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A ANTROPOLOGIA QUE FLORESTAN ESQUECEU

The Anthropology that Florestan has Forgotten

RESUMO

Este artigo pretende refletir sobre algumas relações que (não) ocorreram entre Florestan Fernandes e Claude Lévi-Strauss. Para tanto, parte-se da já conhecida trajetória de abandono de Florestan em relação aos seus estudos de etnologia, tentando se perguntar por que tal fato teria ocorrido. Uma das hipóteses é que Florestan teria chegado muito perto da teoria da aliança em A função social da guerra na sociedade tupinambá , mas alguns motivos obliterados em sua leitura de Lévi-Strauss o teriam conduzido a um recuo para uma teoria funcionalista algo já desgastada para explicar a guerra indígena.

Florestan Fernandes; Tupinambá; etnologia; parentesco; guerra; Claude Lévi-Strauss

ABSTRACT

This article intends to reflect on some relationships that (not) occurred between Florestan Fernandes and Claude Lévi-Strauss. To do this, we start with the well-known aban-donment of Florestan in relation to his studies on ethnology, trying to ask why such a fact would have occurred. One of the hypotheses is that Florestan would have come very close to the theory of the alliance in his A função social da guerra na sociedade Tupinambá , but that for some reasons obliterated in his reading of Lévi-Strauss led to a return to a function-alist theory already worn out to explain the indigenous war.

Florestan Fernandes; Tupinambá; ethnology; kinship; war; Claude Lévi-Strauss

O título deste artigo volta a um texto de Mariza Peirano, da década de 1980, intitulado “A antropologia esquecida de Florestan Fernandes” 1 1 Gostaria de agradecer Aline Iubel, Geraldo Andrello, Clarice Cohn e Luiz Henrique de Toledo, além dos pareceristas de Novos Estudos pelos comentários. . O texto dela mostra de forma muito lúcida, apontando várias circunstâncias acadêmicas, como os tupinambá, objeto da fase de formação de Florestan, estiveram prensados entre aqueles que viam nessas obras ora exemplares da “fase funcionalista da sua sociologia”, 2 2 Peirano, 1984 , p. 33. É preciso certa cautela em relação ao tipo de funcionalismo a que Florestan se refere. Para se ter uma noção precisa, ver a “orientação metodológica” que ele próprio escreveu em A função social da guerra na sociedade tupinambá ( 1970 , pp.14-17, especialmente a nota 3, à p. 14). ora exemplares de uma antropologia descompromissada com o entendimento dos processos de formação do Brasil, como apontava Darcy Ribeiro. 3 3 Entrevista citada em Peirano ( 1981 , p. 56). Além disso, os textos sobre os tupinambá poderiam ser descritos também como exemplares de uma “antropologia clássica”, termo também cunhado por Peirano e depois usado como um divisor do campo da etnologia por Eduardo Viveiros de Castro em um artigo sobre etnologia brasileira. 4 4 Viveiros de Castro, 1999 . Aliás, a referência a Viveiros de Castro aqui não vem à toa: Araweté: os deuses canibais ( 1986 ), fruto de sua tese de doutorado, foi uma das poucas obras em que um etnólogo se dedicou a conversar com o material de Florestan (isso mais de trinta anos depois da publicação de A função social da guerra na sociedade tupinambá. Soma-se a esse livro o artigo, publicado um ano antes por ele mesmo e Manuela Carneiro da Cunha ( Carneiro da Cunha; Viveiros de Castro, 1985 ). Para discussões mais recentes, ver Sztutman ( 2012) . Voltarei a essas referências adiante.

Peirano mostra como estar entre esses dois planos—monografia etnológica e/ou um tratado sobre o método funcionalista—, sem no entanto estar cem por cento identificado a um só, deixou o “Florestan antropólogo” de certa forma no limbo, por um bom tempo. No entanto, os méritos das obras sobre os tupinambá são quase que autoevidentes e amplamente reconhecidos. Se de fato são obras-primas funcionalistas, publicadas justamente no auge (ou então, no começo da queda, como tentarei argumentar adiante) do funcionalismo africanista replicado pela teoria da descendência (fins da década de 1940 ao começo de 1950), 5 5 Dumont, 1997 . é de se estranhar por que não gerou maiores interesses para sua tradução e debate direto com o que se fazia em inglês. Ao mesmo tempo, como sabemos, não houve continuidade imediata de seu legado, nem realizada pelo próprio Florestan nem por algum etnólogo que por aqui realizava sua formação na época. 6 6 Florestan ainda publicou alguns artigos sobre etnologia nas décadas de 1940 e 1960, reunidos em um livro ( Fernandes, 1975 ), embora essa produção seja tímida, em extensão e repercussão, se comparada à sua obra “sociológica”. Também orientou a tese de Roque Barros Laraia ( 1972 ), sendo substituído na defesa por Luiz Pereira em função de sua cassação como professor da USP pelo regime militar. As razões para a formação do campo da antropologia e das ciências sociais no Brasil, explicando os constrangimentos e as oportunidades que levaram o tal tipo de “abordagem clássica” ao ocaso pelos trinta anos que sucederam A função social da guerra na sociedade tupinambá , 7 7 Usarei “Função” para se referir a esta obra original de 1952 (uso a edição de 1970), e “Organização” para A organização social dos tupinambá (edição de 1989, fac-símile da de 1949). já são bem conhecidas e de certa maneira explicadas em retomadas sobre a formação do campo das ciências sociais e da etnologia no Brasil. 8 8 Para tal constatação sobre Florestan, ver especialmente Peirano ( 1981 , cap. 3), Pontes ( 1996 , p. 303), Viveiros de Castro (1999, pp. 110-122), Miceli (2001, especialmente os capítulos de Fernando Limongi e Fernanda Peixoto) e Garcia ( 2002 , pp. 121-131).

De outro lado, a tese de Peirano 9 9 Peirano, 1981 . nos traz razões bastante convincentes de por que os tupinambá não decolaram no Brasil. Dentre outros motivos, assinalados também através de uma série de entrevistas que ela realizou (com destaque ao próprio Florestan, a Darcy Ribeiro e a Antonio Candido), estariam sobretudo o conteúdo tangencial do tema em relação aos “problemas nacionais” aliado a uma escolha teórica muito pautada por um enquadramento francês, 10 10 Peirano, 1981 , pp. 55 e ss. baseado sobretudo em Mauss. Não seria à toa que o próprio Florestan teria subtraído esses dois pontos mais à frente na sua carreira: sobrou, dos tupinambá, o método funcionalista, para o qual ele teria reconhecimento, ainda na juventude, lá fora. 11 11 Ver Merton, 1957 , p. 138. Esse “ponto metodológico”, inclusive, apareceu em publicações posteriores, como em A investigação etnológica no Brasil ( Fernandes, 1975 ). No entanto, gostaria de agregar aqui um outro fator: teria Florestan condições de avançar sobre a teoria maussiana e já na Função apostar numa abordagem que rivalizaria com o estrutural-funcionalismo britânico?

Somando-se a isso, podemos ainda jogar outra pergunta: o que faltou, ou então, pelo contrário, excedeu para que os livros sobre os tupinambá não tivessem assumido a estatura de um clássico em etnologia “mundial”? Não tenho condições de aqui apontar as razões institucionais e relativas à sociologia do “campo internacional” para tratar dessa questão. No entanto, quero sugerir algumas pistas para se pensar por que o próprio Florestan se desviou posteriormente dos tupinambá, para além da célebre (mas vaga) resposta dada à Mariza Peirano de que “clássicos não vendem”. Digo isso porque algo me surpreendeu numa visita ao acervo de Florestan que está guardado na biblioteca da Universidade Federal de São Carlos: seu conhecimento, leitura, porém quase total obliteração do que então escrevia o jovem Lévi-Strauss à época, sobretudo de As estruturas elementares do parentesco , edição francesa de 1949. Como se sabe, Lévi-Strauss passou alguns anos antes pela Universidade de São Paulo, 12 12 Ele foi professor na USP de 1935 a 1938, e Florestan ingressou na FFCL/USP em 1941. e sua influência foi notada mais em Antonio Candido e Gilda de Mello e Souza, mas não em Florestan. 13 13 Cardoso, 2006 , p. 69; Jackson, 2002, p. 51. Sobre certas diferenças entre Florestan e Antonio Candido, ver Garcia ( 2002 , p. 86 e ss.) e Jackson ( 2002 , cap. 2). Se procedermos a uma releitura dos livros sobre os tupinambá com a imagem do então nascente estruturalismo fazendo fundo a Florestan, podemos começar a tatear por que, tendo os dados tupinambá à mão, ele procedeu a certas escolhas que levaram a certos lugares-comuns do funcionalismo britânico e negligenciou elementos que poderiam ter feito ele alçar voos para outras fronteiras. Sem pretender estabelecer uma conexão direta, ao ver pontos em cruzamento com os elementos “praticamente estruturalistas” que estão em várias passagens da Função , surge um “ar de familiaridade” com algo que Dumont disse a respeito de Evans-Pritchard no prefácio da edição francesa dos Nuer: que, sem sabê-lo, o antropólogo bretão (que, por sinal, agrega características teóricas semelhantes às escolhidas por Florestan) enunciava naquele livro os princípios básicos de uma análise estruturalista, pelo seu forte espírito sistemático. 14 14 Dumont, 1994 , pp. IX-X. Em outra ocasião, Dumont ( 1997 ) também sugere, entre outros pontos, que Lévi-Strauss não teria levado, em As estruturas elementares do parentesco, o “método de relações” às últimas consequências, permanecendo assim com um resíduo “classista”. De certo modo, como veremos, o material tupinambá analisado por Florestan justamente suscitou teorias que apostam no “método das relações” para a realidade ameríndia, como por exemplo na ideia do “dravidianato amazônico” ( Viveiros de Castro, 1993 ). Esse é um ponto, como veremos, que pode ser também lembrado na arquitetura de certos argumentos de Florestan, especialmente no seu enfoque daquilo que bem poderia ser chamado de uma “teoria positiva” da guerra.

AS LEMBRANÇAS DE FLORESTAN

Começo então com a seguinte pergunta: qual seria a dimensão da antropologia de Florestan? Começando com a Função , todos sabem que se trata de um livro gigante, não só em tamanho e quantidade de trabalho embutido; também o é porque se trata de uma aula de como fazer uma tese, como organizar um material, como extrair o máximo das fontes e da bibliografia, como apontar um caminho que mostra o tempo inteiro por que se está fazendo uma curva ou indo reto, por que se toma uma vicinal ou se segue na via principal, por que se vai e volta numa mesma paisagem. Além disso, tenho a impressão de que esse é um livro que saiu inteiramente das garras do autor—não era fruto de uma pesquisa preparada por outrem, exceto por ele mesmo anteriormente na Organização , sua dissertação de mestrado publicada em 1949—, portanto em certa medida foi fruto de um trabalho em parte solitário (diferente daquele que de praxe se ouve em agradecimentos de tese, que dizem que um trabalho foi solitário, mas muita gente participou dele…). 15 15 Sua incursão inicial aos tupinambá, na Organização, foi fruto em grande parte do estímulo dado por Herbert Baldus, então professor na Escola Livre de Sociologia e Política, onde Florestan havia ingressado para o mestrado em 1945. A partir de um trabalho de curso, Baldus o estimula a aprofundar suas pesquisas sobre os tupinambá, colocando como estímulo o fato de que a posição de Alfred Métraux (a autoridade etnológica de então no assunto) de que era impossível reconstituir a organização social desses índios, poderia, enfim, estar errada. Métraux, assim, parecia ser o alvo que estimulou o vetor etnológico de Florestan ( Fernandes, 1995 , p. 10). Note-se que nessa época ele já tinha publicado um prefácio à Contribuição à crítica da economia política de Marx, artigos sobre educação e, principalmente, sobre folclore em São Paulo, portanto tateava sua entrada sociológica em alguns sentidos. Aliás, mais do que isso: antes de Florestan, havia um material fragmentado, e ele mostrou de forma inédita como juntar em um esforço heroico textos dispersos de 36 cronistas, sistematizando os dados em 126 tópicos sobre organização social e 92 tópicos sobre o tema da guerra. 16 16 Peirano, 1984 , p. 20.

Mas então por que da constatação do próprio Florestan que diz que “clássicos no Brasil não vendem”? Afinal, essa constatação é ambígua. Se não teve recepção, como poderia ser um clássico ? Há vários problemas com essa frase, mas ela enuncia que de fato Florestan não desprezava sua obra (ao fim deste artigo, recordaremos uma citação que diz justamente o contrário). Assim, o próprio Florestan relativizou seu papel “menor”. No entanto, parece-me que mal terminada sua tarefa com os tupinambá, Florestan assumiu a ferro e fogo a tarefa de organizar uma grande agenda de interpretação do Brasil—elemento que parece ter se constituído numa tarefa maior para as ciências sociais brasileiras, e de fato não tenho certeza se o próprio Florestan não foi uma das usinas que abasteceram essa tendência repetitiva. É possível, assim, que ele próprio tenha contribuído para sua antropologia ter permanecido “esquecida” por um tempo. Como se sabe, ele menciona que seu maior intento com essas obras—e a Função , particularmente—era “provar que poderia ser feito um estudo aqui de igual para igual com o que se fazia na Europa, na época”. Essa era obviamente a ideia de um pesquisador em se afirmar teoricamente, como ele mesmo diz, “ao nível de Parsons e Merton”, 17 17 Peirano, 1984 , p. 18. mas que só serviria para sua legitimação no meio universitário.

Os tupinambá assumem assim características de um objeto recortado ao modo de outras antropologias, especialmente a britânica; isolado indutivamente para depois ser colocado em uma perspectiva comparativa mais abrangente (voltarei a isso, pois esse é o tema que particularmente me interessou: a perspectiva tupinambá para uma teoria da guerra). Nesse sentido, os tupinambá teriam em princípio um escopo semelhante a Trobriand, nuer etc., o que não é pouco (e, só para lembrar, a Organização analisa espaço, parentesco e política tupinambá: o esquema coincide assim com Os nuer… ) 18 18 Ver, nesse sentido, Viveiros de Castro, 1986 , pp. 86-87). .

Deste modo, fica um ponto para se pensar por que a conexão entre os tupinambá e o Brasil não foi feita, nem naquela hora nem depois. Isso, em Florestan, vem depois, com os estudos sobre negros, classes e desenvolvimento. Aliás, é preciso dizer, a aliança teórica que ele estabelece para resolver o problema etnográfico de um objeto que se baseia em um relato histórico, que é sua adesão a uma noção de função, nem sempre se apresenta de forma muito clara. Seria a de Malinowski com a submissão dos dados ao plano das necessidades humanas, via técnicas? A de Radcliffe-Brown e sua perspectiva integrativa operando no plano da solidariedade? A de Mauss e Hubert e uma noção sintética das instituições subordinada à fórmula religiosa do sacrifício? Todos esses? É preciso apenas ver se o preço dessa escolha teve alguma consequência. Minha hipótese é que não—pois senão teríamos o objeto tupinambá mutilado—, mas também que sim, pois de fato é difícil imaginar por que as escolhas teóricas de Florestan teriam sido as melhores para alguém que estava disposto a produzir algo absolutamente up to date , considerando o que já havia disponível na época.

Mas por que então recordar uma obra esquecida pelo seu próprio autor? Isso nos move para um cenário um pouco diferente, para o qual procurarei me debruçar um pouco mais, que diz respeito a como a Função opera elementos de duas teorias que posteriormente pretendo cruzar, uma teoria antropológica do parentesco e uma teoria da guerra, que coincide com muito do que se produziu em etnologia sul-americana a partir de fins da década de 1960, e que talvez estejamos vendo hoje um movimento particularmente intenso do desdobramento desses dois elementos. 19 19 Por exemplo, Fausto ( 2001 ) e Sztutman ( 2012 ). À época de Florestan etnólogo, como se sabe, a América do Sul ainda era uma paisagem menor na etnologia. Muito se falava do problema da dupla descendência (ou anomalia) jê; 20 20 Lowie ( 1941 ). Para uma noção do que representou a ideia de uma “anomalia jê”, ver Damatta ( 1973 ), e Souza ( 2002 , p. 33). Uma apreciação deste problema da “marginalidade” da paisagem etnográfica sul-americana também pode ser vista em Sztutman ( 2002 , pp. 449 e ss). e aqui se contava com os primeiros estudos de Herbert Baldus, além do problema da mudança social tupi de Charles Wagley e Eduardo Galvão, 21 21 Sobre o parentesco tupi--guarani (especialmente tapirapé e tenetehara) em Wagley e Galvão, ver Balée ( 2014 ). presente também nas obras de Egon Schaden sobre os guarani. 22 22 Viveiros de Castro, 1986 , p. 89. Além disso, as primeiras obras de Alfred Métraux com referência aos tupi, feitas na década de 1920, baseadas sobretudo em religião e cultura material, acabam por se constituir em um discurso parcial (com dados fragmentados) sobre os tupinambá que estavam longe da ambição de Florestan de reconstituir “aspectos totais” de sua vida social. 23 23 Ainda assim, “cabe a Métraux, de qualquer forma, o mérito de ter apontado a notável continuidade entre as culturas tupi-guarani estudadas in situ por etnógrafos contemporâneos e a imagem da sociedade tupinambá deixada pelos cronistas. Ele abre o caminho para a tentativa, mais rigorosa e ambiciosa, de Florestan Fernandes” ( Viveiros de Castro, 1986 , p. 84).

Tenho a impressão de que não seria exagero dizer que as obras sobre os tupinambá constituíam as primeiras etnografias modernas realizadas nas terras baixas da América do Sul, abrindo campo, inclusive na subárea do parentesco, para formulações posteriores como a de Roque Laraia 24 24 Laraia, 1972 . sobre o parentesco tupi e toda uma teoria elaborada a partir de Viveiros e seus alunos. 25 25 Ver especialmente Viveiros de Castro ( 1986 , p. 83 e ss.). Talvez seja então o caso de se perguntar por que os tupinambá mal cruzaram a linha do Equador, com o perdão do trocadilho. De fato sua recepção foi tímida, aqui e no exterior: a repercussão não passou de quatro resenhas (as de Antonio Candido Candido, Antonio. “Resenha de ‘A organização social dos tupinambá’”. Revista do Museu Paulista , São Paulo, n. 3, pp. 472-476, 1949. e Plínio Ayrosa Ayrosa, Plínio. “Resenha de A organização social dos tupinambá”. Revista de História , São Paulo, v.1, n.1, pp.112-115, 1950. sobre a Organização , em 1949 e 1950, respectivamente; a de Paula Biguelman em 1953 Biguelman, Paula. “Resenha de ‘A função social da guerra na sociedade tupinambá’”. Revista de Antropologia , São Paulo, n. 3, pp. 74-77, 1953. na Revista de Antropologia e Robert Murphy Murphy, Robert. “Resenha de ‘A função social da guerra na sociedade Tupinambá’”. Ciencias Sociales , Washington, v. 7, n. 31, pp. 234-236, 1956., em espanhol, em 1956, ambas sobre a Função ) e da publicação de um excerto da Função em francês. 26 26 Fernandes, 1952 . Em uma referência sobre o Journal de la Societé des Americanistes, Florestan comenta, em correspondência com Barbara Freitag: “saiu no Journal des Américanistes, o que quer dizer—não será visto nem cheirado…” (correspondência enviada em 16 out. 1971, citada em Freitag, 1996). Além disso, como nota José de Souza Martins ( 1998 , p. 37), o maior reconhecimento que Florestan teve na época, no exterior, apareceu em Social Theory and Social Structure (reedição de 1957), de Robert K. Merton. No entanto, a citação é referente ao artigo de Florestan de 1953, “Ensaio sobre o método de interpretação funcionalista na sociologia”, e não sobre os tupinambá.

Podemos seguramente dizer que esta obra de Florestan só vai ter um aspecto mais decisivo a partir da década de 1980, quando efetivamente a América do Sul passa a adensar seu material etnológico tupi também em português, e com a guerra ocupando um lugar central na engenharia conceitual das terras baixas. De certo modo, tenho a impressão de que a guerra de Florestan está no meio de um jogo que não acabou. De um lado, ela ilumina uma matriz para se pensar a Amazônia e outros lugares, algo que foi intuído “em paralelo” por Joanna Ove-ring ainda na década de 1970, 27 27 Kaplan, 1975 , especialmente parte 3. mas que vai receber uma elaboração mais sofisticada a partir da proposição de Viveiros de Castro para o problema da afinidade na Amazônia (afins efetivos, potenciais e virtuais inimigos). 28 28 Viveiros de Castro, 1993 ; Albert, 1985 . De outro lado, o material tupinambá analisado por Florestan nos serve para pensar a guerra enquanto instituição humana “positiva”, algo que ele insiste no livro ser uma das dimensões que devem ser elaboradas por uma antropologia e sociologia mais amplas. Isso, aliás, aparece também em Lévi-Strauss 29 29 Lévi-Strauss, 1942 ; 1949 . e encontra eco em proposições clastreanas, 30 30 Clastres, 1980 . que, por sinal, foram colocadas em choque com Florestan por Carneiro da Cunha e Viveiros de Castro 31 31 Carneiro da Cunha; Viveiros de Castro, 1985 . e em Araweté , mas também em esforços mais recentes de sintetizar todo esse material. 32 32 Sztutman, 2012

O SACRIFÍCIO DE FLORESTAN

Talvez pelo fato de ter vindo à tona na ressaca da Segunda Guerra, todo esse material tupinambá, com uma tese que mostra a guerra como fator de integração ao invés de anomia, como fator de relação ao invés de ausência, como fator social ao invés de natural, possa ter de fato aparecido em um momento errado, para azar do autor, e talvez nosso, no duplo sentido: o que teria sido da antropologia brasileira se Florestan seguisse essa trilha? E o que teria sido o resto das ciências sociais, sem o impulso que Florestan deu ao problema do “fator Brasil” como área de predileção sociológica? O que é possível dizer, pelo menos em relação à primeira pergunta, é que até onde se pode ver, na maioria dos comentadores de Florestan, sua antropologia tem um papel quase que irrelevante diante de seu legado às ciências sociais. 33 33 Interessante notar que as obras sobre os tupinambá geralmente são lembradas pela sua importância, mas merecem atenção lateral em relação aos comentários acerca da obra de Florestan como um todo. Por exemplo, a precedência que é ressaltada em relação ao que se chama de “sociologia funcionalista” em relação ao que se poderia chamar de “antropologia” ou “etnologia” de Florestan é notável entre alguns comentadores (por exemplo, Martins, 1998 , p.37; Garcia, 2002 , p.135; e, criticamente a essa posição, Peirano, 1991 , pp. 51 e ss.). As razões para o abandono dos tupinambá (que apareceram depois na livre-docência, mas ainda nessa fase que insisto em chamar de antropológica, mais do que sociológica-funcionalista) sempre foram ressaltadas como uma questão de vontade do autor e alcance do tema. 34 34 Peirano, 1991 , especialmente os comentários de Antonio Candido reportados a ela nas pp. 55-56. Casam, assim, com um lugar menor que uma análise desse tipo poderia ocupar no panteão das ciências sociais brasileiras.

É preciso se perguntar, em primeiro lugar, se também as ciências sociais daqui—e quiçá alhures—estavam preparadas para receber os dados tupinambá. Como está mostrado já na Organização sobre essas populações, tratava-se de um disperso que ocupava uma enorme faixa litorânea (três faixas descontínuas, entre São Paulo e Rio de Janeiro, na Bahia e no Maranhão-Pará, entrecortadas por outras “nações”) que teria como princípio estruturador um átomo fundado numa unidade local centrada numa maloca que era a articuladora de todo o cosmos (uma “tribo” poderia ter de quatro a oito malocas, duzentas a mil pessoas, mas esses dados são muito incertos). Se fôssemos etnógrafos dos anos 1980 visitando os tupinambá naquela época, veríamos de maneira cristalina, como Florestan viu, a realização das relações entre parentesco e processo de constituição da pessoa, com especial ênfase em um complexo nativo de elaboração da vida conjugal e da concepção das crianças; da socialidade ritual e dos processos de nominação; da proximidade entre as relações de afinidade e inimizade; tudo isso baseado em segmentações de gênero e em um dispositivo onomástico vital para entender o ciclo reprodutivo desse coletivo.

Para Florestan, a pessoa e o parentesco (o que em outras palavras podem também significar a substância canibal e a afinidade, como, por exemplo, está colocado na releitura que Viveiros de Castro faz de Florestan em Araweté ) 35 35 Viveiros de Castro, 1986 , pp. 646-679. eram um foco do problema em nível local, e o que explicava a constelação tupinambá em seu nível global era o apelo transcendente da religião, via guerra. Além disso, embora Florestan reconheça que um nível não operasse sem o outro (ou que haja aí uma dialética), como a sua perspectiva visava sobretudo a ex-plicação do movimento de eterna restituição do equilíbrio social, em alguma medida podemos supor que a teoria força um englobamento da perspectiva “heteronômica” que localmente levava à vingança pela perspectiva “autônoma” que o sistema exigia para funcionar como uma totalidade. 36 36 Viveiros de Castro, 1986 , p. 666.

Ainda assim, sem querer entrar nos detalhes, podemos dizer que o problema matrimonial—e, portanto, da posição do afim como inimigo—foi sublimado pela operação ritual que foca o problema da reprodução (social): para casar, é preciso matar um inimigo, “ganhar um nome”, adquirir potência, gerar crianças. A inimizade (tal como a afinidade) seria um componente, digamos, situado de forma residual no parentesco; e este, por sua vez, se tornou um componente residual quando situado diante do fato político da guerra, sobretudo na Função . Pois a forma englobante no modelo pensado por Florestan era a vingança como condição de possibilidade de restituição da morte de um antepassado, que assegurava, enfim, a continuidade da identidade grupal. No fim das contas, parece que ele insistiu na religião como principal fator de integração de diferentes instituições sociais, especialmente naquilo que opera a ligação entre níveis distintos (como em um quadro sinóptico malinowskiano): aqueles que poderíamos chamar, de forma adaptada ao funcionalismo de então, de parentesco e política, através da domesticação dos afins e da homeostasia jurídica, reverberando assim um eco algo durkheimiano. 37 37 Para um possível erro de interpretação que Florestan fez de Durkheim e Mauss quanto ao mecanismo jural de restituição provocado pela vingança, ver Viveiros de Castro ( 1986 , pp. 652-653).

Seria preciso então ver o “ciclo longo” do processo de vingança para formular uma teoria plausível que explicasse, afinal, como a guerra operava ao nível de um “fato social total” maussiano. Para essa tarefa se realizar, Florestan realizou um estudo em camadas funcionais: observou a infraestrutura, as técnicas, as armas, as estratégias. Mas não só: seguiu a pista de como a guerra atuava no homem de carne e osso, como essa ação provocava uma disposição psicológica para o combate, entendendo aí que o processo era também acionado por um construto de uma noção de masculinidade que se associava a essa posição, além dos efeitos sociais numa estrutura de status gerontocrática. Porém, evidentemente, essas camadas por si não preenchem uma noção de todo pela qual se engancha a noção de função. Qual era então a chave para se entender o ciclo de vinganças ? A guerra como função do sacrifício. 38 38 Uma boa síntese deste processo está em Peirano ( 1984 , p. 25).

O sacrifício aparece assim como a chave fundamental para se entender os tupinambá, segundo Florestan. 39 39 Como notaram Carneiro da Cunha e Viveiros de Castro ( 1985 , p. 200): “A centralidade da vingança, Florestan Fernandes já a havia provado magistralmente ( 1970 ). Mas, levado talvez por suas premissas teóricas, acabou fazendo da guerra o instrumento da religião, não no sentido que evocamos acima, mas no de um meio para a restauração da integridade de uma sociedade ferida pela morte de seus membros. Para tanto, postulou um culto dos ancestrais que os relatos dos cronistas não sustentam e que Métraux, com acerto, contestou”. Sua inspiração em Mauss e Hubert (especialmente no Ensaio sobre a natureza e a função do sacrifício ) clara, pois ao fim e ao cabo todo o problema tende a ser destinado a uma matemática da reposição da ordem que foi alterada em relação a ancestrais que não poderiam voltar reciprocamente (em potência e em nome) caso não fossem vingados; ou, sintetizando, como ele mesmo diz, tratou-se de realizar “uma aplicação mágico-religiosa do princípio de reciprocidade”. 40 40 Fernandes, 1970 , p.329. A religião, assim, pareceu ser para Florestan uma estrutura que dava coerência a todas essas dimensões da sociedade tupinambá. Além disso, um dado nativo em particular conspira para a sustentação dessa tese: um guerreiro pleno, além do status que permitia a sua condição poligínica, alcançava uma condição tal ( tujuáe ) que, se instruído pelos antepassados, poderia em casos especiais ascender à condição de pajé e navegar pelo universo dos espíritos. Nesta condição, em

que a guerra tinha, naquelas sociedades tribais, uma “origem” religiosa—os espíritos interferiam na determinação das incursões e das expedições guerreiras; ou que visava a um “fim” religioso—a captura de inimigos para o sacrifício ritual; ou, ainda, que ela seguia um “curso” religioso, estranho aos princípios da arte militar racional—o sucesso ou o insucesso das atividades guerreiras dependia diretamente do sobrenatural. 41 41 Fernandes, 1970 , p. 157.

A guerra alimenta a religião, a religião alimenta a guerra. E assim, finalmente,

na sociedade tupinambá [a guerra] não “servia” à religião, simplesmente: antes, fazia parte dela. 42 42 Fernandes, 1970 , p. 371.

De certa maneira, o ponto que gostaria de deixar sublinhado aqui é a percepção que Florestan teve em ver o sentido da reprodução da sociedade tupinambá, que para ele estava situado ao mesmo tempo na inimizade e na ancestralidade, 43 >43 É bastante sugestiva a lembrança a que Vander Velden (2014, pp. 66-67) nos remete, relativizando o impacto da crítica de Viveiros de Castro a Florestan, mostrando a ideia de um “retorno dos ancestrais” (através de nomes, genealogias, objetos etc.) em diversas áreas etnográficas sul-americanas. como dependente de um princípio totalmente fora dos padrões nomológicos de integração, ainda que sendo movido, em termos funcionalistas, por “necessidade” e “consumação” do sacrifício. Além disso, penso que a evocação da ancestralidade aqui está mais a serviço da vingança e menos da ideia de “grupo social” tal e qual se vê em casos de “dependência explícita” de regimes matri ou patrilineares. 44 44 Ou seja, tal e qual se vê, por exemplo, no noroeste amazônico, o ancestral está mais para a “relação” do que para a “linha”, como bem mostrou Hugh-Jones (1995). Mesmo em termos de “grupos de parentesco”, tudo leva a crer que mais se trata de uma patrifiliação “por aliança”, isto é, linhas “que são definidas pela troca, e não pela descendência”, 45 45 Fausto, 1995 , p. 101. em que “débitos e créditos são jogados contínua e inesgotavelmente para o futuro”. 46 46 Fausto, 1996, p. 97. Isso não é pouco, diante de um quadro em que o estrutural--funcionalismo britânico da época dialogava muito em termos do juralismo da teoria da descendência e suas “filhotas”.

POR UM TRIZ…

A genialidade dessa percepção não é pequena, embora seja preciso salientar que sua identificação ao problema do transcendental religioso (especificamente religioso, e não outro qualquer, e, talvez, especificamente funcionalista, como o grande—e decadente— aporte teórico do momento) seja o que tenha imposto um limite para Florestan não ter realizado uma daquelas obras incompreendidas, que poderiam ter se revelado ao mundo cinquenta anos depois (ao modo de Bateson, por exemplo). Mas por que estou dizendo isso, com um certo grau especulativo?

Relembro Bateson não por acaso. Ele é uma das referências teóricas e etnográficas que Florestan seguiu (fato, aliás, salientado pela própria Peirano 47 47 Peirano, 1981 , p. 52; 1991, p. 61. ), 48 48 Florestan cita Bateson tanto na Função como em “Tendências teóricas da moderna investigação etnológica no Brasil”, de 1958 ( Fernandes, 1975 ). e de certo ponto de vista sua leitura poderia ter ao mesmo tempo inspirado um prolongamento dos dados sobre parentesco que a Organização levanta em uma teoria da afinidade tupinambá (o que no fim não ocorreu), bem como ter levado em conta esses mesmos dados para fundamentar uma teoria da guerra. Nesse caso, queria apontar para algo que aparecerá ao fim deste artigo, que é o fato de que Florestan não tem só um problema com as fontes cronistas, como aponta Viveiros de Castro 49 49 Viveiros de Castro, 1986 , pp. 656-657. , mas também uma questão em aberto com um ponto do parentesco que poderia ter sido crucial na elaboração de uma “teoria incompreendida”. O que estou sugerindo, neste ponto, é que talvez os benefícios teriam sido maiores se não só a “teoria” ou os conceitos de Bateson fossem mais levados em consideração, mas também seus dados etnográficos. Seu apontamento em relação a um “método estrutural-funcionalista” que pretende dar conta de uma “totalidade de aspectos da realidade” é um aspecto interessante, mas certamente não é o único. Mas, ao que parece, a recepção que Florestan teve de Naven (de 1936, sobre os iatmul da Nova Guiné) foi muito mais em direção a este último ponto.

É notável que em Naven já aparece a formulação de um problema que associa o conflito a posições antagônicas entre cunhados. A sociologia da afinidade entre os iatmul, para Bateson, em muito se baseia numa linha de tensão entre metades opostas que se coloca na cisma entre os grupos de afins. Ele chama a atenção para a tensão entre cunhados em função do filho que vai nascer (antecipando também a leitura de Radcliffe-Brown sobre o “irmão da mãe na África do Sul”). Para ele, essa ligação tensa, evidenciada pelo ritual do naven (um ritual de expiação que envolve troca de papéis, especialmente masculinos e femininos, mas também sociais relativos às linhagens), mostra a constante possibilidade de anomia ou disrupção social, ao mesmo tempo em que produz comportamentos, ora complementares, ora simétricos, que restauram a socialidade. Essa tênue linha entre conflito e continuidade sociológica em princípio se esparrama na tensão entre duas seções (que de um ponto de vista de ego seriam “materna” e “paterna”), alimentando toda uma sorte de clivagens (gênero, classe etária, geração), desembocando naquilo que ele vai chamar de processos de cismogênese. Tudo isso é permeado, ao mesmo tempo, por identificações que podem ser lidas como distinções entre elementos conjugados e conjugações de elementos distintos, o que produz seu caráter “estrutural”. 50 50 Geiger, 2008 , p. 36. Estamos, assim, próximos ao terreno estruturalista, numa acepção semelhante àquela dada por Dumont, acima.

Mas, mesmo assim, é notável que o naven é ao mesmo tempo expressão e condição de possibilidade da vida social—de jeito nenhum podemos dizer que ele é um fator transcendente que maquina a integração social, muito menos que ele é um simples reflexo de classes orgânicas (como poderiam ser no caso das linhagens africanas). Lá, aquilo que podemos chamar de grupos de descendência está muito mais a favor das alianças e dissonâncias do que o oposto. Ainda que a diferença entre os iatmul e os tupinambá sejam expressivas (e eram tanto mais naquela época, quando era impensável fazer cruzamentos entre Melanésia e Amazônia, como vemos acontecendo recentemente), é preciso notar que a etnologia já estava apontando para um quebra-cabeça que situava os problemas da integração—continuidade e fissão—conflito em forças imanentes à estrutura social, tomando as contradições entre matrilocalidade e patrilinearidade não como causas, mas como efeitos de tensões nas alianças.

Falo isso porque o problema da descendência pode ter causado alguma interferência nessas análises, isto é, tanto na recepção fria que Naven teve pelos colegas de Bateson quanto pelo tipo de leitura que Florestan registrou dele, e nos dados tupinambá que apontavam para a tensão entre a patrilinearidade (ancestralidade), a residência (forma de casamento avuncular) e o grupo local (endogamia). É verdade, no entanto, que tal problema talvez não tenha rendido o quanto poderia (ou, se rendeu, foi para um lado que chama mais atenção “para a fragilidade de argumentos sobre universais baseados em conceitos tão vagos como “patrilinearidade”, “matrilocalidade”, “harmonia” e “desarmonia”), 51 51 Viveiros de Castro, 1990 , p. 9. mesmo décadas à frente. 52 52 Viveiros de Castro está aqui também fazendo menção a uma outra classe de problemas, das “estruturas semicomplexas”, tais como foram trabalhadas por Héritier ( 1981 ). Estou falando isto justamente porque esse mesmo tipo de dado levantado por Bateson (que resultou no incrível conceito de cismogênese) passou despercebido pelos seus colegas britânicos e também por Florestan. O que ficou daquele autor para este foi um exemplo de uso do método funcionalista, como está colocado na nota 3 3 Entrevista citada em Peirano ( 1981 , p. 56). , página 14 da Função . 53 53 A outra referência que ele faz a Bateson, na nota 63 à página 178 da Função, diz o seguinte: “As páginas seguintes representam uma tentativa para compreender sociologicamente como os processos sociais condicionavam e determinavam o papel dos comportamentos adquiridos na vida psíquica dos tupinambá. A sugestão foi encontrada em uma leitura de Ba-teson, que se limita a indicar o problema do ponto de vista etnológico (cf. G. Bateson, Cultural Determinants of Personality, pp. 732-3)”.

Mas o problema ainda vai além, se olharmos para a economia interna do material de Florestan. Em princípio a patrilinearidade tinha uma “função forte” no sistema tupinambá, como era de se esperar em relação ao tipo de decalque funcionalista que era realizado:

A atribuição de status repousava no princípio de parentesco, complementado pelos princípios de sexo e de idade. Na medida em que constituía uma condição do sistema de parentesco, o status era transmitido patrilinearmente aos indivíduos de sexo masculino. Mesmo depois de tornar-se um “principal”, graças às suas façanhas guerreiras ou mágico-religiosas, ao número de esposas e de descendentes, às aptidões especiais para as ocupações masculinas ou para a oratória etc., o status de um homem dependia largamente de sua linhagem; a importância das relações genealógicas era tão grande que cada qual conhecia e descrevia a própria árvore genealógica, a partir dos ancestrais remotos [referência às pp. 145-146 da Organização ]. Presumivelmente, porém, o princípio de parentesco definia a posição de um indivíduo com relação a todos os demais componentes do “nosso grupo”, quer pertencessem ou não à própria parentela ou ao mesmo grupo local. Em outras palavras, estabelecia de modo suficientemente nítido se um indivíduo devia ser considerado e tratado como “amigo” e “parente” ou como “estranho” e “inimigo”. 54 54 Fernandes, 1970 , p. 235, grifos meus.

Por que então, tendo à mão a consequência de que o sistema operava, enfim, em função da polaridade amigo/inimigo, ele não a colocou como causa ? Pois, ao longo do texto, a patrilinearidade como “relação primária” do parentesco tupinambá perde força em relação à ambilocalidade e a uma concepção secundária do casamento bilateral como forma residual do avunculato. O material, é nisso que insistimos, apresenta uma fórmula que indica a oscilação avuncular-dravidiana, apontando inclusive para uma posição de instabilidade da afinidade, o que Florestan não percebeu, ou não quis perceber (já que foi um leitor atento de Morgan e, pelo que quero demonstrar aqui, também de Lévi-Strauss). 55 55 O ponto crítico a esta discussão está colocado em Viveiros de Castro ( 1986 , p. 86, nota 3). Ver também a próxima nota, abaixo. É preciso deixar registrado que este não é exatamente um ponto pacífico. De acordo com Fausto ( 1995 , p. 118, nota 56), vários autores “deslizaram” para a percepção lévi-straussiana de que os sistemas, tupi eram predominantemente bilaterais. Para uma retomada de Morgan e seu papel para a posterior teoria da aliança, ver Silva (2012).

Explico melhor. É notório que na Organização Florestan dedica o capítulo central a um magistral compêndio de parentesco, que, ele mesmo reconhece, talvez seja a tarefa mais árdua de sua pesquisa. De maneira incrível, ele mostra o problema do equilíbrio da fórmula preferencial tupinambá — a avuncular (casamento de ego masculino com a ZD, filha da irmã) —, justamente em função do tempo de retorno das mulheres (nota 257, p. 187, evocando Marcel Granet e a ideia de “retorno” de mulheres como fonte de equilíbrio de parentelas) e da diferença etária entre cônjuges. Além disso, mostra, nesse momento singular de debate com o texto de 1943 de Lévi-Strauss, em que este deduziu que a terminologia que equalizava MB = FZH (o termo é tutyra ) era forte indício da instituição de casamentos de primos cruzados bilaterais 56 56 Ver, por exemplo, a ideia do avunculato como um “hipodravidianato”, elaborada por Viveiros de Castro ( 1996 , p. 79), e as discussões sobre a relação entre avunculato e casamento com a FZD em Fausto ( 1995 , especialmente pp. 83 e ss.). com “provável troca de irmãs”, que essa dedução “tem, entretanto, apenas um valor indireto”. 57 57 Fernandes, 1989 , p. 189. Nesse momento, Florestan mostra dali para frente como o casamento avuncular tende a se manter no círculo mais próximo e como a distância gera relações que precisam ser compensadas de outras formas.

É nesse sentido, por exemplo, que ele se abre parcialmente ao problema do cognatismo tupinambá, 58 58 O que pode ser contestável, já que existe um “termo estranho”, “yra”, traduzido como “filho da avó”. Não foi possível para mim saber a extensão desse termo, se é evidência forte ou fraca de agnatismo, no sentido desse sujeito produzir afins, consanguíneos ou um terceiro termo, como os “filhos de mãe” tukano. Seria interessante saber se a indiferença tupinambá quanto à residência infletiu na visão sobre o cognatismo, mas uma pista que poderia ser explorada pode ser pensada a partir de uma breve menção sobre a ligação entre planos residenciais com a guerra ( Florestan, 1970 , p. 232, nota 256). Para maiores esclarecimentos, ver Viveiros de Castro ( 1986 , p. 86, nota 3). algo que tenderia a se estranhar com uma economia da ancestralidade de tipo linhageira. Mas não é só isso que importa: fundamentalmente, ao analisar as preferências matrimoniais, Florestan teve na frente dele um diagrama que mostrava a tendência a se formar “grupos de transmissão da aliança” e que a patrifiliação poderia ser um reflexo disso. Essa é, por exemplo, a sugestão de Carlos Fausto para os parakanã, extensível aos tupinambá: “através da relação pai/filho, a troca diferida transmite de geração a geração certas opções matrimoniais, e o privilégio avuncular exige a continuidade da aliança de casamento […], onde ‘linhas agnáticas’, fluidas e indefinidas, trocam mulheres de forma sistemática e equilibrada”. 59 59 Fausto, 1995 , p. 97. E mais ainda: a neutralização da distinção entre afins e consanguíneos nas gerações distais (±2) indica o poder relativo da patrilinhagem. Essa, por exemplo, foi uma conclusão decisiva a que chegou Dumont na mesma época que Florestan, a respeito dos piramalai kallar, uma subcasta matrilinear do sul da Índia: nesse tipo de regime de descendência, o que se faz é transmitir a aliança. 60 60 Dumont, 1997 . Por isso, o sistema de débitos e créditos que Florestan detectou na Organização de certa maneira poderia explicar a imbricação de uma continuidade da aliança com a vingança e a inimizade operando em moto-perpétuo. Novamente, chegar a isso não é pouco.

Como bem nota Sztutman, 61 61 Sztutman, 2012 , pp. 208-209. “segundo Fernandes, esses mecanismos permitiam a preservação do equilíbrio na composição interna do grupo local, bem como entre os grupos ligados por casamento, o que significava a conservação dos laços de afinidade num círculo pequeno”. Mas, “os casamentos distantes, de sua parte, revelavam uma razão igualmente estratégica, uma vez que redundavam na garantia dos laços de aliança que uniam os grupos locais, por exemplo, na constituição de bandos guerreiros e, assim, alargavam o campo de sociabilidade”. No entanto, a costura necessária a esses dois níveis—o parentesco e a guerra, o local e o distante—e, especialmente, a posição instável do afim, ensanduichado entre a consanguinidade e a inimizade, é algo que necessitava de “mais”. Talvez de uma teoria, justamente, da aliança. Assim, é preciso levar em conta que Florestan chegou lá, mas aconteceu algo no transporte desses dados da Organização para a Função .

De certa maneira, na Função há uma insistência em vincular a guerra a um parentesco “parcial” tupinambá, centrado na parentela e na ancestralidade e obliterado na afinidade. No entanto, é notável que os próprios dados de parentesco colocados na Organização , que ressaltariam o problema matrimonial, são em grande parte desprezados. No seu segundo livro ele deixou de explorar as consequências de como o avunculato opera a posição da afinidade e como isso se relaciona de maneira central à guerra, bem como não leva adiante a percepção anterior que a relação de aliança (isto é, a posição de cunhados) situa--se numa condição fronteiriça entre a parentela e a inimizade. Este é um ponto que só vai ser tocado com poucas letras do meio para o fim do “livro segundo” da Função: “os liames do parentesco por afinidade podiam ser rompidos com relativa facilidade”. 62 62 Fernandes, 1970 , p. 340. Nesse sentido, ele elabora nessa seção um esquema que posteriormente teve uma arquitetura algo conhecida: enquanto a parentela/grupo doméstico opera em nível de solidariedade, no nível da tribo se estabelecem relações ambíguas de reciprocidade, em que cunhados ora se tornam aliados, ora escapam para um terceiro círculo englobante, o de inimigos. O modelo desse esquema foi também usado por Marshall Sahlins (inspirado em Mauss) nas décadas de 1960 e 1970 63 63 Sahlins, 1968. e parece ter ganhado especial rendimento quando foi explorado justamente para o caso amazônico por Viveiros de Castro, 64 64 Viveiros de Castro, 1993 ; 1996. em que a afinidade parece ocupar uma posição central na estruturação tanto da guerra quanto do parentesco. Não custa lembrar como essa fórmula é devedora de noções que vêm de uma recolocação lévi-straussiana do problema da reciprocidade pensado no Ensaio sobre a dádiva , de Mauss.

Pois bem, chego ao ponto que queria nessa argumentação. Florestan escreve a Função entre 1947 e 1951. Seu único uso de Lévi-Strauss numa pequena nota, diferenciando os tupinambá dos nambiquara quanto à troca ocasional constituir um desenvolvimento das relações de hostilidade entre grupos e contestando veladamente a pretensão de generalização desse movimento para “numerosas populações da américa pré-colombiana”. O texto a que ele se refere é aquele publicado pela primeira vez na revista do Museu Paulista em 1942, “Guerra e comércio entre os índios da América do Sul”. 65 65 Lévi-Strauss, 1942 . Estranhamente, a discussão com o texto de 1943 de Lévi-Strauss desaparece aqui. Aliás, ela só será retomada, com mais fôlego e tentando mostrar os equívocos deste, no texto “Tendências teóricas da moderna investigação etnológica no Brasil” (que está em Fernandes, 1975 ). É nesse texto que Lévi-Strauss faz sua primeira vinculação mais explícita da ideia de que guerra e troca são dois lados da mesma moeda: guerras são trocas falhas, e trocas são guerras resolvidas. 66 66 Tal passagem de Lévi-Strauss também está citada em Fernandes ( 1975 , pp. 173-174). Essa é uma ideia atualizada em As estruturas elementares do parentesco , que, de maneira resumida, pode estender a fórmula à compreensão de um estreito vínculo entre o problema da aliança matrimonial e a guerra. O casamento, assim como as demais instituições humanas, realiza um problema de reciprocidade; a guerra, também.

Não custa lembrar que As estruturas elementares do parentesco é de 1949, e, portanto, Florestan, que incorpora bibliografia nova em peso até o último momento, sonegou esses textos de forma algo deliberada. Inclusive, há algo que me chamou muita atenção: um incrível detalhe. É justamente naquele mesmo trecho acima em que ele expunha a tensa posição de afins (e, aliás, é preciso esclarecer que na Organização ele assume sua admiração por Morgan, talvez o primeiro a expressar uma dualidade sistemática entre consanguinidade e afinidade), que ele coloca: “Contudo, os compromissos e ligações (‘alianças’?) entre os grupos locais […]”. 67 67 Fernandes, 1970 , p. 340. Por que ele colocou a frase assim é algo que não tenho como saber, mas me pareceu algo como “um ato falho”.

Ainda que falar em “atos falhos” seja algo especulativo, arrisco aqui que podemos levar em conta o fato de Lévi-Strauss ter conhecimento da Organização e que provavelmente Florestan sabia disso. Chega até ser paradoxal a seguinte recordação “indireta” contada por Antonio Candido:

No fim da década de 40, ou começo dos 50, Ruy Coelho presenciou em Paris uma cena curiosa. Lévi-Strauss, Alfred Métraux e ele conversavam, quando Strauss manifestou grande admiração pelo livro de Florestan, dizendo ao colega que, ao contrário do que este dissera, o jovem brasileiro tinha mostrado que era possível conhecer a organização social dos tupinambá. Com fair-play e bonomia modesta, Métraux concordou e disse que de fato era incapaz dessas altas cavalarias, pois o que sabia mesmo era fazer descrições empíricas, como, por exemplo, enumerar as diversas maneiras de preparar a carne de porco no Haiti, cuja sociedade estava estudando… 68 68 Candido, 1996 , p. 13.

Tomo contraponto a isso o fato de que Florestan leu As estruturas elementares do parentesco, edição de 1949, adquirida em 11 de abril de 1951 ( Figura 1 ).

Figura 1
Contracapa de As estruturas elementares do parentesco assinada.

Mas o que ele leu? Não há como ter precisão, porém é possível seguir a pista das anotações (não só o que , mas também quando elas aparecem, quase sempre de maneira cifrada, sublinhada ou pontuada) que estão neste exemplar da foto acima que está em sua biblioteca, conservada pela UFSCar. Ao seguir esses registros, é possível ver que ele seguiu atentamente a “Introdução” (que concerne ao problema da natureza e cultura e a proibição do incesto). Na primeira parte (“A troca restrita”), as anotações tornam-se mais rarefeitas. Mas o que realmente surpreende é que justamente o trecho que envolve a retomada da discussão do Ensaio sobre a dádiva e coloca a discussão sobre a relação entre parentesco e guerra (tomo como amostra as páginas 75, Figura 2 , e 86, Figura 3 ), está virtualmente vazio de comentários.

Figura 2
Excerto das Estruturas: o sistema de reciprocidade.

Figura 3
Excerto das Estruturas: o sistema de reciprocidade (teoria da guerra).

No entanto, as anotações voltam a ocorrer mais para frente, especialmente em relação à organização dualista e à troca matrimonial. Toda a parte relativa à troca generalizada parece ter sido deixada de lado, e, finalmente, a última parte, “As estruturas do parentesco”, parece ter merecido alguma atenção.

A questão é que nesse momento ele justamente parece se furtar de discutir com um material que se coloca de forma transversal ao de Mauss, ainda que protoplasmático de toda uma teoria que ganharia mais corpo logo depois, mas que desde seu começo já se mostrava com potencial de abafar toda frequência de onda funcionalista emitida pela teoria da descendência. Que o “problema tupinambá” não tinha grande ressonância com linhagens e segmentos isso parece claro. Por que mesmo assim ele resolve uma adesão ao funcionalismo não parece tanto. Por isso mesmo, é de se estranhar que, depois que ele abandona os tupinambá e se volta para todo o programa que o “levou a escolher o Brasil como ‘laboratório’ de nossas [dele e de seus assistentes] pesquisas”, 69 69 Fernandes, 2006 , p. 21. seja justamente aí que ele retoma, acoplando o conceito de dependência ao “conceito de heteronímia [ sic ] 70 70 Creio que há um problema de transcrição aqui nesse depoimento de Florestan, pois “heteronímia” refere-se ao uso, em gramática, dos heterônimos (como na literatura). Mas a heteronomia, “sujeição a uma lei exterior ou vontade de outrem” ( Houaiss, 2009 , p. 1016), é algo pensado justamente na teoria da dependência. —que naquela época pensava ser de Weber e hoje sei que é de Marx”. 71 71 Fernandes, 2006 , pp. 21-22. Pois então, tudo fica mais estranho quando se vê que ele já tinha no começo dos anos 1950 toda a condição de aplicar a heteronomia aos tupinambá, mas preferiu deixá-la englobada pelo problema da autonomia e da restituição da dádiva (menosprezando, por exemplo, o valor da afinidade e sua potencial ligação com o campo da guerra). Aliás, isso poderia ter sido pensado tanto através de Bateson (que no capítulo 7 de Naven trata da afinidade, integração e fissão) quanto do próprio Lévi-Strauss, que, na célebre “Introdução à obra de Marcel Mauss”, edição francesa de 1950, mostra justamente a “dependência” exterior da dádiva, na troca.

Finalmente, então, cabe apenas acrescentar frente a essas pistas difusas, algo que ele relaciona na bibliografia da edição de 1950 de Sociologie et anthropologie , de Mauss. Seu exemplar tem a assinatura de Florestan e a data de 5 de dezembro de 1950. Além disso, ele informa que foi um presente de Alfred Métraux, cuja dedicatória está na página anterior. As anotações dele na “Introdução” de Lévi-Strauss são formais, indicam ao longo do texto o que certas passagens estão dizendo, como em um fichamento. 72 72 Talvez exceto por uma pequena referência à Max Weber, no momento em que Lévi-Strauss diz que “as condutas individuais normais jamais são simbólicas por elas mesmas” ( Lévi-Strauss, 1950 , p. XVI). Como podemos recordar, Lévi-Strauss acusa Mauss de se deixar “levar” pela explicação nativa, que confere um poder mágico ao ato da dádiva que impele à reciprocidade. Nessa passagem, fica clara a distinção que Lévi-Strauss pretende estabelecer entre os níveis consciente e inconsciente, e finalmente sabemos como isso estrutura o fenômeno mais geral que seria a troca. As implicações mais radicais disso teriam aparecido um ano antes, nas Structures. Pois bem, recordando Florestan, parece que não estamos tão longe assim desse tipo de formulação:

A guerra constituía, na sociedade tupinambá, como entre os murngin, um mecanismo em que se baseava a poliginia. A competição por valores religiosos ocultava, sob esse aspecto, uma autêntica competição por “riquezas”; pois, como observaram alguns cronistas, as mulheres eram as “verdadeiras riquezas” daqueles índios. Ao contrário do que supõem certos etnólogos, fatores sociais dinâmicos, e não os efeitos letais da guerra, é que explicam a interdependência dos dois fenômenos na sociedade tupinambá. Doutro lado, a própria natureza dessa interdependência fazia com que a poliginia fosse o elemento estrutural de maior peso na determinação (inconsciente) das impulsões sociais que conduziam aqueles nativos à guerra e à execução dos inimigos. 73 73 Fernandes, 1970 , pp. 231-232.

Estranha passagem, sobretudo pelo ar de familiaridade que guarda com aquilo que já estava no texto de 1942 de Lévi-Strauss e posteriormente apareceu na página 86 da edição de 1949 das Structures élémentaires ( Figura 3 ). Mas não é só. Tão logo publicada a Função , Florestan enviou um exemplar para Lévi-Strauss. Em correspondência datada de 9 de dezembro de 1952, este agradece o envio de “seu monumental estudo sobre a guerra entre os tupinambá”; mas, sutilmente, ele ainda diz:

Eu conhecia apenas os fragmentos já publicados, mas a tese que o senhor desenvolve de maneira tão magistral fica evidente; e ela me pareceu muito próxima àquela que eu esboçava, de forma cursiva e modesta, em um pequeno artigo traduzido já há 10 anos na Revista do Arquivo Municipal por não ter retido minha simpatia e toda minha atenção. 74 74 Carta de Lévi-Strauss a Florestan Fernandes, doc. 02.07.0165, Coleção Decore/Fundo Florestan Fernandes, Bco/UFSCar. Ver Figura 4 .

Figura 4
Carta de Lévi-Strauss para Florestan, 1952.

Há ainda duas outras correspondências entre eles, ambas com negativas de Lévi-Strauss a convites feitos por Florestan para ele vir ao Brasil. 75 75 Curiosamente, do lado de lá, nos “Fonds Claude Lévi-Strauss”, onde estão registradas correspondências com centenas de pessoas, não consta nenhuma com Florestan (ver http://archivesetmanuscrits.bnf.fr/ ark:/12148/cc134071/ca124, acesso em: 4 maio 2017).

O que poderia ter acontecido em relação a Lévi-Strauss? Teria sido um “choque de percepções”? Temos ainda poucas, mas boas, pistas. Em A condição de sociólogo , Florestan diz, em entrevista, que os livros sobre os tupinambá

[…] Não são perfeitos—é certo! Não existe obra perfeita na ciência. Contudo, nem a investigação, nem os seus resultados, como eles aparecem nos dois livros, devem ficar sujeitos às oscilações da moda, às implicações da substituição da análise estrutural-funcionalista por não sei que tipo de “estruturalismo” […] 76 76 Fernandes, 1978 , p. 89, grifos meus.

Além disso, há suas anotações de seu exemplar de Anthropologie structurale , de 1958. Lá, a irritação é bem mais evidente do que aparece em um único momento das suas anotações de Les Structures élémentaires de la parenté: neste livro, à página 601, aparece “crítica simplista de Durkheim. Ver pg. 603” 77 77 Na página 603, está um trecho sublinhado, e a anotação “Durkheim”. ; já naquele livro posterior, há menções como “pistas falsas de problemas falsos” (p. 42), “sem exemplo” (p. 50), muitas interrogações e algo que parece ser uma ironia, uma interjeição não conclusiva, se é de espanto, admiração ou desaprovação: “safa!!” ( Figura 5 ). Além disso, vemos, à página 40, uma anotação sugestiva: diante de uma referência a A fonologia atual de Trubetzkoy de 1933, ele escreve: “1933 – muito antes na sociologia!” ( Figura 5 ).

Figura 5
Comentários em Anthropologie structurale.

Embora seja um palpite algo arriscado, parece-me que esses exemplos de anotações dão uma pista do problema: Florestan talvez não concorde com a relação que Lévi-Strauss estabelece com este “pai” da sociologia, Durkheim, extensível ainda, e talvez sobretudo, a Mauss 78 78 Florestan tinha uma atitude algo, digamos, “holista” (em sentido dumontiano) em relação às hierarquias acadêmicas. Em vários de seus depoimentos, relatados por exemplo em Garcia ( 2002 , pp. 84 e ss.), ficam patentes os filtros que distinguem as gradações entre os polos mestre–aprendiz e o tipo de respeito e precedência que se deve interpor entre eles. —no sentido daquele apontar “erros teóricos críticos” em relação a esses; ao mesmo tempo, tudo aquilo que ele sempre colocou sobre o “rigor com dados empíricos” parece ser, do seu ponto de vista, desprezado pelo ex-professor da USP. Isso me parece ser reforçado ainda pelo fato de que no artigo “Tendências teóricas da moderna investigação etnológica no Brasil”, de 1957, Florestan menciona a colaboração de Lévi-Strauss no conhecimento sobre os bororo e nambiquara, mas que por

[…] razões diversas aconselhariam longa permanência, se possível de modo contínuo por lapsos determinados de tempo […]. Como essa condição não pôde ser preenchida, ambas as pesquisas foram mais ou menos prejudicadas por limitações que o denodo pessoal e o poder da inteligência não podem remover.79 79 Fernandes, 1975 , p. 171.

De fato, a crítica sobre uma certa falta de rigor com os dados empíricos revela algo: que talvez Lévi-Strauss tenha dado menos crédito do que deveria aos dados etnográficos sul-americanos que ele mesmo viu e obliterou em As estruturas elementares . Este é um ponto que não está explícito, mas sugere que aquilo que visões contemporâneas estão colocando—afinal, o que Lévi-Strauss deve aos índios? 80 80 Ver, por exemplo, Souza e Fausto ( 2004 ). —poderia ter passado pela cabeça de Florestan, evidenciando ainda mais a relevância de se retomar seu material sobre os tupinambá. Mesmo assim, não deixa de ser estranha a crítica, sobretudo partindo de quem realizou um estudo a partir de fontes escritas, pouco “confiáveis” nos termos do rigor empírico exigido por Florestan. Tenho a impressão, então, que a Função é, além do espetacular exercício de intuição sobre fontes históricas; do corpus de dados etnográficos colocados em um conjunto consistente; da intuição magistral que se coloca na trama de elementos tão aparentemente dicotômicos como parentesco e guerra; do rigor absoluto com que ele embaralhou os dados com a sociologia da época; é, também, uma defesa do método sociológico dukheimiano-maussiano, além de uma adesão a um certo funcionalismo malinowskiano (que, tenho a impressão, encanta mais Florestan pelo tratamento do material empírico coletado).

Porém, para Florestan, fica patente que a atitude de Lévi-Strauss perante às fontes e ao que ele achava que era uma falta de rigor com os dados talvez tenha falado mais alto. Uma história, que Aziz Ab’Saber conta, mostra de maneira precisa como se atingia Florestan: “Darcy [Ribeiro], quase ao fim de sua longa, ativa e atribulada existência, sempre matreiro, atirou farpas em Florestan, dizendo que enquanto ele (Darcy) trabalhava no campo, o colega (Florestan) exercia pesquisas de gabinete”. 81 81 Ab’Saber, 2004 , p. 500. Isso é irônico, sabendo da (injusta) fama de “teórico à distância” que pairava sobre Lévi-Strauss e que Florestan parece endossar. Os livros posteriores de Lévi-Strauss não estão anotados; parece que temos finalmente uma evidência a mais da progressiva perda de interesse de Florestan pela etnologia. Nada, enfim, que não pudesse ter sido recuperado anos mais tarde, e que ainda hoje vemos os frutos interessantes retomando o “problema tupinambá”.

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  • ______. “Etnologia brasileira”. In: Miceli, Sergio (org.). O que ler na ciência social brasileira (1970-1995): antropologia . São Paulo: Sumaré, 1999.
  • 1
    Gostaria de agradecer Aline Iubel, Geraldo Andrello, Clarice Cohn e Luiz Henrique de Toledo, além dos pareceristas de Novos Estudos pelos comentários.
  • 2
    Peirano, 1984 ______. “A antropologia esquecida de Florestan Fernandes: os tupinambá”. Anuário Antropológico , n. 82, 1984. , p. 33. É preciso certa cautela em relação ao tipo de funcionalismo a que Florestan se refere. Para se ter uma noção precisa, ver a “orientação metodológica” que ele próprio escreveu em A função social da guerra na sociedade tupinambá ( 1970 ______. A função social da guerra na sociedade tupinambá . 2ª ed. São Paulo: Pioneira; Edusp, 1970. , pp.14-17, especialmente a nota 3, à p. 14).
  • 3
    Entrevista citada em Peirano ( 1981 Peirano, Mariza. The Anthropology of Anthropology: The Brazilian Case . Tese (doutorado)— Department of Anthropology, Harvard University, Cambridge, 1981. , p. 56).
  • 4
    Viveiros de Castro, 1999 ______. “Etnologia brasileira”. In: Miceli, Sergio (org.). O que ler na ciência social brasileira (1970-1995): antropologia . São Paulo: Sumaré, 1999. . Aliás, a referência a Viveiros de Castro aqui não vem à toa: Araweté: os deuses canibais ( 1986 Viveiros de Castro, Eduardo. Araweté: os deuses canibais . Rio de Janeiro: Zahar, 1986. ), fruto de sua tese de doutorado, foi uma das poucas obras em que um etnólogo se dedicou a conversar com o material de Florestan (isso mais de trinta anos depois da publicação de A função social da guerra na sociedade tupinambá. Soma-se a esse livro o artigo, publicado um ano antes por ele mesmo e Manuela Carneiro da Cunha ( Carneiro da Cunha; Viveiros de Castro, 1985 Carneiro da Cunha, Manuela; Viveiros de Castro, Eduardo. “Vingança e temporalidade: os tupinamba”. Journal de la Société des Américanistes , v. 71, n. 1, pp. 191-208, 1985. ). Para discussões mais recentes, ver Sztutman ( 2012) ______. O profeta e o principal . São Paulo: Edusp, 2012. . Voltarei a essas referências adiante.
  • 5
    Dumont, 1997 ______. Groupes de filiation et alliance de mariage: introduction à deux théories d’anthropologie sociale . Paris: Gallimard, 1997. .
  • 6
    Florestan ainda publicou alguns artigos sobre etnologia nas décadas de 1940 e 1960, reunidos em um livro ( Fernandes, 1975 ______. A investigação etnológica no Brasil e outros ensaios . Petrópolis: Vozes, 1975. ), embora essa produção seja tímida, em extensão e repercussão, se comparada à sua obra “sociológica”. Também orientou a tese de Roque Barros Laraia ( 1972 Laraia, Roque de Barros. 1972. Organização social dos tupi contemporâneos . Tese (doutorado)—Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1972. ), sendo substituído na defesa por Luiz Pereira em função de sua cassação como professor da USP pelo regime militar.
  • 7
    Usarei “Função” para se referir a esta obra original de 1952 (uso a edição de 1970), e “Organização” para A organização social dos tupinambá (edição de 1989, fac-símile da de 1949).
  • 8
    Para tal constatação sobre Florestan, ver especialmente Peirano ( 1981 Peirano, Mariza. The Anthropology of Anthropology: The Brazilian Case . Tese (doutorado)— Department of Anthropology, Harvard University, Cambridge, 1981. , cap. 3), Pontes ( 1996 Pontes, Heloísa. Destinos mistos: o “Grupo Clima” no sistema cultural paulista . Tese (doutorado)—Departamento de Sociologia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996. , p. 303), Viveiros de Castro (1999, pp. 110-122), Miceli (2001 Miceli, Sergio (Org.). História das ciências sociais no Brasil , v. 1. São Paulo: Sumaré, 2001., especialmente os capítulos de Fernando Limongi Limongi, Fernando. “Mentores e clientelas da Universidade de São Paulo”. In: Miceli, Sergio (Org.). História das ciências sociais no Brasil , v. 1. São Paulo: Sumaré, 2001a. e Fernanda Peixoto Peixoto, Fernanda A. “Franceses e norte-americanos nas ciências sociais brasileiras (1930-1960)”. In: Miceli, Sergio (org.). História das ciências sociais no Brasil , v. 1. São Paulo: Sumaré, 2001.) e Garcia ( 2002 Garcia, Sylvia G. Destino ímpar: sobre a formação de Florestan Fernandes . São Paulo: Ed. 34, 2002. , pp. 121-131).
  • 9
    Peirano, 1981 Peirano, Mariza. The Anthropology of Anthropology: The Brazilian Case . Tese (doutorado)— Department of Anthropology, Harvard University, Cambridge, 1981. .
  • 10
    Peirano, 1981 Peirano, Mariza. The Anthropology of Anthropology: The Brazilian Case . Tese (doutorado)— Department of Anthropology, Harvard University, Cambridge, 1981. , pp. 55 e ss.
  • 11
    Ver Merton, 1957 Merton, Robert K. Social Theory and Social Structure . 2. ed. Nova York: Free Press, 1957. , p. 138. Esse “ponto metodológico”, inclusive, apareceu em publicações posteriores, como em A investigação etnológica no Brasil ( Fernandes, 1975 ______. A investigação etnológica no Brasil e outros ensaios . Petrópolis: Vozes, 1975. ).
  • 12
    Ele foi professor na USP de 1935 a 1938, e Florestan ingressou na FFCL/USP em 1941.
  • 13
    Cardoso, 2006 Cardoso, Fernando H. “Fernando Henrique Cardoso. Entrevista concedida a Elide Rugai Bastos, Fernando Abrucio, Maria Rita Loureiro e José Marcio Rego”. In: Bastos, Elide R. et al. Conversas com sociólogos brasileiros . São Paulo: Ed. 34, 2006. , p. 69; Jackson, 2002, p. 51. Sobre certas diferenças entre Florestan e Antonio Candido, ver Garcia ( 2002 Garcia, Sylvia G. Destino ímpar: sobre a formação de Florestan Fernandes . São Paulo: Ed. 34, 2002. , p. 86 e ss.) e Jackson ( 2002 Jackson, Luiz Carlos. A tradição esquecida: Os parceiros do rio Bonito e a sociologia de Antonio Candido . Belo Horizonte: Ed. UFMG; Fapesp, 2002. , cap. 2).
  • 14
    Dumont, 1994 Dumont, Louis. “Préface”. In: Evans-Pritchard, Edward. Les Nuer: description des modes de vie et des institutions politiques d’un peuple nilote . Paris: Gallimard, 1994. , pp. IX-X. Em outra ocasião, Dumont ( 1997 ______. Groupes de filiation et alliance de mariage: introduction à deux théories d’anthropologie sociale . Paris: Gallimard, 1997. ) também sugere, entre outros pontos, que Lévi-Strauss não teria levado, em As estruturas elementares do parentesco, o “método de relações” às últimas consequências, permanecendo assim com um resíduo “classista”. De certo modo, como veremos, o material tupinambá analisado por Florestan justamente suscitou teorias que apostam no “método das relações” para a realidade ameríndia, como por exemplo na ideia do “dravidianato amazônico” ( Viveiros de Castro, 1993 ______. “Alguns aspectos do dravidianato amazônico”. In: Viveiros de Castro, Eduardo; Carneiro da Cunha, Manuela (Orgs.). Amazônia: etnologia e história indígena . São Paulo: NHII/USP; Fapesp, 1993. ).
  • 15
    Sua incursão inicial aos tupinambá, na Organização, foi fruto em grande parte do estímulo dado por Herbert Baldus, então professor na Escola Livre de Sociologia e Política, onde Florestan havia ingressado para o mestrado em 1945. A partir de um trabalho de curso, Baldus o estimula a aprofundar suas pesquisas sobre os tupinambá, colocando como estímulo o fato de que a posição de Alfred Métraux (a autoridade etnológica de então no assunto) de que era impossível reconstituir a organização social desses índios, poderia, enfim, estar errada. Métraux, assim, parecia ser o alvo que estimulou o vetor etnológico de Florestan ( Fernandes, 1995 ___. “Florestan Fernandes, história e histórias: depoimento a Alfredo Bosi, Carlos Guilherme Mota e Gabriel Cohn”. Novos Estudos—Cebrap , n. 42, São Paulo, pp. 3-31, 1995. , p. 10). Note-se que nessa época ele já tinha publicado um prefácio à Contribuição à crítica da economia política de Marx, artigos sobre educação e, principalmente, sobre folclore em São Paulo, portanto tateava sua entrada sociológica em alguns sentidos.
  • 16
    Peirano, 1984 ______. “A antropologia esquecida de Florestan Fernandes: os tupinambá”. Anuário Antropológico , n. 82, 1984. , p. 20.
  • 17
    Peirano, 1984 ______. “A antropologia esquecida de Florestan Fernandes: os tupinambá”. Anuário Antropológico , n. 82, 1984. , p. 18.
  • 18
    Ver, nesse sentido, Viveiros de Castro, 1986 Viveiros de Castro, Eduardo. Araweté: os deuses canibais . Rio de Janeiro: Zahar, 1986. , pp. 86-87).
  • 19
    Por exemplo, Fausto ( 2001 ______. Inimigos fiéis: história, guerra e xamanismo na Amazônia . São Paulo: Edusp, 2001. ) e Sztutman ( 2012 ______. O profeta e o principal . São Paulo: Edusp, 2012. ).
  • 20
    Lowie ( 1941 Lowie, Robert. “A Note on the Northern Ge of Brazil”. American Anthropologist , Chicago, n. 43, 1941. ). Para uma noção do que representou a ideia de uma “anomalia jê”, ver Damatta ( 1973 DaMatta, Roberto. “A Reconsideration of Apinayé Social Morphology”. In: Gross, Daniel R. (Org.). Peoples and Cultures of Native South America . Nova York: Doubleday; The Natural History Press, 1973. pp. 277-291. ), e Souza ( 2002 Souza, Marcela Coelho. O traço e o círculo: o conceito de parentesco entre os jê e seus antropólogos . Tese (doutorado)—Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2002. , p. 33). Uma apreciação deste problema da “marginalidade” da paisagem etnográfica sul-americana também pode ser vista em Sztutman ( 2002 Sztutman, Renato. “Do dois ao múltiplo na terra do um: a experiência antropológica de David Maybury-Lewis”. Revista de Antropologia , São Paulo, v. 45, n. 2, 2002. , pp. 449 e ss).
  • 21
    Sobre o parentesco tupi--guarani (especialmente tapirapé e tenetehara) em Wagley e Galvão, ver Balée ( 2014 Balée, William. “Charles Wagley on Changes in Tupí-Guaraní Kinship Classifications”. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi—Ciências Humanas , Belém, v. 9, n. 3, pp. 645-659, 2014. ).
  • 22
    Viveiros de Castro, 1986 Viveiros de Castro, Eduardo. Araweté: os deuses canibais . Rio de Janeiro: Zahar, 1986. , p. 89.
  • 23
    Ainda assim, “cabe a Métraux, de qualquer forma, o mérito de ter apontado a notável continuidade entre as culturas tupi-guarani estudadas in situ por etnógrafos contemporâneos e a imagem da sociedade tupinambá deixada pelos cronistas. Ele abre o caminho para a tentativa, mais rigorosa e ambiciosa, de Florestan Fernandes” ( Viveiros de Castro, 1986 Viveiros de Castro, Eduardo. Araweté: os deuses canibais . Rio de Janeiro: Zahar, 1986. , p. 84).
  • 24
    Laraia, 1972 Laraia, Roque de Barros. 1972. Organização social dos tupi contemporâneos . Tese (doutorado)—Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1972. .
  • 25
    Ver especialmente Viveiros de Castro ( 1986 Viveiros de Castro, Eduardo. Araweté: os deuses canibais . Rio de Janeiro: Zahar, 1986. , p. 83 e ss.).
  • 26
    Fernandes, 1952 Fernandes, Florestan. “La Guerre et le sacrifice humain chez les Tupinamba”. Journal de la Société des Américanistes , 41, n. 1, 1952, pp. 139-220. . Em uma referência sobre o Journal de la Societé des Americanistes, Florestan comenta, em correspondência com Barbara Freitag: “saiu no Journal des Américanistes, o que quer dizer—não será visto nem cheirado…” (correspondência enviada em 16 out. 1971, citada em Freitag, 1996 Freitag, Barbara. “Florestan Fernandes por ele mesmo”. Estudos Avançados , v. 10, n. 26, jan./abr. 1996.). Além disso, como nota José de Souza Martins ( 1998 Martins, José de Souza. Florestan: sociologia e consciência social no Brasil . São Paulo: Edusp, 1998. , p. 37), o maior reconhecimento que Florestan teve na época, no exterior, apareceu em Social Theory and Social Structure (reedição de 1957), de Robert K. Merton. No entanto, a citação é referente ao artigo de Florestan de 1953, “Ensaio sobre o método de interpretação funcionalista na sociologia”, e não sobre os tupinambá.
  • 27
    Kaplan, 1975 Kaplan, Joanna Overing. 1975. The Piaroa: A People of the Orinoco Basin. A Study in Kinship and Marriage . Oxford: Clarendon, 1975. , especialmente parte 3.
  • 28
    Viveiros de Castro, 1993 ______. “Alguns aspectos do dravidianato amazônico”. In: Viveiros de Castro, Eduardo; Carneiro da Cunha, Manuela (Orgs.). Amazônia: etnologia e história indígena . São Paulo: NHII/USP; Fapesp, 1993. ; Albert, 1985 Albert, Bruce. Temps du sang, temps des cendres: représentation de la maladie, système rituel et espace politique chez les Yanomami du Sud-Est (Amazonie brésilienne) . Tese (doutorado)—Université de Paris X, Paris, 1985. .
  • 29
    Lévi-Strauss, 1942 Lévi-Strauss, Claude. “Guerra e comércio entre os índios da América do Sul”. Revista do Arquivo Municipal , São Paulo, n. 87, pp. 131-146, 1942. ; 1949 ______. Les Structures élémentaires de la parenté . Paris: PUF, 1949. .
  • 30
    Clastres, 1980 Clastres, Pierre. Arqueologia da violência. São Paulo: Brasiliense, 1980. .
  • 31
    Carneiro da Cunha; Viveiros de Castro, 1985 Carneiro da Cunha, Manuela; Viveiros de Castro, Eduardo. “Vingança e temporalidade: os tupinamba”. Journal de la Société des Américanistes , v. 71, n. 1, pp. 191-208, 1985. .
  • 32
    Sztutman, 2012 Sztutman, Renato. “Do dois ao múltiplo na terra do um: a experiência antropológica de David Maybury-Lewis”. Revista de Antropologia , São Paulo, v. 45, n. 2, 2002.
  • 33
    Interessante notar que as obras sobre os tupinambá geralmente são lembradas pela sua importância, mas merecem atenção lateral em relação aos comentários acerca da obra de Florestan como um todo. Por exemplo, a precedência que é ressaltada em relação ao que se chama de “sociologia funcionalista” em relação ao que se poderia chamar de “antropologia” ou “etnologia” de Florestan é notável entre alguns comentadores (por exemplo, Martins, 1998 Martins, José de Souza. Florestan: sociologia e consciência social no Brasil . São Paulo: Edusp, 1998. , p.37; Garcia, 2002 Garcia, Sylvia G. Destino ímpar: sobre a formação de Florestan Fernandes . São Paulo: Ed. 34, 2002. , p.135; e, criticamente a essa posição, Peirano, 1991 ______. Uma antropologia no plural: três experiências contemporâneas . Brasília: Ed. UnB, 1991. , pp. 51 e ss.).
  • 34
    Peirano, 1991 ______. Uma antropologia no plural: três experiências contemporâneas . Brasília: Ed. UnB, 1991. , especialmente os comentários de Antonio Candido reportados a ela nas pp. 55-56.
  • 35
    Viveiros de Castro, 1986 Viveiros de Castro, Eduardo. Araweté: os deuses canibais . Rio de Janeiro: Zahar, 1986. , pp. 646-679.
  • 36
    Viveiros de Castro, 1986 Viveiros de Castro, Eduardo. Araweté: os deuses canibais . Rio de Janeiro: Zahar, 1986. , p. 666.
  • 37
    Para um possível erro de interpretação que Florestan fez de Durkheim e Mauss quanto ao mecanismo jural de restituição provocado pela vingança, ver Viveiros de Castro ( 1986 Viveiros de Castro, Eduardo. Araweté: os deuses canibais . Rio de Janeiro: Zahar, 1986. , pp. 652-653).
  • 38
    Uma boa síntese deste processo está em Peirano ( 1984 ______. “A antropologia esquecida de Florestan Fernandes: os tupinambá”. Anuário Antropológico , n. 82, 1984. , p. 25).
  • 39
    Como notaram Carneiro da Cunha e Viveiros de Castro ( 1985 Carneiro da Cunha, Manuela; Viveiros de Castro, Eduardo. “Vingança e temporalidade: os tupinamba”. Journal de la Société des Américanistes , v. 71, n. 1, pp. 191-208, 1985. , p. 200): “A centralidade da vingança, Florestan Fernandes já a havia provado magistralmente ( 1970 ______. A função social da guerra na sociedade tupinambá . 2ª ed. São Paulo: Pioneira; Edusp, 1970. ). Mas, levado talvez por suas premissas teóricas, acabou fazendo da guerra o instrumento da religião, não no sentido que evocamos acima, mas no de um meio para a restauração da integridade de uma sociedade ferida pela morte de seus membros. Para tanto, postulou um culto dos ancestrais que os relatos dos cronistas não sustentam e que Métraux, com acerto, contestou”.
  • 40
    Fernandes, 1970 ______. A função social da guerra na sociedade tupinambá . 2ª ed. São Paulo: Pioneira; Edusp, 1970. , p.329.
  • 41
    Fernandes, 1970 ______. A função social da guerra na sociedade tupinambá . 2ª ed. São Paulo: Pioneira; Edusp, 1970. , p. 157.
  • 42
    Fernandes, 1970 ______. A função social da guerra na sociedade tupinambá . 2ª ed. São Paulo: Pioneira; Edusp, 1970. , p. 371.
  • >43
    É bastante sugestiva a lembrança a que Vander Velden (2014 Vander Velden, Felipe. “O retorno dos ancestrais, ou alguma coisa que sei sobre o Florestan dos antropólogos”. Florestan , São Carlos, v. 1, n. 1, 2014., pp. 66-67) nos remete, relativizando o impacto da crítica de Viveiros de Castro a Florestan, mostrando a ideia de um “retorno dos ancestrais” (através de nomes, genealogias, objetos etc.) em diversas áreas etnográficas sul-americanas.
  • 44
    Ou seja, tal e qual se vê, por exemplo, no noroeste amazônico, o ancestral está mais para a “relação” do que para a “linha”, como bem mostrou Hugh-Jones (1995) Hugh-Jones, Stephen. “Inside-out and Back-to-front: The Androgynous House in Northwest Amazonia”. In: Carsten, Janet; Hugh-Jones, Stephen (Orgs.). About the House: Lévi-Strauss and Beyond . Cambridge: Cambridge University Press, 1995..
  • 45
    Fausto, 1995 Fausto, Carlos. “De primos e sobrinhas: terminologia e aliança entre os parakanã (tupi) do Pará”. In: Viveiros de Castro, Eduardo (Org.). Antropologia do parentesco: estudos ameríndios . Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1995. , p. 101.
  • 46
    Fausto, 1996, p. 97.
  • 47
    Peirano, 1981 Peirano, Mariza. The Anthropology of Anthropology: The Brazilian Case . Tese (doutorado)— Department of Anthropology, Harvard University, Cambridge, 1981. , p. 52; 1991, p. 61.
  • 48
    Florestan cita Bateson tanto na Função como em “Tendências teóricas da moderna investigação etnológica no Brasil”, de 1958 ( Fernandes, 1975 ______. A investigação etnológica no Brasil e outros ensaios . Petrópolis: Vozes, 1975. ).
  • 49
    Viveiros de Castro, 1986 Viveiros de Castro, Eduardo. Araweté: os deuses canibais . Rio de Janeiro: Zahar, 1986. , pp. 656-657.
  • 50
    Geiger, 2008 Geiger, Amir. “Apresentação”. In: Bateson, Gregory. Naven . São Paulo: Edusp, 2008. , p. 36.
  • 51
    Viveiros de Castro, 1990 ______. “Princípios e parâmetros: um comentário a ‘L’Exercice de la parenté’”. Comunicações do PPGAS , Rio de Janeiro, n. 17, 1990. , p. 9.
  • 52
    Viveiros de Castro está aqui também fazendo menção a uma outra classe de problemas, das “estruturas semicomplexas”, tais como foram trabalhadas por Héritier ( 1981 Héritier, Françoise. L’Exercice de la parenté . Paris: Gallimard, 1981. ).
  • 53
    A outra referência que ele faz a Bateson, na nota 63 63 Sahlins, 1968. à página 178 da Função, diz o seguinte: “As páginas seguintes representam uma tentativa para compreender sociologicamente como os processos sociais condicionavam e determinavam o papel dos comportamentos adquiridos na vida psíquica dos tupinambá. A sugestão foi encontrada em uma leitura de Ba-teson, que se limita a indicar o problema do ponto de vista etnológico (cf. G. Bateson, Cultural Determinants of Personality, pp. 732-3)”.
  • 54
    Fernandes, 1970 ______. A função social da guerra na sociedade tupinambá . 2ª ed. São Paulo: Pioneira; Edusp, 1970. , p. 235, grifos meus.
  • 55
    O ponto crítico a esta discussão está colocado em Viveiros de Castro ( 1986 Viveiros de Castro, Eduardo. Araweté: os deuses canibais . Rio de Janeiro: Zahar, 1986. , p. 86, nota 3). Ver também a próxima nota, abaixo. É preciso deixar registrado que este não é exatamente um ponto pacífico. De acordo com Fausto ( 1995 Fausto, Carlos. “De primos e sobrinhas: terminologia e aliança entre os parakanã (tupi) do Pará”. In: Viveiros de Castro, Eduardo (Org.). Antropologia do parentesco: estudos ameríndios . Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1995. , p. 118, nota 56), vários autores “deslizaram” para a percepção lévi-straussiana de que os sistemas, tupi eram predominantemente bilaterais. Para uma retomada de Morgan e seu papel para a posterior teoria da aliança, ver Silva (2012) Silva, Marcio F. “Um pequeno, mas espinhoso, problema do parentesco”. Ilha , Florianópolis, v. 12, n. 2, 2012..
  • 56
    Ver, por exemplo, a ideia do avunculato como um “hipodravidianato”, elaborada por Viveiros de Castro ( 1996 ______. “Ambos os três: sobre algumas distinções tipológicas e seu significado estrutural na teoria do parentesco”. Anuário Antropológico/95 . Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996. , p. 79), e as discussões sobre a relação entre avunculato e casamento com a FZD em Fausto ( 1995 Fausto, Carlos. “De primos e sobrinhas: terminologia e aliança entre os parakanã (tupi) do Pará”. In: Viveiros de Castro, Eduardo (Org.). Antropologia do parentesco: estudos ameríndios . Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1995. , especialmente pp. 83 e ss.).
  • 57
    Fernandes, 1989 ______. A organização social dos tupinambá . São Paulo; Brasília: Hucitec; UnB, 1989. , p. 189.
  • 58
    O que pode ser contestável, já que existe um “termo estranho”, “yra”, traduzido como “filho da avó”. Não foi possível para mim saber a extensão desse termo, se é evidência forte ou fraca de agnatismo, no sentido desse sujeito produzir afins, consanguíneos ou um terceiro termo, como os “filhos de mãe” tukano. Seria interessante saber se a indiferença tupinambá quanto à residência infletiu na visão sobre o cognatismo, mas uma pista que poderia ser explorada pode ser pensada a partir de uma breve menção sobre a ligação entre planos residenciais com a guerra ( Florestan, 1970 ______. A função social da guerra na sociedade tupinambá . 2ª ed. São Paulo: Pioneira; Edusp, 1970. , p. 232, nota 256). Para maiores esclarecimentos, ver Viveiros de Castro ( 1986 Viveiros de Castro, Eduardo. Araweté: os deuses canibais . Rio de Janeiro: Zahar, 1986. , p. 86, nota 3).
  • 59
    Fausto, 1995 Fausto, Carlos. “De primos e sobrinhas: terminologia e aliança entre os parakanã (tupi) do Pará”. In: Viveiros de Castro, Eduardo (Org.). Antropologia do parentesco: estudos ameríndios . Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1995. , p. 97.
  • 60
    Dumont, 1997 ______. Groupes de filiation et alliance de mariage: introduction à deux théories d’anthropologie sociale . Paris: Gallimard, 1997. .
  • 61
    Sztutman, 2012 Sztutman, Renato. “Do dois ao múltiplo na terra do um: a experiência antropológica de David Maybury-Lewis”. Revista de Antropologia , São Paulo, v. 45, n. 2, 2002. , pp. 208-209.
  • 62
    Fernandes, 1970 ______. A função social da guerra na sociedade tupinambá . 2ª ed. São Paulo: Pioneira; Edusp, 1970. , p. 340.
  • 63
    Sahlins, 1968 Sahlins, Marshall D. “On the Sociology of the Primitive Exchange”. In: Banton, Michael (Org.). The Relevance of Models for Social Anthropology . Londres: Tavistock, 1968..
  • 64
    Viveiros de Castro, 1993 ______. “Alguns aspectos do dravidianato amazônico”. In: Viveiros de Castro, Eduardo; Carneiro da Cunha, Manuela (Orgs.). Amazônia: etnologia e história indígena . São Paulo: NHII/USP; Fapesp, 1993. ; 1996.
  • 65
    Lévi-Strauss, 1942 Lévi-Strauss, Claude. “Guerra e comércio entre os índios da América do Sul”. Revista do Arquivo Municipal , São Paulo, n. 87, pp. 131-146, 1942. . Estranhamente, a discussão com o texto de 1943 de Lévi-Strauss ______. “The Social Use of Kinship Terms among Brazilian Indians”. American Anthropologist , v.45, n.3, pp.398-409, jul.-set. 1943. desaparece aqui. Aliás, ela só será retomada, com mais fôlego e tentando mostrar os equívocos deste, no texto “Tendências teóricas da moderna investigação etnológica no Brasil” (que está em Fernandes, 1975 ______. A investigação etnológica no Brasil e outros ensaios . Petrópolis: Vozes, 1975. ).
  • 66
    Tal passagem de Lévi-Strauss também está citada em Fernandes ( 1975 ______. A investigação etnológica no Brasil e outros ensaios . Petrópolis: Vozes, 1975. , pp. 173-174).
  • 67
    Fernandes, 1970 ______. A função social da guerra na sociedade tupinambá . 2ª ed. São Paulo: Pioneira; Edusp, 1970. , p. 340.
  • 68
    Candido, 1996 ______. “O jovem Florestan”. Estudos Avançados , São Paulo, v. 10, n. 26, jan./abr. 1996. , p. 13.
  • 69
    Fernandes, 2006 ______. “Florestan Fernandes. Entrevista concedida a Elide Rugai Bastos, Fernando Abrucio, Maria Rita Loureiro e José Marcio Rego”. In: Bastos, Elide R. et al. Conversas com sociólogos brasileiros. São Paulo: Ed. 34, 2006. , p. 21.
  • 70
    Creio que há um problema de transcrição aqui nesse depoimento de Florestan, pois “heteronímia” refere-se ao uso, em gramática, dos heterônimos (como na literatura). Mas a heteronomia, “sujeição a uma lei exterior ou vontade de outrem” ( Houaiss, 2009 Houaiss, Antônio; Villar, Mauro; Franco, Francisco Manoel de Mello. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa . Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, , p. 1016), é algo pensado justamente na teoria da dependência.
  • 71
    Fernandes, 2006 ______. “Florestan Fernandes. Entrevista concedida a Elide Rugai Bastos, Fernando Abrucio, Maria Rita Loureiro e José Marcio Rego”. In: Bastos, Elide R. et al. Conversas com sociólogos brasileiros. São Paulo: Ed. 34, 2006. , pp. 21-22.
  • 72
    Talvez exceto por uma pequena referência à Max Weber, no momento em que Lévi-Strauss diz que “as condutas individuais normais jamais são simbólicas por elas mesmas” ( Lévi-Strauss, 1950 ______. “Introduction à l”œuvre de Marcel Mauss”. In: Mauss, Marcel. Sociologie et anthropologie . Paris: PUF, 1950. pp. IX-LII. , p. XVI).
  • 73
    Fernandes, 1970 ______. A função social da guerra na sociedade tupinambá . 2ª ed. São Paulo: Pioneira; Edusp, 1970. , pp. 231-232.
  • 74
    Carta de Lévi-Strauss a Florestan Fernandes, doc. 02.07.0165, Coleção Decore/Fundo Florestan Fernandes, Bco/UFSCar. Ver Figura 4 .
  • 75
    Curiosamente, do lado de lá, nos “Fonds Claude Lévi-Strauss”, onde estão registradas correspondências com centenas de pessoas, não consta nenhuma com Florestan (ver http://archivesetmanuscrits.bnf.fr/ ark:/12148/cc134071/ca124, acesso em: 4 maio 2017).
  • 76
    Fernandes, 1978 ___. A condição de sociólogo . São Paulo: Hucitec, 1978. , p. 89, grifos meus.
  • 77
    Na página 603, está um trecho sublinhado, e a anotação “Durkheim”.
  • 78
    Florestan tinha uma atitude algo, digamos, “holista” (em sentido dumontiano) em relação às hierarquias acadêmicas. Em vários de seus depoimentos, relatados por exemplo em Garcia ( 2002 Viveiros de Castro, Eduardo. Araweté: os deuses canibais . Rio de Janeiro: Zahar, 1986. , pp. 84 e ss.), ficam patentes os filtros que distinguem as gradações entre os polos mestre–aprendiz e o tipo de respeito e precedência que se deve interpor entre eles.
  • 79
    Fernandes, 1975 ______. A investigação etnológica no Brasil e outros ensaios . Petrópolis: Vozes, 1975. , p. 171.
  • 80
    Ver, por exemplo, Souza e Fausto ( 2004 Souza, Marcela Coelho; Fausto, Carlos. “Reconquistando o campo perdido: o que Lévi-Strauss deve aos ameríndios”. Revista de Antropologia , São Paulo, v. 47, n. 1, 2004. ).
  • 81
    Ab’Saber, 2004 Ab’Saber, Aziz N. São Paulo: ensaios entreveros . São Paulo: Edusp, 2004. , p. 500.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Oct 2017

Histórico

  • Recebido
    08 Set 2016
  • Aceito
    24 Fev 2017
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