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REPERTÓRIOS DISCURSIVOS E AS DISPUTAS POLÍTICAS CONTEMPORÂNEAS1 1 Este artigo foi produzido no âmbito do projeto “A democracia deliberativa em face da crise da democracia: contribuições, dilemas e trilhas”, financiado pelo CNPq (processos 423218/2018-2 e 305813/2017-0) e pela Capes (88887.370393/2019-00). O texto tem estreito diálogo com debates derivados de uma parceria interinstitucional envolvendo a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp), a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a Universidade Federal de Goiás (UFG) e a Universidade Federal de Pelotas (UFPel), com financiamento da Capes (processo 88881.130844/2016-01). Também somos gratos à Fapemig (CSA - PPM-00284-17) e à Fulbright.

Discursive Repertoires and Contemporary Political Contention

RESUMO

O artigo analisa um conjunto de performances contemporâneas que compõem o repertório discursivo de confronto político hoje. Argumenta-se que tais práticas permitem vislumbrar características fundamentais da comunicação política hodierna e que a arena dos conflitos sociais existe em permanente transfiguração, sendo impossível compreender os conflitos e seus atores sem um conhecimento adequado dessas próprias transfigurações.

PALAVRAS-CHAVE:
repertório discursivo; conflito político; internet; memes; hashtags

ABSTRACT

The article explores a set of contemporary performances that compose the current discursive repertoire of political contention. It is argued that such practices allow us to grasp fundamental characteristics of modern political communication, and that the arena of social conflicts exists in a permanent transfiguration. It is impossible to understand current conflicts and their actors without adequate knowledge of these shifts.

KEYWORDS:
discursive repertoires; political contention; internet; memes; hashtags

INTRODUÇÃO

O reconhecimento de que confrontos políticos são travados também, e fundamentalmente, no campo simbólico não é novidade. A ideia de que a linguagem não é um suporte transparente e neutro de significados, e sim um terreno socialmente edificado de lutas e confrontos políticos, atravessa o século XX e recebe atenção de correntes diversas como o pragmatismo clássico, os marxismos não ortodoxos, a teoria dos atos de fala, a análise de discurso e os pós-estruturalismos de diversos matizes. Com focos distintos, muitas linhagens teóricas admitem que os seres humanos se inserem em lutas sociopolíticas não apenas com as palavras, mas também pelas palavras.

Partindo dessa premissa geral, um veio da literatura contemporânea sobre confrontos políticos tem se dedicado a entender as transformações dos repertórios discursivos que atravessam as lutas sociais (Tarrow, 2013Tarrow, Sidney G. The Language of Contention: Revolutions in Words, 1688-2012. Cambridge: Cambridge University Press , 2013.). O presente artigo se insere nessa agenda de pesquisa ao explorar algumas performances que dizem do leque de possibilidades linguageiras disponíveis em certos contextos para que atores políticos se expressem. Discutiremos a forma como (1) a troca de significantes, (2) o emprego de hashtags e (3) o uso de memes são práticas discursivas que compõem o repertório atual de confronto político, atravessando os processos por meio dos quais comunidades interpretativas se edificam e agem. Nosso intuito é evidenciar o modo como, ao mesmo tempo que estruturam as comunidades interpretativas, as práticas discursivas atuais dependem delas, na medida em que elas viabilizam sua decodificação e modularidade.

O artigo está estruturado em duas partes, além da presente introdução e das considerações finais. Na primeira parte, aborda-se, de forma breve, a relação entre linguagem e política, de modo a chamar a atenção para a linguagem não como instrumento de luta, mas como terreno pelo qual se luta. Discute-se, ainda, o modo como tal luta é atravessada pela construção de comunidades interpretativas. Na segunda parte, dividida em três subseções, exploraremos as três supramencionadas performances conflitivas contemporâneas relevantes para a compreensão do repertório discursivo atual.

O texto enfatiza, assim, como modos de dizer que compõem repertórios discursivos de confronto político estão profundamente marcados pela dinâmica comunitária do campo contencioso hodierno. Comunidade, portanto, não tem aqui conotações normativas positivas, como em certas abordagens comunitaristas da política. A ideia é discutir como a lógica estruturadora de comunidades, central à polarização política contemporânea, atravessa os modos de expressão que têm marcado o repertório discursivo dos confrontos políticos.

CONFRONTO POLÍTICO, LINGUAGEM E COMUNIDADES INTERPRETATIVAS

A constatação de Mikhail Bakhtin, no início do século XX, de que a palavra deveria ser entendida como uma “arena da luta de classes” é amplamente referenciada tanto no campo dos estudos linguísticos como no das ciências sociais. A afirmação é potente não apenas por colocar a linguagem no cerne dos confrontos políticos, mas por evidenciar que ela é mais do que somente uma “arma” de que se munem sujeitos para batalhar publicamente, no sentido de fazer valer seus interesses. A linguagem é a própria arena: ela é um campo no qual e pelo qual se luta. A batalha travada no campo do simbólico tem a ver não apenas com a vitória de um enunciado sobre outro, mas também com a configuração dos campos de possibilidade da própria enunciação.

Seis décadas depois, podemos encontrar essa mesma percepção no influente trabalho de Laclau e Mouffe (2001Laclau, Ernesto; Mouffe, Chantal. Hegemony and Socialist Strategy: towards a Radical Democratic Politics. Londres/Nova York: Verso, 2001.). Ao refletir sobre os dilemas vivenciados pela esquerda no final do século XX, os autores salientam a centralidade dos discursos na estruturação do mundo e dos sujeitos, bem como no conflito político para deslocar tais estruturas. Em forte relação com o legado foucaultiano, os autores entendem o discurso como uma totalidade estruturada que resulta da prática da articulação. O que eles buscam conceber teoricamente é o processo por meio do qual seres humanos vinculam elementos (que podem ser pessoas, palavras, ideias) em tramas articulatórias que conferem sentido a esses próprios elementos, de modo a estruturar um discurso.

O discurso é, portanto, a própria arena do conflito, assim como objetivo desta, visto que ele consolida relações definidoras de elementos. Em qualquer conflito social, existem atores disputando a forma como as relações entre elementos são concebidas de modo a dotá-los de sentido. O confronto advém da exposição da precariedade das relações que dotam o mundo de sentido, na medida em que engendra o antagonismo. Mas essa precariedade diz respeito não apenas às relações entre os termos de uma articulação: ela afeta os próprios termos, visto que o significado destes não precede às articulações, mas advém delas.

Conflitos políticos são essencialmente discursivos por questionarem articulações, de modo a evidenciar a infixidez dos elementos. Tais conflitos são pelo discurso, porque “a discursive structure is not a merely ‘cognitive’ or ‘contemplative’ entity; it is an articulatory practice which constitutes and organizes social relations”, segundo Laclau e Mouffe (2001Laclau, Ernesto; Mouffe, Chantal. Hegemony and Socialist Strategy: towards a Radical Democratic Politics. Londres/Nova York: Verso, 2001., p. 97), que mobilizam tal aparato conceitual para elucidar o processo por meio do qual a compreensão das próprias subjetividades em conflito seria transformada pelo conflito. A ideia é a de que os sujeitos não preexistem às dinâmicas conflituosas em que se inserem, mas são afetados por elas, na medida em que contestam as relações que embasam as próprias possibilidades de estruturação dos sujeitos (Marques; Mendonça, 2018Marques, Angela Cristina Salgueiro; Mendonca, Ricardo Fabrino. “A política como (des)construção de sujeitos: desencaixes e rearticulações identitárias em protestos multitudinários contemporâneos”. Galáxia, 2018, n. 37, pp. 41-54.). Os atores em conflito se transformam ao longo das práticas que instauram.

Concepção similar se faz presente nos escritos de Judith Butler (2013Butler, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão de identidade. Trad. Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013., 2018______. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para um teoria performativa de assembleia. Trad. Fernanda Siqueira Miguens. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.). A autora atribui grande ênfase ao papel da linguagem na construção do que entendemos como “sujeito”, nos níveis teórico e político. Para ela, “um enunciado dá existência àquilo que declara (ilocucionário) ou faz com que uma série de eventos aconteça como consequência do enunciado” (2018, p. 35). A força da linguagem é uma das linhas de pensamento da autora para defender as performances que irrompem na cena pública, deslocando sentidos previamente estabelecidos.

De acordo com Salih, as preocupações de Butler inscrevem-se em uma “contínua desestabilização das categorias do sujeito e das estruturas discursivas nas quais essas categorias são formadas […] para expor os limites, as contingências e instabilidades das normas existentes” (2012, p. 193). Com foco em ações empreendidas por populações precarizadas, a existência é entendida como não anterior à linguagem, e diz do aparecimento público de “um poder que a linguagem tem de produzir uma nova situação ou acionar um conjunto de efeitos” (Butler, 2018______. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para um teoria performativa de assembleia. Trad. Fernanda Siqueira Miguens. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018., p. 35). Para a autora, essa existência é em si uma forma de demanda e pode assumir, além de um viés de verbalidade, a expressão por imagens, corpos e construção compartilhada de silêncios (Mendonça; Ercan; Asenbaum, 2020Mendonça, Ricardo Fabrino; Ercan, Selen; Asenbaum, Hans. “More than Words: A Multidimensional Approach to Deliberative Democracy”. Political Studies, 2020. doi:10.1177/0032321720950561
https://doi.org/10.1177/0032321720950561...
).

A discussão de Laclau e Mouffe e a de Butler são fortemente influenciadas pelo trabalho de Foucault. A contribuição foucaultiana para a compreensão da relação entre linguagem e política é multidimensional. Como percebe Fairclough (2001Fairclough, Norman. Discurso e mudança social. Trad. Izabel Magalhães (coord.). Brasília: Editora UnB, 2001., pp. 81-2), o trabalho arqueológico de Foucault evidencia a natureza constitutiva do discurso e a primazia da interdiscursividade. Já o trabalho genealógico do autor explicita a natureza discursiva do poder, a natureza política do discurso e a natureza discursiva da mudança social.

Politizando o discurso e “discursivizando” a política, Foucault defende, em sua aula inaugural no Collège de France em 1970, a premissa identificada também em Bakhtin e em Laclau e Mouffe: “O discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta” (Foucault, 2007Foucault, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. São Paulo: Loyola, 2007., p. 10). O filósofo francês questiona a elisão da realidade do discurso provocada pelo pensamento ocidental que o teria transformado em reles intermediário entre o pensar e o falar. Foucault se interessa pela ordem do discurso, que diz dos controles que balizam aquilo que é passível de ser enunciado, estabelecendo condições de seu funcionamento. O interesse de Foucault pelos discursos não está na atenção específica aos enunciados, aos seus autores e efeitos. Ele investiga as condições de emergência do dizer, que estabelecem a própria possibilidade de formular proposições. Por isso, interessa-se também pelos não ditos, que são profundamente reveladores da ordem do discurso. Assim, Foucault deixa claro que o sentido não está embutido nos significantes, mas se configura como emergência em contextos discursivos, sendo balizado por disputas sociopolíticas.

Conflitos sociais são batalhas pela linguagem porque dizem respeito a disputas pelo contexto de enunciação, o qual não apenas permite o aparecimento de significantes, mas também atravessa o processo de significação em que estes se inserem. Nesse sentido, Foucault (2007Foucault, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. São Paulo: Loyola, 2007., p. 50) adverte que não devemos “transformar o discurso em um jogo de significações prévias” nem “imaginar que o mundo nos apresenta uma face legível que teríamos que decifrar apenas”.

Essa compreensão influencia o olhar de Jacques Rancière (1996Rancière, Jacques. O desentendimento: política e filosofia. Trad. Ângela Leite Lopes. São Paulo: Editora 34, 1996.), muito embora com críticas ao trabalho de Foucault. Uma das forças de seu trabalho está justamente em argumentar que a política emerge do teste da premissa da igualdade, a partir da manifestação de um dano. O dano reside na exposição de uma conta sempre malfeita pela sociedade, na medida em que deixa aberta a possibilidade de que os sem-parcela venham a contestar a forma pela qual a sociedade distribui lugares e funções. Em Rancière, os sem-parcela não são os excluídos ou os pobres. Eles são construções derivadas de processos de subjetivação em que a desidentificação, no que diz respeito às categorias preestabelecidas e ao surgimento de novas identificações, altera o substrato da própria política. Os sem-parcela são desestabilizadores porque sua emergência afeta o terreno da luta.

Nesse quadro teórico, a política tem a ver com o dissenso engendrado pelos sem-parcela, na medida em que eles expõem um dano e, assim, propõem uma alteração na partilha do sensível por meio da verificação da igualdade. Mas a “‘discussão’ do dano não é uma troca […] entre parceiros constituídos. Ela diz respeito à própria situação de palavra e a seus atores” (Rancière, 1996Rancière, Jacques. O desentendimento: política e filosofia. Trad. Ângela Leite Lopes. São Paulo: Editora 34, 1996., p. 40). O dissenso que embasa a política não é mera discordância de opiniões. Ele se estabelece no conflito sobre a existência de uma cena comum, deslocando os atores que a compõem e as possibilidades do dizer. O conflito político tem a ver com a mudança na ordem do dizível e do experienciável, estruturando-se, por isso, como um conflito pela linguagem, entendida de uma forma ampla.

O diagnóstico crítico traçado por Jodi Dean sobre a situação contemporânea da esquerda nos Estados Unidos pode ajudar a entender esse ponto.2 2 É preciso deixar claro que Dean não opera com a perspectiva de Rancière, apresentando uma crítica contundente a ele. Apesar disso, entendemos ser possível uma leitura de seu diagnóstico em relação ao marco estruturado pelo filósofo de origem argelina. Dean assinala que, diante da ascensão do conservadorismo, a esquerda progressista teria assumido discursos que propagariam valores neoliberais, atacando o Estado e celebrando o individualismo como potência criativa. Sem capacidade propositiva, a esquerda não conseguiria se opor às premissas fundamentais do status quo, dado que estaria falando a linguagem de seus adversários, centrada na singularização e na agência de consumidores (Dean, 2009Dean, Jodi. Democracy and Other Neoliberal Fantasies: Communicative Capitalism and Left Politics. Durham: Duke University Press, 2009., p. 3; 9).

A análise da conjuntura hodierna feita por Dean está calcada em um argumento de que o pós-modernismo cultural da esquerda teria sido apropriado pelos movimentos conservadores de direita, os quais teriam configurado as balizas do dizível.3 3 Importante registrar aqui que apenas apresentamos o argumento de Dean. Não endossamos a crítica feita por ela à democracia. Uma crítica detida a tal argumento, todavia, levaria o trabalho a outra direção. Nessa batalha pela linguagem, a esquerda teria sido derrotada não apenas em suas visões de mundo, mas em sua capacidade de dizer o que quer e de saber o que quer para poder dizê-lo (idem, p. 10).4 4 De forma semelhante, ainda que preocupada com outras questões, Bell Hooks (2018) reflete sobre a mudança na estrutura política do feminismo à medida que o seu significado passa a ser disputado. Para a autora, em um primeiro momento, a conscientização feminista ocorria em pequenos grupos, com espaço para trocas de experiência e reflexão sobre o significado do discurso sexista. No entanto, a construção de um poder/discurso por parte desses grupos foi interrompida no momento que o termo “feminismo” foi apropriado pelo neoliberalismo. Separando-a da sua dimensão contestadora e conciliando-a com o valor da individualidade radical, foi possível propagar a interpretação da palavra como um estilo de vida “faça você mesmo”, conciliável com qualquer realidade e que não demanda mudanças estruturais e coletivas, em última instância, extirpando o seu componente político. É nesse sentido que hooks reivindica uma disputa não só pelo significado, mas pelas práticas implicadas quando se fala em “feminismo”.

Os autores e autoras mobilizados até aqui demonstram como é nuançada a relação entre linguagem, discurso e política, especialmente em momentos contenciosos. Evidenciam, também, como a política envolve disputas por significantes e significados, assim como pela própria estrutura discursiva que permite a enunciação. Em síntese, e como pondera Sidney Tarrow (2013Tarrow, Sidney G. The Language of Contention: Revolutions in Words, 1688-2012. Cambridge: Cambridge University Press , 2013.), as práticas discursivas são um dos elementos fundamentais para a compreensão do confronto político. Não por “retratarem” esse confronto ou por serem “ferramentas” nele mobilizadas, mas por serem, elas mesmas, parte em disputa. Nesse sentido, faz-se relevante compreender como a dinâmica linguageira dos confrontos se transforma ao longo do tempo e como ela está imbricada nos processos por meio dos quais sociedades se transformam (Fairclough, 2001Fairclough, Norman. Discurso e mudança social. Trad. Izabel Magalhães (coord.). Brasília: Editora UnB, 2001.).

Da perspectiva do confronto político na teoria dos movimentos sociais, Tarrow desenvolve o conceito de repertórios discursivos5 5 Em seu livro, Tarrow (2013) honestamente atribuiu o aparecimento do conceito ao seu colega Marc Steinberg, em um texto de 1999 — “The Talk and Backtalk of Collective Action: A Dialogic Analysis of Repertories of Discourse” — publicado no American Journal of Sociology. para a investigação diacrônica dessa dinâmica linguageira dos conflitos sociais, buscando as mudanças e permanências nos sentidos de palavras e expressões centrais aos conflitos políticos. Para além do reconhecimento da historicidade das palavras e do atravessamento destas pelos contextos em que se inserem, a ideia de repertórios discursivos chama a atenção para a transformação das formas discursivas por meio das quais construímos significações. Tarrow (2013Tarrow, Sidney G. The Language of Contention: Revolutions in Words, 1688-2012. Cambridge: Cambridge University Press , 2013.) defende que repertórios discursivos não apenas exprimem uma luta política, mas são, eles mesmos, parte estrutural da disputa.

Algumas premissas de Tarrow para entender a disponibilidade e utilização dos repertórios discursivos são particularmente importantes para nossa discussão. O autor afirma que: (1) as palavras ou símbolos presentes em um contexto conflituoso raramente são criados ou inventados naquele lugar, sendo oriundos de outras fontes de partilha de significado, como a música, o discurso do senso comum, as experiências prévias e as relações estabelecidas com governos e diferentes forças estatais (Tarrow, 2013Tarrow, Sidney G. The Language of Contention: Revolutions in Words, 1688-2012. Cambridge: Cambridge University Press , 2013., p. 12); (2) um mesmo significante pode mudar, a depender do contexto histórico, cultural e social onde é empregado; (3) isso ocorre porque mudanças na linguagem do conflito político advêm de intercâmbio, de interações entre diferentes atores; (4) por fim, é preciso entender a sobrevivência, a difusão e a morte de repertórios discursivos.

Duas características fundamentais são mobilizadas para essa compreensão histórica dos repertórios discursivos: ressonância simbólica e modularidade estratégica. A ressonância tem a ver com o diálogo das formas de expressão com o meio em que elas se inserem. Um termo, uma imagem ou um meme só fazem sentido imersos em um ambiente. Por modularidade estratégica, o autor entende a forma como os compo­nentes de um repertório se adaptam a diferentes circunstâncias e renascem em novos contextos.

Nos termos de Tarrow (2013Tarrow, Sidney G. The Language of Contention: Revolutions in Words, 1688-2012. Cambridge: Cambridge University Press , 2013.), a passagem de palavras e símbolos de um contexto para o outro ou a sua normalização de forma translocal se relaciona a uma disputa estratégica, dentro de um quadro cultural, em que atores específicos acionam as formas discursivas. Nesse sentido, Tarrow (2013Tarrow, Sidney G. The Language of Contention: Revolutions in Words, 1688-2012. Cambridge: Cambridge University Press , 2013.) admite que o uso da linguagem é, ao mesmo tempo, cultural e estratégico. A linguagem contenciosa deixa marcas diretas em quem participa desses processos, mas também na “memória coletiva” de uma determinada sociedade.

Quando frisamos essa natureza sociopolítica dos processos de transformação da linguagem e das formas do dizer, fica claro como eles são conduzidos por grupos em disputas. Como bem lembram Achen e Bartels (2016Achen, Christopher; Bartels, Larry. Democracy for Realists: Why Elections Do Not Produce Responsive Government. Princeton: Princeton University Press, 2016.), a realidade dos conflitos políticos é essencialmente constituída em torno de identificações grupais que permitem aos sujeitos dotar o mundo de sentidos.

No debate sobre ação coletiva, a centralidade das identidades também é fundamental para a compreensão de como as pessoas diagnosticam injustiças e apresentam reivindicações públicas (Melucci, 1996Melucci, Alberto. Challenging Codes: Collective Action in the Information Age. Cambridge: Cambridge University Press , 1996.; Cohen, 1985Cohen, Jean L. “Strategy or Identity: New Theoretical Paradigms and Contemporary Social Movements”. Social Research, 1985, v. 52, n. 4, pp. 663-716.). Snow (2013Snow, David A. “Identity Dilemmas, Discursive Fields, Identity Work, and Mobilization: Clarifying the Identity - Movement Nexus”. In: Stekelenburg, Jacquelien van; Roggeband, Conny; Klandermans, Bert (orgs). The Future of Social Movement Research: Dynamics, Mechanisms, and Processes. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2013, pp. 263-80.) ressalta que a construção de identidades coletivas, a delimitação “nós” × “eles” dos antagonismos políticos e das formas de enquadrar uma luta coletiva, não pode ser pensada sem seu componente discursivo.

Essa relevância das identificações coletivas é central para a compreensão das transformações da dinâmica linguageira dos conflitos sociais. Isso não apenas porque os sujeitos conversam com mais frequência e desenvolvem suas visões de mundo em relação a tais grupos (Snow, 2013Snow, David A. “Identity Dilemmas, Discursive Fields, Identity Work, and Mobilization: Clarifying the Identity - Movement Nexus”. In: Stekelenburg, Jacquelien van; Roggeband, Conny; Klandermans, Bert (orgs). The Future of Social Movement Research: Dynamics, Mechanisms, and Processes. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2013, pp. 263-80.), mas também porque estruturam comunidades interpretativas, pela partilha de implícitos que permitem que certas formas de enunciação façam sentido. Como amplamente discutido em teorias linguísticas diversas, o processo de produção de sentidos é profundamente atravessado por implícitos que só são decodificáveis porque os atores em interlocução partilham terrenos comuns (Grice, 1975Grice, H. P. “Logic and Conversation”. In: Davidson, Donald; Harman, Gilbert (orgs.). The Logic of Grammar. Encino: Dickenson, 1975.; Fairclough, 2001Fairclough, Norman. Discurso e mudança social. Trad. Izabel Magalhães (coord.). Brasília: Editora UnB, 2001.; Charaudeau, 1996Charaudeau, Patrick. “Para uma nova análise do discurso”. In: Carneiro, Agostinho Dias (org.). O discurso da mídia. Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 1996, pp. 5-43.).

É justamente por isso que chamamos a atenção para a estruturação de comunidades interpretativas. Os processos de produção e compreensão de signos dependem dessas partilhas. Vale ressaltar que, ao falar de comunidades interpretativas, não se propõe que os atores que delas fazem parte concordem uns com os outros. O ponto aqui é, simplesmente, o de que certas coletividades partilham os elementos implícitos necessários para que o processo de interlocução se estruture. Isso é importante para a compreensão de formas de expressão basilares do repertório discursivo contemporâneo, embora não seja nosso argumento o de que a constituição de comunidades interpretativas se trate de algo novo. Ela é inerente à co­municação humana.

Ainda que não opere com o conceito de comunidades de interpretação, Tarrow discute, com base em vários casos empíricos, como um termo se normaliza a partir dessa partilha pública. O caso da luta contra o assédio sexual no contexto das reivindicações feministas é um desses termos: “The term harassment had the prosaic meaning of being annoyed with something or someone before it came to be employed to mean unwanted sexual advances” (Tarrow, 2013Tarrow, Sidney G. The Language of Contention: Revolutions in Words, 1688-2012. Cambridge: Cambridge University Press , 2013., p. 192). Se uma mulher, no Brasil atual, utilizar a palavra assédio para nomear algum acontecimento dentro de um transporte público, por exemplo, haverá uma compreensão compartilhada sobre o ocorrido. Essa normalização atravessa os processos comunicativos articulados no interior de certas comunidades interpretativas.

O presente artigo propõe-se a discutir três performances comunicacionais que despontam como centrais no repertório discursivo de confrontos políticos da atualidade. O objetivo é apontar como essas práticas evidenciam as lutas pela linguagem e como se calcam na estruturação de comunidades interpretativas - comunidades essas que podem ser mais específicas e autorreferentes, ou mais amplas, atravessando o tecido social.

REPERTÓRIO DISCURSIVO CONTEMPORÂNEO: TRÊS PRÁTICAS RECORRENTES

Na segunda parte do presente artigo, dedicamo-nos a refletir sobre três práticas comunicacionais frequentes na atualidade. Reiteramos que não buscamos um levantamento exaustivo de tais práticas nem a análise sistemática de uma base de dados em torno de uma disputa específica. Mais modesto, nosso intuito é o de jogar luz sobre a forma como práticas que têm se tornado recorrentes evidenciam as lutas pela linguagem e a estruturação de comunidades interpretativas.

Ressaltamos, de partida, que as práticas discutidas a seguir não são “equivalentes” entre si nem da mesma natureza. Cada uma tem especificidades, que dependem, ainda, do contexto em que se concretizam. Como em toda prática comunicacional, é indispensável entender o contexto situacional de produção, circulação e consumo de discursos. No contemporâneo, profundamente atravessado por práticas digitais, plataformas distintas oferecem recursos e constrangimentos diversos, abrindo-se a estratégias diferentes e convocando agências díspares, dadas as suas affordances (Van Dijck; Poell; Waal, 2018______; Poell, Thomas; Waal, Martijn. The Platform Society. Nova York: Oxford University Press, 2018.). Isso fica claro, por exemplo, nas dinâmicas de indexação do Twitter, no horário de postagem no Facebook ou na centralidade da imagem no Instagram. Discursos não ocupam plataformas, mas são produzidos nelas e por meio delas. De acordo com Jurno e D’Andréa (2020Jurno, Amanda Chevtchouk; D’Andréa, Carlos Frederico de Brito. “Facebook e a plataformização do jornalismo: um olhar para os Instant Articles”. Eptic, 2020, v. 22, n. 1, pp. 179-96.), ao discutir as affordances,6 6 Bossetta (2018, p. 490) discute esses “aspectos da arquitetura digital de uma plataforma” em relação direta com a forma como podem influenciar campanhas políticas e seus recursos financeiros. Segundo ele, é necessário observar a estrutura da rede, a funcionalidade e a filtragem algorítmica. O estudo postula que quatro aspectos da arquitetura digital de uma plataforma influenciam a comunicação política nas mídias sociais: estrutura de rede, funcionalidade, filtragem algorítmica e datificação. distantes da experiência do usuário, as ações das plataformas são muitas vezes subestimadas. Mas, ao contrário do que possa parecer, as plataformas são compostas por diversas camadas que medeiam as ações e a experiência do usuário. O simples fato de se escolher uma plataforma, como o Facebook, faz com que os conteúdos publicados sejam moldados de acordo com o que é possível/permitido fazer ali, de acordo com as suas affordances. O estudo das “affordances tecnológicas” (Helmond, 2015Helmond, Anne. “The Platformization of the Web: Making Web Data Platform Ready”. Social Media + Society, 2015, v. 1, n. 2, pp. 1-11., p. 2) das plataformas nos permite observar a construção de suas “lógicas tecnoculturais”, o papel das arquiteturas em moldar uma sociabilidade em rede, as políticas de apis (application programming interfaces - interfaces de programação de aplicação) e a datificação do conteúdo (Jurno; D’Andréa, 2020Jurno, Amanda Chevtchouk; D’Andréa, Carlos Frederico de Brito. “Facebook e a plataformização do jornalismo: um olhar para os Instant Articles”. Eptic, 2020, v. 22, n. 1, pp. 179-96., p. 183).

Não ignoramos nem essas diferenças nem a agência das empresas-plataformas. Estamos cientes de que as estratégias discursivas que nos interessam não se manifestam em um vácuo, mas fazem parte de processos mais amplos (por vezes, desconhecidos ou naturalizados pelos usuários) de “datificação” da sociedade (Van Dijck, 2017Van Dijck, José. “Confiamos nos dados? As implicações da datificação para o monitoramento social”. Matrizes, 2017, v. 11, n. 1, p. 39-59.).7 7 Van Dijck (2017, p. 41) entende a datificação como “a transformação da ação social em dados on-line quantificados, permitindo assim monitoramento em tempo real e análise preditiva”. Em uma perspectiva crítica a esse processo, a autora discute a “datavigilância”, assumindo que ela “difere da vigilância em ao menos uma dimensão importante: enquanto esta presume o monitoramento para fins específicos, a datavigilância relaciona-se ao monitoramento contínuo de (meta)dados com objetivos não especificados” (idem, p. 52). Nosso intuito é demonstrar como tais fenômenos não podem ser dissociados do entendimento do confronto político atual, que tem dimensões estruturantes nas redes sociais e em práticas discursivas como as discutidas a seguir.

Deslocando significantes, alterando grafias

Uma primeira prática a compor o repertório discursivo de conflitos políticos atuais a ser discutida é a alteração de significantes atribuídos a um determinado referente. Em mídias sociais como o Facebook e o Twitter, e mesmo em comentários de notícias de portais de grande visibilidade, o número de menções e a quantidade de interações relacionadas a um termo pode levá-lo a figurar na lista dos assuntos mais comentados do momento ou fazê-lo aparecer com mais frequência no feed dos usuários. Por isso, é habitual o recurso de modificar a grafia (ou utilizar um termo correlato) para se referir a algo ou a alguém, a fim de ludibriar robôs e sistemas de monitoramento das interações on-line.

É comum, por exemplo, que se coloquem pontos ou barras entre os caracteres de uma determinada palavra ou que se substituam algumas de suas letras, dificultando a identificação automatizada do termo, mas garantindo sua decodificação por leitores. Como sistemas de monitoramento também podem ser treinados a identificar essas variações, em alguns casos, nota-se um movimento contínuo de substituição de termos, o que traz uma nova dimensão à prática: a arte de fazer-se compreender em um jogo quase poético de significantes. Nesse jogo, vale repetir sonoridades, intercambiar a ordem de caracteres, traduzir variações anteriores, desconstruir palavras ou apostar em associações. Trata-se, assim, de um “aprendizado coletivo” e, substancialmente, interacional, dado que, como advoga Tarrow (2013Tarrow, Sidney G. The Language of Contention: Revolutions in Words, 1688-2012. Cambridge: Cambridge University Press , 2013.), a construção de repertórios depende das partilhas de sentido que se estabelecem em contextos contenciosos.

Um interessante exemplo desse jogo pode ser observado na conversação on-line em torno das eleições presidenciais de 2018. Visando evitar o fortalecimento da já grande presença virtual do então candidato Jair Bolsonaro (PSL), muitos eleitores optaram por se referir a ele por meio de outros termos. A estratégia era diluir as menções a Bolsonaro utilizando uma multiplicidade de termos. Em um conjunto de 6.401 tweets coletados pelo pesquisador Marcelo Alves dos Santos Junior (uff) no dia do segundo turno da eleição, por exemplo, os termos mais recorrentes foram: “bozo” (com mais de 30% das menções coletadas), “bonoro”, “bolsonari”, “coiso”, “salnorabo”, “bonossauro” e “bozonaro”. Essas palavras foram inventadas ou ressignificadas no contexto da disputa e utilizadas para referir-se ao candidato, na tentativa de não promover o seu nome. A prática da modificação estratégica do significante faz parte do repertório discursivo contemporâneo, sendo que os vários termos são normalizados (Tarrow, 2013Tarrow, Sidney G. The Language of Contention: Revolutions in Words, 1688-2012. Cambridge: Cambridge University Press , 2013.) e, assim, decodificáveis por comunidades interpretativas.

A estratégia para diluir o peso digital do candidato logo se tornou, para os adeptos da prática, uma espécie de competição criativa. Construir significantes inusitados e capazes de remeter ao candidato tornou-se o objetivo em si de muitas mensagens, que já brincavam com termos para além da preocupação de evitar o monitoramento automatizado de mensagens. Observa-se, então, uma disputa em torno dos significantes. No dia em que Jair Bolsonaro foi vítima de um atentado em Juiz de Fora,L8 8 “Jair Bolsonaro leva facada durante ato de campanha em Juiz de Fora”, G1, 6/9/2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/mg/zona-da-mata/noticia/2018/09/06/ato-de-campanha-de-bolsonaro-em-juiz-de-fora-e-interrompido-apos-tumulto.ghtml>. Acesso em: 20/1/2019. dois termos subiram aos trending topics do Twitter: “Bolsonaro” e “Bozo”. Usando o primeiro, havia mensagens de solidariedade ao candidato e críticas ao ato violento. Valendo-se do segundo termo, outros usuários da rede lamentavam o ocorrido e consideravam indefensável que a agressão fosse utilizada politicamente. A situação evidenciou que a diferença na atuação dos grupos não estava apenas na palavra utilizada, mas também nos tópicos que se tornavam relevantes para cada um deles. Assim, formaram-se comunidades de sentido organizadas em torno do significante mobilizado, e a escolha do termo para se referir ao candidato já trazia uma série de implícitos relevantes para a decodificação do que era expresso. Pelo grau de envolvimento e pelas peculiaridades dessas disputas políticas nas redes sociais, Santos Junior (2016Santos Junior, Marcelo Alves. “Coxinhas e petralhas: o fandom político como chave de análise da audiência criativa nas mídias sociais”. Revista Geminis, 2016, ano 7, n.1, pp.117-46., pp. 123-4) sugere a importância de olhá-las também sob a óptica de fandom político, que se manifesta em “engajamentos políticos específicos de audiências que se assemelham às culturas fãs, considerando seu grau de envolvimento afetivo, entrelaçamento com o pop, construção identitária e comunidade interpretativa”.

Importante ressaltar, ainda, um efeito colateral não inteiramente vislumbrado pelos críticos do candidato. Ao optar pela prática de deslocar significantes em referência a Bolsonaro, seus adversários acabaram falando para o interior das próprias bolhas, sem penetrar, muitas vezes, o campo de construção discursiva de seus apoiadores. Assim, os apoiadores de Bolsonaro se mobilizaram para ocupar o ranking dos assuntos mais comentados e diariamente figuravam na lista. Essa visibilidade provocava reações do campo de oposição, mas de maneira fragmentada, pelo uso de muitos termos. Dessa forma, os tweets favoráveis ao candidato tornavam-se visíveis muito mais facilmente, em função da aglomeração em torno de um único termo de valência positiva.

Os campos de apoio e crítica a Bolsonaro precisaram adaptar suas práticas a esse cenário. Após o resultado favorável ao candidato no primeiro turno, seus adversários passaram a se referir a ele pelo significante “Bolsonaro” para alcançar outros públicos. Por outro lado, os potenciais eleitores do ex-deputado (e seus sistemas de monitoramento) começaram a procurar outros termos para acessar as críticas feitas a ele. Assim, a ambiguidade, discutida em Tarrow (2013Tarrow, Sidney G. The Language of Contention: Revolutions in Words, 1688-2012. Cambridge: Cambridge University Press , 2013.), colabora para o uso estendido de um mesmo termo. No caso de Bolsonaro, pessoas localizadas em diferentes posições no espectro político passaram a utilizar a palavra “mito”, como um significante de enaltecimento ou de ironia ao candidato.

Dois casos reportados pela Folha de S.Paulo evidenciaram a confusão sobre o que constituía uma referência a Bolsonaro. A notícia intitulada “Joalheria quer competir com obras de arte pelo bolso dos super-ricos” foi alvo de acusações de que o jornal seria financiado pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e espalharia fake news sem provas.9 9 Bianca Zaramella, “Joalheria quer competir com obras de arte pelo bolso dos super-ricos”, Folha de S.Paulo, 18/10/2018. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2018/10/joalheria-quer-competir-com-a-arte-pelo-bolso-dos-superricos.shtml>. Acesso em: 19/1/2019. Em outro texto, “Clássico botequeiro, bolovo ganha releituras de chefs paulistanos”,10 10 Fernanda Meneguetti, “Clássico botequeiro, bolovo ganha releituras de chefs paulistanos”, Folha de S.Paulo, 20/10/2018. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/2018/10/1983457-classico-botequeiro-bolovo-ganha-releituras-de-chefs-paulistanos.shtml>. Acesso em: 19/1/2019. um movimento semelhante ocorreu. Softwares programados para reagir, com interações automáticas, a determinados termos nas redes sociais demonstraram os efeitos da pluralização das formas de se referir a Bolsonaro. Em primeiro lugar, a sua criação buscava gerar debates sobre o candidato para que suas pautas alcançassem visibilidade, de forma que era importante buscar os grupos críticos. Contudo, a dificuldade para acessá-los estava na infinidade de termos usados para nomeá-lo, dificultando a atuação de possíveis robôs. Nota-se como uma prática que, a priori, pode parecer uma simples “brincadeira” ajuda a entender estratégias discursivas desenroladas no cenário político, sobretudo ao publicizarem essas interações automatizadas. Há, aqui, uma novidade significativa, já que, nos debates públicos contemporâneos, é preciso saber lidar não apenas com os contra-argumentos de outros seres humanos, mas também com a dinâmica de interações automatizadas que povoam e impulsionam agendas publicamente.

O exemplo trabalhado aqui não é excepcional. Basta mencionar as grafias alternativas utilizadas, especialmente no Twitter, para se referir aos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff: Lyla e Gilma, respectivamente. O candidato do PT à Presidência em 2018, Fernando Haddad, também foi alvo de jogos de palavras nos quais internautas utilizavam o seu sobrenome em meio a “risadas” virtuais compostas por letras aparentemente desconexas (“hahahaddadhahhaha”). Em outros contextos, combinações de palavras fazem referência a uma pessoa ou grupo, atribuindo-lhes características no ato de nomeação. Podemos citar como exemplo a grafia “corruptos”, utilizada como provocação aos militantes do PT.

Assim, fica claro o conflito em torno dos próprios significantes na conversação política contemporânea e a luta pela linguagem e pela estruturação de comunidades interpretativas no cerne do repertório de ações contenciosas hodiernas. Seja para enganar sistemas automatizados, seja para diluir a presença virtual de adversários, ironizar pessoas, promover exposição inadvertida, fortalecer vínculos e sentimentos de pertencimento ou chamar a atenção para certos eventos e sujeitos, o deslocamento de significantes desponta como performance importante no leque de possibilidades discursivas pelo qual se luta politicamente com palavras e pelas palavras.

Hashtags e a indexação das conversas

Se na seção anterior exploramos uma prática discursiva que joga com o referente por meio da substituição dos significantes, dificultando o acompanhamento e a focalização de um determinado assunto, interessa-nos, aqui, chamar a atenção para uma prática distinta. O uso de hashtags aspira, justamente, a identificar e a indexar mensagens como parte de uma mesma macroconversa ou, pelo menos, de um mesmo assunto. Ao estabelecer uma rede hipertextual que conecta conteúdos semelhantes, hashtags promovem uma espécie de chat ampliado, além de criar expectativas que marcam o próprio processo de elaboração e recepção das mensagens (Alves Filho; Castro; Alexandre, 2012Alves Filho, Francisco; Castro, Bruno Diego de Resende; Alexandre, Leila Rachel Barbosa. “#MARCARPORQUE: funções sociorretóricas das hashtags no Twitter”. Revista do GEL - Grupo de Estudos Linguísticos do Estado de São Paulo, 2012, v. 9, n. 2, pp. 85-110.). Embora desempenhem diferentes funções linguísticas (Zappavigna, 2015Zappavigna, Michele. “Searchable Talk: The Linguistic Functions of Hashtags”. Social Semiotics, 2015, v. 25, n. 3, pp. 274-91.), hashtags são parte de um processo mais amplo de alteração da forma como debates ocorrem e grupos se conectam (Jeffares, 2014Jeffares, Stephen. Interpreting Hashtag Politics: Policy Ideas in an Era of Social Media. Nova York: Palgrave Mcmillan, 2014.), podendo ampliar possibilidades de expressão, mas também gerar desinformação (Small, 2011Small, Tamara A. “What the Hashtag? A Content Analysis of Canadian Politics on Twitter”. Information, Communication & Society, 2011, v. 14, n. 6, pp. 872-95.).

No campo dos estudos textuais, o Twitter, plataforma em que o uso das hashtags se popularizou, vem sendo entendido como um gênero textual (Zappavigna, 2015Zappavigna, Michele. “Searchable Talk: The Linguistic Functions of Hashtags”. Social Semiotics, 2015, v. 25, n. 3, pp. 274-91.; Alves Filho; Castro; Alexandre, 2012Alves Filho, Francisco; Castro, Bruno Diego de Resende; Alexandre, Leila Rachel Barbosa. “#MARCARPORQUE: funções sociorretóricas das hashtags no Twitter”. Revista do GEL - Grupo de Estudos Linguísticos do Estado de São Paulo, 2012, v. 9, n. 2, pp. 85-110.). Bastante características dessa mídia social, dadas as affordances da própria plataforma, com sua dinâmica de indexação de conteúdos, as hashtags utilizam um conjunto de palavras para formar um link, o qual leva a uma lista de tweets que utilizaram o mesmo marcador. Diferentemente das tags utilizadas em blogs, o recurso não apenas organiza os conteúdos de acordo com os temas, mas é constitutivo do próprio discurso, uma vez que é incorporado no texto.

Ainda que comportem uma dimensão compiladora de conteúdo, portanto, o uso que se faz delas no Twitter permite dispor no texto cargas subjetivas compartilhadas por emissores que se valem da mesma “etiqueta” (Jeffares, 2014Jeffares, Stephen. Interpreting Hashtag Politics: Policy Ideas in an Era of Social Media. Nova York: Palgrave Mcmillan, 2014.). Nesse sentido, elas podem ser utilizadas para debater temas políticos ou pressionar atores com relação a eles. Mas as hashtags também podem ser usadas para manifestar discordância sobre o tema/assunto a que se vinculam. Hopke (2015Hopke, Jill E. “Hashtagging Politics: Transnational Anti-Fracking Movement Twitter Practices”. Social Media + Society, out. 2015, v. 1, n. 2, pp. 1-12.) destaca que esse recurso pode ser apropriado de diversas maneiras, permitindo que o uso de uma mesma hashtag por diferentes atores cumpra papéis muito distintos. Alzamora e Bicalho (2016Alzamora, Geane Carvalho; Bicalho, Luciana Andrade Gomes. “A representação do Impeachment Day mediada por hashtags no Twitter e no Facebook: semiose em redes híbridas”. Interin, jul.-dez. 2016, v. 21, n. 2, pp. 100-21., p. 106) sustentam que “o sentido da hashtag é, assim, configurado em cada situação comunicativa sem, contudo, perder a referência a um contexto mais amplo de significação, normalmente acionado em conexões intermídia”. Justamente por isso, Chagas (2018Chagas, Viktor. “A febre dos memes de política”. Revista Famecos, 2018. v. 25, n. 1, pp. 1-26., pp. 5-6) afirma que “o grau de sucesso ou insucesso de uma campanha baseada em uma hashtag política permanece como uma obra aberta e incompleta, à espera não apenas das massas que a entoarão mas do modo como o farão”.

São vários os exemplos dessa articulação a partir de hashtags. As marcações #metoo e #meuprimeiroassedio foram utilizadas para relatar casos de assédio sexual sofrido por mulheres, tomando grandes proporções em função da adoção da primeira por artistas para denunciar práticas das indústrias cinematográfica, musical e da moda. Após o assassinato de Marielle Franco, em 14 de março de 2018, a hashtag #quemmandoumatarmarielle foi utilizada para cobrar investigações dos órgãos responsáveis, levantando questões como os índices de assassinatos de mulheres negras, as dificuldades de permanência delas na política e a atuação da vereadora no Rio de Janeiro.

Em todos esses casos, hashtags são centrais para canalizar conversações dispersas e para estruturar comunidades no acompanhamento de certos temas. Reis e Natansohn (2017Reis, Josemira Silva; Natansohn, Graciela. “Com quantas hashtags se constrói um movimento? O que nos diz a ‘Primavera Feminista’ brasileira”. Tríade - Revista de Comunicação, Cultura e Mídia, 2017, v. 5, n. 10, pp. 113-30.), ao analisarem as hashtags feministas de maior circulação no país entre 2015 e 2016, atestam que o problema da violência, sobretudo a sexual, contra as mulheres é o tema comum a atravessar tais manifestações em rede. A conversação espraiada que se estrutura nessas hashtags tem uma função importante na explicitação de problemas públicos e na própria construção de um fato/fenômeno como problema. Mendes, Ringrose e Keller (2018Mendes, Kaitlynn; Ringrose, Jessica; Keller, Jessalynn. “#MeToo and the Promise and Pitfalls of Challenging Rape Culture through Digital Feminist Activism”. European Journal of Women’s Studies, 2018, v. 25, n. 2, pp. 235-46.), com uma análise do #metoo e de sua repercussão, a partir de entrevistas com mulheres, discutem como a descoberta, no âmbito on-line, de outras pessoas sofrendo com o mesmo problema foi ainda mais importante para aquelas que não possuíam nenhuma familiaridade, “fora da rede” ou em suas relações pessoais próximas, com o feminismo e suas pautas.

Conforme discutimos na primeira seção deste texto, não basta apenas olhar as formas discursivas sob uma perspectiva instrumental nos conflitos contemporâneos. O uso de hashtags não somente “condensa” uma disputa sobre significados, mas a integra. Como pontua Snow (2013Snow, David A. “Identity Dilemmas, Discursive Fields, Identity Work, and Mobilization: Clarifying the Identity - Movement Nexus”. In: Stekelenburg, Jacquelien van; Roggeband, Conny; Klandermans, Bert (orgs). The Future of Social Movement Research: Dynamics, Mechanisms, and Processes. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2013, pp. 263-80.), a dimensão discursiva não pode ser apartada do entendimento de como se estruturam identidades coletivas.

Interessante notar que, frequentemente, o fortalecimento de uma hashtag nutre o surgimento de outras, seja como forma de reapropriação, seja como forma de oposição. Há uma espécie de modularidade dinâmica que constrói eixos organizadores do debate a partir daqueles previamente mobilizados. A intertextualidade entre hashtags permite que a própria escolha dos termos mobilizados faça referência crítica à comunidade usuária de outras hashtags. À hashtag #EleNão, que sistematizava tweets e posts contra Jair Bolsonaro, seguiu-se a #EleSim, em defesa do candidato. Em referência à hashtag sobre Marielle, surgiu a marcação #quemmandoumatarbolsonaro, após o ataque de setembro de 2018. Estruturam-se, assim, disputas narrativas, como bem pontua Yang (2016Yang, Guobin. “Narrative Agency in Hashtag Activism: the Case of #BlackLivesMatter”. Media And Communication, 2016, v. 4, n. 4, pp. 13-7.).

Se essas disputas entre hashtags relacionadas são bastante claras nas dinâmicas discursivas hodiernas, nota-se também que, muitas vezes, grupos reciclam antigas hashtags para facilitar sua propulsão na lista dos trending topics. Como os algoritmos do Twitter dificultam a subida de tags antigas, uma estratégia recorrente é produzir pequenos deslocamentos de significantes, de forma a ludibriar o algoritmo como se fosse uma nova hashtag, sem perder a comunidade já estruturada em torno da antiga. Nota-se, assim, uma confluência das duas práticas abordadas por este artigo até o momento. A fim de lidar com as affordances e características da plataforma, usuários adotam estratégias disponíveis para aumentar a visibilidade de seus discursos, alterando significantes de modo a impulsionar marcadores que aglutinam certas comunidades.

É preciso, ainda, entender que as hashtags não configuram comunidades estanques de usuários. No caso de grupos que desejam exercer alguma influência na percepção pública sobre um tema, é importante que a sua narrativa transborde os limites e atinja outras comunidades. Tendo em mente a maleabilidade dos sentidos das hashtags, uma das estratégias tem sido usar termos populares entre os adversários na busca por se tornar visível para além de sua bolha. É possível observar esse desenvolvimento no caso da tag #blacklivesmatter. O termo surgiu como uma forma de protesto do movimento negro contra a violência policial nas comunidades negras e o descaso com essas vidas. No entanto, alguns grupos passaram a defender que a demonstração da raça/cor na manifestação seria excludente ou preconceituosa por tratar da valorização apenas de vidas negras. Assim, discursos com a hashtag #alllivesmatter se vincularam à primeira para criar debates.

Pode-se entender as hashtags, dessa maneira, como uma possibilidade de construção coletiva de sentidos a partir de contribuições individuais. São elementos que operam em redes de laços fracos e estruturam narrativas, de modo que os termos podem surgir em uma comunidade, mas, uma vez que ganham visibilidade, transformam-se dinamicamente, sendo mobilizados com múltiplas funções. Elas emergem na cena pública, frequentemente, como mecanismo que permite vincular o desejo de autorrepresentação e singularidade com algum sentimento de solidariedade coletiva (Bennett; Segerberg, 2013Bennett, W. Lance; Segerberg, Alexandra. The Logic of Connective Action: Digital Media and the Personalization of Contentious Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 2013.; Hopke, 2015Hopke, Jill E. “Hashtagging Politics: Transnational Anti-Fracking Movement Twitter Practices”. Social Media + Society, out. 2015, v. 1, n. 2, pp. 1-12.). A dinâmica contenciosa contemporânea evidencia as disputas em torno de marcadores que estabelecem eixos de visibilidade do debate público e estruturam comunidades interpretativas, modulando expectativas e a percepção da partilha de visões.

Memes: difusão e endereçamento

A terceira prática comunicacional a ser aqui mencionada é o uso de memes. O já amplo debate sobre os memes tem origem na proposição de uma unidade de transmissão cultural, tal como os genes são unidades de transmissão biológica. Dessa forma, os memes são construídos culturalmente a partir de um processo de cópia e imitação (Shifman, 2014Shifman, Limor. Memes in Digital Culture. Cambridge: MIT Press, 2014.). Esse fenômeno de replicação de uma imagem/texto estáticos ou em movimento tem ganhado relevância para a compreensão da política tanto em momentos eleitorais (Chagas, 2018Chagas, Viktor. “A febre dos memes de política”. Revista Famecos, 2018. v. 25, n. 1, pp. 1-26.) quanto em conflitos que se espraiam para além do sistema político formal. Nissenbaum e Shifman (2018Nissenbaum, Asaf; Shifman, Limor. “Meme Templates as Expressive Repertoires in a Globalizing World: A Cross-Linguistic Study”. Journal of Computer-Mediated Communication, ago. 2018, v. 23, n. 5, pp. 294-310.) defendem que essa produção contemporânea de memes na internet, por vezes tida como “insignificante”, tem mais funções do que o simples entretenimento, especialmente na “construção de comunidades” e de “protesto político”.

A replicação dos memes na rede, bem como sua análise, de acordo com Shifman (2014Shifman, Limor. Memes in Digital Culture. Cambridge: MIT Press, 2014.), precisa observar os componentes da mensagem (layout, texto, imagem), seu conteúdo e o posicionamento de quem a utiliza. Nissenbaum e Shifman (2018Nissenbaum, Asaf; Shifman, Limor. “Meme Templates as Expressive Repertoires in a Globalizing World: A Cross-Linguistic Study”. Journal of Computer-Mediated Communication, ago. 2018, v. 23, n. 5, pp. 294-310., p. 306) sustentam que a criação de memes se dá em uma articulação permanente entre indivíduo-coletivo - “internet memes are often bottom-up cultural creations, moving from individuals to wider crowds”.

Frequentemente, memes combinam relevância cultural e técnicas visuais agradáveis ou divertidas para certos públicos (Chagas, 2018Chagas, Viktor. “A febre dos memes de política”. Revista Famecos, 2018. v. 25, n. 1, pp. 1-26.; Mihailidis; Viotty, 2017Mihailidis, Paul; Viotty, Samantha. “Spreadable Spectacle in Digital Culture: Civic Expression, Fake News, and the Role of Media Literacies in ‘Post-Fact’ Society”. American Behavioral Scientist, 2017, v. 61, n. 4, pp. 441-54.), sendo comumente utilizados com finalidades cômicas e satíricas, embora nem sempre possuam tais qualidades. Os memes podem ser incorporados em estratégias políticas na medida em que permitem a familiarização de audiências com determinados temas e a sintetização de sistemas de crenças de forma simples e replicável (Chagas, 2018Chagas, Viktor. “A febre dos memes de política”. Revista Famecos, 2018. v. 25, n. 1, pp. 1-26.; Wisniewski, 2011Wisniewski, Kevin A. “It’s All About Meme: the Art of the Interview and the Insatiable Ego of the Colbert Bump”. In: Amarasingam, Amarnath (org.). The Stewart/Colbert Effect: Essays on the Real Impacts of Fake News. Jefferson: McFarland & Company, 2011, p. 164-80.). Contudo, a compreensão da proposta de um meme específico está ligada aos repertórios discursivos do receptor, de maneira que, em alguns casos, o desconhecimento da origem do texto compromete a forma como ele será processado e reproduzido. Assim, alguns sentidos compartilhados no interior de determinadas comunidades acabam por criar dialetos próprios.

Tay (2012Tay, Geniesa. Embracing LOLitics: Popular Culture, Online Political Humor, and Play. Dissertação (mestrado em Arts in Media and Communication). Christchurch: University of Canterbury, 2012.) aponta que uma das funcionalidades dos memes é a simplificação de mensagens, tornando-as mais atrativas pela proximidade com conteúdos cotidianamente acessados pelos usuários, de forma que eles borram os limites entre a cultura pop e a política. Essa necessária partilha mínima de sentido para o uso dos memes está ligada à nossa discussão sobre comunidades interpretativas. Como parte do repertório do conflito político contemporâneo, os memes não são mensagens completamente codificáveis em uma mesma sociedade, fornecendo pistas sobre a forma como grupos específicos constroem seus discursos.

Como defende Tarrow (2013Tarrow, Sidney G. The Language of Contention: Revolutions in Words, 1688-2012. Cambridge: Cambridge University Press , 2013.), as performances discursivas são produto de referências já disponíveis em um determinado contexto (cultura popular, por exemplo) e se integram aos ciclos contenciosos. Nesse sentido, passam a alterar o terreno da luta discursiva, seja quando iniciam uma provocação, seja quando são usadas como “resposta” em determinada interação. Na atualidade, memes, junto às hashtags - ainda que de modo distinto delas -, são parte de um repertório que, apesar de não fomentar uma discussão aprofundada de posicionamentos políticos, torna-os mais facilmente compartilháveis, devido ao apelo emocional (satírico, cômico, impactante) e à velocidade de sua difusão, como ilustram as Figuras 1 e 2.

FIGURAS 1 E 2
Exemplos de meme com figuras políticas

Davison (2012Davison, Patrick. “The Language of Internet Memes”. In: Mandiberg, Michael (org.). The Social Media Reader. Nova York: New York University Press, 2012, pp. 120-36.) aponta que uma característica fundamental dos memes é a sua maleabilidade, dado que podem ser reapropriados e ressignificados de formas diversas. Aqui também se nota a força de uma modularidade dinâmica que permite a reprodução incessante, mas com sentidos diversos em contextos diferentes. Isso fica claro em outro exemplo eleitoral. Na campanha de Marcelo Freixo à Prefeitura do Rio de Janeiro, em 2016, sua equipe de comunicação disponibilizou um template, a fim de evidenciar a diversidade de sua base, para quem quisesse propagar apoio ao candidato do Partido Socialismo e Liberdade (psol). No entanto, o banner foi utilizado de forma difusa, propondo diversas identidades e permitindo a construção de críticas e ironias. A Figura 3 é exemplo de produções feitas a partir da campanha e permite vislumbrar algumas das “articulações” (nos termos de Laclau e Mouffe) que buscam ressituar os elementos que a constituem. Quando se ironiza que um “traficante”, um “vagabundo” ou um “burguês metido a pobre” “fecham com Freixo”, fica clara a teia de significados em que se busca inseri-lo.

FIGURAS 3
Reapropriação do template da campanha de Marcelo Freixo

Como já observado, faz parte do repertório discursivo contemporâneo a adoção de formatos comunicacionais que prezem pelo engajamento e pela agência de seguidores, o que facilita o deslocamento de sentidos por parte de adversários políticos. No intuito de fomentar a ação autônoma de indivíduos para a construção de coletividades de apoio, acaba-se por alimentar a dinâmica (também lúdica e satírica) de brincar com as formas propostas para sugerir sentidos opostos àqueles inicialmente almejados. Nesses casos, memes parecem oferecer uma infraestrutura comunicacional ocupada de formas distintas por grupos diversos.

Se alguns memes são abertos o suficiente para viabilizar esse tipo de deslocamento, outros parecem mais vinculados a grupos específicos, ancorando-se de tal forma em elementos implícitos partilhados por eles que podem ser (quase) impermeáveis a grupos externos. Aqui, memes parecem alimentar uma dinâmica mais comunitarista, nutrindo laços entre integrantes de certo grupo e expondo os signos desses laços em uma cena pública cujo conjunto de atores não partilha dos implícitos necessários para decodificá-los. Aos moldes do pixo, memes parecem viabilizar uma comunicação cifrada que é observada, mas não plenamente compreendida, por indivíduos não pertencentes ao grupo.

A título de ilustração, pode-se pensar na forma como alguns grupos lgbts têm uma dinâmica comunicacional, termos, personagens e expressões que alimentam uma fábrica de memes bastante opacos a outros sujeitos. Os memes do reality show RuPaul’s Drag Race, que consiste em uma competição entre drag queens, são bons exemplos a esse respeito. Um dos motivos para o sucesso do reality foi a produção de catchphrases e imagens que se propagavam nas redes sociais, valendo-se de estratégias típicas de comunidades drags - como os chamados shades e reads, em que as participantes realizam críticas umas às outras, de maneiras sutis ou irônicas - ou de bordões do programa, tais como “Sashay, away” - que é a frase dita por RuPaul para as competidoras eliminadas (Figura 4).

FIGURAS 4
Exemplo de meme do reality show “RuPaul’s Drag Race”

Quem não partilha desse universo de implícitos pode se deparar com um meme e não compreender de que se trata. Nota-se, assim, o papel político dessas performances discursivas no fortalecimento de comunidades identitárias, o que, como destacamos, está no próprio cerne das lutas políticas.

Em síntese, percebe-se que memes operam ou como infraestrutura comunicacional a ser disputada por diferentes atores ou como modo de comunicação fortemente marcado por implícitos que não são socialmente partilhados, mas alimentam comunidades interpretativas particulares. Em ambos os casos, esse formato discursivo está no cerne das lutas contemporâneas pela linguagem, alimentando as interações comunicacionais rápidas e difusas por meio das quais identidades se formam e se apresentam politicamente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscamos discutir três performances comunicacionais que estão no cerne do repertório discursivo contemporâneo e que são centrais à compreensão da política não apenas por retratarem as disputas, mas por atuarem em sua construção. Nesse sentido, revisamos um conjunto de autores preocupados com a interseção entre linguagem e política para discutir algumas das dinâmicas contemporâneas por meio das quais comunidades interpretativas se edificam e disputam a própria linguagem.

Em seções específicas, exploramos a forma como (1) a substituição de significantes, (2) o uso de hashtags e (3) a construção de memes permitem vislumbrar características fundamentais da comunicação política hodierna, que envolvem processos complexos como a interação entre seres humanos e máquinas, a necessidade de circulação rápida e capilarizada, o jogo de luz e sombra alimentado pelos implícitos discursivos, as disputas narrativas de uma comunicação fortemente hipertextual, a modularidade dinâmica das formas discursivas em tempos de ação política predominantemente individualizada e a estruturação de comunidades interpretativas de distintas naturezas. Todos esses elementos atravessam a maneira pela qual conflitos políticos são articulados, abrindo novas possibilidades e restrições que passam a perpassar os cálculos, as estratégias e os comportamentos naturalizados de atores sociais.

Não foi nosso objetivo analisar grandes volumes de dados para “comprovar” a existência ou amplitude dessas performances discursivas. Tampouco reivindicamos ineditismo na atenção a tais fenômenos. O que buscamos foi evidenciar, por meio de exemplos específicos, a necessidade de ler esses fenômenos no campo dos estudos preocupados em compreender a relação entre linguagem e política, bem como a forma como essa relação atravessa os conflitos sociais. Entendemos, como Fairclough (2001Fairclough, Norman. Discurso e mudança social. Trad. Izabel Magalhães (coord.). Brasília: Editora UnB, 2001.), que a compreensão adequada das mudanças na forma como nos comunicamos é central para entender as próprias transformações sociais. A arena dos conflitos sociais existe em permanente transfiguração, sendo impossível compreender os conflitos e seus atores sem um conhecimento adequado dessas próprias transfigurações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • 1
    Este artigo foi produzido no âmbito do projeto “A democracia deliberativa em face da crise da democracia: contribuições, dilemas e trilhas”, financiado pelo CNPq (processos 423218/2018-2 e 305813/2017-0) e pela Capes (88887.370393/2019-00). O texto tem estreito diálogo com debates derivados de uma parceria interinstitucional envolvendo a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp), a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a Universidade Federal de Goiás (UFG) e a Universidade Federal de Pelotas (UFPel), com financiamento da Capes (processo 88881.130844/2016-01). Também somos gratos à Fapemig (CSA - PPM-00284-17) e à Fulbright.
  • 2
    É preciso deixar claro que Dean não opera com a perspectiva de Rancière, apresentando uma crítica contundente a ele. Apesar disso, entendemos ser possível uma leitura de seu diagnóstico em relação ao marco estruturado pelo filósofo de origem argelina.
  • 3
    Importante registrar aqui que apenas apresentamos o argumento de Dean. Não endossamos a crítica feita por ela à democracia. Uma crítica detida a tal argumento, todavia, levaria o trabalho a outra direção.
  • 4
    De forma semelhante, ainda que preocupada com outras questões, Bell Hooks (2018Hooks, Bell. O feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. Trad. Ana Luiza Libânio. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018.) reflete sobre a mudança na estrutura política do feminismo à medida que o seu significado passa a ser disputado. Para a autora, em um primeiro momento, a conscientização feminista ocorria em pequenos grupos, com espaço para trocas de experiência e reflexão sobre o significado do discurso sexista. No entanto, a construção de um poder/discurso por parte desses grupos foi interrompida no momento que o termo “feminismo” foi apropriado pelo neoliberalismo. Separando-a da sua dimensão contestadora e conciliando-a com o valor da individualidade radical, foi possível propagar a interpretação da palavra como um estilo de vida “faça você mesmo”, conciliável com qualquer realidade e que não demanda mudanças estruturais e coletivas, em última instância, extirpando o seu componente político. É nesse sentido que hooks reivindica uma disputa não só pelo significado, mas pelas práticas implicadas quando se fala em “feminismo”.
  • 5
    Em seu livro, Tarrow (2013Tarrow, Sidney G. The Language of Contention: Revolutions in Words, 1688-2012. Cambridge: Cambridge University Press , 2013.) honestamente atribuiu o aparecimento do conceito ao seu colega Marc Steinberg, em um texto de 1999 — “The Talk and Backtalk of Collective Action: A Dialogic Analysis of Repertories of Discourse” — publicado no American Journal of Sociology.
  • 6
    Bossetta (2018Bossetta, Michael. “The Digital Architectures of Social Media: Comparing Political Campaigning on Facebook, Twitter, Instagram, and Snapchat in the 2016 U.S. Election”. Journalism & Mass Communication Quarterly, mar. 2018, v. 95, n. 2, pp. 471-96., p. 490) discute esses “aspectos da arquitetura digital de uma plataforma” em relação direta com a forma como podem influenciar campanhas políticas e seus recursos financeiros. Segundo ele, é necessário observar a estrutura da rede, a funcionalidade e a filtragem algorítmica. O estudo postula que quatro aspectos da arquitetura digital de uma plataforma influenciam a comunicação política nas mídias sociais: estrutura de rede, funcionalidade, filtragem algorítmica e datificação.
  • 7
    Van Dijck (2017Van Dijck, José. “Confiamos nos dados? As implicações da datificação para o monitoramento social”. Matrizes, 2017, v. 11, n. 1, p. 39-59., p. 41) entende a datificação como “a transformação da ação social em dados on-line quantificados, permitindo assim monitoramento em tempo real e análise preditiva”. Em uma perspectiva crítica a esse processo, a autora discute a “datavigilância”, assumindo que ela “difere da vigilância em ao menos uma dimensão importante: enquanto esta presume o monitoramento para fins específicos, a datavigilância relaciona-se ao monitoramento contínuo de (meta)dados com objetivos não especificados” (idem, p. 52).
  • 8
    “Jair Bolsonaro leva facada durante ato de campanha em Juiz de Fora”, G1, 6/9/2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/mg/zona-da-mata/noticia/2018/09/06/ato-de-campanha-de-bolsonaro-em-juiz-de-fora-e-interrompido-apos-tumulto.ghtml>. Acesso em: 20/1/2019.
  • 9
    Bianca Zaramella, “Joalheria quer competir com obras de arte pelo bolso dos super-ricos”, Folha de S.Paulo, 18/10/2018. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2018/10/joalheria-quer-competir-com-a-arte-pelo-bolso-dos-superricos.shtml>. Acesso em: 19/1/2019.
  • 10
    Fernanda Meneguetti, “Clássico botequeiro, bolovo ganha releituras de chefs paulistanos”, Folha de S.Paulo, 20/10/2018. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/2018/10/1983457-classico-botequeiro-bolovo-ganha-releituras-de-chefs-paulistanos.shtml>. Acesso em: 19/1/2019.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    27 Maio 2019
  • Aceito
    24 Abr 2020
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