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DO COMPROMISSO MAXIMIZADOR À RESILIÊNCIA CONSTITUCIONAL

From the Maximizing Commitment to the Constitutional Resilience

RESUMO

Este artigo revisita o contexto e as disputas políticas ocorridas durante a Assembleia Constituinte de 1987-1988 com o objetivo de identificar fatores institucionais que ajudem a explicar as características da Carta por ela promulgada e a justificar a preservação do cerne desta, a despeito da intensa série de emendas ao longo dos 30 anos de sua existência.

PALAVRAS-CHAVE:
Assembleia Constituinte; design institucional; sistema político

ABSTRACT

This article revisits the context and the political struggles during the Constituent Assembly of 1987-1988, in order to explain the characteristic traits of the Constitution it drafted and to justify why the core of its text remained preserved despite the several amendments approved throughout the thirty years of its existence.

KEYWORDS:
Constituent Assembly; institutional design; political system

O COMPROMISSO MAXIMIZADOR

A Constituição é uma norma superior voltada a habilitar a competição política, regular o exercício do poder e a alternância nele, assim como assegurar o Estado de direito e os princípios básicos de justiça que regulam as relações entre as pessoas e entre elas e o Estado. Sua principal função é contribuir para que a sociedade coordene democraticamente seus conflitos.

A atual Constituição brasileira resultou do mais amplo e democrático pacto firmado na história do país entre os múltiplos atores políticos e institucionais, setores e classes sociais. A reconstitucionalização brasileira não decorreu de uma ruptura com o antigo regime, mas foi parte essencial do processo de transição a que deu forma jurídica.

Participaram do momento constituinte tanto as diversas forças democratizantes como aquelas que apoiaram e se beneficiaram do regime autoritário. Isso explica sua natureza compromissária. A elaboração da Carta Magna deu-se num contexto de forte desconfiança, fragmentação política e ausência de uma visão hegemônica sobre o país. Esse ambiente explica por que, de modo geral, os diversos atores buscaram maximizar interesses, prerrogativas e aspirações próprios, entrincheirando-os no corpo constitucional. O resultado dessa estratégia foi uma Constituição ampla, detalhista, ambiciosa e, em muitos aspectos, contraditória. Daí a ideia de um compromisso maximizador.

Por um lado, surgiu uma Constituição com ímpeto transformador, que incluía uma generosa carta de direitos, voltada a enfrentar tanto o passado imediato do autoritarismo quanto um legado mais profundo de desigualdade, pobreza e subdesenvolvimento. A desconfiança no legislador, assim como no Executivo, levou à ampla inserção de políticas públicas no texto constitucional visando a ampliar o acesso à educação, à saúde e à assistência social, além de assegurar atenção especial a grupos vulneráveis.

Por outro lado, o texto apresenta uma série de cláusulas regressivas, baseadas na forte cultura corporativista e patrimonialista do país e voltadas a concentrar renda e poder por intermédio de uma série de privilégios e interesses de estamentos burocráticos e de setores econômicos.

Em termos políticos, a estratégia foi a dispersão do poder. Além de um complexo regime federativo, adotou-se um modelo presidencialista que, para funcionar, depende de uma ampla, custosa e eventualmente heterogênea coalizão parlamentar. A adoção do voto proporcional com lista aberta, em grandes distritos eleitorais, levou a uma previsível hiperfragmentação partidária e à ampliação dos custos eleitorais, além de uma crescente heterogeneidade nas coalizões governamentais.

A questão que intriga é por que uma Assembleia Constituinte composta predominantemente de políticos profissionais, que após o término dos trabalhos permaneceriam no Congresso ou buscariam postos no Executivo, elaborou um texto que limitaria tanto o espaço de liberdade da política cotidiana? Por que experientes parlamentares optaram por uma Constituição que restringiu o poder do Legislativo e do Executivo, em seus diversos níveis, naquilo que compõe a essência da política institucional, que é o poder de arbitrar conflitos distributivos, decidir sobre temas importantes da economia, da administração, da moralidade, da política criminal etc.? Ao constitucionalizar tantos temas e políticas (Vieira, 1997Vieira, Oscar Vilhena. “A Constituição como reserva de justiça”. Lua Nova: revista de cultura e política, n. 42, p. 53-97, 1997., p. 59; Couto e Arantes, 2006Couto, Cláudio Gonçalves; Arantes, Rogério Bastos. “Constituição, governo e democracia no Brasil”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 21, n. 61, 2006, pp. 41-62., pp. 41-62), ou seja, transformá-las em questão de direito, transferiu-se para as instituições de justiça um poder que tradicionalmente pertencia ao campo da política. Mais que isso, fortaleceu o judiciário, atribuiu novas e inusitadas competências ao Ministério Público, além de conferir poderes sem precedentes ao Supremo Tribunal Federal. Tudo em detrimento da própria política a ser levada a cabo pelo parlamento de forma ordinária (Ackerman, 1991Ackerman, Bruce. We the people: foundations. Cambridge: The Belknap Press of Harvard University Press, 1993.). Como explicar esse fenômeno, a partir da perspectiva de que políticos são atores racionais, maximizadores de seus próprios interesses?

Uma segunda questão que também parece paradoxal no processo constituinte brasileiro é: como uma Constituinte congressual formada, na maioria, por políticos de perfil moderado e conservador, cujo trabalho não passaria por nenhum processo de ratificação popular, produziu um documento considerado progressista ou, ao menos, mais progressista que o perfil daqueles que a elaboraram?

As respostas a algumas dessas perguntas podem estar associadas aos seguintes fatores: alto grau de desconfiança entre os atores políticos, de modo similar ao argumento sustentado por Ginsburg (2003Ginsburg, Tom. Judicial Review in New Democracies: Constitutional Courts in Asian Cases. Cambridge: Cambridge University Press , 2003.) e Knight (2001Knight, Jack. “Institutionalizing Constitutional Interpretation”. In: Ferejohn, John et al. (orgs.). Constitutional Culture and Democratic Rule. Cambridge: Cambridge University Press , 2001, pp. 361-91.); surpreendente participação popular na primeira etapa da Constituinte, favorecida pelas regras regimentais; ausência de um projeto hegemônico que servisse de fio condutor da Constituição a ser elaborada; elevada fragmentação partidária (e intrapartidária, no caso do pmdb); por fim, forte corporativismo, patrimonialismo e, de maneira mais abrangente, desenvolvimentismo, teias de caráter estruturante da cultura política nacional que não poderiam estar ausentes de um processo de coordenação política e social dessa magnitude.

Os tópicos 1 e 2 deste texto contextualizam o período que antecedeu a Constituinte e os debates sobre seu formato. O tópico 3 descreve o cenário de fragmentação partidária e a origem do Regimento Interno da Assembleia, tendo este último, como demonstrado no tópico 4, possibilitado a intensa participação popular na primeira etapa do processo de elaboração da Constituição. Mesmo a reação da ala conservadora, descrita no tópico 5, não foi capaz de lograr alterações substanciais no primeiro texto aprovado. O tópico 6 propõe uma hipótese explicativa para a resiliência do texto constitucional, que preserva sua essência a despeito das mais de cem alterações por que passou desde então.

1. A TRANSIÇÃO

Processos de transição democráticos envolvem, simultaneamente, o colapso do regime ditatorial vigente e a institucionalização da incerteza característica da democracia. No regime democrático, nenhum ator é capaz de antecipar completamente se os resultados atenderão a suas expectativas ou intervir neles (Przeworski, 1986Przeworski, Adam. “Some Problems in the Study of the Transition to Democracy”. In: O’Donnell, Guillermo et al. (orgs.). Transitions from Authoritarian Rule: Comparative Perspectives, v. 3. Londres: The Johns Hopkins University Press, 1986., p. 57). Isso aponta para a importância dos acordos que determinarão o arranjo institucional.

Os acontecimentos prévios à Constituinte e particulares a nossa transição democrática contribuíram para aumentar a atmosfera de desconfiança. Entre o fim da década de 1970 e início da década de 1980, relevantes atores na política e na sociedade civil defendiam ou passaram a defender a reconstrução da democracia e a reconstitucionalização. A luta foi abraçada por um grupo progressista de profissionais em defesa de presos políticos e pelo combate ao cerceamento de liberdades civis. Em 1977, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) fechou a decisão por apoiar o movimento pela nova Constituinte. Na mesma época, a Ordem dos Advogados do Brasil (Rocha, 2013Rocha, Antônio Sérgio. “Genealogia da Constituinte: do autoritarismo à democratização”. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, n. 88, 2013, pp. 29-87., p. 41) e a Igreja Católica, que originalmente apoiaram o regime instituído pelo golpe de 1964, passaram a se afastar dele. A oposição ao autoritarismo também foi favorecida pelo fortalecimento do movimento sindical, que surgiu como uma nova força política, bem como pelo resultado das eleições estaduais de 1982, em que não somente se elegeram representantes da oposição como se conferiu base institucional para a redemocratização. Isso porque abriu-se portas para que outros atores passassem a influenciar o jogo político (Kinzo, 2001Kinzo, Maria D’Alva G. “A democratização Brasileira: um balanço do processo político desde a transição”. São Paulo Perspectiva, v. 15, n. 4, Dec. 2001, pp.3-12).

Com a proposta de emenda à Constituição do deputado Dante de Oliveira, iniciou-se uma ampla mobilização da sociedade civil em torno da ideia de eleições diretas para a Presidência da República, no movimento conhecido como “Diretas Já”. Sob forte pressão dos militares, contudo, a emenda ficou a 55 votos dos dois terços necessários para sua aprovação. Apesar da derrota, a energia política decorrente da frustração com o fracasso do movimento foi canalizada para a decisão no Colégio Eleitoral. Saíram vitoriosos nas eleições Tancredo Neves e seu vice José Sarney, integrantes da chapa que unia a oposição moderada a uma dissidência do regime.

Logo após a vitória, Tancredo chegou a convocar um debate sobre a nova Constituição, o que fez disparar inúmeras iniciativas pelo país. Tancredo, porém, não chegou a tomar posse, assumindo em seu lugar, em 15 de março de 1985, José Sarney, que havia sido um dos principais esteios civis do regime militar. A derrota das “diretas” e a morte de Tancredo Neves colaboraram não apenas para o aumento da frustração como para a desconfiança entre os diversos partidos e políticos de orientações ideológicas diversas que posteriormente se encontraram durante o processo constituinte.

2. MOMENTO CONSTITUINTE

A posse de Sarney ocorreu num contexto de grande frustração política e social. A Constituinte se tornou, então, o espaço para onde convergiram as energias das forças interessadas em transformar a sociedade e o Estado brasileiro.

Havia naquele momento um intenso debate entre os atores políticos - e, especialmente, os juristas - sobre o melhor formato para a convocação da Assembleia Constituinte. De um lado, políticos e juristas mais conservadores, muitos deles ligados a Sarney desde o tempo da União Democrática Nacional (UDN), como Afonso Arinos e Célio Borja (Rocha, 2013Rocha, Antônio Sérgio. “Genealogia da Constituinte: do autoritarismo à democratização”. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, n. 88, 2013, pp. 29-87., p. 57), já vinham defendendo que era desnecessário convocar uma assembleia exclusiva e soberana. Dado o caráter pacífico do processo de transição, sem ruptura da ordem institucional, bastaria conferir ao Congresso Nacional poderes especiais para reformar a Carta de 1969. Daí o conceito de “Constituinte instituída”. Por trás do argumento jurídico estava, evidentemente, a tentativa de manter o processo de reconstitucionalização sob controle dos profissionais da política simpáticos ao regime militar, sempre bem assessorados pelos juristas da coroa.1 1 O termo “juristas da coroa” faz alusão a juristas que se subordinam a e servem ao poder político, e tem sua maior expressão na figura de Carl Schmitt na Alemanha Nazista (Wolin, 1992).

Já a proposta do campo da sociedade civil (Martínez-Lara, 1996Martínez-Lara, Javier. “Political Parties, Interest Groups and Constitutional Issues”. In: ______. Building Democracy in Brazil. Londres: Palgrave Macmillan, 1996, pp. 62-88., p. 86), dos chamados “autênticos” do MDB e mesmo de outras correntes políticas mais progressistas era uma Constituinte soberana e exclusiva. Raymundo Faoro publicou o precioso Assembleia Constituinte: a legitimidade recuperada (1981Faoro, Raymundo. Assembleia Constituinte: a legitimidade recuperada. São Paulo: Brasiliense, 1981.), em que apresentava um robusto argumento em favor de uma Constituinte exclusiva como única via para a reconstrução da legitimidade do poder. A tarefa dela seria elaborar uma nova Constituição, sem qualquer limitação por parte dos poderes constituídos, e não simplesmente remendar a antiga. Feito isso, a assembleia seria dissolvida. Do ponto de vista estratégico, o que se buscava era isolar a Constituinte do governo e, na medida do possível, desestimular a participação de políticos profissionais e atrair lideranças sociais. Tentava-se, assim, criar um ambiente mais propício à deliberação de natureza constitucional, que se refere à definição das regras que governarão a política e dos princípios de justiça que pautarão a vida da comunidade.

Em junho de 1985, o presidente José Sarney encaminhou ao Congresso Nacional um projeto de emenda constitucional, propondo a convocação de uma Constituinte congressual ou “instituída”, nos termos empregados pelo senador e jurista Afonso Arinos de Mello Franco. Sua aprovação imporia mais uma derrota aos progressistas: a tarefa de revisão da Constituição seria atribuída ao establishment político, sem maior participação da sociedade. Numa estrutura ainda marcada pela forte centralização do poder nas mãos do Executivo, isso significaria, na prática, que Sarney conduziria a elaboração do novo texto.

O deputado Flavio Bierrenbach, do pmdb de São Paulo, apresentou, no entanto, um substitutivo em sentido contrário aos objetivos do governo. O texto previa até um plebiscito para que o povo escolhesse se a Constituinte seria congressual ou exclusiva, além de propor diversos mecanismos voltados a diferenciar o processo constituinte do processo político ordinário. Derrotado, o deputado foi afastado da relatoria, de modo constrangedor, por Ulysses Guimarães. Em 22 de setembro de 1985 foi aprovada a Emenda Constitucional n. 26, que determinava que a legislatura federal a ser eleita em novembro de 1986 teria poderes constituintes.

Sarney também cumpriu o compromisso de Tancredo e estabeleceu, ainda em 15 de julho de 1985, a Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, logo batizada de Comissão Arinos, seu idealizador, ou “Comissão de Notáveis”, que denotava de forma irônica o perfil elitista de seus componentes. O grupo, no entanto, surpreendeu a todos, apresentando uma proposta bastante progressista para o perfil de seus membros. Além de direitos compatíveis com um regime social democrata, propunha um sistema parlamentarista e a redução do mandato presidencial para quatro anos. O resultado entregue ao presidente Sarney era tão contrário a suas expectativas que ele se negou a encaminhá-lo como sugestão do Executivo ao Congresso Nacional. Embora o projeto da Comissão de Notáveis não tenha desempenhado uma função oficial, o texto circulou amplamente entre os constituintes (Rocha, 2013Rocha, Antônio Sérgio. “Genealogia da Constituinte: do autoritarismo à democratização”. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, n. 88, 2013, pp. 29-87., p. 64).

3. INSTAURAÇÃO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE

As eleições para a Assembleia Constituinte ocorreram em 15 de novembro de 1986, sob um marco institucional de plena liberdade partidária. Sua instalação ocorreu em 1-º de fevereiro de 1987. O resultado do processo foi diretamente influenciado pela adoção do Plano Cruzado, voltado à estabilização da economia, que gerou uma ampla, ainda que fugaz, popularidade para o governo. A vitória do pmdb foi acachapante, tanto no âmbito das eleições estaduais como na composição da Constituinte. O partido obteve 306 cadeiras das 559 disponíveis. Foi seguido de PFL (132), PDS (38), PST (26), PTB (18), PT (16), PL (7), PDC (6), PCB (3), PCDOB (3), PSB (2), PSC (1) e PMB (1) (Pilatti, 2008Pilatti, Adriano. A Constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2008., p. 23). Essa composição não deve, no entanto, passar a impressão de que o pmdb consistia numa força hegemônica na Constituinte. Além de sua tradicional fragmentação interna, que sobrevive até hoje, o PMDB havia tido um inchaço artificial de seus quadros nos anos anteriores, pois políticos oriundos das mais distintas origens ideológicas viam na adesão ao partido uma oportunidade para apagar seus vínculos com o regime militar.

Após a instauração da Assembleia Constituinte, Ulysses Guimarães foi eleito seu presidente, obtendo 425 votos, contra 69 atribuídos ao deputado Lisânias Maciel, do pdt do Rio de Janeiro (Pilatti, 2008Pilatti, Adriano. A Constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2008., p. 28). Ulysses se estabelece, assim, como o grande coordenador do processo constituinte e ponte de diálogo entre os setores progressistas, moderados e conservadores na Assembleia.

A primeira grande batalha veio com a determinação das regras que iriam ordenar o trabalho. Havia uma sugestão de se adotar regras semelhantes às que imperaram na Constituinte de 1946. Esta havia funcionado com uma comissão de parlamentares que colhia subsídios para depois apresentar um primeiro projeto de texto aos colegas de parlamento. A proposta foi duramente rechaçada pela maioria dos constituintes, que temia ficar alienada do processo. As experiências constituintes anteriores haviam sempre partido de algum documento básico, como explica Afonso Arinos, e depois encaminhada por um grupo mais restrito dentro da Assembleia. O clima de 1987 indicava, no entanto, uma dificuldade muito maior de realizar um pacto entre elites, lavrado pelo estamento de juristas com sua enorme força no desenho das instituições brasileiras.

A redação do Regimento Interno da Assembleia Nacional Constituinte foi atribuída ao senador Fernando Henrique Cardoso, do PMDB de São Paulo, com o apoio dos deputados Nelson Jobim, do PMDB do Rio Grande do Sul, e Bonifácio de Andrada, do PDS de Minas Gerais. O resultado foi um documento inovador, que constituiu a primeira vitória do campo progressista na Assembleia, ao permitir que o processo constituinte se tornasse mais permeável à participação da sociedade civil do que pretendia o governo.

O processo se dividiria em duas etapas. Na primeira delas, os constituintes seriam distribuídos em oito comissões temáticas, cada uma subdividida em três subcomissões, perfazendo um total de 24. Segundo Nelson Jobim (1994Jobim, Nelson. “O Colégio de Líderes e a Câmara dos Deputados”. In: Cebrap. O desafio do Congresso Nacional: mudanças internas e fortalecimento institucional. São Paulo: Cadernos de Pesquisa Cebrap, n. 3, 1994, pp. 37-59.), essas comissões e subcomissões temáticas foram definidas como denominador comum após ele e um grupo de constituintes se debruçarem sobre títulos e capítulos de um pequeno conjunto de constituições estrangeiras e das constituições brasileiras anteriores, reunidos em uma publicação do Senado Federal.

O anteprojeto resultante do trabalho dessas comissões e subcomissões seria remetido à Comissão de Sistematização, que, por fim, prepararia o primeiro projeto de Constituição e o remeteria ao plenário da Assembleia. Começaria, então, a segunda fase do processo, com debates e votações naquela instância. Aqueles que quisessem derrubar os dispositivos do texto apresentado pela Comissão de Sistematização precisariam, nessa fase, conseguir os votos da maioria absoluta (280 ou mais) dos constituintes (Pilatti, 2008Pilatti, Adriano. A Constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2008., pp. 49-62).

Afirma-se que a Assembleia Constituinte teria assumido um caráter descentralizador na elaboração da matéria constitucional, mas centralizado nas etapas de sistematização e votação em plenário (Gomes, 2006Gomes, Sandra. “O impacto das regras de organização do processo legislativo no comportamento dos parlamentares: um estudo de caso da Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988)”. Revista de Ciências Sociais, v. 49, n. 1, 2006, pp. 193-224., p. 195). Foi essa característica que possibilitou incluir as mais diversas matérias no primeiro projeto, as quais se mantiveram, em grande medida, no texto final.

4. PACTO SOCIAL-CORPORATIVO

As franquias abertas pelo regimento subverteram por completo a intenção do governo de ter uma Constituinte sob estrito controle dos políticos. Na primeira fase, quem dominou o processo foram as organizações da sociedade civil, os sindicatos e as corporações, além de novos movimentos emergentes. Em síntese irônica, o jurista Miguel Reale Jr. (2003RealeJr., Miguel. “Pacto por ações concretas”. Folha de S.Paulo, 11 out. 2003. Disponível em: <Disponível em: www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1110200309.htm >. Acesso em: 1-º set. 2018.
www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1110...
), assessor da presidência da Assembleia, afirmou que, “da tanga à toga”, todos passaram por lá.

A falta de confiança da sociedade na classe política - e da classe política em si mesma - favoreceu uma busca generalizada pela maximização dos interesses próprios, entrincheirando-os na Constituição. Prevaleceu uma estratégia de garantias no curto prazo, em detrimento da adoção de uma Constituição mais procedimental, que transferiria ao sistema político e às futuras gerações o poder de conformar gradualmente a vida política, econômica e social brasileira.

O regimento conferia às 24 subcomissões e às oito comissões a que elas se subordinavam o poder de colher projetos dos constituintes, receber propostas de iniciativa popular e realizar audiências públicas, que seriam depois alinhavadas pela Comissão de Sistematização. Os relatores, escolhidos pelas lideranças partidárias, tinham enorme grau de liberdade para acomodar no texto todas essas propostas. Como líder do pmdb, maior bancada da Constituinte, Mário Covas indicou relatores das comissões e subcomissões afinados com uma posição mais progressista, causando grande desconforto nas bancadas mais conservadoras (Pilatti, 2008Pilatti, Adriano. A Constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2008., pp. 64-5).

Em consequência da estrutura do processo constituinte, o conteúdo da agenda de discussão constitucional foi sendo definido em meio à disputa política. Estima-se que cerca de 9 milhões de pessoas passaram pela Constituinte entre março e novembro de 1987. Realizaram-se 182 audiências públicas, e 11.989 propostas e 6.417 emendas e anteprojetos foram encaminhados (Abreu, 2001Abreu, Alzira Alves. “Assembleia Nacional Constituinte 1987-1988”. In: ______; Beloch, Israel (orgs.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2001. Disponível em: <https://atlas.fgv.br/verbete/5742>. Acesso em: 18 ago. 2018.
https://atlas.fgv.br/verbete/5742...
). Nessa etapa a Constituinte funcionou como um verdadeiro aspirador de demandas sociais, por vinte anos reprimidas pela ditatura e pela enorme frustração com a derrota da campanha das Diretas. As mobilizações nesse período não se limitaram às organizações da sociedade civil, ao movimento sindical e aos movimentos sociais, que tinham se fortalecido imensamente durante o período de transição. Foi também a oportunidade para a inclusão, no texto, de interesses específicos de natureza corporativista, patrimonialista ou desenvolvimentista, como a proteção à empresa nacional e a uma série de monopólios em atividades econômicas, o princípio da unidade sindical ou inúmeras prerrogativas de categorias de servidores públicos, enraizados na cultura política brasileira e nas estruturas do Estado. A garantia de uma vitória constitucional, naquele momento, era vista como não só mais factível mas também mais permanente e completa que uma vitória na legislação ordinária - afinal, uma lei ordinária poderia ser modificada com maior facilidade (Martínez-Lara, 1996Martínez-Lara, Javier. “Political Parties, Interest Groups and Constitutional Issues”. In: ______. Building Democracy in Brazil. Londres: Palgrave Macmillan, 1996, pp. 62-88., p. 87).

Assim como ocorrera na Comissão Afonso Arinos, apesar da maioria de moderados e conservadores na Constituinte, os setores mais à esquerda se beneficiaram da imensa mobilização social e inseriram nos respectivos projetos temáticos muitas de suas demandas sociais, econômicas e corporativas. O fato de o processo constituinte ter se iniciado de forma tão inclusiva, a partir de áreas temáticas razoavelmente bem definidas, favoreceu uma intensa pressão sobre os parlamentares em cada comissão e subcomissão, ampliando as questões a compor o novo tecido constitucional brasileiro. A Constituição incorporou uma ampla gama de direitos de natureza difusa, em áreas como meio ambiente, patrimônio histórico e cultural e consumo, assim como direitos de crianças e adolescentes ou idosos, que não se encontravam presentes no sistema jurídico ou em ordens constitucionais anteriores. Também temas tradicionais, mas que não eram objeto de matéria constitucional, subiram na hierarquia legal. Tópicos de processo, direito civil, tributário ou previdenciário passaram a ocupar um espaço muito mais amplo na Constituição que em cartas anteriores.

Entre os grupos de interesse mais atuantes à época, os movimentos dos trabalhadores defenderam pautas como a não ingerência do Estado sobre a organização do trabalho, a liberdade sindical e os direitos à greve, à liberdade de reunião e à estabilidade no emprego. Parte do empresariado concentrava-se na defesa de propostas relacionadas ao repertório nacional desenvolvimentista, embora alguns setores residuais demandassem um figurino mais liberal.

Nos debates sobre reforma agrária, ruralistas atuavam em defesa do direito à propriedade privada independentemente das noções de função social, contrapondo-se à pressão do movimento dos sem-terra pela aprovação de propostas concretas de reforma. O objetivo destes últimos era que as medidas aprovadas tivessem a maior especificidade possível, de modo a garantir a autoaplicabilidade. Os ruralistas, por sua vez, incluíram gradualmente em suas pautas outras demandas específicas, como o perdão dos juros de empréstimos contraídos por empresas rurais durante o Plano Cruzado. Já os militares se esforçavam pela manutenção de prerrogativas no governo (Martínez-Lara, 1996Martínez-Lara, Javier. “Political Parties, Interest Groups and Constitutional Issues”. In: ______. Building Democracy in Brazil. Londres: Palgrave Macmillan, 1996, pp. 62-88.).

É evidente que esse volume de projetos transformaria numa tarefa hercúlea o trabalho das comissões temáticas e da Comissão de Sistematização, que tinha como relator o deputado Bernardo Cabral, do PMDB do Amazonas, e como presidente o senador Afonso Arinos, do PFL do Rio de Janeiro. Instalada em 9 de abril de 1987, essa comissão recebeu os sete anteprojetos das comissões temáticas apenas em 17 de junho. Além de reunir os anteprojetos, o relator deveria analisar as propostas de iniciativa popular e conceder audiências públicas a seus defensores; aos membros da Comissão de Sistematização incumbia debater e definir, pelo voto da maioria, o texto a ser apresentado ao plenário.

Dado o imenso volume de informações, o trabalho tomou muito mais tempo que o imaginado originalmente. O primeiro texto produzido pelo relator, batizado de Frankenstein (Pilatti, 2008Pilatti, Adriano. A Constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2008., p. 151), tinha nada menos que 501 artigos; foi sucedido pelo projeto zero, com 496 artigos, ao qual foram apresentadas 20.791 emendas. Esse período é marcado por uma enorme insatisfação tanto dos membros do plenário, que se encontravam desinformados e alienados do que ocorria no interior da Comissão de Sistematização, quanto do governo, que via a derrota sistemática de suas propostas. Foi também um período de intenso trabalho e negociação na comissão, que gerou, ao todo, nove projetos.

Apenas no dia 18 de novembro aprovou-se, enfim, um projeto na comissão, composto de 335 artigos, 271 deles formando as disposições permanentes e 63, as transitórias (Pilatti, 2008Pilatti, Adriano. A Constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2008., p. 191). O resultado foi recebido de forma muito negativa por setores mais ligados ao mercado, assim como pelos segmentos mais conservadores da sociedade brasileira (Goulart, 2013Goulart, Jefferson. “Processo constituinte e arranjo federativo”. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, n. 88, 2013, pp. 185-215., p. 186). A maior divergência dizia respeito à forma de governo presidencialista e ao tempo de mandato de Sarney.

5. O PACTO POLÍTICO

Insatisfeita com o projeto aprovado na Comissão de Sistematização, a ala conservadora da Constituinte reagiu. Surgiu assim o Centrão, articulação suprapartidária com o objetivo de capitanear mudanças no Regimento Interno para, com isso, lograr alterações substanciais do texto na fase de votação pelo plenário (Freitas et al., 2009Freitas, Rafael et al. “Procurando o Centrão: direita e esquerda na Assembleia Nacional Constituinte 1987-88”. In: Rezende, Maria Alice et al. (orgs). A Constituição de 1988: passado e futuro. São Paulo: Hucitec/Anpocs, 2009.).

A primeira iniciativa do Centrão foi propor uma reforma do regimento. Pelo texto original, o projeto aprovado na Comissão de Sistematização só poderia ser derrubado pela maioria absoluta dos constituintes em plenário. Ou seja, o ônus de obtenção da maioria recairia apenas sobre aqueles que foram derrotados na primeira etapa da Constituinte, que chamamos aqui de pacto social-corporativo. Havia uma percepção, por parte dos setores mais conservadores e governistas, de que a Comissão de Sistematização havia traído a confiança do plenário e aprovado, em seu nome, um texto muito distanciado daquilo que havia sido debatido em cada subcomissão e em cada comissão. Era, portanto, necessário mudar as regras, a fim de permitir a apresentação de emendas e criar certa paridade de armas, exigindo que também a defesa do texto contestado em plenário necessitasse de maioria absoluta de votos para ser vitoriosa.

A nova redação do regimento proposta pelo Centrão e amplamente negociada na virada do ano foi finalmente aprovada em 5 de janeiro de 1988 (Pilatti, 2008Pilatti, Adriano. A Constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2008., p. 222). Uma das principais alterações foi a flexibilização para apresentação de emendas a títulos e capítulos, o que permitiria propor a alteração por completo daquilo que havia sido aprovado na sistematização. A outra foi a criação dos destaques para votação em separado (DVS), por meio dos quais um grupo de no mínimo 187 parlamentares poderia condicionar a manutenção da matéria constitucional destacada ao apoio da maioria absoluta em plenário. Transferia-se, assim, o ônus de obtenção da maioria absoluta aos que defendiam o texto aprovado na primeira etapa da Constituinte.

A vitória do Centrão em torno do Regimento Interno não lhe garantiu, porém, maioria absoluta no plenário para alterar cada decisão aprovada na primeira etapa. Não se tratava de um bloco coeso em relação às propostas. Da mesma forma, o chamado bloco progressista não tinha uma postura fechada em relação a todos os temas aprovados pelas comissões. Isso gerou um processo de barganha caso a caso, em que as fronteiras entre progressistas e conservadores não estava bem delimitada. Interesses regionais e corporativos se justapunham a afinidades ideológicas, o que dificultou o processo decisório.

Nesse momento, com a pressão do calendário e do aprofundamento da crise econômica, foi necessário criar mecanismos mais eficientes de coordenação política, que não substituíssem o plenário, mas facilitassem o processo decisório. A solução encontrada foi o fortalecimento do Colégio de Líderes. Esse colegiado, que reunia também os membros da mesa, selecionava os temas mais polêmicos, convocava os constituintes particularmente interessados e propunha uma solução para o impasse. Com isso foi possível aprovar no dia 5 de julho de 1988, após 732 votações e 119 sessões, aquele que veio a ser chamado de Projeto de Constituição B.

No segundo turno, as regras de votação se reequilibraram. Não mais era possível a apresentação de destaques por uma minoria, pois se exigira maioria absoluta para a aprovação do texto em primeiro turno. Admitiam-se, nesse momento, apenas emendas supressivas ou voltadas a corrigir erros no texto. As armas voltaram a se igualar: a regra tanto para suprimir como para manter era a maioria absoluta. Com a perspectiva do impasse, as críticas por parte do governo e dos empresários aumentou.

Foi durante esse período que se intensificaram as tensões entre o presidente Sarney e o deputado Ulysses Guimarães. Em 26 de julho, Sarney partiu para o confronto público com a Assembleia Constituinte: em cadeia nacional de rádio e televisão, fez críticas contundentes ao conteúdo estatista do projeto e declarou que “os brasileiros receiam que a Constituição torne o país ingovernável”.

A reação de Ulysses Guimarães foi imediata. Demonstrando enorme força de liderança, conseguiu 403 votos - contra apenas 13, havendo 55 abstenções - para a aprovação em bloco do Projeto b. Ao término da votação, fez um discurso histórico, em que afirmou: “A governabilidade está no social. A fome, a miséria, a ignorância, a doença inassistida é que são ingovernáveis”. Com isso, quis deixar claro que a Constituição que se estava elaborando era fruto da vontade do povo.

O segundo turno de votação foi concluído em 2 de setembro de 1988, após 288 votações e 38 sessões (Pilatti, 2008Pilatti, Adriano. A Constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2008., p. 306). O temor de uma crise institucional, o agravamento da crise econômica e a aproximação das eleições municipais certamente contribuíram para que as partes buscassem um consenso em torno dos temas mais polêmicos.

Ainda que o Centrão tenha sido vitorioso nas alterações regimentais e na aprovação de substitutivo na fase do plenário, mais da metade do texto constitucional foi gestado na fase de comissões. Deve-se, portanto, relativizar a influência das negociações ocorridas em plenário no produto final, pois pouco contribuíram para o detalhamento da Constituição (Praça e Noronha, 2012Praça, Sérgio; Noronha, Lincoln. “Políticas públicas e a descentralização legislativa da Assembleia Constituinte Brasileira, 1987-1988”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 27, n. 78, 2012, pp. 136-43.).

6. RESILIÊNCIA

Há uma longa tradição de crítica a constituições extensas, detalhistas e ambiciosas como a brasileira. O pensamento constitucional convencional considera como medida ideal as cartas liberais, em especial a concisa Constituição norte-americana de 1787. O ceticismo em relação a cartas magnas detalhistas e dirigentes parte da hipótese central de que existiria uma correlação causal entre conteúdo minimalista do texto e sua efetividade, sua aplicabilidade e sua longevidade. Para esse pensamento, haveria maior dificuldade para realizar os projetos normativos de constituições ambiciosas e transformadoras, o que levaria necessariamente à perda de autoridade e legitimidade com o tempo. O fato de serem detalhistas certamente geraria antinomias, o que prejudicaria sua aplicação. Por fim, textos extensos e detalhistas ficariam obsoletos mais rapidamente e, por isso, exigiriam constantes reformas, até que, desconfigurados, precisassem ser substituídos.

A Constituição Brasileira de 1988 foi, desde sua adoção, criticada com base nesse triplo diagnóstico negativo. Em primeiro lugar, considerou-se que sua ambição normativa levaria a uma enorme frustração social, na medida em que o Estado não seria capaz de cumprir com as promessas constitucionais (crítica da ineficácia material). Os juristas alertavam para as diversas imperfeições e contradições normativas, que levariam a constantes crises e conflitos interpretativos. Apontavam também que sua incompletude demandaria uma constante atuação do legislador. Em face do baixo grau de confiança no parlamento, isso certamente contribuiria para que a Constituição se tornasse inoperável (crítica da confusão normativa). Por fim, também se apontava que a amplitude temática e o detalhamento de conteúdo a tornariam rapidamente obsoleta, exigindo constantes reformas até a levar a um falecimento precoce (crítica do engessamento).

A Constituição de 1988 de fato enfrentou e ainda enfrenta problemas de ineficácia material, de conflitos interpretativos e mesmo de excesso de reformas, como prognosticavam seus críticos. Contra todos os vaticínios, no entanto, ela vem se mostrando surpreendentemente resiliente. Conceito que aqui emprestamos livremente da física, resiliência é a propriedade que alguns materiais possuem de acumular energia quando exigidos ou submetidos a estresse, sem que ocorra ruptura ou modificação permanente de sua natureza. Perduram no tempo, retornando ao ponto de equilíbrio. Não são rígidos no sentido da intolerância a certas pressões, tampouco flexíveis no sentido de se modificar radicalmente diante delas. “Acomodam” estímulos e pressões, preservando sua função e sua identidade em diferentes ambientes.

Nestas três décadas a Constituição foi emendada 106 vezes, o que indica, por um lado, certa “instabilidade normativa”. Por outro, no entanto, o texto demonstra enorme capacidade de adaptação. Cumpre destacar que a grande maioria dessas reformas não atingiu o cerne da Carta Magna. O sistema político e a carta de direitos encontram-se basicamente preservados. Talvez a maior alteração no campo dos direitos sociais tenha ocorrido somente 29 anos depois da promulgação da Constituição, com a aprovação, no governo de Michel Temer, da Emenda Constitucional nº 95/2016, que estabeleceu um teto para os gastos públicos. Isso afetou o sistema de vinculação orçamentária que financia parte dos direitos sociais, como educação e saúde.

Na esfera da separação de poderes, as duas principais modificações foram a autorização de reeleição para cargos executivos (Emenda nº 16, de 1997) e a reforma do Judiciário (Emenda nº 45, de 2004). O bloco constitucional, composto pelos direitos fundamentais, pelo sistema democrático, pela federação e pelo sistema de organização dos poderes, ficou, portanto, preservado das inúmeras reformas aprovadas ao longo das últimas décadas.

A maior parte das reformas constitucionais se dirigiu a alterar a ordem econômica, as diversas políticas públicas e os regimes jurídicos de natureza estatutária. Não se deve minimizar o impacto de algumas dessas reformas sobre a identidade da Constituição. A Emenda n-º 6, de 1995, por exemplo, deu início a uma profunda alteração do sistema econômico originalmente desenhado pelo constituinte, abrindo espaço para maior liberalização da economia, privatizações e integração ao mercado internacional.

Diversos elementos parecem ter contribuído para a resiliência da Constituição de 1988, entre os quais se destacam a amplitude e o detalhamento do texto e a conjugação de um duplo patamar de rigidez constitucional, que detalharemos adiante: adotam-se critérios hiperestritos para a proteção do cerne do texto, por meio do artigo 60, § 4-º, e critérios bastante flexíveis para a alteração dos demais dispositivos da Constituição.

Como explicam Elkins et al. (2009Elkins, Zachary et al. The Endurance of National Constitutions. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.), a amplitude temática e o alto grau de detalhamento do texto da Constituição de 1988 podem, paradoxalmente, contribuir para aumentar a expectativa de vida dela. É muito mais fácil para atores políticos chegar a um consenso sobre a alteração de um ponto específico de uma Constituição detalhista que negociar os grandes princípios de uma concisa. Sobre temas específicos, é possível estimar as consequências do que se pretende modificar. O mesmo não pode ser feito da mudança de normas constitucionais mais amplas. Quando associamos detalhamento da Constituição e flexibilidade para reformá-la, a tendência é de que o texto seja submetido a um constante processo de adaptação.

Muito embora a Constituição de 1988 seja extensa e detalhista, várias de suas normas são incompletas, exigindo uma atuação intensa do legislador ordinário para que possam ser implementadas. O texto constitucional também inclui inúmeros princípios abstratos que reclamam a mediação do legislador para que possam exercer sua força normativa. Incompletude e abertura do texto impõem uma constante atuação parlamentar para resolver a tensão entre princípios e complementar a vontade constitucional. Reclamam, ainda, uma ampla atuação do Judiciário na solução de conflitos não resolvidos no decorrer do processo constituinte e alimentados pela luta de diversos setores da sociedade para implementar metas ambiciosas e muitas vezes ambíguas. Essa necessidade de contínua complementação permite que o sentido da Constituição seja constantemente atualizado pela legislação ordinária e mesmo por sentenças judiciais, sem a necessidade de alteração do texto constitucional.

A grande capacidade de adaptação formal da Constituição de 1988 deriva, no entanto, do sistema de reforma adotado pela Constituinte. Conscientes da necessidade de mudanças periódicas em um texto tão amplo, os formuladores da Constituição de 1988 adotaram dois padrões de rigidez para alteração de seus dispositivos. A regra geral é bastante flexível: basta que 3/5 de deputados e senadores, em dois turnos de votação, estejam dispostos a alterar o texto para que ele possa ser modificado. Assim, coalizões minimamente consistentes não tiveram maiores dificuldades para modificar os dispositivos constitucionais, em especial os de menor relevância e que tratem de tópicos muito específicos, nos quais seja mais fácil calcular perdas e ganhos decorrentes da mudança. Essa flexibilidade encontra limites, no entanto, no sistema de proteção aos pilares fundamentais que organizam o edifício constitucional de 1988, estabelecido pelo artigo 60, § 4-º. De acordo com esse dispositivo, não podem ser objeto de deliberação propostas de emenda “tendentes a abolir” a forma federativa, o voto (a democracia), a separação de poderes e os diretos e as garantias individuais. Garante-se, assim, um patamar superior de proteção ao bloco constitucional brasileiro, quando comparado aos demais dispositivos da Constituição. Não seria incorreto afirmar, portanto, que temos um bloco constitucional super-rígido, circundado por dispositivos constitucionais mais flexíveis. A facilidade em reformar estes últimos, assegurando a preservação dos princípios basilares da arquitetura constitucional, permitiu uma intensa atualização, sem que a identidade do texto fosse alterada.

Diversos outros fatores de natureza política e institucional contribuíram para a resiliência demonstrada pela Constituição de 1988. A forte participação dos múltiplos setores da sociedade durante sua elaboração, assim como a estratégica incorporação de interesses ao texto, favoreceram um grau de lealdade constitucional desconhecido na história brasileira. A ideia de “Constituição cidadã”, formulada por Ulysses Guimarães, sintetiza a natureza inclusiva do processo constituinte. Se associarmos a isso o forte corporativismo que permeou os trabalhos da Assembleia, teremos uma multiplicidade de atores engajados em assegurar a sobrevivência da Constituição, ainda que não em sua integralidade. Nesse sentido, o processo constituinte nunca se encerrou, ao menos no que se refere a suas cláusulas periféricas. A incompletude do texto manteve os atores políticos em permanente disputa para determinar o sentido da Constituição, reforçando sua centralidade como eixo ou agenda a pautar a realização da política. Até as eleições de 2014, não pairava qualquer dúvida sobre a lealdade de todas as forças políticas relevantes ao regime constitucional estabelecido em 1988. A flexibilidade textual, associada ao presidencialismo de coalizão, facilitou, ao menos nas duas primeiras décadas de vida da Constituição, a formação de alianças supramajoritárias. Isso permitiu que o texto fosse constantemente atualizado, sem colocar em risco seu cerne, protegido pelas cláusulas pétreas.

CONCLUSÃO

Os protestos que tomaram as ruas das principais cidades brasileiras em junho de 2013, no entanto, iniciaram um perigoso processo de desestabilização do sistema político brasileiro originado do pacto constitucional que selou a transição democrática, ainda que não tenha sido esse o objetivo dos que foram às ruas.

Ao contrário, as manifestações expressaram uma surpreendente disposição de muitos setores da sociedade, em especial dos mais jovens, para exigir o cumprimento das promessas inscritas na Constituição de 1988 nos campos dos direitos, da democracia e do Estado de direito. O que se demandava era maior oferta e qualidade na educação, na saúde e no transporte, um sistema político mais íntegro e representativo e, por fim, a aplicação da lei a todos, sem distinção. Em resumo, demandava-se um aprofundamento do ensaio constitucional, não seu abandono.

Os protestos, no entanto, expuseram diversas tensões que foram se aprofundando ao longo das décadas. A primeira delas, de natureza institucional, se refere ao crescente atrito entre as elites políticas, organizadas em torno do presidencialismo de coalizão - degradado pela hiperfragmentação partidária e corrupção eleitoral -, e o estamento jurídico, que efetivamente se tornou cada vez mais autônomo, em especial a partir do julgamento do “mensalão”. Em alguma medida, ficou clara a dificuldade de se conciliar um Estado de direito autônomo com um sistema político capturado pela corrupção.

A segunda tensão que aflorou a partir das revoltas de 2013 está associada às dificuldades cada vez maiores dos governos para arbitrar conflitos de natureza distributiva. Com o declínio da atividade econômica, tornou-se ainda mais complicado sustentar, simultaneamente, os gastos vinculados a políticas públicas e direitos sociais - que beneficiam os mais pobres - e as crescentes despesas decorrentes de privilégios, interesses setoriais e corporativos, especialmente na previdência, assim como desonerações e perdões fiscais, que favorecem os mais ricos. A explosão do déficit público e a crise nos serviços básicos à população são a expressão do acirramento desse conflito distributivo.

Em 2014 houve uma polarizada e conflitiva eleição, marcada pela conduta irresponsável do partido governista, que contribuiu para o agravamento da crise fiscal, com acentuado impacto sobre o emprego e as políticas sociais. A vitória de Dilma Rousseff foi contestada de maneira igualmente irresponsável por Aécio Neves, abrindo um perigoso precedente de descompromisso com o resultado do pleito eleitoral num sistema de competição política que já se tomava como estabilizado. Aécio acusou a chapa vitoriosa de uma série de abusos no processo eleitoral que, depois se soube, ele também havia cometido.

A partir de então, o embate político tornou-se mais duro e intolerante. A competição eleitoral foi se radicalizando. O padrão conciliador foi substituído por uma postura conflitiva. Também o direito e suas instituições passaram a colidir com a política numa frequência antes desconhecida, instaurando um cabo de guerra entre o estamento jurídico e as elites políticas. Prerrogativas institucionais e mandatos políticos passaram a ser utilizados de forma mais incisiva, ora com o objetivo de assegurar o Estado de direito e a integridade do jogo democrático, ora apenas com a finalidade de debilitar adversários ou entrincheirar-se no poder, à margem de maiores considerações de interesse público.

Com a Operação Lava Jato, impulsionada pelos protestos, o país foi conhecendo um largo esquema de corrupção eleitoral, envolvendo os principais partidos políticos que ocuparam o poder desde o processo de redemocratização. As ruas voltaram a ser ocupadas em 2015, mas ao público indignado com a corrupção adicionaram-se setores com uma agenda claramente não democrática.

Uma sequência de acontecimentos gerou um perigoso desencantamento com a política: o contencioso impeachment de Dilma Rousseff; a ascensão de Michel Temer ao poder - a quem a Câmara dos Deputados e o Tribunal Superior Eleitoral asseguraram imunidade; a condenação de Lula, que levou o Partido dos Trabalhadores (PT) a desqualificar o sistema de justiça; e também a investigação, a denúncia e a condenação de outras figuras relevantes do sistema partidário. Esse conjunto de eventos abriu espaço para uma candidatura presidencial com um discurso abertamente refratário aos princípios e valores democráticos expressos na Constituição, colocando em risco a própria democracia.

Neste contexto de forte acirramento dos conflitos políticos, institucionais e distributivos, inclusive com graves atos de violência política, que coincide com o trigésimo aniversário da Constituição, passamos a experimentar um forte mal-estar em relação à capacidade do compromisso maximizador de manter a lealdade a ela por parte de todos os setores da sociedade e atores políticos e institucionais.

Considerando a centralidade adquirida pela Constituição na vida política e econômica brasileira, a superação desse mal-estar exigirá, necessariamente, a correção de rumos e a adoção de reformas que demandarão um novo consenso político. Não há dúvida de que necessitamos de um Estado mais eficiente e de um sistema político mais racional e menos vulnerável à corrupção, capaz de promover medidas que favoreçam o desenvolvimento sustentável da economia e, sobretudo, o aumento do bem-estar da população. O próprio colapso da segurança pública demandará reformas. Também é certo que, sem a remoção de diversos benefícios e privilégios de natureza patrimonialista e corporativista, incrustrados nos sistemas tributário, previdenciário e de financiamento das atividades econômicas, os esforços de redução da desigualdade determinados pela Constituição serão neutralizados. O que está em jogo é quem irá perder.

Se há uma virtude intrínseca ao modelo constitucional adotado em 1988 é sua capacidade de adaptação, dentro das regras do jogo democrático. Com todas as suas idiossincrasias, o sistema político consensual montado na época da redemocratização do país promoveu uma constante repactuação das regras secundárias da Constituição, sem ameaçar a democracia. Essa virtude nada desprezível do modelo constitucional brasileiro tem especial valor em momentos de crise. Uma Constituição mais rígida já teria se rompido; uma mais flexível teria sido desfigurada pelas maiorias de ocasião.

Exatamente por estarmos no centro da tempestade, a Constituição continua sendo o caminho mais seguro para resolvermos nossas diferenças, coordenarmos nossos conflitos e superarmos nossas dificuldades, mesmo quando derivarem dos próprios dispositivos constitucionais. Como enfatiza Stephen Holmes, ao limitar certas condutas e proteger certos direitos, as constituições, paradoxalmente, contribuem para habilitar a democracia. Como não dispõem de um agente imparcial externo capaz de assegurar suas regras, as constituições dependem do compromisso dos diversos atores políticos e institucionais para sobreviver. Se é verdade que elas e seus guardiões jamais poderão substituir a política, também é fato que a condução da política à margem de regras e procedimentos constitucionais costuma degenerar em arbítrio e violência.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    05 Out 2018
  • Aceito
    29 Nov 2018
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