente se esgotou, não havia nada novo dentro de si, e aí apelou para as Bachianas, que são um negócio esdrúxulo. De certa forma, é a repetição do outro com outro nome. E aquele coro de espetáculos, para impressionar todo mundo, todo mundo tocando… Quem estuda música brasileira vê que Villa-Lobos,do Brasil, só pegou uma parte do Rio de Janeiro: a modinha e o velho tango, que depois passou a se chamar maxixe. Naquele tempo, o tango, a valsa, tudo era também chamado de choro,por causa do estilo “choro”,que veio do conjunto chamado “choro”. Ele se aproveitou de alguma coisa. Mas depois secou.Caiu nas Bachianas,que também secaram,e passou para o cosmopolitismo […]. 26 26 Entrevista de Guerra-Peixe a Ronaldo Miranda e Tião Vianna,1993, transcrição cedida por Flávio Silva.

Já sobre Santoro,Guerra-Peixe comentou com o musicólogo Francisco Curt Lange que acreditava ser-lhe

mais acertado seguir o atonalismo,já que ele nunca se interessou pela música popular e já que também a sua formação espiritual não o permite compreenderaessênciadonacionalismobrasileiro.Suponhoqueelenãofarádistinção entre um choro do estilo melódico (sem virtuosidade) e um samba-canção; entre um samba de morro e um maracatu. 27 27 Carta de Guerra-Peixe a Curt Lange, Recife, 12 mar. 1950, Acervo Curt Lange, UFMG.

Difícil é saber o que significa essa “formação espiritual” que não permite que alguém compreenda outra coisa que também temos dificuldade em entender: essa “essência do nacionalismo brasileiro”… Mas, se deixo aparecerem detalhes de suas considerações sobre o colega, é para que vejamos como lhe dava gosto se mostrar conhecedor das formas do folclore e da música popular, apoiando-se nisso para desenvolver suas críticas.

Quanto a Guarnieri, Guerra-Peixe na época dizia reconhecer alguns acertos no que diz respeito ao nacionalismo e admirava bastante o métier,28 28 Miranda, 1950b; Guerra-Peixe, 1952. como vimos, embora não o considerasse “cem por cento contemporâneo”29 29 Miranda, 1950a. e o reputasse limitado em termos de pesquisa folclórica, frequentemente soltando indiretas como

o que é preciso é que os compositores,ao invés de irem sassaricar no exterior em busca de fama fácil (fama nacional,é claro),tratem de tirar umas feriazinhas e cuidem de recolher algum material folclórico devidamente observado nas fontes populares, para que não aconteça, como sucede a compositores principalmente paulistas,que passam por alto pelo folclore carioca e nordestino enquanto desconhecem o bandeirante - exceção feita, ultimamente, a Teodoro Nogueira. 30 30 Guerra-Peixe, 1965. Ascendino Theodoro Nogueira foi um compositor paulista, nascido em 1913. Foi aluno de Camargo Guarnieri e o principal responsável pela presença, infelizmente ainda pequena, da viola caipira na música de concerto brasileira.

Embora não criticasse a música do colega paulista no aspecto técnico, Guerra-Peixe parece ter se tornado progressivamente mais desconfiado da presença do folclore em suas obras, terminando por afirmar que o conhecimento do autor dos Ponteios sobre a música brasileira seria superficial ou mesmo falso: “O Guarnieri inventou um folclore só dele. É um negócio que se assemelha a algo de nordestino e, de fato, às vezes se parece bem. Mas não sai daquilo. É a mesma coisa toda a vida”.31 31 Faria; Barros; Serrão, 2007, pp. 234-235.

DIGRESSÃO I: AS FORMAS DE SUSTENTO PARA O COMPOSITOR BRASILEIRO

Para que se possa de fato compreender o que significou, no caso de Guerra-Peixe, encarar o folclore como elemento formador do compositor brasileiro, será necessário fazer duas rápidas digressões, uma sobre as formas de tirar o próprio sustento financeiro que os músicos brasileiros daquele período possuíam, outra a respeito do peso do argumento segundo o qual o folclore seria a base da nacionalidade.

Começando pelas formas de sustento, entre elas estavam o trabalho como arranjador para rádios e gravadoras de discos; a composição para o cinema, que emergia na época como uma força cultural e econômica importante;32 32 Faria; Barros; Serrão, 2007, p. 140 ss. a atuação como instrumentista em cafés, salões,restaurantes etc.;as aulas particulares de composição ou instrumento - um mercado certamente restrito e que dependia de o músico obter prestígio prévio; a obtenção de bolsas de estudo; e os concursos de composição,que funcionavam mais como ganho extra, dada sua imprevisibilidade.

Guerra-Peixe atuou por muito tempo no rádio e compondo para o cinema,além de ter iniciado sua participação na vida musical brasileira tocando em restaurantes e cafés e de ter deixado toda uma legião de ex-alunos.33 33 Barros, 2013, cap. 1. Já em relação às bolsas, chegou a pleitear algumas, mas terminou por não as obter, às vezes por dificuldades burocráticas ou práticas em participar do processo seletivo,outras por ter sido recusado.34 34 Carta de Guerra-Peixe a Curt Lange, Rio de Janeiro, 30 mar. 1948, Acervo Curt Lange, UFMG; carta de Guerra-Peixe a Curt Lange, Rio de Janeiro, 17 out. 1947, Acervo Curt Lange, UFMG. Sabe-se, por exemplo, que Guerra-Peixe tentou conseguir uma bolsa com Aaron Copland, que veio ao Brasil em 1947 no quadro da chamada Política de Boa Vizinhança norte-americana.35 35 Carta de Guerra-Peixe a Curt Lange, Rio de Janeiro, 26 ago. 1947, Acervo Curt Lange, UFMG; carta de Guerra-Peixe a Curt Lange, Rio de Janeiro, 2 set. 1947, Acervo Curt Lange, UFMG. Pelo que se depreende da correspondência com Curt Lange, Guerra-Peixe nunca conseguiu descobrir por que a referida bolsa lhe fora negada, e isso parece tê-lo deixado bastante frustrado,mas o que importa aqui é que o assunto nos permite abordar um ponto fundamental para a compreensão da problemática mais geral em questão: tudo leva a crer que Guerra-Peixe foi assumindo uma posição ambígua em relação às bolsas,por vezes desejando-as,mas ao mesmo tempo recusando convites como o do regente Hermann Scherchen para ser seu assistente e estudar na Suíça,por exemplo.36 36 Hermann Scherchen foi um dos principais regentes do período a trabalhar com a chamada “Música Nova”. Ligado a Koellreutter, foi uma referência importante para o Música Viva e apresentou algumas peças de Guerra-Peixe na Europa, além de convidá-lo para residir naquele continente e atuar como seu assistente. Sobre Scherchen, ver Kater (2001, p. 42 ss). Posteriormente,Guerra-Peixe chegaria de fato a recuar quanto a uma bolsa que lhe foi oferecida pela Unesco por volta de 1954 para estudar no exterior, diante do que Renato Almeida observou em carta a Luiz Heitor Corrêa de Azevedo:“O Guerra-Peixe,que está em São Paulo e é hoje o músico brasileiro melhor pago (faz cerca de quarenta contos por mês,no rádio),recusou [a bolsa].Foi a primeira pessoa com quem falei”.37 37 Carta de Renato Almeida a Luiz Heitor Corrêa de Azevedo, 1 fev. 1954, apud Silva, [s.d.].

DIGRESSÃO II: TRÊS NÍVEIS DE CULTURA

Já em relação à perenidade e à importância para nosso modernismo de discursos que valorizam a cultura de determinadas parcelas da população brasileira,em geral associando essa cultura a noções de autenticidade e ancestralidade, é importante começar lembrando que a hierarquização produzida a partir da ideia de que haveria algo como três níveis diferentes de cultura - a “popular”,a “erudita” e a “popular urbana” - é bastante disseminada no Ocidente, com especial força entre o século xix e a primeira metade do século xx. Partindo daí, a cultura popular urbana seria uma espécie de degeneração da cultura popular “genuína”.Isso teria causas diversas dependendo de cada narrativa, mas em geral se responsabilizavam certas forças decorrentes dos processos de modernização, o descolamento da vida cultural das nações de suas raízes devido ao contato com outras culturas,o capitalismo e sua economia de mercado etc.38 38 Born; Hesmondhalgh, 2000, Introdução. Sobre os três níveis de cultura e a ideia mais geral em pauta aqui,ver Burke,2009;Ginzburg,1987.

Paralelamente à suposta degeneração das culturas populares das nações em música urbana para consumo,havia a própria ideia de uma alta cultura cuja origem seria também popular. Esta teria passado por um processo gradual de sofisticação e de elaboração até chegar a ser considerada como integrando as realizações mais elevadas do espírito humano.A forma cultural designada por “música clássica”,“artística”, “erudita” ou “de concerto” é precisamente aquela que estaria ligada a essa alta cultura. Por outro lado, como vimos, seria na cultura popular que as fontes dessa alta cultura se concentrariam, num argumento de enorme força em nosso modernismo,que de certo modo tentou reproduzir artificialmente o processo secular que, segundo essa narrativa, teria transformado a cultura popular em alta cultura na Europa.39 39 Para uma discussão sobre o ponto, ver Naves (1998, p. 17 ss). Ver também o conceito de “nivelamento estético” em Mello e Souza (2003).

Faz parte do tema a ideia de que as parcelas “rústicas” e “incultas” da população seriam como que portadoras de uma cultura brasileira mais autêntica e profunda, porém o principal canal por meio do qual esse argumento mais geral tomou corpo no debate brasileiro foi a busca pela renovação dos meios de expressão em relação à arte romântica herdada do século xix, numa tentativa de ruptura com o passado.40 40 Travassos, 1997, p. 29 ss. Preocupação inicial de nossos modernistas,isso foi aos poucos dando lugar à problemática da brasilidade: a busca por uma forma de expressão individual “pura” empreendida pelos artistas dos anos 1920 vai perdendo importância diante da procura da expressão de uma cultura junto aos homens “primitivos” ou “selvagens”. Esquematicamente,se no início de nosso modernismo a renovação dos meios de expressão era obtida por meio da busca de uma suposta expressão espontânea, que tendia a ser identificada com uma forma de primitivismo, de retorno a algo fundamental dentro do homem, com o tempo esse primitivismo foi sendo deslocado para uma unidade mais geral - o povo ou a nação -, que passou a ser vista até certo ponto como homóloga ao indivíduo. Foi precisamente com o estabelecimento dessa homologia entre indivíduo e nação que se saltou da reflexão sobre a criação artística individual para a consideração da cultura popular como uma espécie de fonte da nacionalidade.41 41 Travassos, 1997, cap. 1 e, especialmente, pp. 157-158; Moraes, 1978.

A pressuposta inconsciência do povo garantiria a expressão do que há de mais fundamentalmente nacional, cabendo aos artistas - não aos artistas “populares”,mas aos artistas “cultos” ou “eruditos” - dar ao mundo aquela arte moderna e nacional por que o país ansiava. O fato de se originar de um suposto fundo vital da nação,do inconsciente do “indivíduo grande”, garantiria esse status de simultaneamente erudita e nacional a tal arte:

A inconsciência do povo forneceria a expressão imediata da entidade nacional, como o sub eu os impulsos líricos da poesia […]. Assim, a fórmula “lirismo + arte = poesia” teria correspondência em outra,válida para a nação: expressão instintiva do povo + trabalho consciente dos artistas = arte moderna nacional.42 42 Travassos, 1997, p. 158.

O COMPOSITOR E O FOLCLORISTA

Após essas duas digressões, voltemos ao ponto: diante de toda aquela importância dada ao elemento nacional - não somente em termos de uma ideia presente no pensamento da época como também da parte de Guerra-Peixe, especificamente -, causa surpresa a leitura de um trecho como o que se segue,escrito alguns meses antes da virada nacionalista, quando Guerra-Peixe discutia com Curt Lange a edição de seu primeiro Quarteto de cordas:

É verdade que possuo, depositada na Caixa Econômica, a quantia de dez mil cruzeiros (Cr$ 10.000,00). Mas com ele [sic] tenciono “desapertar-me” por estes próximos meses,se minha situação não mudar.De outra forma,tenciono juntar até ter o suficiente para empreender uma viagem,de seis ou oito meses, à Europa. Pois, sempre foi o meu “sonho dourado” ir àquele continente, e principalmente conhecer Paris. Tenho que fazer assim porque não tenho muito jeito para pedir uma bolsa.A impressão do Quarteto ficaria mais barata,sem dúvida.Vou pensar a respeito. 43 43 Carta de Guerra-Peixe a Curt Lange, Rio de Janeiro, 24 mar. 1947, Acervo Curt Lange, UFMG.

Conhecendo sua posterior euforia com o que encontrou no Recife, sabendo tudo que ele diria depois para justificar e valorizar sua virada estilística com base no que encontrou e aprendeu em suas pesquisas folclóricas,44 44 Ver, entre muitas outras, as seguintes cartas de Guerra-Peixe: a Curt Lange, Recife, 27 abr. 1950, Acervo Curt Lange, UFMG; a Mozart de Araújo, Recife, 6 fev. 1950, Acervo Sala Mozart de Araújo, CCBB-Rio de Janeiro; a Mozart de Araújo, Recife, 25 abr. 1950, Acervo Sala Mozart de Araújo, CCBB-Rio de Janeiro; a Mozart de Araújo, Recife, 8 mar. 1950, Acervo Sala Mozart de Araújo,CCBB-Rio de Janeiro. é no mínimo curioso ver que logo antes Guerra-Peixe dizia que sempre havia sido seu “sonho dourado” ir à Europa. Ora, pois então se antes a Europa lhe parecia um lugar interessante para estudar música, já que, como vimos, Guerra-Peixe tentou algumas bolsas de estudo para fora do país - no que Curt Lange era enfático em apoiá-lo, aliás45 45 Carta de Curt Lange a Guerra-Peixe, Montevidéu, 8 set. 1947, Acervo Curt Lange, UFMG. -, surge mais uma vez a pergunta: o que explica sua decisão de ir para o Recife, recusando inclusive aquele famoso convite de Hermann Scherchen para a rádio de Zurique ou a bolsa da Unesco oferecida por Renato Almeida?

Segundo o musicólogo Flávio Silva,Guerra-Peixe teria lhe dito que não aceitou a bolsa da Unesco por não querer estudar em Paris, mas que se fosse para pesquisar na África ele teria aceitado, e Silva continua:

Anos mais tarde, conversei com Luiz Heitor [Corrêa de Azevedo] sobre essa declaração de Guerra-Peixe, e dele ouvi que a bolsa da Unesco possibilitariaaGuerra-Peixefazeroquebementendesse,inclusivepesquisar na África. A recusa liminar do compositor não possibilitou esclarecimentos sobre a verdadeira natureza da bolsa da Unesco, que não era para estudos em Paris,ao contrário do que Guerra-Peixe acreditava.46 46 Silva, [s.d.].

Juntando tudo que foi discutido até agora, no entanto, a decisão de Guerra-Peixe se torna mais compreensível. Num cenário que ele via como saturado, repleto de compositores já estabelecidos e já posicionados, alguns pertencendo ao que ele chamava de “panelinha do Villa”, outros que lhe pareciam “vendidos” para os Estados Unidos,47 47 Ver carta de Guerra-Peixe a Curt Lange, Rio de Janeiro, 31 dez. 1948, Acervo Curt Lange, UFMG, ou a longa e doída carta a Mozart de Araújo, Recife, 26 maio 1950, Acervo Sala Mozart de Araújo, CCBB-Rio de Janeiro. outros simplesmente contra ele sem razão aparente, compreende-se melhor a importância dada por ele aos novos materiais com que trabalhar,algo que,como ele próprio havia dito,“fertilizaria” sua música. Para um compositor que já se considerava possuidor de um bom métier,48 48 Entrevista de Guerra-Peixe para a Funarte, 26 jun. 1984, transcrição cedida por Flávio Silva. talvez ir à Europa parecesse acrescentar pouco, o que ganha ainda mais força com a relativização da tradição de concerto para a qual uma perspectiva nacionalista potencialmente abre caminho.49 49 As mesmas considerações podem ser encontradas em Silva (s.d.). Àquela altura, ir estudar no exterior talvez até entrasse em contradição com a imagem de compositor folclorista e a abordagem da composição musical que ele vinha desenvolvendo - e alardeando -, pois esta tinha a pesquisa folclórica direta como base. A ressalva de que se fosse para pesquisar na África ele teria aceitado a bolsa só reforça o argumento, visto que aquele continente desempenha um papel fundamental na maioria das narrativas sobre a formação da cultura brasileira (e americana, em geral).50 50 Trata-se de uma ideia tão disseminada que é até difícil encontrá-la formulada explicitamente. Para uma discussão do ponto, ver, por exemplo, Napolitano (2007), Introdução e cap. 1.

Guerra-Peixe podia não ter muita certeza do que iria encontrar no Recife, mas sabia que provavelmente seria diferente da música com que trabalhava no Rio de Janeiro. Lembrando que ao partir para Pernambuco ele já oscilava em direção ao nacionalismo,51 51 Como numa das primeiras cartas enviadas da capital pernambucana, quando menciona que a esposa vinha pensando muito nas aulas de piano, no primogênito “e… (quem diria?) na música brasileira!…”, o que sugere que pelo menos o assunto já corria em suas conversas com a esposa, que não era musicista. Carta de Guerra-Peixe a Mozart de Araújo, Recife,20 dez.1949,Acervo Sala Mozart de Araújo, CCBB-Rio de Janeiro. uma viagem desse tipo, ainda mais para o Nordeste - lugar onde o imaginário da época depositava muito das “raízes da nacionalidade”52 52 Ver, por exemplo, Albuquerque Jr., 1999. -, poderia parecer bastante promissora. Por outro lado, na Europa ele provavelmente não encontraria muito mais que aquilo a que os outros compositores brasileiros aspiravam ou, em alguns casos, já possuíam. Levando-se em conta ainda todo o estímulo recebido de Mozart de Araújo, chamado de “catequizador musical e sentimen-al”53 53 Carta de Guerra-Peixe a Mozart de Araújo, [s.d.], Acervo Sala Mozart de Araújo, CCBB-Rio de Janeiro. por Guerra-Peixe, junto da proposta de trabalho que recebeu de uma rádio naquela cidade e outras oportunidades naquele meio musical,54 54 Carta de Guerra-Peixe a Curt Lange, Rio de Janeiro, 9 jul. 1949, Acervo Curt Lange, UFMG. a decisão começa a fazer sentido.

É importante compreender que uma coisa é Guerra-Peixe avaliar a própria técnica composicional num sentido geral e outra é falar na criação de um métier para a produção satisfatória (segundo seu ponto de vista,é claro) de música nacionalista.Aquilo de que ele se ressentia quando de sua “virada estilística” era uma forma de criar o que entendia por música brasileira - algo que ele diria ser um problema maior mesmo que o da música dodecafônica.55 55 Carta de Guerra-Peixe a Curt Lange,Recife,8 out.1951,Acervo Curt Lange, UFMG. Como foi assinalado, ao que parece, de técnica em sentido amplo ele não sentia falta. O métier que Guerra-Peixe afirmava faltar-lhe em suas primeiras tentativas de composição de uma música de concerto brasileira dependia dessa proficiência técnica prévia, mas não se esgotava nela.

AS LIMITAÇÕES DO MEIO MUSICAL BRASILEIRO

Como vimos, por um lado, Guerra-Peixe considerava seus conhecimentos de folclore brasileiro mais profundos que os de todos os seus pares. Por outro lado, confiança em sua própria técnica composicional também parecia não lhe faltar.56 56 De fato, ele chegaria a se dizer o compositor brasileiro com mais técnica desde Carlos Gomes, aproveitando para, implicitamente, diminuir Villa-Lobos, que na época era considerado o maior gênio da música brasileira.Entrevista de Guerra-Peixe para a Funarte, 26 jun.1984,transcrição cedida por Flávio Silva. Diante disso, mais importante que avaliar se ele tinha razão ou não é perceber que, do ponto de vista da construção da própria posição naquele cenário, esses dois fatores conjugados colocariam-no em situação bastante vantajosa perante os outros que se propunham criar música brasileira: como folclorista ele obtinha ricos e novos materiais que demandavam um compositor de técnica muito desenvolvida, liberto de “rotinas” e “estéreis cacoetes”, para serem trabalhados e gerarem obra à altura do que a “música brasileira” demandava.57 57 Para uma investigação do aproveitamento do “folclore” e do aparato técnico empregado nas obras de Guerra-Peixe, ver Barros (2013), principalmente o cap. 3. Ao mesmo tempo, nutridas pelas pesquisas do folclorista, essas obras davam testemunho da importância deste, que era então alçado a contribuinte-chave na cultura do país.58 58 A ideia de que os folcloristas tinham uma “missão” para com o país era extremamente difundida na época e já aparece no título do trabalho de Luís Rodolfo Vilhena (1997), referência fundamental para o estudo do tema.

Olhando por essa perspectiva,torna-se possível compreender a ligação de Guerra-Peixe com a música de concerto nas seguintes bases: a formação de sua “mentalidade” se deu voltada para essa tradição;era esse o local prioritário de sua atuação, da realização de seu potencial, e, mais que tudo, era aí que ele parecia se sentir de fato realizado artisticamente. Assim, ao menos entre sua “virada estilística” e o início dos anos 1960, ele produziu obras que mantinham algum “lastro” folclórico, o que o aproximava dos outros nacionalistas. Isso o levou a tentar abrir espaço para si por meio da afirmação de solidez técnica conjugada com o conhecimento do folclore, como vimos.

O ponto de chegada de toda essa discussão é que,ao fim e ao cabo, a decisão de Guerra-Peixe de mergulhar nas pesquisas folclóricas em vez de viajar para a Europa traz à tona o problema, recorrente em praticamente toda a bibliografia sobre nossa música de concerto, das limitações do meio musical brasileiro.59 59 Egg, 2004; 2010; Guérios, 2009; Wisnik, 1977. Repetidas vezes os autores que se debruçaram sobre o tema afirmaram a existência de uma série de deficiências em nosso meio cultural, o que teria raízes profundas em nossa história e que seria o principal responsável pelo fato de nossos compositores não serem vistos em pé de igualdade com as grandes figuras da época, como Stravinsky, Bartók, Schoenberg ou Debussy. Todas as falhas que a sobras brasileiras apresentassem seriam compreensíveis a partir desse problema de base,de formação mesmo, já que não teríamos uma vida de concertos organizada, uma crítica qualificada, instituições sólidas que garantissem a autonomia e a constância da produção, veiculação e recepção da sobras musicais nacionais e estrangeiras… Nesse sentido, a única solução para os compositores seria ir estudar fora do país de modo a compensar o que lhes faltava aqui.

Não é difícil perceber o determinismo e o eurocentrismo implícitos aí, o que nos leva a perguntar sobre o quanto essa explicação faria algum sentido. Ensaiar, porém, um argumento relativista em contraposição, tentando negar essas limitações, é combater somente parte do problema, permanecendo na mesma lógica de tomar a Europa como referência e, a partir dela, julgar se o Brasil conseguiu ou não alcançar o mesmo nível de realizações a despeito de qualquer possível diferença. Além disso, um antideterminismo que se possa acalentar por princípio não é suficiente para contrariar algo que aparece até no discurso daqueles que estavam envolvidos com música de concerto na época:

Não faz mal que você tenha mais de trinta anos. Explica ao prof. Collaer, em meu nome, que na América Latina, a evolução duma pessoa depende inteiramente do meio no qual atua e dos freios que esse mesmo meio opõe a uma evolução contemporânea. Por isso, […] que um jovem na Europa,com uns vinte anos,representa muitas vezes vantagens sobre os nossos aos trinta.60 60 Carta de Guerra-Peixe a Curt Lange, Rio de Janeiro, 20 maio 1947, Acervo Curt Lange, UFMG.

O trecho acima se encontra em uma carta na qual Curt Lange comenta com Guerra-Peixe sobre o envio da Sinfonia nº 1 deste para um concerto em Bruxelas em que se especificava que o compositor deveria ter menos de trinta anos de idade.Como se vê,por mais que se tratasse de uma justificativa a ser apresentada para garantir a execução da obra, Lange, que viveu e acompanhou de perto a vida de concertos tanto na Europa como na América Latina, parecia julgá-la uma justificativa plausível, aceitável entre os envolvidos.

Como já foi dito,para além da acusação de determinismo,pode-se criticar o eurocentrismo implícito nessa discussão,o que é reconhecível não somente pela maneira como seria essa música de concerto, mas também no próprio fato de se fazer esse tipo de música. No entanto, a ideia de limitação do meio brasileiro traz um eurocentrismo mais profundo do que simplesmente o fato de se traçar uma comparação entre os dois meios musicais. Tratar o meio musical europeu como a “régua” pela qual se medem os outros meios musicais significa muito mais que desejar ter aqui uma vida de concertos tão movimentada e escolas de música tão fortes quanto as que se encontravam lá.Olhando aquilo a que os envolvidos nessa problemática ao longo do século xx aspiravam concretamente, percebemos que se trata também de pressupor algo que poderia ser chamado,na falta de termo melhor,de uma formação erudita, musicalmente falando.

Aquilo a que se aspirava era via de regra o contato com as grandes obras do repertório - variando, quando muito, a lista das que mereceriam ser consideradas grandes, mas não propriamente o que se incluiria nesse repertório mais geral.Desde os tempos em que Leopoldo Miguez estava à frente do Instituto Nacional de Música, ou quando Villa-Lobos estava preocupado com as crianças que cantariam “canções brasileiras” em estádios durante o Estado Novo,sempre o que se buscou foi uma ampliação do contato com a dita alta cultura, ou seja, no que diz respeito à música, aquela chamada de erudita, artística ou clássica. No caso de nossos nacionalistas, como parte da preocupação com a ampliação da vida musical e por vezes do ensino de música no Brasil, houve, por exemplo, a tentativa de inclusão obrigatória da música de concerto brasileira nas programações musicais ao vivo e no rádio,aumentando o contato do público com essa forma específica de manifestação musical,61 61 França, [s.d.]. mas parece que não se considerou que, num país onde não havia tradição de concerto consolidada - ao menos não com a mesma pujança que na Europa -, a “música brasileira” talvez estivesse em outro lugar…

Neste ponto, a argumentação poderia tomar diversos caminhos. Um deles seria considerar que as aspirações de realização de uma música brasileira iriam se concretizar na chamada música popular urbana - um argumento exposto claramente no trabalho de Naves citado acima, embora não tenha sua origem ali. Outra possibilidade seria, mais uma vez olhando para onde o processo vai dar, observar uma espécie de falência do projeto nacionalista para a música de concerto brasileira, cujo principal sintoma seriam as experiências de figuras importantes identificadas com esse campo com estéticas que lhes seriam estranhas - Santoro envolvido com eletrônica na Alemanha e Guarnieri tentando a mão no atonalismo vêm à mente. Um terceiro caminho possível, porém, é levar em conta o fato de que Guerra-Peixe se manteve em boa medida fiel aos princípios que estabeleceu para si e olhar mais para como ele chegou a isso. Quando olhamos dessa perspectiva, o que aparece é que nem mesmo a música popular urbana - com a qual Guerra-Peixe tinha enorme intimidade - aparecia como o meio musical brasileiro. De certo modo, tratava-se menos de onde a música brasileira iria se realizar e mais de onde o compositor poderia encontrar um meio no qual imiscuir-se para alimentar sua produção.

Ao olhar para nosso modernismo, vemos como ali se propunha buscar supostas fontes para uma arte brasileira entre parcelas específicas da população do país - que no entanto recebiam a denominação genérica de “povo”. A questão é que a trajetória de Guerra-Peixe nos faz perceber que, quando ele desiste de ir para o exterior e passa a afirmar que aprendeu tanto nos conservatórios quanto com os “populares” que encontrou durante suas pesquisas, ele implicitamente passa a considerar que o “meio brasileiro” talvez não fosse a música de concerto - nacional ou internacional,não importa -,mas,sim,as tradições em que, de seu ponto de vista, o compositor deveria mergulhar para aprender música.Evidentemente,não se trata aqui do “meio” referente a temporadas de concertos, crítica especializada ou escolas de música, mas o meio no sentido daquele ambiente em que se experimenta uma vivência musical profunda. Afinal, em última análise era isso que os compositores brasileiros buscavam ao realizar seus estudos no Velho Mundo: a imersão numa vida musical pujante. Assim, Guerra-Peixe acaba por, talvez inadvertidamente, colocar em questão o próprio projeto nacionalista de criação de uma arte que se pudesse considerar brasileira, mas que era feita segundo uma lógica em boa medida europeia. Seria no que Guerra-Peixe considerava a cultura do “povo” que se encontraria o veio principal de onde brotaria uma tradição que,segundo o próprio ideário modernista,era de certo modo condição para o surgimento de uma escola nacional,aquilo que garantiria formação sólida aos compositores. Enquanto os outros nacionalistas se propuseram sair do país para compensar suas deficiências por meio de maior proximidade com os centros da tradição de concerto,Guerra-Peixe escolheu buscar outras tradições de que partir para realizar sua música, daí afirmações como “o compositor brasileiro vai a Berlim, Paris e não vai a Cascadura”.62 62 Faria; Barros; Serrão, 2007, p. 178.

Independentemente de concordarmos ou não com os próprios anseios pela criação de algo parecido com uma escola ou mesmo uma música nacional, é interessante ver como ideias desse tipo impulsionam um artista, ajudando a dar realização musical concreta a dimensões que, num primeiro momento, podem parecer bastante afastadas dos problemas composicionais específicos com que esse artista se batia. Surgem aqui alguns dos nexos em que se ligam, entre muitos outros elementos, a discussão sobre o que seria uma arte brasileira; o papel do artista na criação dessa arte e, por conseguinte, sua posição e sua “missão” em relação ao que ele poderia considerar sua nação; as relações entre artistas e com o público; ou o problema de uma linguagem moderna para a música brasileira.

É importante pensar,neste ponto,a posição de Guerra-Peixe como artista que abraçava muitos dos ideais modernistas e ao mesmo tempo buscava se ligar a uma série de outras tradições que se faziam presentes para ele no período em torno dos anos 1950. Já no fim dos anos 1940,ele se incomodava com a sensação de estar compondo para seus pares diretos, pois a música dodecafônica lhe parecia ser de difícil compreensão para o público.Para tentar remediar isso,ele experimentou formas de flexibilizar essa técnica de composição e “conciliá-la” com elementos que via como nacionais,63 63 Carta de Guerra-Peixe a Curt Lange, Rio de Janeiro, 2 jul. 1949, Acervo Curt Lange, UFMG. em busca do que chamava de “comunicabilidade”, terminando por abandonar o dodecafonismo em seguida e afirmar que tal conciliação era impossível.64 64 Sobre esse período de sua produção e questões daí advindas, ver Assis (2006).

Analogamente,o modernismo nas artes,em geral associado à ruptura com o passado,65 65 Aqui não falo especificamente do modernismo brasileiro, mas do constructo intelectual que nós, pesquisadores, usamos para fazer referência a uma série de artistas e grupos de artistas preocupados com o conjunto de ideias que vimos cercando nas páginas anteriores. Sobre isso, ver Gay (2008). pode ser também encarado em muitos casos como uma espécie de encontro (ou choque),ainda que implícito,entre tradições diferentes.Por vezes,romper com o passado significou romper com algumas das tradições a que se estava mais diretamente ligado,substituindo-as por outras,ou fazê-las conviver numa nova configuração de referenciais.Além disso,era comum recorrer a argumentos que justificariam ou tornariam inteligível tal conexão com essas novas tradições de modo a dar sustentação a essa arte.66 66 O argumento aparece desenvolvido com mais vagar, tirando daí uma série de consequências,em Barros (2014).

Assim, para finalmente juntar todas as pontas que foram puxadas acima, não é possível entender a música de Guerra-Peixe sem ter em mente as músicas que ele tinha em torno de si, observando as ligações que ele estabelecia entre tudo isso. Tendo iniciado sua vivência musical ainda criança em Petrópolis, ligado tanto à música popular urbana, em especial o choro, como à música de concerto, Guerra-Peixe ingressou na Escola de Música Santa Cecília ainda garoto, em sua cidade natal, e a partir daí, como vimos, seus estudos formais foram direcionados prioritariamente para a tradição de concerto ocidental,quando passou por uma série de fases como compositor até chegar ao ponto em que, preocupado em fazer aquela música brasileira tão almejada,concluiu que deveria trazer para dentro de suas obras elementos retirados do que ele considerava o “folclore” brasileiro, conjugando-o com aquilo que ele próprio já possuía de conhecimento da tradição ocidental de concerto.67 67 Sobre o tema, um artigo de Samuel Araújo (2010) aponta caminhos e oferece sugestões para estudos posteriores que consigam distribuir e conjugar mais equanimemente essas três tradições. Assim, esse movimento de aproximação entre sua música de concerto e o folclore significava simultaneamente um afastamento, ainda que parcial, da tradição principal da qual aquela forma de fazer música emanava.

Nesse aspecto, buscando encontrar tradições a que se submeter e sobre as quais trabalhar,Guerra-Peixe deixou uma descrição primorosa de seu trabalho investigativo, no qual as tradições ganham corpo e lugar na perspectiva que ele próprio queria dar para elas na história do Brasil e para o próprio Brasil:

Estou fazendo um ótimo trabalho com um Babalorixá que vem à minha casa. Ele me canta as melodias todas que conhece, com suas interpretações diferentes,com o ritmo que lhes acompanha e tudo isso dentro da ordem com que são cantadas no xangô. Ou seja, primeiro as melodias para um certo santo, depois para outro,seguindo a ordem hierárquica rigorosa da seita!!!!! Tudo vai muito bem.Porém,o difícil é registrar as tonalidades das pancadas nos instrumentos de percussão. Como poderei exemplificar numa orquestra??? Como poderei escrever de jeito que quem nunca ouviu um xangô tenha a impressão exata ou aproximada????

Outro aspecto: fiz o Babalorixá me ouvir ao piano, tocando alguns ritmos de xangô. Naturalmente tive que arranjar uma cor harmônica para a realização,assim como certas notas cantadas para substituírem as pancadas não fundamentais da percussão do xangô. Alguns desses ritmos o Babalorixá reconheceu logo, outros não, até que eu acertasse com o problema.Agora pergunto-lhe:Será suficiente e aconselhável a opinião de um desses homens de xangô? Nada sabem, mas conhecem bem a sua música e são guiados por uma sensação sonora mais aproximada da música deles, não acha??? Penso que quando um homem de xangô reconhecer sua música ou seu ritmo em qualquer trabalho,é porque esse trabalho se realizou bem, não acha??? Creio que sim, porque no caso de nada vale, a meu ver, a opinião dos maiores músicos, se eles não conhecem suficientemente o assunto a ser tratado. 68 68 Carta de Guerra-Peixe a Curt Lange, Recife, 16 out. 1950, Acervo Curt Lange, UFMG.

Como se vê aqui, da parte de Guerra-Peixe a relativização da tradição de concerto como detentora do conhecimento musical mais elevado podia por vezes ir bastante longe. Embora talvez exagerado, não é de todo descabido ver quase que prenúncios de dilemas etnometodólogicos aqui, na rejeição da “opinião dos maiores músicos” que “não conhecem suficientemente o assunto a ser tratado” em favor do ponto de vista dos “nativos”, que seriam “guiados por uma sensação sonora mais aproximada da música deles” próprios. Além disso, nessa busca de “cor harmônica” para realizar os ritmos,estabelecendo sons de altura definida que representassem pancadas na percussão cujo som não fosse o som fundamental de cada instrumento, vemos já um aspecto do mecanismo de transposição de uma tradição para outra praticado por ele,69 69 O assunto faz lembrar o famoso arranjo de “Aquarela do Brasil” escrito por Radamés Gnattali para a gravação de Francisco Alves lançada em 1939. A proposta talvez tenha dado mais frutos que o arranjo em si, pois pensar em “melodizar a percussão”, como fez Guerra-Peixe na Sonata nº 1 para piano,apesar de ser uma ideia que estava “no ar” na época, pode ser mais prenhe de possibilidades do que aquilo que vemos no arranjo de Radamés,não muito distante dos riffs das orquestras de jazz.Por outro lado, talvez justamente nesse contato inesperado com o jazz resida o interesse do arranjo de Radamés.Seja como for, o assunto mereceria uma discussão específica, algo que será preciso ser deixado para outro momento. com todas as complexidades que o tema apresenta.

Talvez seja nessa busca sempre reiterada de um lastro para sua própria música que se revela um aspecto mais profundo da produção de Guerra-Peixe - e provavelmente também de outros compositores do período que contribuíram para dar forma ao problema da criação de uma música nacional: por mais sentido que faça entender sua música como ocupando um lugar numa encruzilhada de tradições, talvez seja mais adequado pensar que sua música é que faz essas tradições se encontrarem. No fundo, essa música é que é uma encruzilhada de tradições,no exato momento em que composta,com tudo que o ato composicional tem não só de musical, mas também de discursivo, especulativo e mesmo interacional.Como Guerra-Peixe escreveu em 1952,

De minha parte eu já me sinto completamente livre das convenções e pronto para enfrentar os novos problemas da nova orientação [composicional].Só tem me falta do tempo até agora por causa das pesquisas,afim de aproveitar bem a minha estadia em Pernambuco.O frevo,o caboclinho,o maracatueapolcatêmencontradolugarnaminhaobra.EmSãoPauloestou disposto a lecionar. De um lado evitarei que muitos músicos de orquestras radiofônicas se percam no cosmopolitismo banal; de outro lado procurarei formar compositores transmitindo-lhes as minhas experiências de todos os tempos.Farei algo que preste? Veremos.70 70 Carta de Guerra-Peixe a Curt Lange,Recife,2 fev.1952,Acervo Curt Lange, UFMG.

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  • Mello e Souza, Gilda. O tupi e o alaúde:uma interpretação de Macunaíma. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2003.
  • Messing, Scott. Neoclassicism in Music. Rochester: University of Rochester Press, 1996.
  • Miranda, Haroldo. “Guerra Peixe, sua vida e sua música: ‘A projeção de autores nacionais no estrangeiro não deve servir de engano para nós’”. Jornal do Commercio, Recife, 9 jul. 1950a.
  • _____. “Guerra Peixe, sua vida e sua música: É dolorosa a condição do músico nacional e do ambiente artístico da América Latina”. Jornal do Commercio, Recife, 16 jul. 1950b.
  • Moraes, Eduardo. A brasilidade modernista. Rio de Janeiro: Graal, 1978.
  • Napolitano, Marcos. A síncope das ideias. São Paulo: Perseu Abramo, 2007.
  • Naves, Santuza. O violão azul. Rio de Janeiro: FGV, 1998.
  • Neves, José Maria. Música contemporânea brasileira. São Paulo: Ricordi, 1981.
  • Piston, Walter. Harmony. Nova York: Norton, 1987.
  • Silva, Flávio. Viajar ou não viajar ao exterior? (texto manuscrito cedido pelo autor), [s.d.].
  • Travassos, Elizabeth. Os mandarins milagrosos. Rio de Janeiro: Funarte, 1997.
  • Vilhena, Luís Rodolfo. Projeto e missão:o movimento folclórico brasileiro. Rio de Janeiro: Funarte; FGV, 1997.
  • Wisnik, José Miguel. O coro dos contrários:a música em torno da Semana de 22. São Paulo: Duas Cidades, 1977.
  • 1
    Em 1949, Guerra-Peixe recebeu um convite para trabalhar na Rádio Jornal do Commercio, do Recife, permanecendo na cidade por três anos. Regressou, então, ao Rio de Janeiro, indo em seguida para São Paulo,onde foi trabalhar na Rádio Nacional daquela cidade e na ascendente indústria cinematográfica.
  • 2
    Guerra-Peixe; Tavares, 1951Guerra-Peixe, César. “Entrevista a Claudio Tavares”. Suplemento do Diário de Notícias, Salvador, 7 maio 1951a..
  • 3
    Barros, 2013Barros, Frederico. César Guerra-Peixe: a modernidade em busca de uma tradição. Tese (Doutorado em Sociologia).São Paulo: FFLCH-USP, 2013., caps. 2 e 3.
  • 4
    Sobre o lugar ocupado pelo Música Nova nesse debate, ver Kater (2001Kater, Carlos. Música Viva e H.J.Koellreutter:movimentos em direção à modernidade. São Paulo: Musa, 2001., p. 350 ss.; p. 131, nota 137).
  • 5
    Kater, 2001, p. 165 ss.
  • 6
    Kater, 2001, seções III e IV.
  • 7
    Neves, 1981Neves, José Maria. Música contemporânea brasileira. São Paulo: Ricordi, 1981., p. 124.
  • 8
    Kater, 2001, p. 127, nota 134.
  • 9
    Não somente Mário de Andrade é sabidamente referência importante para Guerra-Peixe e Guarnieri, por exemplo, como a mesma ideia apresentada aqui pode ser também encontrada em Kater (2001, p. 132).
  • 10
    Uma argumentação na mesma linha, porém consideravelmente mais detalhada, pode ser encontrada em Barros (2013______. “Estudar a música modernista”. El Oído Pensante, v. 2, n. 2, 2014. Disponível em: http://ppct.caicyt.gov.ar/index.php/oidopensante. Acesso em: 30 jan. 2017.
    http://ppct.caicyt.gov.ar/index.php/oido...
    , caps. 1 e 3).
  • 11
    Ver Wisnik, 1977Wisnik, José Miguel. O coro dos contrários:a música em torno da Semana de 22. São Paulo: Duas Cidades, 1977.; Naves, 1998Naves, Santuza. O violão azul. Rio de Janeiro: FGV, 1998.; Travassos, 1997Travassos, Elizabeth. Os mandarins milagrosos. Rio de Janeiro: Funarte, 1997.; Lafetá, 2000Lafetá, João Luiz. 1930:a crítica e o Modernismo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000..
  • 12
    Por questão de rigor histórico, gostaria de chamar a atenção para o fato de que “música de concerto” não figura aqui como categoria nativa, mas, sim, como o termo que está sendo utilizado neste texto para designar a música produzida no contexto do que ficou conhecido como “prática comum” (Piston, 1987Piston, Walter. Harmony. Nova York: Norton, 1987.) e que segue pelos séculos XX e XXI, sendo apresentada prioritariamente na sala de concertos ou pensada nessas bases, ainda que por vezes composta com outros espaços em vista.
  • 13
    Não há como entrar aqui, no espaço deste texto, no clássico debate a respeito das dimensões externa e interna. Limito-me, portanto, a indicar os trabalhos de Hennion (2007Hennion, Antoine. La Passion musicale. Paris: Métailié, 2007.) e DeNora (2003DeNora, Tia. After Adorno:Rethinking Music Sociology. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.), em que, a despeito das diferenças de ênfase, se pode encontrar um tratamento bastante satisfatório do problema.
  • 14
    Guerra-Peixe, 1971_____. “O dodecafonismo no Brasil I”. O Jornal, Rio de Janeiro, 2 set. 1951b..
  • 15
    Após uma fase inicial mais “integradora” em relação à música que se fazia no país, durante os anos 1940 o Música Viva se tornou o principal foco de música de vanguarda no Brasil, tendo o dodecafonismo quase como um ícone estético. Liderado por Koellreutter, era integrado por Eunice Katunda, Edino Krieger, Guerra-Peixe e Claudio Santoro, entre outros. Ver Kater, 2001.
  • 16
    Guerra-Peixe, 1951a_____. “O dodecafonismo obriga o compositor a limitar-se”. Diário de Pernambuco, Recife, 26 nov. 1952.; 1951b_____. “Entrevista”. Gazeta de Todas as Artes, Lisboa, ano IX, 2ª série, n. 93, dez. 1958..
  • 17
    Carta de Guerra-Peixe a Mozart de Araújo,Recife,19 jun.1950,Acervo Sala Mozart de Araújo, CCBB-Rio de Janeiro.
  • 18
    Egg, 2004Egg, André. O debate no campo do nacionalismo musical no Brasil dos anos 1940 e 1950:o compositor Guerra-Peixe. Dissertação (Mestrado em História). Curitiba: Dehis-UFPR, 2004., p. 44.
  • 19
    Carta de Guerra-Peixe a Mozart de Araújo,Recife,31 ago.1950,Acervo Sala Mozart de Araújo, CCBB-Rio de Janeiro.
  • 20
    Messing, 1996Messing, Scott. Neoclassicism in Music. Rochester: University of Rochester Press, 1996..
  • 21
    Barros, 2013; Egg, 2010_____. Fazer-se compositor: Camargo Guarnieri 1923-1945. Tese (Doutorado em Ciências). São Paulo: FFLCH-USP, 2010..
  • 22
    Dahlhaus, 1997Dahlhaus, Carl. Schoenberg and the New Music. Cambridge; Nova York: Cambridge University Press, 1997., p. 24; Adorno, 2006Adorno, Theodor. Philosophy of New Music. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2006.. Sobre como isso se deu na música de Guerra-Peixe, ver Barros (2013, cap. 3).
  • 23
    Carta de Guerra-Peixe a Curt Lange, Rio de Janeiro, 2 jul. 1949, Acervo Curt Lange, UFMG.
  • 24
    O ponto remete diretamente à questão da comunicabilidade, que precisarei renunciar a tratar aqui,mas que estava associada à dificuldade de compreensão da música dodecafônica naquele contexto. Para uma discussão do assunto, ver Assis (2006Assis, Ana Cláudia.Os doze sons e a cor nacional:conciliações estéticas e culturais na produção musical de César Guerra-Peixe (1944-1954). Tese (Doutorado em História).Belo Horizonte: Fafich-UFMG, 2006.) e Barros (2013, cap. 1).
  • 25
    Guerra-Peixe, 1958_____. “A formação do compositor contemporâneo”.O Globo, Rio de Janeiro, 28 set. 1965..
  • 26
    Entrevista de Guerra-Peixe a Ronaldo Miranda e Tião Vianna,1993, transcrição cedida por Flávio Silva.
  • 27
    Carta de Guerra-Peixe a Curt Lange, Recife, 12 mar. 1950, Acervo Curt Lange, UFMG.
  • 28
    Miranda, 1950bMiranda, Haroldo. “Guerra Peixe, sua vida e sua música: ‘A projeção de autores nacionais no estrangeiro não deve servir de engano para nós’”. Jornal do Commercio, Recife, 9 jul. 1950a.; Guerra-Peixe, 1952_____.“Principais traços evolutivos da produção musical”.Projeto Guerra-Peixe.Catálogo de Obras,1971.Disponível em: www.guerrapeixe.com/texto01.html. Acesso em: 10 jun. 2016.
    www.guerrapeixe.com/texto01.html...
    .
  • 29
    Miranda, 1950a_____. “Guerra Peixe, sua vida e sua música: É dolorosa a condição do músico nacional e do ambiente artístico da América Latina”. Jornal do Commercio, Recife, 16 jul. 1950b..
  • 30
    Guerra-Peixe, 1965Guerra-Peixe, César; Tavares, Cláudio.“Problemas da música brasileira”. Diário de Notícias, Salvador,14 maio 1951.. Ascendino Theodoro Nogueira foi um compositor paulista, nascido em 1913. Foi aluno de Camargo Guarnieri e o principal responsável pela presença, infelizmente ainda pequena, da viola caipira na música de concerto brasileira.
  • 31
    Faria; Barros; Serrão, 2007Faria, Antônio; Barros, Luitgarde; Serrão, Ruth. Guerra-Peixe:um músico brasileiro. Rio de Janeiro: Lumiar, 2007., pp. 234-235.
  • 32
    Faria; Barros; Serrão, 2007, p. 140 ss.
  • 33
    Barros, 2013, cap. 1.
  • 34
    Carta de Guerra-Peixe a Curt Lange, Rio de Janeiro, 30 mar. 1948, Acervo Curt Lange, UFMG; carta de Guerra-Peixe a Curt Lange, Rio de Janeiro, 17 out. 1947, Acervo Curt Lange, UFMG.
  • 35
    Carta de Guerra-Peixe a Curt Lange, Rio de Janeiro, 26 ago. 1947, Acervo Curt Lange, UFMG; carta de Guerra-Peixe a Curt Lange, Rio de Janeiro, 2 set. 1947, Acervo Curt Lange, UFMG.
  • 36
    Hermann Scherchen foi um dos principais regentes do período a trabalhar com a chamada “Música Nova”. Ligado a Koellreutter, foi uma referência importante para o Música Viva e apresentou algumas peças de Guerra-Peixe na Europa, além de convidá-lo para residir naquele continente e atuar como seu assistente. Sobre Scherchen, ver Kater (2001, p. 42 ss).
  • 37
    Carta de Renato Almeida a Luiz Heitor Corrêa de Azevedo, 1 fev. 1954, apud Silva, [s.d.]Silva, Flávio. Viajar ou não viajar ao exterior? (texto manuscrito cedido pelo autor), [s.d.]..
  • 38
    Born; Hesmondhalgh, 2000Born, Georgina; Hesmondhalgh, David (Orgs.). Western Music and Its Others. Berkeley: University of California Press, 2000., Introdução. Sobre os três níveis de cultura e a ideia mais geral em pauta aqui,ver Burke,2009Burke, Peter. Popular Culture in Early Modern Europe. Nova York: Harper Torchbooks, 2009.;Ginzburg,1987Ginzburg, Carlo. O queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 1987..
  • 39
    Para uma discussão sobre o ponto, ver Naves (1998, p. 17 ss). Ver também o conceito de “nivelamento estético” em Mello e Souza (2003Mello e Souza, Gilda. O tupi e o alaúde:uma interpretação de Macunaíma. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2003.).
  • 40
    Travassos, 1997, p. 29 ss.
  • 41
    Travassos, 1997, cap. 1 e, especialmente, pp. 157-158; Moraes, 1978Moraes, Eduardo. A brasilidade modernista. Rio de Janeiro: Graal, 1978..
  • 42
    Travassos, 1997, p. 158.
  • 43
    Carta de Guerra-Peixe a Curt Lange, Rio de Janeiro, 24 mar. 1947, Acervo Curt Lange, UFMG.
  • 44
    Ver, entre muitas outras, as seguintes cartas de Guerra-Peixe: a Curt Lange, Recife, 27 abr. 1950, Acervo Curt Lange, UFMG; a Mozart de Araújo, Recife, 6 fev. 1950, Acervo Sala Mozart de Araújo, CCBB-Rio de Janeiro; a Mozart de Araújo, Recife, 25 abr. 1950, Acervo Sala Mozart de Araújo, CCBB-Rio de Janeiro; a Mozart de Araújo, Recife, 8 mar. 1950, Acervo Sala Mozart de Araújo,CCBB-Rio de Janeiro.
  • 45
    Carta de Curt Lange a Guerra-Peixe, Montevidéu, 8 set. 1947, Acervo Curt Lange, UFMG.
  • 46
    Silva, [s.d.].
  • 47
    Ver carta de Guerra-Peixe a Curt Lange, Rio de Janeiro, 31 dez. 1948, Acervo Curt Lange, UFMG, ou a longa e doída carta a Mozart de Araújo, Recife, 26 maio 1950, Acervo Sala Mozart de Araújo, CCBB-Rio de Janeiro.
  • 48
    Entrevista de Guerra-Peixe para a Funarte, 26 jun. 1984, transcrição cedida por Flávio Silva.
  • 49
    As mesmas considerações podem ser encontradas em Silva (s.d.).
  • 50
    Trata-se de uma ideia tão disseminada que é até difícil encontrá-la formulada explicitamente. Para uma discussão do ponto, ver, por exemplo, Napolitano (2007Napolitano, Marcos. A síncope das ideias. São Paulo: Perseu Abramo, 2007.), Introdução e cap. 1.
  • 51
    Como numa das primeiras cartas enviadas da capital pernambucana, quando menciona que a esposa vinha pensando muito nas aulas de piano, no primogênito “e… (quem diria?) na música brasileira!…”, o que sugere que pelo menos o assunto já corria em suas conversas com a esposa, que não era musicista. Carta de Guerra-Peixe a Mozart de Araújo, Recife,20 dez.1949,Acervo Sala Mozart de Araújo, CCBB-Rio de Janeiro.
  • 52
    Ver, por exemplo, Albuquerque Jr., 1999Albuquerque Jr., Durval. A invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez, 1999..
  • 53
    Carta de Guerra-Peixe a Mozart de Araújo, [s.d.], Acervo Sala Mozart de Araújo, CCBB-Rio de Janeiro.
  • 54
    Carta de Guerra-Peixe a Curt Lange, Rio de Janeiro, 9 jul. 1949, Acervo Curt Lange, UFMG.
  • 55
    Carta de Guerra-Peixe a Curt Lange,Recife,8 out.1951,Acervo Curt Lange, UFMG.
  • 56
    De fato, ele chegaria a se dizer o compositor brasileiro com mais técnica desde Carlos Gomes, aproveitando para, implicitamente, diminuir Villa-Lobos, que na época era considerado o maior gênio da música brasileira.Entrevista de Guerra-Peixe para a Funarte, 26 jun.1984,transcrição cedida por Flávio Silva.
  • 57
    Para uma investigação do aproveitamento do “folclore” e do aparato técnico empregado nas obras de Guerra-Peixe, ver Barros (2013), principalmente o cap. 3.
  • 58
    A ideia de que os folcloristas tinham uma “missão” para com o país era extremamente difundida na época e já aparece no título do trabalho de Luís Rodolfo Vilhena (1997Vilhena, Luís Rodolfo. Projeto e missão:o movimento folclórico brasileiro. Rio de Janeiro: Funarte; FGV, 1997.), referência fundamental para o estudo do tema.
  • 59
    Egg, 2004; 2010; Guérios, 2009Guérios, Paulo. Heitor Villa-Lobos:o caminho sinuoso da predestinação. Curitiba: Parabolé, 2009.; Wisnik, 1977.
  • 60
    Carta de Guerra-Peixe a Curt Lange, Rio de Janeiro, 20 maio 1947, Acervo Curt Lange, UFMG.
  • 61
    França, [s.d.]França, Eurico. “Fundada, no Rio, a seção brasileira da Sociedade Internacional de Música Contemporânea”. Coleção Guerra-Peixe - Divisão de Música da Biblioteca Nacional, [s.d.]..
  • 62
    Faria; Barros; Serrão, 2007, p. 178.
  • 63
    Carta de Guerra-Peixe a Curt Lange, Rio de Janeiro, 2 jul. 1949, Acervo Curt Lange, UFMG.
  • 64
    Sobre esse período de sua produção e questões daí advindas, ver Assis (2006).
  • 65
    Aqui não falo especificamente do modernismo brasileiro, mas do constructo intelectual que nós, pesquisadores, usamos para fazer referência a uma série de artistas e grupos de artistas preocupados com o conjunto de ideias que vimos cercando nas páginas anteriores. Sobre isso, ver Gay (2008Gay, Peter. Modernism:The Lure of Heresy. Nova York: W. W. Norton & Company, 2008.).
  • 66
    O argumento aparece desenvolvido com mais vagar, tirando daí uma série de consequências,em Barros (2014).
  • 67
    Sobre o tema, um artigo de Samuel Araújo (2010Araújo, Samuel.“Movimentos musicais:Guerra-Peixe para ouvir,dançar e pensar”. Revista USP,n.87,pp.98-109, set./nov. 2010.) aponta caminhos e oferece sugestões para estudos posteriores que consigam distribuir e conjugar mais equanimemente essas três tradições.
  • 68
    Carta de Guerra-Peixe a Curt Lange, Recife, 16 out. 1950, Acervo Curt Lange, UFMG.
  • 69
    O assunto faz lembrar o famoso arranjo de “Aquarela do Brasil” escrito por Radamés Gnattali para a gravação de Francisco Alves lançada em 1939. A proposta talvez tenha dado mais frutos que o arranjo em si, pois pensar em “melodizar a percussão”, como fez Guerra-Peixe na Sonata nº 1 para piano,apesar de ser uma ideia que estava “no ar” na época, pode ser mais prenhe de possibilidades do que aquilo que vemos no arranjo de Radamés,não muito distante dos riffs das orquestras de jazz.Por outro lado, talvez justamente nesse contato inesperado com o jazz resida o interesse do arranjo de Radamés.Seja como for, o assunto mereceria uma discussão específica, algo que será preciso ser deixado para outro momento.
  • 70
    Carta de Guerra-Peixe a Curt Lange,Recife,2 fev.1952,Acervo Curt Lange, UFMG.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2017

Histórico

  • Recebido
    13 Nov 2015
  • Aceito
    12 Dez 2016
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