Acessibilidade / Reportar erro

VOLPI: DOXA, PERMANÊNCIA E DENEGAÇÃO NA CRÍTICA DE ARTE BRASILEIRA

Volpi: Doxa, Permanence and Denegation in Brazilian Art Criticism

RESUMO

Este artigo é uma genealogia da crítica que consagrou Alfredo Volpi. O foco da análise recai sobre a década de 1940, quando Mário de Andrade estabeleceu as principais diretrizes para pensar a “Família Artística Paulista”. Nesse momento, eclipsou-se a nacionalidade italiana do artista, bem como as referências estrangeiras em sua pintura. Surgiu então a mitologia do pintor como operário e artesão, que permanece ativa ainda na contemporaneidade.

PALAVRAS-CHAVE:
crítica de arte; Alfredo Volpi; Mário de Andrade; modernismo brasileiro; Grupo Santa Helena

ABSTRACT

This paper is a genealogy of the arts critic which consecrated Brazilian artist Alfredo Volpi. The focus is in the 1940’s, when critic Mário de Andrade set the guidelines of the “Paulista Artistic Family”. By then, the Italian origin of Volpi, as other foreign influences in his art, were eclipsed. The myth of the painter who was a worker and an artisan was set, remaining alive until this date.

KEYWORDS:
art criticism; Alfredo Volpi; Mário de Andrade; Brazilian Modernism; Santa Helena Group

Publicado recentemente pela Novos Estudos Cebrap, o ensaio “Alfredo Volpi e a modernização precária”, de Carlos Pires (2018aPires, Carlos. “Alfredo Volpi e a modernização precária”. Novos Estudos Cebrap 110, v. 37, n. 1, 2018a, pp. 133-59.), reitera uma cronologia da arte brasileira narrada por Ronaldo Brito na década de 1970 e localiza Volpi no “vértice e na ruptura do projeto construtivo brasileiro” (Pires, 2018, p. 150). O pintor das bandeirinhas teria adiantado a reflexão dos neoconcretos e feito uma pintura crítica à racionalidade moderna que atingiria seu ápice, entre nós, nos movimentos concretistas.1 1 Pelo desenvolvimento deste artigo, eu agradeço especialmente os comentários de Luiz Gustavo Freitas Rossi, Ana Paula Simioni e de minha orientadora de mestrado, Heloisa Pontes. Há também uma dívida de gratidão com os pareceristas anônimos, cujas críticas foram preciosas.

Longe de ser um artigo isolado, ele se inscreve em uma tradição de crítica brasileira que enquadra as pinturas volpianas e concretistas frente à nação e que, nesse jogo de figura e fundo, deduz um duplo diagnóstico que incide sobre o Brasil e sobre o artista: uma modernização que não teria plenamente se realizado condicionaria tanto a produção artística como a estrutura social brasileira. Volpi é assunto privilegiado nesse campo e, apesar das discordâncias mais amplas, ele veicula um denominador comum entre diversos intelectuais de nossa arte: Rodrigo Naves (2011______. “Volpi: anonimato e singularidade”. In: A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2011 [1989].), Sônia Salzstein (2000Salzstein, Sônia. Volpi. Rio de Janeiro: Campos Gerais, 2000.), Lorenzo Mammì (1999Mammì, Lorenzo. Volpi. São Paulo: Cosac Naify , 1999.) e, numa perspectiva mais antiga, Mário Pedrosa (2004Pedrosa, Mário. “Volpi: 1924-1957”. In: Arantes, Otília (Org.). Mário Pedrosa: acadêmicos e modernos. São Paulo: Edusp, 2004 [1957].) e Mário de Andrade (1971______. “Ensaio sobre Clóvis Graciano”. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 10, 1971 [1944], pp. 156-75.). Nessa tradição, há três elementos que se combinam na criação das narrativas sobre o pintor: a biografia, que insiste num artista proletarizado e psiquicamente marcado pela classe; a posição periférica, que torna o pintor uma metonímia urbana da condição brasileira no sistema capitalista; e, finalmente, a relação peculiar com o concretismo, que insiste na verve artesanal e na relação empírica dos quadros volpianos em oposição ao projeto racional e industrial, que estaria no bojo da arte concreta.

Quando os concretistas se aproximaram de Volpi, após a premiação do pintor na Bienal de 1953, ele já inteirava três décadas de produção artística e, pelo menos, uma década de reconhecimento crítico. O encontro foi de admiração. Volpi era consenso entre os novos vanguardistas e animava os textos de Waldemar Cordeiro, líder dos paulistas, e de Mário Pedrosa, que guiava criticamente os cariocas. Cordeiro tinha carinho especial por dois pintores brasileiros que considerava de origem proletária, Luiz Sacilloto e Alfredo Volpi. Enquanto Pires defende certo constrangimento causado por Volpi aos paradigmas concretistas, para Cordeiro - que personificaria o principal arauto dessa corrente no Brasil - Volpi oferecia a imagem de um artista que faria reflexões formais adequadas à era industrial, a partir de uma condição proletária e suburbana, ou seja, a partir de sua participação nas classes populares. Cordeiro era leitor de Antonio Gramsci e ansiava por uma relação orgânica entre a profissão artística e as classes trabalhadoras. Para ele, a forma deveria acompanhar essa relação e adequar-se à visualidade moderna e industrial, devendo constituir-se como uma reflexão sobre a repetitividade e ser concebida como a realização operária de um projeto predeterminado.2 2 Essas informações sobre a relação de Cordeiro com Gramsci, Volpi e Sacilloto, bem como uma crítica à forma como Brito encara os concretistas paulistas, são desenvolvidas na dissertação de Fabrício Vaz Nunes (2004, pp. 1-47). A admiração de Cordeiro por Volpi pode ser conferida em Cordeiro (1952).

Se os quadros de Volpi não geravam constrangimento aos concretistas paulistas, tampouco constrangiam os cariocas. Mário Pedrosa celebrava Volpi pela mesma característica que encantou Cordeiro. Para ele, Volpi engendrou, no isolamento suburbano ao qual estava submetido, toda depuração formal que a arte europeia desenvolveu dos impressionistas aos concretistas, e o gosto especial das telas de Volpi só se desenvolveu, segundo Pedrosa, graças à sensibilidade proletária e artesanal que seriam típicas do pintor.3 3 A reivindicação de Volpi por Pedrosa foi, na verdade, uma polêmica sobre como narrar a história da arte brasileira. Volpi, segundo Pedrosa, teria vivido toda essa história sozinho e apartado dos intelectuais e artistas de São Paulo. Ver: Rosa (2018). Também no contexto internacional, Volpi parece não ter gerado constrangimento e despertou interesse de críticos como Herbert Read (1953Read, Herbert. “Sir Herbert Read fala da participação brasileira na Bienal e do abstracionismo em geral”. Entrevista concedida a Ivone Jean. Folha da Manhã, São Paulo, 24 dez 1953.), que viu nele “um artista consciente do movimento geral, mas que criou algo original. Fez algo contemporâneo com um tema indígena: as formas e as cores da arquitetura brasileira moderna”. Volpi escaparia, segundo Read, à armadilha de uma homogeneidade internacional, que suplantaria as singularidades e as especificidades locais. Na década de 1950, a singularidade artística de um pintor, antes de consistir em sina iminentemente brasileira, parece ter sido uma demanda transnacional.

A biografia desse pintor proletário condicionou, portanto, a recepção de sua obra. Além de uma reflexão formalista, é necessária, portanto, uma reflexão sobre os sentidos mobilizados pelos agentes do mundo artístico em seu contexto histórico. A narrativa da vida é parte indissociável do movimento que alçou os quadros de Volpi de simples objetos a monumentos da tradição artística nacional.

Volpi não era brasileiro. Nasceu em Lucca, na Itália, imigrou para São Paulo aos três anos e participou de um ambiente marcado pela presença estrangeira, em especial a italiana. Os aspirantes a artistas recém-imigrados conviviam com imigrantes da segunda geração e fundiam, na experiência urbana, duas características que marcavam os subúrbios e as escolas técnicas paulistanas: eram ambientes artísticos e ocupados primordialmente por estrangeiros.4 4 A formação dessa rede de artistas é descrita em Rosa (2015, pp. 24-44).

Em 1939, Mário de Andrade (1893-1945) visitou a exposição de um conjunto desses artistas, a Família Artística Paulista, e redigiu um artigo (1979) que impulsionou a carreira dos diversos artistas presentes na mostra. As palavras do poeta foram, segundo Heloisa Pontes (1998Pontes, Heloisa. Destinos mistos. São Paulo: Companhia das Letras , 1998., pp. 46-7), uma “verdadeira intervenção no campo das artes plásticas”. Elas produziram “alterações significativas na posição de vários” pintores, alçando-os da “condição periférica em que estavam situados” para uma posição “reservada, até aquele momento, apenas para os letrados e pintores modernistas da primeira geração ou para aqueles relacionados com ela”. Mário de Andrade ocupava uma posição na cena cultural que o autorizava a criar e derrubar ícones. Sua presença fora tão marcante que ele convertia outros críticos em porta-vozes e conduzia artistas a caminhos e ideias que ele mesmo arquitetara.5 5 Uma boa análise da potência de Mário de Andrade é a tese de Nelson Aguilar. Esse autor demonstra como a pintora portuguesa Vieira da Silva, ao chegar ao Brasil, adequou sua pintura, antes comprometida com as inovações parisienses, às diretrizes traçadas por Mário de Andrade. Ver: Aguilar (1984).

O fulcro do texto de 1939 é um elogio à técnica daqueles pintores que também ficaram conhecidos como Grupo Santa Helena: o argumento pressupunha, portanto, uma diferenciação diante da primeira geração de pintores modernistas, conformada na ligação entre liberdade de pesquisa e experimentalismo artístico com fins nacionalistas. O que Mário descreveu nesse texto foi pintores que pintavam melhor que os do Rio de Janeiro. E a origem dessa pintura, de uma perícia técnica exemplar, seria a presença de artistas estrangeiros em São Paulo na década de 1930 e o papel deles na renovação das artes visuais da cidade. Em especial, a presença de Paulo Rossi Osir (1890-1959), ítalo-brasileiro, e de Vittorio Gobbis (1894-1968), italiano, os quais, juntamente com Lasar Segall (1891-1957), um judeu russo, teriam, segundo Mário de Andrade, legado à arte paulista essas características técnicas tão marcantes. Andrade reconhecia, portanto, que o universo artístico paulistano se expandia para além das fronteiras nacionais e que o saber dos artistas, transmitido por contatos em trânsito internacional, caracterizava a pintura daquele momento mais do que a inspiração nacional da geração de 1920.

Esse elogio à técnica dos pintores não era inequívoco; pelo contrário, levou Andrade a uma posição reticente. Para o crítico, os quadros daquela geração seriam tímidos e sem expressão individual. A causa dessa deficiência também seria, segundo ele, os professores estrangeiros, que, por serem tímidos, levariam os alunos à mesma condição. A única exceção seria Lasar Segall, que não seria, porém, bom mestre.

Em 1944, Mário de Andrade publicou o “Ensaio sobre Clóvis Graciano”, no qual desdobrou a análise desses pintores. O texto constitui um marco decisivo na fortuna crítica desses artistas, e as análises ali desenvolvidas são retomadas até em nossa contemporaneidade, como uma doxa a respeito daquela geração.6 6 Há uma dívida dessa reflexão com outros autores brasileiros da sociologia da cultura. Respectivamente, Lygia Sigaud (2007) e Flávio Rosa de Moura (2011), que refletiram sobre processos que tornaram determinadas ideias hegemônicas em seus respectivos campos intelectuais.

Calcado nas ideias de Wilhelm Worringer (1881-1965) e muito provavelmente nas conferências que Segall proferiu na Villa Kyrial em 1924 (Fabris, 2006Fabris, Annateresa. Crítica e modernidade. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2006., pp. 22-5), Andrade (1971______. “Ensaio sobre Clóvis Graciano”. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 10, 1971 [1944], pp. 156-75.) classificou as paisagens daqueles artistas como impressionistas. Esse estilo, segundo o poeta, seria “retiniano”, voltado à representação racional e pouco espiritualizada do entorno. Por oposição, o estilo historicamente posterior, o expressionismo, seria aquele que permitiria ao gênio manifestar-se na deformação dos temas representados. Ele saciaria a sede humana por transcendência sem cair no absurdo da abstração pura, na qual a excessiva espiritualidade negaria a dimensão carnal dos homens e das mulheres e a consequente necessidade de comunicação entre artista e público. Nas palavras de Annateresa Fabris:

Mário de Andrade detecta no expressionismo a possibilidade de uma arte voltada para o social, para a ação, para uma relação intrínseca entre o artista e a humanidade, que permitiria constituir uma estética nacional, na qual a diferença em relação ao modelo exterior deixava de ser um handicap para converter-se em característica a ser assumida e enfatizada. (2006, pp. 19-20)

O que Andrade indicava como impressionismo seria, portanto, algo que ele também apontou, no mesmo texto, como um caráter “não emblemático” daquelas pinturas, ou seja, uma recusa dos artistas em tratar suas paisagens como objetos dramáticos e singulares, passíveis de se constituírem como uma retórica sobre o mundo. Nessas telas de Francisco Rebolo (1902-1980), encontramos casas simples perdidas entre morros delicados. Em Paisagem com espantalho (Figura 1), o terreno funde-se com o céu em uma sugestão de continuidade; em Paisagem com casas (Figura 2), o horizonte é interrompido por elevações nas quais tons verdes sugerem caminhos e diluem as diferenças entre um morro e outro. São paisagens que aludem um infinito para além da tela e para o próprio observador, que, posicionado em um lugar elevado, tem a impressão de que o terreno sob seus pés se estende em declive para dentro da tela.

FIGURA 1
Francisco Rebolo. Paisagem com espantalho, s. d. Óleo sobre tela, 40 cm × 50,3 cm.

FIGURA 2
Francisco Rebolo. Paisagem com casas, 1940. Óleo sobre tela, 73,5 cm × 92,5 cm.

As casas se repetem. Rebolo pinta suas paisagens como achados triviais em meio ao mundo, imersos numa natureza acolhedora, na qual os volumes são rigorosamente trabalhados e distribuídos entre as massas tonais que ora repercutem, ora diluem a definição do terreno e dos objetos. Como contraexemplo, o poeta menciona as paisagens de Campos do Jordão pintadas, entre outros, por Segall (Figura 3).

FIGURA 3
Lasar Segall (Vilnius, Lituânia, 1889 - São Paulo, Brasil, 1957). Gado na montanha, 1939. Óleo com areia sobre tela, 60 cm × 65 cm.

Nessa obra, os morros são definidos com precisão, à semelhança do desenho curvo ou mais ou menos anguloso do gado. Essa especificidade dos formatos faz daquela paisagem algo definitivo - Andrade as caracterizou como “emblemáticas”. Trata-se de um tipo específico de morro apreendido pelo pintor, e não de uma paisagem surgida no infinito tonal, como em Rebolo. Sabe-se que o judeu russo pintou essa tela em Campos do Jordão, no ano de 1939, em um momento no qual, como diria Andrade (1971______. “Ensaio sobre Clóvis Graciano”. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 10, 1971 [1944], pp. 156-75.), estava tentando “domar” aquele ambiente. De Rebolo diz-se que tinha o hábito de pintar os arrabaldes de São Paulo - o local exato não importa.

Andrade, no ensaio, ressente-se que o grupo jamais pintava as igrejas barrocas, historicamente relevantes para a história brasileira que os modernistas estavam narrando. Eles prefeririam lugares insignificantes e aleatórios. Segundo o poeta, eram obras de pintores arreligiosos, materialistas e sem Deus, avessos às paisagens deslumbrantes, nas quais seria mais fácil encontrar uma dimensão pessoal de transcendência. Descrições imbuídas, portanto, de uma das características que o crítico atribuía àquela geração - a falta de gênio -, característica que o poeta também usaria para descrever o impressionismo.

A própria questão da paisagem foi um tema delicado para Andrade. O catálogo de sua coleção revela escassez desse gênero historicamente associado aos impressionistas. Com exceção de Clóvis Graciano (1907-1988) - pintor em cuja formação Candido Portinari (1903-1962) foi marcante e que, talvez por isso, tenha se dedicado à figura humana -, todos os santelenistas eram prioritariamente paisagistas. O crítico explicava a insistência nesse gênero por uma psicologia proletária: os santelenistas pintariam daquela maneira por serem trabalhadores e só terem os fins de semana para pintar. Eles se dedicariam a retratar os lugares de sua prática: os espaços de lazer do proletariado, as cidadezinhas do litoral ou os arrabaldes de São Paulo. Aquelas casas simbolizariam o desejo de possuir pequenas propriedades e a técnica seria marcada por uma postura artesanal. Cada um, ao modo do artesão, procuraria socializar com os outros as conquistas de aprendizado artístico, de forma que a coletivização seria estabelecida como regra e suplantaria arroubos de expressão individual. Eles fariam da arte a possibilidade de ascensão social. Por meio dela, conseguiriam educação e circulação entre as diversas camadas sociais. Escreveu Andrade (1971______. “Ensaio sobre Clóvis Graciano”. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 10, 1971 [1944], pp. 156-75.): “A meu ver, o que caracteriza esse grupo é o seu proletarismo. Isto determina a psicologia coletiva, e consequentemente a sua expressão”. Isso se evidenciaria principalmente na técnica dos artistas. Em Segall, ao contrário, a técnica não serviria a uma coletivização ao modo artesanal, mas para atingir e expressar uma dimensão pessoal. Andrade concluiu que a arte era a própria classe no Santa Helena. Seus integrantes, como um coletivo, teriam aprendido a pintar entre si e teriam feito da coletividade sua expressão. Portanto, a paisagem e a natureza-morta (tema também caro ao grupo) foram diagnosticadas como mecanismos para “burlar” a posição social. Ambos os gêneros, vinculados ao surgimento da burguesia, seriam, segundo o poeta, pinturas hedonistas que permitiam a libertação aos valores funcionais do assunto e, portanto, uma transcendência do papel que ocupavam na comunidade. O subúrbio e os locais de descanso constituiriam temas privilegiados desses pintores, pois representariam, para aquela geração, a recusa do mundo do trabalho em um aspecto duplo: como locais de lazer e gênero artístico.

Estamos, portanto, em um momento diverso para a análise daqueles artistas. O que foi central para explicar aquela “timidez” formal em 1939 - a presença de estrangeiros qualificados em São Paulo - deixou de ter prerrogativa em 1944. O que passou a figurar como prioritário foi a classe social.

Como em outros escritos do fim da vida de Mário de Andrade, o “Ensaio sobre Clóvis Graciano” voltava-se para artistas muito diferentes dos que analisara antes. Aleijadinho, Almeida Júnior e Portinari eram ícones da arte nacional. No cenário marcado pelo enrijecimento do governo Vargas, o crítico iniciou a pesquisa sobre padre Jesuíno do Monte Carmelo (1764-1819) e encontrou, nas obras desse artista, uma discordância quanto ao gosto erudito do período colonial. Há uma analogia entre a reivindicação dos santelenistas pelo poeta e a reivindicação do padre: ambos seriam artistas provenientes dos estratos mais baixos da sociedade, cujas obras revelariam vontades coletivas e se constituiriam como sintomas de uma inquietação contra marginalidades sociais. Nelson Aguilar (1984Aguilar, Nelson. Figuration et spatialisation dans la peinture moderne bresilienne: le séjour de Vieira da Silva au Brésil (1940-1947). Tese (Doutorado em Artes). Lyon, Université Jean Moulin - Lyon III, 1984., pp. 41-54) desvela essa analogia em sua tese e incorpora nela uma terceira face. Padre Jesuíno aspirava a ser um artista erudito sem ter recebido a formação culta que essa profissão demandaria. Essa liminaridade repercutia, segundo Aguilar, a posição do próprio Andrade, que se encontrava, como intelectual brasileiro, insulado pela Segunda Guerra em um país sem acesso às instrutivas publicações internacionais que colecionava e sem a base social que sustentava sua aspiração modernista antes da crise de 1929. A despersonalização pela classe, evidente no “Ensaio sobre Clóvis Graciano”, também pode ser associada a outra faceta que vincula o poeta ao padre: ambos estavam prensados, segundo Aguilar, entre uma vontade fortemente individualizada de expressão erudita e as condições sociais que lhes obrigavam a exprimir o gosto e as questões populares. O padre, em função de sua formação precária e como forma inconsciente de protestar contra o racismo colonial que o oprimia. O poeta, por ansiar um engajamento político e cultural contra o enrijecimento do governo Vargas, que, entre outras temeridades, havia fechado o Departamento de Cultura. Andrade demandava, portanto, uma comunicação mais direta para com o povo brasileiro.

O substrato do mecanismo de “burla” e de coletivização descritos no ensaio é a afirmação de que a classe figura como inconsciente e como motor de inquietação. O que encontraremos no texto de Andrade é o diagnóstico de uma vontade coletiva subjacente às individualidades dos artistas para explicar aquilo que era atribuído à presença de estrangeiros em 1939: a técnica e a forma de expressão. Andrade, em “O artista e o artesão”, de 1941, identificava três âmbitos do fazer artístico: a técnica, que seria a maneira de mobilizar o material (o som ou a tinta, por exemplo); a virtuosidade, que seria a erudição artística e o conhecimento das diversas técnicas desenvolvidas na história, e, finalmente, a solução pessoal do artista. O que ele faz no “Ensaio sobre Clóvis Graciano” é juntar a técnica e a solução pessoal daqueles pintores em um único conceito, confundindo-as com o artesanato, apontando não para a singularidade absoluta que caracterizaria, segundo o poeta, o surrealismo, mas para a diluição na classe, em um saber coletivo. Nesse processo, iluminou o que seriam traços inconscientes - ou espontâneos - aos artistas e afirmou São Paulo como uma cidade brasileira e moderna que abrigava um contingente proletário.

Com o “Ensaio sobre Clóvis Graciano”, Andrade fechou o ciclo de reconhecimento que ele mesmo começara a traçar em 1939 ao redor desses pintores. E, antes que essa conclusão fosse lançada, outros intelectuais começaram a reivindicar notoriedade individual para Volpi, como Luís Martins em 1941Martins, Luís. “Um pintor”. Estado de S. Paulo, 10 ago. 1941. ou Maria do Carmo de Almeida em “Capitu”, no mesmo ano. No bojo desse processo, o próprio Mário de Andrade (1941a______. “Um salão de feira 1”. Diário de São Paulo, 21 out. 1941a.; 1941b______. “Um salão de feira 2”. Diário de São Paulo, 2 nov. 1941b.) militou para que não se mencionasse a nacionalidade italiana desses artistas. Em uma de suas críticas de exposição, o poeta questionou um catálogo no qual a nacionalidade de Volpi aparecia como italiana. Não haveria, segundo Andrade, nenhum ganho nessa informação: Volpi seria um legítimo membro da escola de São Paulo e faria parte de um grupo de artistas proletários que intuiu a dimensão humana do subúrbio.

Essa descrição de Volpi e de seus companheiros, tão emaranhada no contexto artístico paulistano da década de 1940, nas tensões com o Estado e no acerto de contas de um crítico com duas gerações de artistas - a sua própria e a daqueles estrangeiros - perdurará sobre Volpi e adquirirá feições variadas nas vozes de outros autores. Sérgio Milliet, por exemplo, em 1948, separou o mundo da pintura entre paisagistas e compositores. Em um, a paisagem dominaria o artista, se impondo como sensibilidade em suas telas; no outro, o artista imaginaria a melhor maneira de tratar a pintura, compondo racionalmente sua obra, mesmo que esta fosse uma paisagem. Volpi seria o grande exemplo de paisagista - e, nas palavras de Milliet, paisagem seria sinônimo de sensibilidade. O que está subentendido nesse raciocínio é que ninguém pode ser sensível a outra coisa que não àquilo que o envolve: a paisagem só pode ser a paisagem de um lugar e, no caso de Volpi, esse lugar só pode ser brasileiro e suburbano. Seja qual for a técnica, ela se torna, na análise de Milliet, subserviente para a realização de uma sensibilidade. A paisagem volpiana, aquelas imagens de bairros periféricos que Mário de Andrade acreditava ser sintoma da psique proletária, é, também em Milliet (1948Milliet, Sérgio. “A paisagem na moderna pintura brasileira”. Estado de S. Paulo, 7 out. 1948., s.p.), fundida ao criador: ali o pintor seria a própria paisagem. Trata-se de uma “perfeita comunhão entre seus arrabaldes humildes e sua alma ingênua de poeta dos simples... Para essa alma sensível, a expressão é a paisagem”.

A tessitura dessa mitologia volpiana correspondeu, na década de 1940, a uma revisão da história da arte brasileira: os artistas que não se pautavam pelos valores nacionalistas típicos da primeira geração modernista adquiriram um espaço nas expectativas oficiais dos críticos de arte. Todo esse projeto, no entanto, foi a invenção de pessoas, de psicologias e de personalidades. Ele permitiu a ascensão do grupo Santa Helena e de Volpi, mas exigiu que Andrade eclipsasse o que poderia desterrar o pintor, lançando-o em debates, por exemplo, com questões da Itália. O aprendizado com estrangeiros foi abafado em função da expressão local e Volpi tornou-se brasileiro, proletário e paulistano: um pintor nosso, com os pré-requisitos para figurar em nosso panteão e consequentemente ser objeto de escrutínio de críticos interessados em pensar o Brasil.

Quando, portanto, os concretistas aproximaram-se de Volpi, estavam mobilizados por uma mitologia estruturada na crítica andradiana. Pedrosa no Rio de Janeiro e Cordeiro em São Paulo apaixonaram-se pelo homem simples e do povo que assegurava que a linguagem concreta tinha pertinência sobre a maior parcela da população brasileira - aquela que vivia nos subúrbios, distantes dos centros cosmopolitas e aristocráticos de elaboração intelectual. Diferente de Di Cavalcanti e de Portinari, que ilustravam o cotidiano dessa parcela da população, a eloquência nacional dos quadros de Volpi, para aqueles artistas e críticos, baseava-se na constatação de que estavam diante do produto da mente de um proletário brasileiro. Seus quadros seriam a elaboração da visualidade popular por meio da prática operária e artesanal. A famosa insularidade nos subúrbios, que Pedrosa diagnosticou em Volpi, fora inventada, em suas linhas principais, por Mário de Andrade e perduraria, influindo até menos, em nossa crítica contemporânea.

Desde o ensaio “Volpi: anonimato e singularidade”, de Rodrigo Naves (2011______. “Volpi: anonimato e singularidade”. In: A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2011 [1989].), surgiram pelo menos mais três trabalhos importantes sobre o artista: Volpi, de Lorenzo Mammì (1999Mammì, Lorenzo. Volpi. São Paulo: Cosac Naify , 1999.), “Alfredo Volpi, um moderno no subúrbio”, de Sônia Salzstein (2000Salzstein, Sônia. Volpi. Rio de Janeiro: Campos Gerais, 2000.), e A complexidade de Volpi, também de Naves (2008Naves, Rodrigo. “A complexidade de Volpi: notas sobre o diálogo do artista com concretistas e neoconcretistas”. Novos Estudos Cebrap 81, v. 27, n. 2, jul. 2008, pp. 139-55.). No primeiro desses ensaios, o fulcro da análise é uma dificuldade volpiana na estruturação do quadro. No lugar de um projeto preconcebido e determinado, que manipula a matéria para se realizar, o que se encontraria nas telas de Volpi, segundo Naves, seria uma dinâmica mais próxima a mimeses, em que as formas abstratas surgem da decomposição do objeto pela memória. Na tela analisada pelo crítico, a composição impõe diferenciações demasiado sutis entre uma área e outra - nunca unívocas, sempre prontas a desaparecer.

A experiência que está na base da obra de Volpi supõe um convívio longo e paciente com as coisas. Na produção e na recepção ideal de sua pintura pressupõe-se um indivíduo absolutamente singular, a quem a familiaridade com objetos e práticas vai aos poucos fornecendo um perfil inconfundível. [...] Pede-se sim um caráter variado e generoso - nem tão austero que submeta tudo a imperativos categóricos, nem tão complacente que impeça a sua formação. Algo como um homem experimentado das cidades do interior. (Naves, 2011______. “Volpi: anonimato e singularidade”. In: A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2011 [1989]., p. 196)

Trata-se de indivíduos que não se adequam, por exemplo, ao isolamento do drama expressionista, pois sob eles se “estende uma experiência comum que os reúne e solidariza”. Eles veem na sociedade brasileira o lugar da tirania e da opressão e vivem no “anonimato, mas na posse de singularidades irredutíveis”. A arte de Volpi engendra, segundo Naves, esse tipo de indivíduo; ela, portanto, “recusa a noção moderna de trabalho, voltando-se mais para uma atividade de ordem artesanal”: os procedimentos para a construção dessas telas “se repetem, é certo, mas com o apoio de um saber acumulado durante séculos, e não em função de uma organização industrial do trabalho” (idem, pp. 98-9).

Esse saber ancestral repleto das provações do mundo também recusa a exterioridade da ciência e sua falta de intimidade e afeição para com as coisas. O que se procura com essa experiência é a possibilidade de uma atividade ao mesmo tempo afetiva e reflexiva - ainda que corra o risco de ser tão irrefletida quanto os provérbios. Melhor dizendo, o esforço formalizador de Volpi persegue uma espécie de sabedoria em ato, em que inexiste uma separação ou precedência entre teoria e prática, pois ambos são momentos de uma mesma atividade reflexionante, avessa ao dualismo sujeito-objeto. Há muito de pré-capitalismo nessa posição. Contudo, há mais, pois também um socialismo tolerante se move sob esse manto aparentemente medieval. (Idem, p. 195)

Esse recurso à pressuposição de indivíduos - seja na condição de produtores ou de expectadores - permite a Naves decantar, na obra de Volpi, uma visão e um discurso sobre o Brasil moderno: habitado por sujeitos anônimos, dados a experimentações recorrentes; distantes, portanto, do indivíduo que toma um quadro como o produto de um projeto, apresentando-se assim de maneira imediata e definitiva como sujeito da ação, tal como a condição moderna deveria suscitar e tal como figuraria na filosofia kantiana.

Os quadros de Volpi são então, para Naves, a indicação da “ausência no Brasil de ações que deem de fato determinação e caráter ao tempo - ou seja, a constituição de uma verdadeira história - deve ser suprida pela criação de objetos imemoriais, testemunhando a permanência cultural desse setor da população que não pode deixar outro tipo de vestígio” (idem, p. 202).

No Brasil de Volpi - que se mantém, digamos, até a década de 1970 - é postiço falar em massa. Sem que os aglomerados humanos realizem aquela mesma experiência profunda - e, agora, coletiva - dos indivíduos, teremos apenas multidões amorfas, conduzidas passivamente de um lado para o outro. Não há como não enxergar a agudeza dessa compreensão, que de resto é também o seu limite. Na ausência de institucionalização da cidadania e de movimentos coletivos, resta sublinhar a dignidade do anonimato. Tal concepção do Brasil dispensa ilusões: como nas formas instáveis de seus quadros, os indivíduos de Volpi se veem sempre na iminência de submergir numa amplidão que os indiferencia. (Idem, pp. 198-9)

O ensaio de Mammì, segundo na cronologia a partir de Naves, reconstrói a trajetória de Volpi acompanhando os conflitos entre tradições diversas e a resolução desses impasses nas telas do pintor. Mammì o situa no Grupo Santa Helena, na geração de 1930, com quem colheu ensinamentos de um “Cézanne italianizado”, muito diferente da pintura da geração anterior, que estruturava o quadro pelo desenho. No amadurecimento da obra de Volpi, Mammì aponta também a tradição francesa (com destaque para o colorido de Henri Matisse), o expressionismo de Lasar Segall, Oswaldo Goeldi e especialmente de Ernesto de Fiori, e a pintura popular. Toda a trajetória de Volpi aparece nesse ensaio como encadeada, cada fase é a resolução de problemas surgidos no encontro de tradições novas com as que o pintor já havia sedimentado em seu estilo. Essa corrente de muitos elos inicia-se num ponto que Mammì toma como dado: o pressuposto de que, para o Grupo Santa Helena, pintar é um “ofício” (2011, p. 18).

O argumento de Mammì para explicar a paleta daqueles pintores segue o mesmo princípio. O crítico descreve o uso da cor - por Volpi e pelos santelenistas nos anos 1930 - como uma luminosidade sólida ou coagulada, que se expressa, por exemplo, na composição de um firmamento no qual uma pincelada amarela aparece entre pinceladas cinza. A cor, segundo Mammì, só poderia existir para aqueles pintores como “extração da matéria pelo trabalho do pintor”, e não como um pressuposto (como seria entre os membros da geração de 1920). Os resultados dessa premissa seriam coloridos tímidos, geralmente decorrentes de uma redução drástica da paleta. Volpi seria, então, o melhor fruto dessa geração que teria superado a anterior ao promover uma “integração maior entre composição, feitura pictórica e cor”, e os frutos dessa geração só se tornariam bem visíveis nas têmperas que Volpi pintará na década de 1940 (idem, p. 18).

Isso que é dado em Mammì é o argumento de Mário de Andrade. Foi o poeta da Pauliceia desvairada quem descreveu a psicologia proletária dos pintores para explicar uma técnica que tende ao artesanato e uma timidez formal nos quadros (em especial no uso da cor). Com base nesse argumento, Mammì analisa a proximidade entre Volpi e Ernesto de Fiori. O pintor das bandeirinhas teria aprendido com De Fiori que

há muitas coisas, sob a superfície dos fenômenos, que esperam para ser ordenadas. Para ele [Volpi], porém o que caracteriza os homens e as coisas é o processo de criação, o trabalho - interioridade é atividade. Procurar uma figuração que deixe entrever o eu do artista significa, então, tornar evidente o percurso, cheio de percalços e desvios, que leva à obra acabada. Para tanto, já não serve a pincelada curta, cézanniana, de meados da década de 1930: é demasiado objetiva e unívoca. Volpi a substitui por uma tinta mais diluída, cada camada deixando transparecer as camadas inferiores. (Idem, p. 22)

Na sequência dessa citação, Mammì convoca as outras tradições que o pintor metaboliza obedecendo ao influxo de sua personalidade. Referindo-se e referendando o primeiro ensaio de Naves, vincula as imagens de Volpi a uma poética da memória e a uma ética de trabalho pré-industrial e faz do pintor (ainda que en passant) uma ancoragem para a reflexão sobre a modernidade e o fim da modernidade brasileira.

Um ano após o ensaio de Mammì, Sônia Salzstein publicou sua interpretação da obra do pintor. Seu texto descreve Volpi como um pintor que sedimentou tensões e referências incompatíveis em sua obra. Sua genialidade residiria exatamente aí. Mesmo a cor das obras que pintou nos anos 1920 e 1930 (elemento central na análise de Mammì, que a remete a um éthos artesão) seria fruto da acomodação da “modernidade francesa do século XIX, filtrada, ao que tudo indica, pelo academismo de muitos daqueles professores e artistas italianos” (2000, p. 21). Se o argumento do artesanato deixa Mammì e Naves próximos a Mário de Andrade, o de Sônia Salzstein aproxima-se mais de Mário Pedrosa. Para ela, o que confere personalidade a Volpi é sua trajetória liminar, que “vingou como fenômeno razoavelmente isolado, em um recolhimento quase puritano em face das principais tendências artísticas do período” (idem, p. 11).

Não se pode desconsiderar, ademais, que tal fisionomia moderna se esboçava na obra de um artista que provinha de um meio proletário, que passara aquela década de 1920 e talvez uma parte da seguinte - período de formação - alheio aos fatos que haviam agitado a elite intelectual paulista desde 1922, alheio, portanto, ao menos naqueles anos, às estripulias de Tarsila do Amaral em seus percalços para aplicar à paisagem brasileira o regime bidimensional da pintura moderna. (Idem, p. 15)

Após o lançamento do ensaio de Salzstein, Naves publicou seu segundo texto sobre Volpi, no qual se contrapõe à mítica de que o pintor seria um isolado singelo, alheio ao centro das discussões da plástica moderna: Volpi emerge então como um artista não teórico, mas experimentalista, o qual, num ambiente culturalmente muito rico, decantou sua poética na frequentação de exposições e nas rodas de convivências com pintores e críticos. Para Naves, nesse ensaio, a maturação da obra volpiana conjugaria “uma grande dose de experiência” plástica que o pintor entrega “traduzida, flexionada, aos olhos de quem quer ver” (2008, p. 140).7 7 Trata-se de um depoimento de Willys de Castro que Naves usa para compor seu argumento. Ver: Castro (1972, p. 39). O foco desse novo ensaio são as obras concretistas de Volpi, quando suspendeu as sugestões figurativas e dedicou-se a obras eminentemente geométricas. Fase que tornaria “evidente que Volpi, ao menos por uns poucos anos, realmente dispôs-se a pôr de lado alguns aspectos marcantes de sua pintura anterior” (idem, p. 143). Após esse período, Volpi retoma a figuração ambígua, incorporando elementos dessa última fase. O fim desse projeto concretista deve-se, segundo Naves, à poética volpiana, que seria elogiosa ao trabalho pré-capitalista. Ou seja, Naves volta-se para seu ensaio anterior e à fórmula elaborada por Mário de Andrade.

Os enquadramentos que esses ensaios contemporâneos fazem de Volpi vão se tornando, portanto, paulatinamente maiores. Inicialmente, Mammì relaciona, por exemplo, o pintor com os italianos modernos. Salzstein reivindica a recepção singular do modernismo europeu na dinâmica urbana de São Paulo e, finalmente, Naves reconhece uma reflexão cosmopolita naquelas obras. Se estamos em terreno diverso daqueles datados no meio do século XX, a biografia de Volpi permanece a mesma e continua a ser fundamental para que esses críticos decantem significados. A sobrevivência dessa mitologia do pintor é sintomática de uma contradição na crítica de arte brasileira. Os discursos que evocam essa biografia são enunciações do que seria o Brasil a partir de uma produção artística que se quer autônoma e, portanto, alheia ao discurso da brasilidade.8 8 Lorenzo Mammì (1999) identificou na produção do grupo Santa Helena uma autonomia dos artistas aos valores traçados pela literatura brasileira — valores que Sergio Miceli (2003) identificou com as injunções doutrinárias de mercado que se impunham sobre a geração de 1920: enquanto os artistas eram informados pelo trânsito internacional, os mecenas paulistanos detinham, segundo Miceli, valores alheios às vanguardas. Nessa interação, a demanda por valores nacionalistas era pautada pelos literatos que faziam o papel de críticos, e serviam para intercambiar as expectativas de artistas e de mecenas. Na década de 1950, uma das acusações às quais os concretistas tiveram de responder era a de serem apartados do contexto social em que viviam, ou seja, do Brasil. Esse alheamento é maior que Volpi e engloba tanto os pintores “proletários”, originalmente estrangeiros, da geração de 1930, como alguns artistas concretos da geração de 1950 (muitos também imigrantes). Essa biografia significa também uma denegação: a crítica, em uma perspectiva formalista, posiciona-se como sujeito apartado daquilo que estuda. A obra volpiana, por sua vez, não existe hoje sem os significados erigidos por essa mesma tradição crítica. Os intérpretes de um quadro são coautores da significação que essa obra adquire com o passar do tempo, em especial quando se trata de sujeitos relevantes no campo artístico, capacitados a transformar objetos comuns em monumentos da tradição. Mais do que uma análise, esses intelectuais foram inventores dessa brasilidade que se dedicam a perscrutar. Do ponto de vista de quem observa a população brasileira que o pintor representa, Volpi oferece um entrecruzamento entre algo que foi dito, a tela, e o silêncio. Dizer sobre Volpi é dizer sobre um trabalho já realizado e consequentemente alienado do artista. É dessa maneira que se pode discursar sobre uma população brasileira sem estabelecer uma interlocução direta com aqueles mesmos brasileiros. Um jogo no qual se elabora um discurso sobre uma enunciação, sem que o autor dessa enunciação possa oferecer resistência ou resposta ao que foi elaborado.

Seria possível, contudo, reencontrar a perspectiva de Volpi sobre seu próprio trabalho? O pintor não deixou escritos, deu poucas entrevistas, mas creio que somos capazes de algumas suposições. Lorenzo Mammì e Sônia Salzstein abriram espaço para que se analisassem suas pinturas a partir do contato com a arte italiana dos períodos entreguerras. Embora as bandeirinhas sejam tentadoras por evidenciarem a assimilação das vanguardas concretistas, as fachadas permanecem um enigma de suma importância. Os concretistas aproximaram-se de Volpi graças ao prêmio que o artista recebeu na Bienal de 1953, atribuído às fachadas. No quadro Casas de 1953, pertencente ao acervo mac-usp, a frontalidade dos elementos arquitetônicos e a ambiguidade de sentido entre as diversas facetas da tela insinuam os referenciais empíricos do pintor, mas desmentem o caráter real das ruas, do firmamento, das casas e do chão.9 9 O quadro pode ser conferido no link: <https://acervo.mac.usp.br/acervo/index.php/Detail/objects/17396> Acesso em: 19/03/2021. Este artigo deveria conter a reprodução de uma série de obras do Volpi, que funcionariam como uma narrativa visual. Infelizmente, os responsáveis pelo espólio do artista não nos isentaram dos custos para a publicação. Dessa maneira, optamos por nos limitar às obras que poderiam ser encontradas on-line e indicar os links para que o leitor acompanhe o nosso argumento. Trata-se de um jogo de figuras arquetípicas e mentais, cuja função seria menos representativa e mais vinculada à invenção da própria espacialidade da tela, com seus ritmos coloridos. A história dessas telas volpianas é mais antiga e remonta à virada das décadas de 1930 para 1940, quando a trajetória do pintor cursou mudanças decisivas: foi reconhecido como um grande artista, teve sua primeira exposição individual (1944) e progressivamente mudou a forma como pintava. Da tinta a óleo passou à têmpera, ou seja, abandonou um material que facilitava o ilusionismo dos brilhos e transparências, das composições diáfanas e atmosféricas, e adotou uma tinta fosca e translúcida, mais propícia para ressaltar a presença do pigmento na superfície da tela.10 10 A têmpera que Volpi adotou na década de 1940 é um tipo de tinta feita com gema de ovo, pigmentos vegetais ou minerais, antifúngico (geralmente própolis) e um pigmento branco. Essa técnica permite uma opacidade que a tinta a óleo só permitia ao ser muito diluída e consequentemente tomar um aspecto ralo, ou seja, com pouca concentração de pigmentos: em outras palavras — com a cor enfraquecida. Para uma descrição dessa técnica, ver: Werneck (2010). Sobre Volpi e a sua conversão à têmpera, ver: Giannotti (2006).

A mudança da técnica acompanhou a passagem da pintura a céu aberto para uma pintura gerida inteiramente em ateliê, centrada, portanto, em um esforço de imaginação e reminiscência. Veja, por exemplo, duas de suas obras: Paisagem, da década de 1930, pertencente à coleção Yolanda Queiroz (Catálogo Volpi, 2014Catálogo Volpi: A emoção da cor. Galeria Almeida e Dale. São Paulo. 2014. Disponível em: <https://www.almeidaedale.com.br/assets/pdfs/publicacoes/Alfredo_Volpi.pdf>
https://www.almeidaedale.com.br/assets/p...
, p. 14),11 11 O catálogo está disponível em: <https://www.almeidaedale.com.br/assets/pdfs/publicacoes/Alfredo_Volpi.pdf>. Acesso em: 19/03/2021. e Casas de Itanhaém, de 1948, pertencente ao acervo MAC-USP.12 12 O quadro está disponível em: <https://acervo.mac.usp.br/acervo/index.php/Detail/objects/20414>. Acesso em: 19/03/2021. A primeira imagem, agitada, acalma-se na segunda. Deita-se sobre a composição um silêncio como se o mundo houvesse perdido a pulsação. Desaparecem os movimentos atmosféricos e somem as notações cromáticas que afeiçoavam pessoas. Agora, na têmpera, o que surge são cidades, geralmente litorâneas, onde paredes, telhados, mares e outros elementos adquirem preponderância e deixam a cor respirar com mais facilidade nos contrastes entre azuis e tons terrosos. Volpi os organiza sugerindo profundidades e ritmos. A composição do espaço pictórico ganha, portanto, prioridade diante da representação da atividade humana e do instante atmosférico. Há algo que lembra a imensidão urbana e desabitada da metafísica italiana. Carlo Carrà, Giorgio de Chirico e Volpi estão fascinados pela composição do espaço pictórico como processo intelectual - com a herança dos renascentista e pré-renascentistas italianos que inventaram a perspectiva. No brasileiro, no entanto, não há dramaticidade nem rigor, a geometria que estrutura a espacialidade serve para compor o encontro dos planos e mostrar a vibração entre as cores.

Paulo Rossi Osir, artista de formação italiana e observador atento das discussões estéticas da península, foi uma personagem fundamental no reconhecimento do santelenistas. Foi ele quem organizou as primeiras exposições do grupo (entre 1937 e 1939) e quem empregou alguns de seus artistas, como o próprio Volpi, na fábrica de azulejos Osirart. Foi na biblioteca de Osir, mantida hoje pelo Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), que Ana Gonçalves Magalhães (2014Magalhães, Ana Gonçalves. Pintura italiana do entreguerras nas Coleções Matarazzo e as origens do acervo do antigo MAM. Tese (Livre-docência). São Paulo, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), 2014., p. 72) encontrou uma pista interessante para investigar a proximidade dos modernistas brasileiros com os da Itália. Trata-se do livro Storia della pittura moderna (1930), escrito por Margherita Sarfatti, a principal intelectual do movimento intitulado Novecento. Foi nessa obra que Sarfatti descreveu o conceito de “pintura sintética”, termo recorrente entre os nossos modernistas e os de lá. Uma pintura sintética é contrária a uma pintura de “análise” e aglutina valores que seriam coletivistas e provenientes da tradição figurativa mediterrânea. A pintura analítica, por contraste, teria se desenvolvido no norte da Europa e seria representativa do século XIX, dos impressionistas e da abstração pura.13 13 Margherita Sarfatti, suas ideias e relações com o meio artístico brasileiro foram recuperadas por Ana Gonçalves Magalhães (2014) durante a investigação sobre a coleção de arte italiana moderna, que compõe o primeiro acervo do MAM-SP.

Em um livro de 1947 escrito na Argentina, muito provavelmente em interlocução com Sérgio Milliet,14 14 Sobre Sarfatti e Milliet, ver Magalhães (2014, pp. 93-4). Margherita Sarfatti (1947Sarfatti, Margherita. Espejo de la pintura actual. Buenos Aires: Argos, 1947., pp. 23-4) voltou a discorrer sobre esses dois polos: uma “narração episódica” versus a “síntese construtiva”. “A boa pintura” poderia, segundo ela, “buscar a expressão através dos elementos analíticos, ou pode elevar-se, da análise até a síntese; do acidental e típico até o duradouro e atípico”.

Essa passagem da trajetória de Volpi, na qual os projetos das telas se tornaram mais evidentes e devedores de rascunhos prévios, coincide, portanto, com uma travessia entre os dois polos dessa oposição. Suas paisagens, marcadas pela representação do movimento efêmero e pela pincelada mais enérgica, tornaram-se disciplinadas por um projeto instaurado pelo desenho. Desapareceram as agitações das cenas contingentes e intensificou-se a reflexão sobre os planos de cores puras que insinuam profundidades e ritmos. A prioridade de Volpi passou a ser a própria arquitetura do quadro. Ele abandonou as composições mais próximas às cenas de gênero, em nome de uma reflexão sobre elementos duradouros e arquetípicos da paisagem.15 15 As duas obras do pintor, pertencentes ao acervo MAC-USP e já citadas, são capazes, junto a outras duas telas também pertencentes ao museu, de testemunhar essa trajetória: Mogi das Cruzes, 1939, disponível em: <https://acervo.mac.usp.br/acervo/index.php/Detail/objects/16728>, e Casas na praia, 1952, disponível em: <https://acervo.mac.usp.br/acervo/index.php/Detail/objects/20415>. Acesso em: 19/03/2021.

A repercussão das tendências italianas na obra volpiana não é novidade, e, como já vimos, foi apontada por Mammì e Salzstein. Outro bom exemplo do desembarque dessas concepções peninsulares na Pauliceia é o catálogo da exposição de arte italiana realizada em 1937, em comemoração ao cinquentenário da imigração italiana ao Brasil e no mesmo ano em que Paulo Rossi Osir organizou o primeiro Salão da Família Artística Paulista. No catálogo dessa mostra há uma descrição das paisagens expostas que coincide com o destino da poética volpiana:

Daqui nasce a tendência a acentuar ainda mais o caráter construtor da paisagem, em suas linhas e em suas massas essenciais, já não tendo como pretexto a diferença das estações, ou das horas, ou mesmo aquilo que se chamou “estado de alma”, mas antes a profunda natureza revelada no seu significado íntimo de colaborar com o homem. (Mariani, 1937Mariani, Valerio. Esposizione commemorativa del cinquantenario dell’immigrazione ufficiale San Paulo del Brasile: mostra d’arte del Padiglione d’Italia. São Paulo: Comissariato Italiano Per L’Esposizione Di San Paolo Del Brasile, 1937., s.p.)16 16 O catálogo também faz parte dos espólios de Paulo Rossi Osir, acervo da biblioteca MAC-USP.

A mostra priorizava pinturas de paisagens, capazes de “revelar aos italianos e estrangeiros as formas e as cores da terra italiana”, bem como de dar a reconhecer “alguns aspectos fundamentais da alma” daquele povo. Essa mesma mostra, afinada com o ideário novecentista, exibia obras que superariam as “pesquisas estreitamente impressionistas do último oitocento” e que enfrentariam o problema da arte “já não com interesse todo íntimo e anedótico, mas com a consciência nova dos valores essenciais de humanidade que fizeram grandes os séculos de Giotto e Masaccio”. O objetivo do comissariado italiano da exposição era que os visitantes reconhecessem a “força”, “a pureza” e “a conquistadora doçura” da sua terra natal (idem, s.p.).

A repercussão dos pré-renascentistas italianos na pintura volpiana é mencionada pela crítica desde 1957, quando Mário Pedrosa frisou o reforço à “rigorosa bidimensionalidade” (2004, p. 269) que as obras do artista vinham tomando após a viagem do pintor à Itália em 1950. A trajetória que Pedrosa analisa não é equivocada, e o crítico admite que o pintor já sabia o que procurava na Itália quando estudou os afrescos de Giotto, na capela Scrovegni. O crítico, no entanto, cala-se sobre a valorização dos pré-renascentistas nos meios artísticos italiano e brasileiro da década de 1940. Volpi, por sua vez, entre o fim da década de 1930 e a metade da de 1950, abriu mão da perspectiva e converteu suas telas em uma espécie de quebra-cabeças no qual todas as peças se organizavam como elementos ajeitados na superfície. Cada fragmento detinha um sentido absoluto de cor, mas só ganhava espaço quando relacionado ao fragmento vizinho e ao conjunto maior. Como peças de um jogo de montar, figuravam como a reminiscência arquetípica de um telhado, de uma janela, do arco de uma porta. O todo não deixava de evocar as cidades litorâneas.

Se essa rigorosa bidimensionalidade foi o que agradou aos concretistas, os críticos calaram-se sobre os valores estéticos envolvidos na conversão das telas de Volpi, de cenas de gênero, em reflexões sobre a estrutura compositiva e arquitetônica. Priorizaram, por exemplo, a resistência que Volpi, na condição de proletário, ofereceria ao processo de modernização brasileira (Pires, 2018b______. “Têmpera, abstração e resistência em Alfredo Volpi”. ARS, v. 16, n, 34, pp. 117-41, 2018b.) - ou mesmo a suposta prática artesã, derivada do ofício de decorador de paredes (Pedrosa, 2004Pedrosa, Mário. “Volpi: 1924-1957”. In: Arantes, Otília (Org.). Mário Pedrosa: acadêmicos e modernos. São Paulo: Edusp, 2004 [1957].).

É muito provável que os valores estéticos perseguidos por um pintor que vivia circundado por imigrantes italianos de primeira e segunda gerações, que viveu a vida inteira no bairro de operários onde crescera e que, mesmo tendo chegado a São Paulo aos três anos de idade, permaneceu com dificuldades para falar português, dissessem respeito à busca por uma qualidade artística supostamente atemporal, a princípio representada pelos gênios do Renascimento e pré-Renascimento e, depois, pelos pintores italianos modernos.17 17 Ver a biografia do pintor escrita por Marco Antônio Mastrobuono (2013). O Brasil, no entanto, era uma obsessão dos críticos, que inventaram as condições pelas quais hoje nos aproximamos desses quadros. Um diálogo mais ou menos tenso entre artista e intelectuais de letras, diálogo que possibilitou a presença dessas telas em nosso imaginário e em nosso debate nacional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • Aguilar, Nelson. Figuration et spatialisation dans la peinture moderne bresilienne: le séjour de Vieira da Silva au Brésil (1940-1947). Tese (Doutorado em Artes). Lyon, Université Jean Moulin - Lyon III, 1984.
  • Andrade, Mário. “O artista e o artesão”. O baile das quatro artes. São Paulo: Martins Fontes, 1975 [1941].
  • ______. “Esta paulista família”. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 10, 1971 [1939], pp 154-6.
  • ______. “Um salão de feira 1”. Diário de São Paulo, 21 out. 1941a.
  • ______. “Um salão de feira 2”. Diário de São Paulo, 2 nov. 1941b.
  • ______. “Alegro e valsa”. Folha da Manhã, 27 abr. 1944.
  • ______. “Encontro no parque”. O banquete. Brasília: Instituto Nacional do Livro (INL), 1989 [1944].
  • ______. “Ensaio sobre Clóvis Graciano”. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 10, 1971 [1944], pp. 156-75.
  • Brito, Ronaldo. Neoconcretismo: vértice e ruptura do projeto construtivo brasileiro. São Paulo: Cosac Naify, 2007 [1975].
  • Capitu. “Crônica”. Estado de S. Paulo, 15 ago. 1941.
  • Carrà, Carlo. Tutti gli scritti: A cura di Massimo Carrà. Milão: Feltrinelli, 1978.
  • Castro, Willys de. “Volpi pinta vôlpis”. In: Amaral, Aracy (Org.). Alfredo Volpi: pintura (1914-1972). Rio de Janeiro: MAM-RJ, 1972.
  • Catálogo Volpi: A emoção da cor. Galeria Almeida e Dale. São Paulo. 2014. Disponível em: <https://www.almeidaedale.com.br/assets/pdfs/publicacoes/Alfredo_Volpi.pdf>
    » https://www.almeidaedale.com.br/assets/pdfs/publicacoes/Alfredo_Volpi.pdf
  • Chiarelli, Tadeu. “L’Italia è qui: uma prezentazione”. In: Chiarelli, Tadeu; Weschsler, Diana B. Novecento sudamericano: relacione artistiche tra Italia, Argentina, Brasile, Uruguai. Milão: Milano Skira, 2003.
  • Cordeiro, Waldermar. “Volpi, o pintor de paredes que traduziu a visualidade popular: o rapazola que comprou uma caixa de aquarelas usadas - Nas mansões servia ao cosmopolitismo, mas amava os coloridos do subúrbio”. Folha da Manhã, 20 abr. 1952.
  • Fabris, Annateresa. Crítica e modernidade. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2006.
  • Giannotti, Marcos. “Volpi ou a reinvenção da têmpera”. ARS, v. 4, n. 7, 2006, pp. 72-7.
  • Magalhães, Ana Gonçalves. Pintura italiana do entreguerras nas Coleções Matarazzo e as origens do acervo do antigo MAM. Tese (Livre-docência). São Paulo, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), 2014.
  • Mammì, Lorenzo. Volpi. São Paulo: Cosac Naify , 1999.
  • Mariani, Valerio. Esposizione commemorativa del cinquantenario dell’immigrazione ufficiale San Paulo del Brasile: mostra d’arte del Padiglione d’Italia. São Paulo: Comissariato Italiano Per L’Esposizione Di San Paolo Del Brasile, 1937.
  • Martins, Luís. “Um pintor”. Estado de S. Paulo, 10 ago. 1941.
  • Mastrobuono, Marco Antônio. Alfredo: pinturas e bordados. São Paulo: Instituto Alfredo Volpi de Arte Moderna, 2013.
  • Miceli, Sergio. Nacional estrangeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
  • Milliet, Sérgio. “A paisagem na moderna pintura brasileira”. Estado de S. Paulo, 7 out. 1948.
  • Moura, Flávio Rosa de. Obra em construção: A recepção do neoconcretismo e a invenção da arte contemporânea no Brasil. Tese (Doutorado em Sociologia). São Paulo, Universidade de São Paulo, 2011.
  • Naves, Rodrigo. “A complexidade de Volpi: notas sobre o diálogo do artista com concretistas e neoconcretistas”. Novos Estudos Cebrap 81, v. 27, n. 2, jul. 2008, pp. 139-55.
  • ______. “Volpi: anonimato e singularidade”. In: A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2011 [1989].
  • Nunes, Francisco Vaz. Waldemar Cordeiro: Da arte concreta ao popcreto. Dissertação (Mestrado em História da Arte e da Cultura). Campinas, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), 2004.
  • Pedrosa, Mário. “Volpi: 1924-1957”. In: Arantes, Otília (Org.). Mário Pedrosa: acadêmicos e modernos. São Paulo: Edusp, 2004 [1957].
  • Pires, Carlos. “Alfredo Volpi e a modernização precária”. Novos Estudos Cebrap 110, v. 37, n. 1, 2018a, pp. 133-59.
  • ______. “Têmpera, abstração e resistência em Alfredo Volpi”. ARS, v. 16, n, 34, pp. 117-41, 2018b.
  • Pontes, Heloisa. Destinos mistos. São Paulo: Companhia das Letras , 1998.
  • Read, Herbert. “Sir Herbert Read fala da participação brasileira na Bienal e do abstracionismo em geral”. Entrevista concedida a Ivone Jean. Folha da Manhã, São Paulo, 24 dez 1953.
  • Rosa, Marcos Pedro. O espelho de Volpi: o artista, a crítica e São Paulo nos anos 1940 e 1950. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social). Campinas, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), 2015.
  • ______. “A Tale of Masters and Islands. Volpi Claimed by Mário Pedrosa”. Sociologia & Antropologia, v. 8, n. 3, 2018.
  • Salzstein, Sônia. Volpi. Rio de Janeiro: Campos Gerais, 2000.
  • Sarfatti, Margherita. Espejo de la pintura actual. Buenos Aires: Argos, 1947.
  • Sigaud, Lygia. “Doxa e crença entre os antropólogos”. Novos Estudos Cebrap 77, 2007, pp. 129-52.
  • Werneck, Martha. Têmperas. Rio de Janeiro: Centro de Artes e Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2010.
  • 1
    Pelo desenvolvimento deste artigo, eu agradeço especialmente os comentários de Luiz Gustavo Freitas Rossi, Ana Paula Simioni e de minha orientadora de mestrado, Heloisa Pontes. Há também uma dívida de gratidão com os pareceristas anônimos, cujas críticas foram preciosas.
  • 2
    Essas informações sobre a relação de Cordeiro com Gramsci, Volpi e Sacilloto, bem como uma crítica à forma como Brito encara os concretistas paulistas, são desenvolvidas na dissertação de Fabrício Vaz Nunes (2004Nunes, Francisco Vaz. Waldemar Cordeiro: Da arte concreta ao popcreto. Dissertação (Mestrado em História da Arte e da Cultura). Campinas, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), 2004. , pp. 1-47). A admiração de Cordeiro por Volpi pode ser conferida em Cordeiro (1952Cordeiro, Waldermar. “Volpi, o pintor de paredes que traduziu a visualidade popular: o rapazola que comprou uma caixa de aquarelas usadas - Nas mansões servia ao cosmopolitismo, mas amava os coloridos do subúrbio”. Folha da Manhã, 20 abr. 1952.).
  • 3
    A reivindicação de Volpi por Pedrosa foi, na verdade, uma polêmica sobre como narrar a história da arte brasileira. Volpi, segundo Pedrosa, teria vivido toda essa história sozinho e apartado dos intelectuais e artistas de São Paulo. Ver: Rosa (2018______. “A Tale of Masters and Islands. Volpi Claimed by Mário Pedrosa”. Sociologia & Antropologia, v. 8, n. 3, 2018.).
  • 4
    A formação dessa rede de artistas é descrita em Rosa (2015Rosa, Marcos Pedro. O espelho de Volpi: o artista, a crítica e São Paulo nos anos 1940 e 1950. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social). Campinas, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), 2015., pp. 24-44).
  • 5
    Uma boa análise da potência de Mário de Andrade é a tese de Nelson Aguilar. Esse autor demonstra como a pintora portuguesa Vieira da Silva, ao chegar ao Brasil, adequou sua pintura, antes comprometida com as inovações parisienses, às diretrizes traçadas por Mário de Andrade. Ver: Aguilar (1984Aguilar, Nelson. Figuration et spatialisation dans la peinture moderne bresilienne: le séjour de Vieira da Silva au Brésil (1940-1947). Tese (Doutorado em Artes). Lyon, Université Jean Moulin - Lyon III, 1984.).
  • 6
    Há uma dívida dessa reflexão com outros autores brasileiros da sociologia da cultura. Respectivamente, Lygia Sigaud (2007Sigaud, Lygia. “Doxa e crença entre os antropólogos”. Novos Estudos Cebrap 77, 2007, pp. 129-52.) e Flávio Rosa de Moura (2011Moura, Flávio Rosa de. Obra em construção: A recepção do neoconcretismo e a invenção da arte contemporânea no Brasil. Tese (Doutorado em Sociologia). São Paulo, Universidade de São Paulo, 2011. ), que refletiram sobre processos que tornaram determinadas ideias hegemônicas em seus respectivos campos intelectuais.
  • 7
    Trata-se de um depoimento de Willys de Castro que Naves usa para compor seu argumento. Ver: Castro (1972Castro, Willys de. “Volpi pinta vôlpis”. In: Amaral, Aracy (Org.). Alfredo Volpi: pintura (1914-1972). Rio de Janeiro: MAM-RJ, 1972., p. 39).
  • 8
    Lorenzo Mammì (1999Mammì, Lorenzo. Volpi. São Paulo: Cosac Naify , 1999.) identificou na produção do grupo Santa Helena uma autonomia dos artistas aos valores traçados pela literatura brasileira — valores que Sergio Miceli (2003Miceli, Sergio. Nacional estrangeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.) identificou com as injunções doutrinárias de mercado que se impunham sobre a geração de 1920: enquanto os artistas eram informados pelo trânsito internacional, os mecenas paulistanos detinham, segundo Miceli, valores alheios às vanguardas. Nessa interação, a demanda por valores nacionalistas era pautada pelos literatos que faziam o papel de críticos, e serviam para intercambiar as expectativas de artistas e de mecenas. Na década de 1950, uma das acusações às quais os concretistas tiveram de responder era a de serem apartados do contexto social em que viviam, ou seja, do Brasil.
  • 9
    O quadro pode ser conferido no link: <https://acervo.mac.usp.br/acervo/index.php/Detail/objects/17396> Acesso em: 19/03/2021. Este artigo deveria conter a reprodução de uma série de obras do Volpi, que funcionariam como uma narrativa visual. Infelizmente, os responsáveis pelo espólio do artista não nos isentaram dos custos para a publicação. Dessa maneira, optamos por nos limitar às obras que poderiam ser encontradas on-line e indicar os links para que o leitor acompanhe o nosso argumento.
  • 10
    A têmpera que Volpi adotou na década de 1940 é um tipo de tinta feita com gema de ovo, pigmentos vegetais ou minerais, antifúngico (geralmente própolis) e um pigmento branco. Essa técnica permite uma opacidade que a tinta a óleo só permitia ao ser muito diluída e consequentemente tomar um aspecto ralo, ou seja, com pouca concentração de pigmentos: em outras palavras — com a cor enfraquecida. Para uma descrição dessa técnica, ver: Werneck (2010Werneck, Martha. Têmperas. Rio de Janeiro: Centro de Artes e Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2010.). Sobre Volpi e a sua conversão à têmpera, ver: Giannotti (2006Giannotti, Marcos. “Volpi ou a reinvenção da têmpera”. ARS, v. 4, n. 7, 2006, pp. 72-7.).
  • 11
    O catálogo está disponível em: <https://www.almeidaedale.com.br/assets/pdfs/publicacoes/Alfredo_Volpi.pdf>. Acesso em: 19/03/2021.
  • 12
    O quadro está disponível em: <https://acervo.mac.usp.br/acervo/index.php/Detail/objects/20414>. Acesso em: 19/03/2021.
  • 13
    Margherita Sarfatti, suas ideias e relações com o meio artístico brasileiro foram recuperadas por Ana Gonçalves Magalhães (2014Magalhães, Ana Gonçalves. Pintura italiana do entreguerras nas Coleções Matarazzo e as origens do acervo do antigo MAM. Tese (Livre-docência). São Paulo, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), 2014.) durante a investigação sobre a coleção de arte italiana moderna, que compõe o primeiro acervo do MAM-SP.
  • 14
    Sobre Sarfatti e Milliet, ver Magalhães (2014Magalhães, Ana Gonçalves. Pintura italiana do entreguerras nas Coleções Matarazzo e as origens do acervo do antigo MAM. Tese (Livre-docência). São Paulo, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), 2014., pp. 93-4).
  • 15
    As duas obras do pintor, pertencentes ao acervo MAC-USP e já citadas, são capazes, junto a outras duas telas também pertencentes ao museu, de testemunhar essa trajetória: Mogi das Cruzes, 1939, disponível em: <https://acervo.mac.usp.br/acervo/index.php/Detail/objects/16728>, e Casas na praia, 1952, disponível em: <https://acervo.mac.usp.br/acervo/index.php/Detail/objects/20415>. Acesso em: 19/03/2021.
  • 16
    O catálogo também faz parte dos espólios de Paulo Rossi Osir, acervo da biblioteca MAC-USP.
  • 17
    Ver a biografia do pintor escrita por Marco Antônio Mastrobuono (2013Mastrobuono, Marco Antônio. Alfredo: pinturas e bordados. São Paulo: Instituto Alfredo Volpi de Arte Moderna, 2013.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    18 Fev 2019
  • Aceito
    10 Fev 2020
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento Rua Morgado de Mateus, 615, CEP: 04015-902 São Paulo/SP, Brasil, Tel: (11) 5574-0399, Fax: (11) 5574-5928 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: novosestudos@cebrap.org.br