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ATIVISMO NEGRO E RELIGIOSO: O caso da Frente Parlamentar de Terreiros no Congresso Nacional Brasileiro1 1 Gostaria de registrar meus agradecimentos a Regina Novaes e Emerson Giumbelli pela leitura atenta e pelas contribuições que fizeram a este trabalho. Agradeço igualmente a Ronaldo Almeida pela oportunidade de apresentar preliminarmente esta pesquisa em 2015, na Unicamp, no Fórum Laicidade e Intolerância, por ele organizado.

Black and Religious Movement: The Case of the Parliamentary Front of Terreiros in the Brazilian National Congress

RESUMO

O artigo analisa a atuação da Frente Parlamentar de Terreiros no Congresso Nacional entre as 54ª e 55ªlegislaturas, com o objetivo de refletir sobre modalidades de inserção pública de religiosos de matriz afro-brasileira na política. Para tanto, acompanhei eventos de lançamento da Frente em Brasília e realizei entrevistas com articuladores e deputados a ela integrados. A defesa da liberdade e a luta por reconhecimento atravessam suas distintas formações.

PALAVRAS-CHAVE:
Frente Parlamentar de Terreiros; religiões afro-brasileiras; intolerância religiosa; religião e política

ABSTRACT

The article analyzes the actions of the Parliamentary Front of Terreiros in the National Congress between the 54th and 55th legislatures in order to reflect on modalities of public insertion of Afro-Brazilian religious in politics. I attended events to launch the Front in Brasília and conducted interviews with its articulators and deputies. The defense of freedom and the struggle for recognition crosses its different formations.

KEYWORDS:
Parliamentary Front of Terreiros; politics; Afro-Brazilian religions; religious intolerance; religion and policy

Mudanças internas da religião não significam necessariamente perigo para a sua sobrevivência institucional, não implicam apenas separação e ruptura. Ao contrário, quem não muda não sobrevive. (Prandi, 2004Prandi, Reginaldo. “O Brasil com axé: candomblé e umbanda no mercado religioso”. Estudos Avançados, v. 18, n. 52, 2004, pp. 223-38., p. 232)

Desde o estabelecimento da República no Brasil a interface entre religião e política se conformou como um sujet sensible, sendo alvo de atenção pública continuada. Nesse sentido, sob a aura de noções de modernidade que se opunham à religião, foi-se reforçando uma percepção social de que a presença religiosa no espaço público se estabelecia em oposição à laicidade. No entanto, uma série de trabalhos (Dullo, 2015Dullo, Eduardo. “Política secular e intolerância religiosa na disputa eleitoral”. In: Montero, Paula (org.). Religiões e controvérsias públicas: experiências, práticas sociais e discursos. São Paulo/Campinas: Terceiro Nome/Editora Unicamp/Fapesp , 2015, pp. 27-48., entre outros) argumenta que as religiões, em especial a Igreja Católica, são coprodutoras do Estado Laico no Brasil. Nesse contexto, chama atenção o processo de legitimação do religioso no espaço público nacional. Segundo Giumbelli (2008Giumbelli, Emerson. “A presença do religioso no espaço público: modalidades no Brasil”. Religião e Sociedade , v. 28, n. 2, 2008, pp. 80-101.), este se consolidou por duas vias: uma generalista e outra diferencialista. A generalista teria sido utilizada pela Igreja Católica, por kardecistas e, posteriormente, por evangélicos, pois esses grupos defendiam seu lugar como entidades coletivas e públicas de notório interesse social, dado o exercício constante da caridade e da assistência social, provedoras, portanto, do bem comum.

A outra via de legitimação, chamada diferencialista, fora mobilizada por religiosos de matriz afro-brasileira e se caracterizaria pela reivindicação do estatuto de cultura e patrimônio, negando, assim, o de seita, magia ou bruxaria. A partir de 1930, argumenta Giumbelli, esse grupo buscou ser reconhecido como religioso por meio da afirmação de bases culturalistas e étnicas que justificariam sua origem e suas formas de existência, sua territorialidade, ritualísticas, cosmovisão. A afirmação de uma contiguidade entre cultura, patrimônio e religião fundamentava a luta por reconhecimento. Para Mafra (2011Mafra, Clara. “A ‘arma da cultura’ e os ‘universalismos parciais’”. Mana, v. 17, n. 3, 2011, pp. 607-624.), a aura da cultura que passou a recobrir os religiosos de matriz afro-brasileira seria resultado de um trabalho conjunto de religiosos, artistas, intelectuais e políticos. Essa aura recairia, principalmente, sobre o candomblé, em razão do domínio de uma tradição cultural específica. Na mesma direção, Prandi assinala que a legitimidade do candomblé fora “gestada a partir de uma nova estética formulada pela classe média intelectualizada do Rio de Janeiro e de São Paulo nas décadas de 1960 e 1970, que adotou e valorizou mais do que nunca aspectos negros da cultura baiana, seus artistas e intelectuais” (Prandi, 2004Prandi, Reginaldo. “O Brasil com axé: candomblé e umbanda no mercado religioso”. Estudos Avançados, v. 18, n. 52, 2004, pp. 223-38., p. 224). A partir de então, afigurou-se um processo de “africanização do candomblé” (Prandi, 1991Prandi, Reginaldo. Os candomblés de São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1991.), caracterizado pelo “retorno deliberado à tradição [com] o reaprendizado da língua, dos ritos e mitos que foram deturpados e perdidos na adversidade da Diáspora; voltar à África não para ser africano, nem para ser negro, mas para recuperar um patrimônio cuja presença no Brasil é agora motivo de orgulho, sabedoria e reconhecimento público” (Prandi, 2004Prandi, Reginaldo. “O Brasil com axé: candomblé e umbanda no mercado religioso”. Estudos Avançados, v. 18, n. 52, 2004, pp. 223-38., p. 224). Essa africanização corresponderia a um processo de transformação do candomblé em religião universal, gradualmente afastada do catolicismo (idem, p. 228).

A partir dos anos 2000, multiplicaram-se as ações de combate à intolerância religiosa envolvendo poder público e sociedade civil organizada, ganhando, no Brasil, espaço na mídia e no debate público (Santos; Esteves Filho, 2009Santos, Ivanir dos; Esteves Filho, Astrogildo (orgs.). Intolerância religiosa × democracia. Rio de Janeiro: Ceap, 2009.; Silva, 2007Silva, Vagner Gonçalves da (org.). Intolerância religiosa. Impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro. 1. ed. São Paulo: Edusp, 2007.; Miranda; Boniolo, 2017______. Boniolo, Roberta Machado. “‘Em público, é preciso se unir’: conflitos, demandas e estratégias políticas entre religiosos de matriz afro-brasileira na cidade do Rio de Janeiro”. Religião e Sociedade, v. 37, n. 2, 2017, pp. 86-119. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0100-85872017v37n2cap04.
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; Vital da Cunha, 2012Vital da Cunha, Christina. “Conflitos religiosos e a construção do respeito à diversidade: breve histórico e iniciativas recentes”. In: Libonati, André; Garcia, Débora; Eitler, Kitta (orgs.). Comunicação e transformação social 2. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2012, pp. 95-122.; 2016______. “Intolerância religiosa, UPPs e traficantes em foco: processos e práticas performadas pelo Estado em favelas cariocas”. In: __; Araújo, Melvina (orgs.). Religião e conflito. Curitiba: Prismas, 2016.; Bortoleto, 2015Bortoleto, Milton. “‘Não cultuais imagens de escultura’: alguns aspectos do debate público acerca da tipificação jurídica da ‘intolerância religiosa’ e da ‘liberdade religiosa’”. In: Montero, Paula (org.). Religiões e controvérsias públicas: experiências, práticas sociais e discursos. São Paulo/Campinas: Terceiro Nome/Editora Unicamp/Fapesp, 2015, pp. 127-62.; entre outros). Nesse contexto, de mãos dadas com diferentes atores do movimento negro, o candomblé e a umbanda chegaram ao Palácio do Planalto seja pela via de políticas públicas impulsionadas pela Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), criada em 2003, seja pela representação no Congresso Nacional. Se a bibliografia identificava até então uma falta de representação unificada, em um cenário de laços de solidariedade frágeis e circunstanciais entre os religiosos de matriz afro-brasileira (Prandi, 2004Prandi, Reginaldo. “O Brasil com axé: candomblé e umbanda no mercado religioso”. Estudos Avançados, v. 18, n. 52, 2004, pp. 223-38., p. 229), passamos a observar - seguindo a já citada reflexão do autor de que “quem não muda não sobrevive” - uma união diante do crescimento e da diversificação da prática da intolerância religiosa na sociedade (Bortoleto, 2015Bortoleto, Milton. “‘Não cultuais imagens de escultura’: alguns aspectos do debate público acerca da tipificação jurídica da ‘intolerância religiosa’ e da ‘liberdade religiosa’”. In: Montero, Paula (org.). Religiões e controvérsias públicas: experiências, práticas sociais e discursos. São Paulo/Campinas: Terceiro Nome/Editora Unicamp/Fapesp, 2015, pp. 127-62.; Miranda, 2014Miranda, Ana Paula Mendes de. “Como se discute religião e política? Controvérsias em torno da luta contra a intolerância religiosa no Rio de Janeiro”. Comunicações do Iser, Rio de Janeiro, v. 69, 2014, pp. 10-23.; Montero, 2017______. “The ‘Culture of Justification’ in the Production of Public Religiosities in Brazil”. In: Mapril, José et al. (orgs.). Secularisms in a Postsecular Age? Religiosities and Subjectivities in Comparative Perspective. Nova York: Palgrave, 2017, pp. 207-29.; Vital da Cunha, 2012Vital da Cunha, Christina. “Conflitos religiosos e a construção do respeito à diversidade: breve histórico e iniciativas recentes”. In: Libonati, André; Garcia, Débora; Eitler, Kitta (orgs.). Comunicação e transformação social 2. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2012, pp. 95-122.; 2016______. “Intolerância religiosa, UPPs e traficantes em foco: processos e práticas performadas pelo Estado em favelas cariocas”. In: __; Araújo, Melvina (orgs.). Religião e conflito. Curitiba: Prismas, 2016.; Silva Jr., 2009Silva Jr., Hédio. “Intolerância religiosa e direitos humanos”. In: Santos, Ivanir dos; Esteves Filho, Astrogildo (orgs.). Intolerância religiosa × democracia . Rio de Janeiro: Ceap , 2009.; entre outros). A criação da Frente Parlamentar de Terreiros (FPT), como ficou popularmente conhecida, é uma dessas iniciativas.

Neste artigo, analisarei comparativamente a atuação da FPT no Congresso Nacional na 54ª e 55ª legislaturas com o objetivo de refletir sobre modalidades de inserção pública de religiosos de matriz afro-brasileira na política. Com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),2 2 As análises e os dados aqui apresentados são fruto das pesquisas “Religiões no espaço público: uma análise socioantropológica da Frente Parlamentar em Defesa das Comunidades Tradicionais de Terreiros” (Faperj, 2011-12), “Religiões no espaço público: reflexões sobre repertórios e atuações da Frente Parlamentar Afro-Brasileira no Congresso Nacional” (Pibic-CNPq/UFF, 2012-13) e “‘A aura da cultura’: uma análise da presença das religiões afro-brasileiras no espaço público através do acompanhamento da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Terreiros no Congresso Nacional” (Pibic- CNPq/UFF, 2014-15), todas sob minha coordenação. Agradeço a Franciene Reis, Ariadne Trindade, Raquel Fabeni e Lívia Bravin pela dedicação ao longo desses anos de trabalho coletivo. No Iser, agradeço especialmente a Pedro Strozenberg e Helena Mendonça pela disponibilização do espaço de trabalho e pelas trocas com a equipe da casa à época dessas pesquisas. além de apoio do Instituto de Estudos da Religião (Iser), realizei trabalho de campo em Brasília acompanhando eventos de lançamento da Frente no Congresso Nacional (2015). Nessa ocasião, fiz contato com articuladores e deputados a ela integrados. Foram realizadas entrevistas presenciais, por e-mail e por telefone, bem como conversas informais durante eventos com esses atores sociais.

O presente artigo está dividido em três partes. Na primeira e na segunda, apresento as distintas formações da Frente. Na terceira, destaco considerações sobre as agendas propostas nesses diferentes momentos, a fim de analisar demandas por reconhecimento que gravitam entre narrativas em defesa ora da religião, ora da cultura afro-brasileira.

A FORMAÇÃO DA FRENTE PARLAMENTAR MISTA EM DEFESA DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS DE TERREIROS (FPT)

A Frente Parlamentar Mista em Defesa das Comunidades Tradicionais de Terreiros (FPT) foi lançada em 29 de junho de 2011. Conforme alguns de seus protagonistas relataram à pesquisadora, sua criação foi resultado de uma articulação específica entre movimento social e parlamentares em março de 2011. Dois grupos foram explicitamente reconhecidos como os principais impulsionadores de sua formalização: Fórum Permanente Religioso Afro-Brasileiro do Distrito Federal e Entorno (Foafro) e Coletivo de Entidades Negras (CEN). No blog do jornalista Paulo Henrique Amorim, Marcos Rezende ressaltou: “A criação da Frente Parlamentar foi uma demanda de organizações do movimento negro e contou com o apoio dos deputados Valmir Assunção (PT-BA) e Erika Kokay (PT-DF)”.3 3 Segundo nota biográfica da época, Marcos Rezende “é bacharel em história, é membro do Coletivo de Entidades Negras (CEN) e Conselheiro Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça. Recebeu a Medalha Zumbi dos Palmares da Câmara Municipal de Salvador por serviços prestados à comunidade negra. É religioso do Candomblé”. Disponível em: <http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2011/03/21/frente-parlamentar-para-defender-religioes-de-matriz-africana/>. Acesso em: 18/5/2020.

QUADRO 1
Núcleo de articulação política da FPT entre os deputados na 54ª legislatura

A FPT contava com 13 membros ativos,4 4 No Congresso Nacional, toda frente parlamentar deve obter assinaturas de pelo menos um terço de membros do Poder Legislativo federal para que seja registrada, mas os membros ativos não correspondem, no mais das vezes, ao total de assinaturas. Em algumas frentes, a relação entre assinaturas e membros ativos é menos discrepante. Ao longo de nossas pesquisas, observamos que as frentes parlamentares no Congresso Nacional têm funcionamentos diversos, mas se organizam sempre em torno de membros ativos e de apoiadores. O primeiro grupo pode ser dividido entre integrantes do núcleo de articulação política e engajados em ações. O núcleo de articulação política é composto de um número pequeno de parlamentares em relação ao total dos que subscreveram a frente. Integram os quadros orgânicos da frente e são os que normalmente se pronunciam em nome dela no parlamento e nas mídias sociais. São os principais proponentes de ações e interlocutores junto aos grupos sociais que elas defendem. Os membros engajados em ações são aqueles integrantes com afinidade direta com a temática da frente e que se reúnem em torno das pautas apresentadas pelos articuladores. Normalmente não ocupam cargos na administração da frente nem costumam se pronunciar publicamente por ela. Por fim, há aqueles apoiadores que foram signatários do documento de sua criação, mas que não compõem, necessariamente, sua dinâmica de funcionamento. A regularização de frentes parlamentares no Congresso Nacional data de 2003 e visou organizar e dar transparência às demandas sociais e a seus representantes. que correspondiam a seu núcleo de articulação política. Os que dispunham de mais visibilidade eram a deputada federal Erika Kokay (PT-DF), presidente da FPT, e os deputados federais Valmir Assunção (PT-BA), Luiz Alberto (PT-BA), então presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Igualdade Racial, e Jean Wyllys (Psol-RJ).

Do total de parlamentares, dez eram do Partido dos Trabalhadores (PT) e três de outros partidos (PCdoB, Psol e PV). No estatuto da Frente, eram enfatizados os seguintes objetivos: avaliar e monitorar políticas públicas, projetos e programas direcionados às comunidades de terreiro no Brasil; atuar como interlocutora entre comunidades de terreiro e Congresso Nacional; promover encontros, debates, seminários e eventos que tematizem as comunidades de terreiro; incentivar a adoção de políticas de desenvolvimento das comunidades tradicionais de terreiro em âmbito público (executivo, legislativo e judiciário) e privado; incentivar a produção de material didático e campanhas educativas sobre a população e a religiosidade negras no Brasil; incentivar a preservação e a patrimonialização da cultura afro-brasileira.

Na fanpage da FPT no Facebook, a defesa da religião e o combate à intolerância religiosa emergiam como primeiro objetivo: “Promover, no marco legislativo, ações em defesa das religiões de matrizes africanas, pela liberdade de culto e contra a intolerância religiosa”.5 5 Disponível em: <https://www.facebook.com/frenteemdefesadosterreiros?hc_location=timeline>. Acesso em: 1º/5/2013. Nesse veículo, de maior acesso ao público que o documento para a formalização da Frente no Congresso Nacional, a religião era destacada quer pela via da defesa da liberdade religiosa, de crença e culto, quer nas demandas por seu reconhecimento como elemento cultural fundamental não só dos negros no Brasil mas de toda a sociedade, compondo o que seus integrantes chamaram de brasilidade. Esse arranjo narrativo ganha relevância em minha análise na medida em que a defesa da laicidade foi um dos princípios fundantes da FPT. O deputado federal Jean Wyllys (Psol-RJ) era um dos que afirmavam a laicidade como importante diferença dessa frente em relação à evangélica: enquanto a primeira a defendia, a segunda a infringiria. As chamadas “violações ao Estado laico” ganharam as vozes e os cartazes de muitos que foram às ruas nas passeatas de 2013. O sentido de uma ameaça à laicidade foi reforçado por casos que ocuparam a mídia pouco tempo antes, como a suspensão do material didático de combate à homofobia nas escolas, elaborado pelo Ministério da Educação em 2011 (chamado de “kit gay” por seus opositores), por intervenção direta de parlamentares evangélicos liderados pelo então deputado federal Anthony Garotinho (PR-RJ), e a ascensão do pastor da Assembleia de Deus e deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP) ao cargo de presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, em março de 2013. Naquele contexto, o respeito à laicidade virou uma bandeira de luta política renovada em torno da qual se uniram parlamentares e diferentes líderes de esquerda (religiosos e não religiosos), além de ativistas lgbt, feministas, negros, entre outros. Como reação organizada, foi criado o Meel - Movimento Estratégico pelo Estado Laico - em 18 de junho de 2013. O manifesto de seu lançamento foi divulgado na mídia, em meios universitários e do movimento social de base religiosa e não religiosa, entre políticos, nos conselhos de classe. Esse manifesto tem importância sociológica por reunir afirmações correntes sobre democracia, liberdade e laicidade, ao mesmo tempo que deu amplitude e potência à pauta no debate político.

Um Estado laico não é um Estado ateu, plurirreligioso ou intolerante às liberdades religiosas. Em um Estado laico, não há nem perseguição religiosa, nem favorecimento das religiões. É exatamente a laicidade do Estado que garante a liberdade religiosa e de crença de cada cidadão e cidadã. Em um Estado laico, os órgãos públicos devem ser neutros em matéria religiosa. Isso não significa que quem os integra não possa professar suas crenças individualmente ou com suas famílias e tampouco que sua liberdade de expressão possa ser cerceada. Significa apenas que sua atuação profissional não deve se pautar pelas suas crenças religiosas. (Manifesto do Meel, 18 de junho de 2013, grifos do original)6 6 Disponível em: <http://www.meel.org.br/manifesto/>. Acesso em: 20/6/2013

A acepção de laicidade apresentada no documento era corrente à época em distintos segmentos sociais, como entre os parlamentares integrantes da FPT. Pareceria contraditório, então, que eles defendessem a laicidade do Estado e ao mesmo tempo militassem no Congresso Nacional pelas religiões de matriz afro-brasileira. No entanto, no regimento da Frente e nos pronunciamentos de parlamentares nos eventos oficiais da FPT, o candomblé era tratado principalmente como tradição afro-brasileira e comunidade tradicional. A ênfase narrativa oficial recaía sobre a dimensão cultural, na qual a defesa da religião fazia sentido por dois vetores: o diferencialista, mencionado no início deste artigo, e o democrático/legal, cujo marco seria a garantia do direito à liberdade religiosa prevista na Carta Magna.

Em eventos organizados pelo movimento social e nas mídias sociais, contudo, a FPT se apresentava como defensora da religião em dois sentidos: 1) pela igualdade de condições para afro-brasileiros; 2) contra uma forma específica de violência direcionada à população e à cultura de origem africana, materializada na intolerância religiosa. Esta era uma estratégia política importante, dado que as mães e os pais de santo reivindicavam seu lugar não como cultura ou “folclore”, como pude observar em várias situações em campo e em reuniões dos grupos de trabalho de combate à intolerância religiosa que integrei durante alguns anos.7 7 Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, entre 2011 e 2018; Grupo de Trabalho de Enfrentamento à Intolerância e Discriminação Religiosa para a Promoção dos Direitos Humanos (GTIREL-RJ), da Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos do Rio de Janeiro, entre 2008 e 2016. Demandavam respeito pela religião, que, como um fato social total, marcava seus meios de lidar com a espiritualidade e com a vida pública, como também observaram em etnografias recentes Miranda e Boniolo (2017______. Boniolo, Roberta Machado. “‘Em público, é preciso se unir’: conflitos, demandas e estratégias políticas entre religiosos de matriz afro-brasileira na cidade do Rio de Janeiro”. Religião e Sociedade, v. 37, n. 2, 2017, pp. 86-119. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0100-85872017v37n2cap04.
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).

Assim, podemos analisar o posicionamento dos políticos da FPT como performances, na definição de Jeffrey Alexander (2014aAlexander, Jeffrey. “Lutando a respeito do modo de incorporação: reação violenta contra o multiculturalismo na Europa”. Revista Estudos Políticos, v. 5, n. 2, 2014a, pp. 399-426.; 2014b______. “Entrevista com Jeffrey Alexander”. Revista Estudos Políticos, v. 5, n. 2, 2014b, pp. 358-78.). Segundo esse autor, certas performances corresponderiam a estratégias de ampliação da “comunidade de sofrimento”8 8 Segundo Jeffrey Alexander (2014a; 2014b), a formação de comunidades de sofrimento é uma estratégia recorrente na vida política, com vistas à ampliação do público afetado (se não diretamente, mas emocionalmente) pelas agendas apresentadas pelos grupos e atores sociais em disputa. Em seus artigos, cita várias ações do movimento negro e do pacifismo. com vistas a ganhos políticos específicos. No caso aqui analisado, as performances parlamentares visavam à exposição do trauma vivido no Brasil por africanos escravizados e do vilipêndio experimentado diuturnamente por eles e seus descendentes. Sua finalidade seria construir um discurso público que provocasse empatia em atores externos a essa “comunidade de sofrimento”, mobilizando-os em torno de sua causa. O objetivo maior seria o fortalecimento político da pauta. A expansão do trauma seria um mecanismo importante para se comunicar com os “outros” dessa cultura afro. Para os “de dentro”, no caso analisado nesta pesquisa, a conexão discursiva se dava por meio do recurso ao religioso e espiritual, que incluiria a singularidade de um axé/uma força da negritude.9 9 A despeito de estudos apontarem o embranquecimento dos praticantes dos cultos afro-brasileiros, com base em observação de campo e dados estatísticos nacionais (Prandi, 1991; 2004; entre outros).

As estratégias narrativas dos líderes dos movimentos que buscam se comunicar com uma base religiosa tão diversa procuraram, na luta contra a intolerância religiosa, na incorporação do ambientalismo e na sacralização da natureza, transformar rupturas em “equilíbrios situacionais provisórios. Unir-se em público representava uma necessidade, mas essa estratégia não pode ser incorporada de forma perene, pois configuraria formas de submissão a grupos adversários” (Miranda; Boniolo, 2017______. Boniolo, Roberta Machado. “‘Em público, é preciso se unir’: conflitos, demandas e estratégias políticas entre religiosos de matriz afro-brasileira na cidade do Rio de Janeiro”. Religião e Sociedade, v. 37, n. 2, 2017, pp. 86-119. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0100-85872017v37n2cap04.
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, p. 112). No momento estudado pela pesquisa, o combate à intolerância religiosa era sobremaneira identificado na FPT como uma bandeira de luta que apaziguava os conflitos internos, contribuindo para o fortalecimento do movimento como um todo.

Desde sua formação, e durante toda a 54ª legislatura, a FPT estabeleceu parcerias com organizações da sociedade civil, no Parlamento e no Executivo Federal. Assim, atuou em conjunto com a Seppir, o Ministério da Cultura, o Ministério do Desenvolvimento Social, a Frente Parlamentar em Apoio à Criação do Museu Afro-Brasileiro em Brasília, a Frente Parlamentar em Defesa da Igualdade Racial, a em Defesa dos Direitos Humanos, o Foafro, o CEN do Brasil, o Centro de Tradições Afro-Brasileiras (Cetrab) e o Meel.

Além de produzir seminários e eventos artísticos, a FPT atuou na articulação da audiência pública sobre a intolerância religiosa, ensejando a realização de mapeamentos de terreiros em várias unidades da federação.10 10 A Seppir disponibilizou para consulta um material de orientação para realização de mapeamentos, além de guias para comunidades e povos tradicionais de matriz afro-brasileira. Disponível em: <https://www.gov.br/mdh/pt-br/noticias_seppir/noticias/2017/01-janeiro/seppir-lanca-publicacoes-com-a-tematica-201cmapeamento-de-comunidades-tradicionais-de-matriz-africana-e-povos-de-terreiro201d-2>. Acesso em: 18/5/2020. Muitos dos projetos de lei e demais ações legislativas propostas pelos deputados da Frente visavam à igualdade de acesso aos bens políticos, econômicos e sociais pelos afro-brasileiros. Assim, buscavam, por exemplo, benefícios previdenciários a ialorixás e babalorixás para efeito de aposentadoria na categoria de líder religioso, a ampliação do número de cestas de alimentos designadas às comunidades tradicionais de terreiros do DF,11 11 “A ampliação da política de cestas de alimentos é uma demanda, segundo o movimento, de caráter transitório, com metas objetivas de sanar necessidades emergentes dessas comunidades historicamente desassistidas pelo poder público.” Disponível em: <http://cenbrasil.blogspot.com.br/2011/04/as-condicoes-de-vida-das-comunidades.html>. Acesso em: 5/5/2020. e a extensão da imunidade tributária assegurada a templos religiosos pela Constituição Federal às casas de matriz afro-brasileiras. Como conquistas atribuídas à FPT pela mídia à época, foi decretado 15 de novembro como Dia Nacional da Umbanda, a partir de 2012. Ato contínuo, foram criados um selo e um carimbo dos Correios comemorativos da data.

Em 2013 o nome oficial foi alterado para Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Tradicionais de Terreiro (FPPT). Segundo a secretária da Frente, em entrevista concedida por telefone à pesquisadora, a mudança se inspirava no movimento dos povos indígenas e em suas exitosas estratégias de luta política. Segundo Tata Edson,12 12 À época da pesquisa, morava em São Paulo. Antes, residia no Rio Grande do Sul, onde se iniciou no candomblé e na atuação junto ao movimento negro. Iyá Vera foi apresentada por Tata Edson como uma interlocutora fundamental em sua trajetória. articulador da FPPT, foi a partir do Fórum Social Mundial de 2011 que o movimento negro passou a espelhar-se na noção de povos usada pelos movimentos indígenas. Em suas palavras:

Conseguimos entender que a Comunidade Indígena, que era tutelada por algumas organizações de igrejas, saiu dessa condição e disse: nós somos povos e nós queremos interagir. Considerando que existem mais de 200 povos indígenas no país… Nós nos perguntamos: se nós somos três troncos, não poderíamos exercer esse esforço? E agora estamos caminhando nessa direção. 13 13 Disponível em: http://ancestralidadeafricana.org.br/?page_id=130. Acesso em: 16/10/2015.

Vale destacar que, em 2007, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa - a ser celebrado anualmente em 21 de janeiro - e instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT) por meio do decreto n. 6.040. Ao identificar no decreto os grupos a serem atingidos por essas políticas de desenvolvimento sustentáveis, compreende-se melhor as mudanças posteriormente implementadas no âmbito da frente parlamentar. A saber:

Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.14 14 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6040.htm. Acesso em: 16/10/2015.

A FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DOS POVOS TRADICIONAIS DE MATRIZ AFRICANA NA 55ª LEGISLATURA (2015)

Em 14 de maio de 2015 foi relançada, em cerimônia no Salão Verde da Câmara dos Deputados, a Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (FPTM). Suprimiu-se do nome anterior, portanto, a palavra “terreiros”. A FPTM assumiu um perfil pluripartidário, com uma coordenação vinculada a cinco partidos identificados com a esquerda ou a centro-esquerda no Brasil. A presidência da Frente permaneceu com Erika Kokay (PT-DF). O núcleo de articulação política da FPTM passou a contar com os deputados listados na tabela a seguir.

QUADRO 2
Núcleo de articulação política da FPT entre os deputados na 55ª legislatura

A lista de políticos signatários da formação da FPTM possui 202 assinaturas15 15 Disponível em: <http://www.camara.gov.br/internet/deputado/frenteDetalhe.asp?id=53560>. Acesso em: 18/5/2020. e é bastante heterogênea: inclui Odorico Monteiro (PT-CE), Benedita da Silva (PT-RJ), Cabo Daciolo (Psol-RJ), Edmilson Rodrigues (Psol-PA), pastor Marcos Feliciano (PSC-SP), André Moura (PSC-SE), Givaldo Carimbão (Pros-AL) e Osmar Terra (PMDB-RS), por exemplo. Segundo o articulador da FPTM, “a discussão [da Frente agora] não é religiosa. Por isso não tem contradição [evangélicos e católicos terem assinado]”. Novamente aqui a noção de cultura como mediadora (ou arma) que possibilita a ampliação de apoios políticos situados.

A deputada Erika Kokay (PT-DF) coordenava os trabalhos na manhã de lançamento da FPTM. Em seu discurso, apresentou as conquistas da Frente na legislatura passada, destacando preliminarmente as ações de combate à intolerância religiosa e em defesa da liberdade religiosa. Salientou, depois, que a Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana não se circunscreve à religião. O relançamento da Frente deveria ser visto como um sinal da necessidade de que o Brasil abraçasse sua diversidade.

O deputado Jean Wyllys (Psol-RJ) falou em seguida, tendo sido recebido com aplausos e apresentado pela presidente da Frente como filho de Oxum. Em seu pronunciamento, destacou a necessidade de os terreiros serem reconhecidos não apenas como um espaço religioso, mas como espaços de execução de políticas e como pontos de cultura. Retomou, ainda, o contexto histórico da luta dos povos de terreiro, apontando avanços significativos nessa trajetória. Mas boa parte de seu pronunciamento foi para conclamar os religiosos à união, à percepção de que o outro pai ou mãe de santo não é um concorrente. Por fim, para sensível incômodo de uns e para grande contentamento de outros, o deputado convidou os religiosos a se engajar em outras lutas que não só as da religião: na luta contra o racismo e a violência contra a mulher, contra o preconceito de classe e o extermínio da juventude de periferia no Brasil. Seu discurso anunciava algumas mudanças nas diretrizes de atuação da Frente, como veremos.

Os principais articuladores da FPTM no movimento social estavam ligados ao Centro Memorial de Matriz Africana 13 de Agosto16 16 Centro localizado no bairro Belém Velho, em Porto Alegre (RS), registrado em 2002 sob responsabilidade de Iyá Vera. e ao Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (Fonsanpotma).17 17 A primeira assembleia permanente do Fonsanpotma ocorreu no mês de outubro de 2012 em Natal (RN). Nela, formatou-se sua coordenação nacional e estabeleceram-se os pontos focais de organização em 24 estados brasileiros. Ver informações no site: <http://www.fonsanpotma.com.br>. Acesso em: 18/5/2020. Observa-se aí um deslocamento geográfico e temático: anteriormente, os principais articuladores no movimento social estavam vinculados a organizações com forte identidade com a Bahia e o Distrito Federal, e, como vimos, o combate à intolerância religiosa era central, orientado pelas questões da religião afro-brasileira e da cultura afro. Nessa segunda formação da Frente, os articuladores tinham forte vínculo com o movimento negro e com ativistas religiosos do Rio Grande do Sul na defesa principal de um estilo de vida tradicional, original dos povos de matriz africana no Brasil.

No documento oficial que consta no site da Câmara não há qualquer menção ao combate à intolerância religiosa. Destacam-se a defesa dos princípios constitucionais, sobretudo daqueles presentes nos artigos 1º, 3º, 4º e 5º da Constituição Federal; a promoção do conhecimento e o valor universal dos povos tradicionais de matriz africana (conforme a Conferência de Durban e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT); o acompanhamento de proposições legislativas que firam os direitos dos povos tradicionais de matriz africana. No documento, observa-se menção direta aos povos tradicionais de matriz africana em metade dos pontos apresentados. Em relação às finalidades da Frente na legislatura anterior, há uma ampliação narrativa, vinculando suas ações à defesa dos direitos humanos e de gênero.

Nessa versão, a FPTM estava engajada na formação de “teias legislativas”. Estas consistiriam em uma estratégia com vistas à formação de frentes homônimas nas assembleias legislativas estaduais e nas câmaras municipais pelo Brasil, unificadas em torno de um projeto político comum.18 18 Em 27 de outubro de 2015, por exemplo, houve o lançamento da FPTM em Porto Alegre. Fazia parte também da articulação política da Frente levar seus temas às comissões e conselhos federais e estaduais a fim de disputarem a pauta e o direcionamento de políticas públicas nos diferentes níveis da federação.

Outro trabalho previsto pelos articuladores da FPTM era o de elaborar marcos conceituais que unificassem os povos tradicionais na luta contra o genocídio,19 19 Segundo consta no documento da Fonsanpotma: “O genocídio compreende a morte física de gerações, o genocídio da juventude e das mulheres negras, lei do ventre livre, a lei da vadiagem, a perseguição policial, as brigas entre a própria comunidade, a diminuição da maioridade penal, a morte do patrimônio imaterial, a perseguição à cultura [e] ao sagrado, a desumanização dos povos[,] o não financiamento de ações culturais, a apropriação indevida de conceitos e princípios civilizatórios, a desterritorialização do patrimônio material”. Disponível em: <http://ancestralidadeafricana.org.br/?page_id=130>. Acesso em: 16/10/2015. pela conquista da terra e pelo direito a “comida de verdade”. Posteriormente ao estabelecimento desses marcos conceituais, seriam propostos marcos legais capazes de reparar os sofrimentos causados. Os parlamentares da Frente elaboravam, então, planos de trabalho e promoviam debates sobre o abate tradicional de animais e pela formação da Primeira Cooperativa Nacional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (PTMA). Para os articuladores da FPTM, avançar na pauta da “comida de verdade” e apoiar essa cooperativa equivalia a confrontar o sistema pela via da promoção de saúde alimentar. Nesse sentido, o Fórum de Segurança Alimentar (cujo mote é “Comida de verdade só com soberania alimentar”) e o Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, como dissemos, ganham centralidade nas ações da Frente, com a atuação coordenada no Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional de Povos de Matriz Africana, dentro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Na colagem estratégica que produziam, garantir o reconhecimento de uma forma particular de alimentação seria reconhecer que havia uma civilidade anterior que a partir de determinado momento lhes havia sido negada.

Nessa formação, a FPTM demonstrou atenção maior à interseccionalidade entre raça e gênero. Em 16 de novembro de 2015, por exemplo, foi realizado um evento aproveitando a reunião de ialorixás e filhas de santo em Brasília por ocasião da Marcha de Mulheres Negras (realizada em 18 de novembro de 2015). Articuladores da Frente produziram um documento intitulado “Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana e a questão do gênero”,20 20 Obtido pela pesquisa com Tata Edson em novembro de 2015. que convocava as mulheres a participar em uma reunião na Assembleia Legislativa com o objetivo maior de “propor estratégias de atuação conjunta aos membros a fim de que possamos avançar ao máximo na conquista de direitos, defesa e reconhecimento dos povos tradicionais de Matriz Africana”. O combate ao extermínio da cultura africana somaria, assim, aspectos ligados ao gênero, ao alimento, ao território e, por fim, à religiosidade.

Os articuladores políticos da FPTM, nas mais diferentes oportunidades de interlocução, evocavam a necessidade de se contrapor, de questionar o status quo econômico e social. A conquista da terra era uma das reparações demandadas. No mesmo documento que articula a questão do gênero, lê-se:

Os povos tradicionais de matriz africana se reconhecem como unidades de resistência no Brasil. Esses coletivos se caracterizam pela manutenção de um contínuo civilizatório africano no Brasil, constituindo territórios próprios marcados pela vivência comunitária, pelo acolhimento e pela prestação de serviços sociais e são uma importante referência de africanidade na sociedade brasileira.

A obsessão da perda (Gonçalves, 2015Gonçalves, José Reginaldo Santos. “O mal-estar no patrimônio: identidade, tempo e destruição”. Estudos Históricos, v. 28, n. 55, jan.-jun. 2015, pp. 211-28.)21 21 José Reginaldo Gonçalves chama atenção para uma “obsessão preservacionista” em diversos processos de patrimonialização. Nesses casos, a estratégia dos grupos revela um sentimento de perda relativo a mudanças sociais que comprometeriam a sobrevivência das tradições e de identidades representadas por esses grupos, objetos, edificações etc. Em suas palavras: “Essa obsessão parece ser uma singularidade do Ocidente moderno e, mais precisamente, de sua concepção de ‘tempo histórico’” (Gonçalves, 2015, p. 216). pode ser identificada nesses documentos justificando demandas por reparação e pela patrimonialização de bens desses povos tradicionais. Tal obsessão estabelece relação com o tempo na medida em que emergiam desejos de seu resfriamento simbólico na tentativa de frear o curso da história, suspender o tempo, congelá-lo. No debate levado pelos articuladores da Frente, a obsessão da perda se revelava nas demandas por terra. Sendo assim, com a conquista da terra, dos territórios sacralizados pela via religiosa ou da cultura, seria dada aos afro-brasileiros a possibilidade de ter reparado no presente o que fora lesado a seus antepassados: a vida, a cultura, os saberes, a segurança alimentar, a identidade, a civilidade, o ser.

Em entrevista concedida à pesquisa, Tata Edson analisa que o combate à intolerância religiosa foi uma estratégia importante no início da Frente em termos do reconhecimento político, social e jurídico da intolerância como crime. Como nos disse: “A discussão já foi vencida. [Intolerância religiosa] já é crime. Queremos reparação Bantu, Jeje e Ioruba. Foco na reparação. Tem um holocausto de 400 anos”. Ele e outros ativistas da FPTM recusavam limitar a luta à preservação da religião por entenderem que isso significava sucumbir ao capitalismo, pois estariam reivindicando o reconhecimento de algo concernente à esfera privada, “[que] me circunscreve a um núcleo específico, me tirando da luta mais ampla pelo reconhecimento de uma civilização”. Para Regina Nogueira,22 22 A médica pediatra Regina Nogueira era, em 2015, integrante da Assessoria da Saúde da População Negra e da Saúde do Adulto de Embu das Artes e uma das coordenadoras da Marcha de Mulheres Negras. em entrevista concedida à pesquisa, a luta da FPTM deve ser para

me reconhecer como quem trouxe um conhecimento que me foi roubado […], afirmar só o religioso foi uma perda. Porque religioso é ir para o interior do terreiro e não para fora. É aceitar o capitalismo. Não viro movimento, não tenho consciência política. Me alimento daquele modo dentro do terreiro e não brigo contra a indústria de alimento, contra o açúcar, porque é privado, é só religioso. Quero segurança alimentar não só para meu terreiro, mas para o meu povo. Tem que batalhar por terra para plantar. Brigar por terra coletiva, alimentação tradicional e soberania tradicional.

Embora o combate à intolerância religiosa tenha perdido centralidade (seja pela valorização da cultura, seja pela constatação de que conquistas significativas já ocorreram no campo jurídico), os articuladores da FPTM reconhecem que o tema ainda é estratégico. Isso não só porque gerou identidade de luta, mas também porque avaliam que a violência contra os povos de matriz africana vai aumentar quando eles começarem a conquistar terras coletivas e a confrontar a indústria de alimentos.

Nas duas formações da Frente, a noção de “tradicional” tem força como estratégia política. Para além da evidente referência ao decreto n. 6.040 e ao modus operandi usual em processos de patrimonialização (Gonçalves, 2015Gonçalves, José Reginaldo Santos. “O mal-estar no patrimônio: identidade, tempo e destruição”. Estudos Históricos, v. 28, n. 55, jan.-jun. 2015, pp. 211-28.), de amplo conhecimento entre os articuladores da FPTM, talvez seja importante observar outros embates em que o tradicional se apresentou no contexto político da época, não necessariamente em sentidos convergentes com o empregado pela Frente, mas como princípio de ação. Foi o caso, por exemplo, da defesa da família feita por parlamentares notadamente católicos e evangélicos. Em um primeiro momento, os debates se consolidaram à medida que se ampliavam as demandas pela legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Líderes e políticos evangélicos marcaram as fronteiras entre casamento e união estável em audiências públicas e pronunciamentos no Congresso Nacional a partir de argumentos legais que eram tratados como dogma: casamento, conforme a Constituição, se referia exclusivamente à união de homens e mulheres. Com base nesse debate, líderes e políticos, principalmente católicos e evangélicos, afirmaram um modelo “natural” de família que deveria ser, como o casamento, o padrão reconhecido do ponto de vista legal e também moral/social. As disputas em torno dessa agenda foram amplamente cobertas pela mídia e reveladas em investigações de cientistas sociais naquele período (Machado, 2017Machado, Maria das Dores Campos. “Pentecostais, sexualidade e família no Congresso Nacional”. Horizontes Antropológicos, v. 23, n. 47, 2017, pp. 351-80.; Machado; Burity, 2014______.; Burity, Joanildo. “A ascensão política dos pentecostais no Brasil na avaliação de líderes religiosos”. Dados, v. 57, n. 3, 2014, pp. 601-31.; Carranza; Vital da Cunha, 2018Carranza, Brenda; Vital da Cunha, Christina. “Conservative Religious Activism in the Brazilian Congress: Sexual Agendas in Focus”. Social Compass, v. 65, n. 4, 2018, pp. 486-502. [doi: 10.1177/0037768618792810]
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; entre outros).

Nos limites deste artigo, interessa destacar que líderes e políticos católicos e evangélicos gravitaram de uma defesa da natureza das relações que justificaria seus pontos de vista sobre casamento e família para uma defesa pública cada vez mais virulenta da tradição. Essa defesa da tradição se tornou uma das principais bandeiras de luta de grupos conservadores, provocando uniões situadas com resultados políticos favoráveis para esses grupos no Brasil, em 2018, e em outros países do globo (Vital da Cunha, 2020______. “Retórica da perda nas eleições presidenciais brasileiras em 2018: religião, medos sociais e tradição em foco”. Plural - Revista Semestral de la Asociación Latinoamericana de Antropología, 2020. Disponível em: <https://asociacionlatinoamericanadeantropologia.net/revistas/index.php/plural/article/download/153/112/285>.
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; Empoli, 2019Empoli, Giuliano da. Os engenheiros do caos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. São Paulo: Vestígio, 2019.; entre outros). No caso da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana, a defesa da tradição emergia como respeito a uma civilidade, como sugeriam seus articuladores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na observação das frentes parlamentares de matriz afro-brasileira ao longo da 54ª e da 55ª legislaturas, identificamos uma perda gradativa na mobilização do elemento religioso, em razão de estratégias políticas vinculadas à pauta nacional e internacional (Conferência de Durban, Convenção 169 da OIT, Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais) que revelavam tentativas de “resfriamento do tempo” e de reforço da tradição dessas populações negras. Além dos jogos de ocultação e revelação do religioso, uma análise comparativa das frentes nos permitiu destacar outro tema/estratégia transversal a seus dois momentos de atuação: a liberdade e o reconhecimento.

Desde a formação da Frente, em 2011, a questão da liberdade teve reiterada importância em sua luta política. Na 54ª legislatura, grande parte dos esforços de parlamentares e do grupo de apoio à Frente foi em direção à defesa da liberdade de crença e de culto - uma chave que articulava liberdade e exercício individual de crença reafirmando o ordenamento jurídico. Esse recurso predomina em diferentes grupos ativos de combate à intolerância religiosa no Brasil. Na legislatura seguinte, a defesa da liberdade privilegiou a garantia de seu exercício por uma coletividade e mediante a confrontação da ordem. Sendo assim, a liberdade de viver conforme a tradição foi demandada como meio de vida de um povo e só poderia ser reivindicada legitimamente tendo a coletividade como unidade moral. A conquista dessa liberdade de viver conforme a tradição implicaria uma reformulação das bases sociais que sustentaram opressões, violências e desigualdades históricas no país.

Para analisar a emergência do reconhecimento nas frentes, faço referência às reflexões de Luís Roberto Cardoso de Oliveira (2008Oliveira, Luís Roberto Cardoso de. “Existe violência sem agressão moral?”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 23, n. 67, jun. 2008, pp. 135-93.) sobre o insulto moral no Brasil, comparativamente a outros dois países (Canadá e Estados Unidos). Para entender o insulto, Oliveira lançou mão da ideia-valor de consideração/desconsideração. Tal categoria remete a um tipo de atitude importante na definição das interações sociais e articula-se com pelo menos três tradições de reflexão sobre o tema e que têm marcado o desenvolvimento de seu trabalho: (a) discussão em torno da noção hegeliana de reconhecimento e de sua ausência, expressa na ideia de desrespeito ou desatenção, retomada contemporaneamente nos trabalhos de Taylor (1994Taylor, Charles. “The Politics of Recognition”. In: Gutmann, Amy (org.). Multiculturalism and “The politics of recognition”. New Jersey: Princeton University Press, 1994, pp. 25-73.) e Honneth (1996Honneth, Axel. The Struggle for Recognition: The Moral Grammar of Social Conflicts. Cambridge: MIT Press, 1996. ); (b) debate francês sobre a considération (e seu oposto, déconsidération), que remonta a Rousseau e mais recentemente a definiu como um direito humano; e (c) discussões associadas à noção maussiana de dádiva ou reciprocidade (Oliveira, 2008Oliveira, Luís Roberto Cardoso de. “Existe violência sem agressão moral?”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 23, n. 67, jun. 2008, pp. 135-93., p. 136).

Na primeira formação da Frente, o reconhecimento da identidade religiosa afro-brasileira era o que seus atores sociais anunciavam querer garantir por meio de um conjunto de ações, como eventos, seminários, exposições fotográficas e políticas públicas. Disputavam reparação judicial e também social diante das violências sofridas. Os casos de violência física eram os mais reconhecidos no âmbito do judiciário e os mais destacados no âmbito político e midiático; contudo, o movimento social queria dar visibilidade e ter reconhecimento também da violência moral que acometia esse grupo historicamente e, de modo crescente, difuso e diuturno, na atualidade. Essa era uma chave importante porque o reconhecimento da violência moral sofrida era, de todo modo, o reconhecimento do legítimo direito ao exercício da crença, de sua religião, da liberdade de exercer seu culto. E, como nos indaga ainda Luís Roberto Cardoso de Oliveira, “existe violência sem agressão moral?”. Sobre isso, o autor assinala que, “na ausência da ‘violência moral’, a existência da ‘violência física’ seria uma mera abstração” (Oliveira, 2008Oliveira, Luís Roberto Cardoso de. “Existe violência sem agressão moral?”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 23, n. 67, jun. 2008, pp. 135-93., p. 135).

Se o reconhecimento da religião, ou seja, da legitimidade dos cultos afro-brasileiros, e a garantia da liberdade de seu pleno exercício eram a principal bandeira de luta da primeira formação da Frente, o reconhecimento da cultura africana, de uma civilidade específica, era demandado em seu segundo momento. Se é possível verificar conquistas efetivas no combate à intolerância religiosa no Brasil, pouco se caminhou no reconhecimento dos afro-brasileiros como povo, como originários de uma civilidade distinta daquela que recobre a nação brasileira. Uma valorização dos afro-brasileiros e de sua cultura pode ser verificada de modo crescente desde início dos anos 2000 - seja no mainstream cultural, seja sob a forma de reparações políticas, fundiárias e econômicas -, da qual a própria existência da Frente é fruto. Mesmo diante de notórios avanços, contudo, a conquista de reconhecimento social por grupos sociais estigmatizados não está assegurada (Oliveira, 2008Oliveira, Luís Roberto Cardoso de. “Existe violência sem agressão moral?”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 23, n. 67, jun. 2008, pp. 135-93.). O novo status deve ser cultivado de modo perene até que estejam desfeitas as estruturas sobre as quais se assentam os estigmas.

O acompanhamento dessas atuações parlamentares e do ativismo social e religioso afro é fundamental para analisarmos os processos em curso desde que o mito da democracia racial no Brasil foi revisto e criticado. A perda de centralidade moral da noção de harmonia racial no debate público vem produzindo importantes frutos em nossa sociedade. Um novo momento político se anunciava em meados da 55ª legislatura, e a FPTM suspendeu sua atuação em 2016, ano do impedimento da então presidenta Dilma Rousseff.23 23 Em 2020 houve uma reorganização da Frente com lançamento virtual em julho do mesmo ano. Importante notar que o movimento pendular entre demandas por reconhecimento social pela via da cultura (coletividade) e pela via da religião (individual/“privado”) aqui apresentado na trajetória da Frente continua recobrindo o mecanismo de ação diferencialista (Giumbelli, 2008Giumbelli, Emerson. “A presença do religioso no espaço público: modalidades no Brasil”. Religião e Sociedade , v. 28, n. 2, 2008, pp. 80-101.) articulado por líderes políticos e religiosos de matriz afro-brasileira na sociedade.

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    Gostaria de registrar meus agradecimentos a Regina Novaes e Emerson Giumbelli pela leitura atenta e pelas contribuições que fizeram a este trabalho. Agradeço igualmente a Ronaldo Almeida pela oportunidade de apresentar preliminarmente esta pesquisa em 2015, na Unicamp, no Fórum Laicidade e Intolerância, por ele organizado.
  • 2
    As análises e os dados aqui apresentados são fruto das pesquisas “Religiões no espaço público: uma análise socioantropológica da Frente Parlamentar em Defesa das Comunidades Tradicionais de Terreiros” (Faperj, 2011-12), “Religiões no espaço público: reflexões sobre repertórios e atuações da Frente Parlamentar Afro-Brasileira no Congresso Nacional” (Pibic-CNPq/UFF, 2012-13) e “‘A aura da cultura’: uma análise da presença das religiões afro-brasileiras no espaço público através do acompanhamento da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Terreiros no Congresso Nacional” (Pibic- CNPq/UFF, 2014-15), todas sob minha coordenação. Agradeço a Franciene Reis, Ariadne Trindade, Raquel Fabeni e Lívia Bravin pela dedicação ao longo desses anos de trabalho coletivo. No Iser, agradeço especialmente a Pedro Strozenberg e Helena Mendonça pela disponibilização do espaço de trabalho e pelas trocas com a equipe da casa à época dessas pesquisas.
  • 3
    Segundo nota biográfica da época, Marcos Rezende “é bacharel em história, é membro do Coletivo de Entidades Negras (CEN) e Conselheiro Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça. Recebeu a Medalha Zumbi dos Palmares da Câmara Municipal de Salvador por serviços prestados à comunidade negra. É religioso do Candomblé”. Disponível em: <http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2011/03/21/frente-parlamentar-para-defender-religioes-de-matriz-africana/>. Acesso em: 18/5/2020.
  • 4
    No Congresso Nacional, toda frente parlamentar deve obter assinaturas de pelo menos um terço de membros do Poder Legislativo federal para que seja registrada, mas os membros ativos não correspondem, no mais das vezes, ao total de assinaturas. Em algumas frentes, a relação entre assinaturas e membros ativos é menos discrepante. Ao longo de nossas pesquisas, observamos que as frentes parlamentares no Congresso Nacional têm funcionamentos diversos, mas se organizam sempre em torno de membros ativos e de apoiadores. O primeiro grupo pode ser dividido entre integrantes do núcleo de articulação política e engajados em ações. O núcleo de articulação política é composto de um número pequeno de parlamentares em relação ao total dos que subscreveram a frente. Integram os quadros orgânicos da frente e são os que normalmente se pronunciam em nome dela no parlamento e nas mídias sociais. São os principais proponentes de ações e interlocutores junto aos grupos sociais que elas defendem. Os membros engajados em ações são aqueles integrantes com afinidade direta com a temática da frente e que se reúnem em torno das pautas apresentadas pelos articuladores. Normalmente não ocupam cargos na administração da frente nem costumam se pronunciar publicamente por ela. Por fim, há aqueles apoiadores que foram signatários do documento de sua criação, mas que não compõem, necessariamente, sua dinâmica de funcionamento. A regularização de frentes parlamentares no Congresso Nacional data de 2003 e visou organizar e dar transparência às demandas sociais e a seus representantes.
  • 5
  • 6
    Disponível em: <http://www.meel.org.br/manifesto/>. Acesso em: 20/6/2013
  • 7
    Comitê Nacional de Respeito à Diversidade Religiosa da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, entre 2011 e 2018; Grupo de Trabalho de Enfrentamento à Intolerância e Discriminação Religiosa para a Promoção dos Direitos Humanos (GTIREL-RJ), da Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos do Rio de Janeiro, entre 2008 e 2016.
  • 8
    Segundo Jeffrey Alexander (2014aAlexander, Jeffrey. “Lutando a respeito do modo de incorporação: reação violenta contra o multiculturalismo na Europa”. Revista Estudos Políticos, v. 5, n. 2, 2014a, pp. 399-426.; 2014b______. “Entrevista com Jeffrey Alexander”. Revista Estudos Políticos, v. 5, n. 2, 2014b, pp. 358-78.), a formação de comunidades de sofrimento é uma estratégia recorrente na vida política, com vistas à ampliação do público afetado (se não diretamente, mas emocionalmente) pelas agendas apresentadas pelos grupos e atores sociais em disputa. Em seus artigos, cita várias ações do movimento negro e do pacifismo.
  • 9
    A despeito de estudos apontarem o embranquecimento dos praticantes dos cultos afro-brasileiros, com base em observação de campo e dados estatísticos nacionais (Prandi, 1991Prandi, Reginaldo. Os candomblés de São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1991.; 2004Prandi, Reginaldo. “O Brasil com axé: candomblé e umbanda no mercado religioso”. Estudos Avançados, v. 18, n. 52, 2004, pp. 223-38.; entre outros).
  • 10
    A Seppir disponibilizou para consulta um material de orientação para realização de mapeamentos, além de guias para comunidades e povos tradicionais de matriz afro-brasileira. Disponível em: <https://www.gov.br/mdh/pt-br/noticias_seppir/noticias/2017/01-janeiro/seppir-lanca-publicacoes-com-a-tematica-201cmapeamento-de-comunidades-tradicionais-de-matriz-africana-e-povos-de-terreiro201d-2>. Acesso em: 18/5/2020.
  • 11
    “A ampliação da política de cestas de alimentos é uma demanda, segundo o movimento, de caráter transitório, com metas objetivas de sanar necessidades emergentes dessas comunidades historicamente desassistidas pelo poder público.” Disponível em: <http://cenbrasil.blogspot.com.br/2011/04/as-condicoes-de-vida-das-comunidades.html>. Acesso em: 5/5/2020.
  • 12
    À época da pesquisa, morava em São Paulo. Antes, residia no Rio Grande do Sul, onde se iniciou no candomblé e na atuação junto ao movimento negro. Iyá Vera foi apresentada por Tata Edson como uma interlocutora fundamental em sua trajetória.
  • 13
    Disponível em: http://ancestralidadeafricana.org.br/?page_id=130. Acesso em: 16/10/2015.
  • 14
  • 15
  • 16
    Centro localizado no bairro Belém Velho, em Porto Alegre (RS), registrado em 2002 sob responsabilidade de Iyá Vera.
  • 17
    A primeira assembleia permanente do Fonsanpotma ocorreu no mês de outubro de 2012 em Natal (RN). Nela, formatou-se sua coordenação nacional e estabeleceram-se os pontos focais de organização em 24 estados brasileiros. Ver informações no site: <http://www.fonsanpotma.com.br>. Acesso em: 18/5/2020.
  • 18
    Em 27 de outubro de 2015, por exemplo, houve o lançamento da FPTM em Porto Alegre.
  • 19
    Segundo consta no documento da Fonsanpotma: “O genocídio compreende a morte física de gerações, o genocídio da juventude e das mulheres negras, lei do ventre livre, a lei da vadiagem, a perseguição policial, as brigas entre a própria comunidade, a diminuição da maioridade penal, a morte do patrimônio imaterial, a perseguição à cultura [e] ao sagrado, a desumanização dos povos[,] o não financiamento de ações culturais, a apropriação indevida de conceitos e princípios civilizatórios, a desterritorialização do patrimônio material”. Disponível em: <http://ancestralidadeafricana.org.br/?page_id=130>. Acesso em: 16/10/2015.
  • 20
    Obtido pela pesquisa com Tata Edson em novembro de 2015.
  • 21
    José Reginaldo Gonçalves chama atenção para uma “obsessão preservacionista” em diversos processos de patrimonialização. Nesses casos, a estratégia dos grupos revela um sentimento de perda relativo a mudanças sociais que comprometeriam a sobrevivência das tradições e de identidades representadas por esses grupos, objetos, edificações etc. Em suas palavras: “Essa obsessão parece ser uma singularidade do Ocidente moderno e, mais precisamente, de sua concepção de ‘tempo histórico’” (Gonçalves, 2015Gonçalves, José Reginaldo Santos. “O mal-estar no patrimônio: identidade, tempo e destruição”. Estudos Históricos, v. 28, n. 55, jan.-jun. 2015, pp. 211-28., p. 216).
  • 22
    A médica pediatra Regina Nogueira era, em 2015, integrante da Assessoria da Saúde da População Negra e da Saúde do Adulto de Embu das Artes e uma das coordenadoras da Marcha de Mulheres Negras.
  • 23
    Em 2020 houve uma reorganização da Frente com lançamento virtual em julho do mesmo ano.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Set 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    02 Jun 2020
  • Aceito
    22 Jun 2021
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