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ASSOCIAÇÕES E REGIMES POLÍTICOS EM PORTO ALEGRE (1946-88): Por uma análise das relações socioestatais

Associations and Political Regimes in Porto Alegre (1946-88): Pursuing an Analysis of Socio-State Relations

RESUMO

Neste trabalho analisamos as relações estabelecidas entre as associações e os regimes políticos em Porto Alegre, de 1946 até 1988, por meio das leis e decretos que concediam auxílios, isenções e títulos de utilidade pública. Concluímos que ocorreu um crescimento nas relações socioestatais, uma alteração no padrão dos contatos, seguido por tentativas de maior regulação, evidenciadas pelo aumento de legislações sobre o tema.

PALAVRAS-CHAVE:
associações; Porto Alegre; regimes políticos; sociedade civil; legislações

ABSTRACT

In this work we aim to analyze the relations established between associations and political regimes in the city of Porto Alegre, from 1946 to 1988, through the laws and decrees granting aid, exemptions and public utility bonds. We conclude that there was a growth in the socio-state relations, a change in the pattern of established contacts, followed by attempts at greater regulation, evidenced by the growth of legislation on the subject.

KEYWORDS:
associations; Porto Alegre; political regimes; civil society; legislations

INTRODUÇÃO

Fruto da onda associativa e de reformas administrativas que marcaram as últimas décadas do século XX, a ampliação das diferentes relações estabelecidas entre movimentos sociais, associações formais, informais e governos tem se mostrado um objeto profícuo de estudos nos últimos anos (McAdam et al., 2001McAdam, Doug; Tarrow, Sidney; Tilly, Charles. Dynamics of contention. Cambridge: Cambridge University Press, 2001.; Tilly, 2006Tilly, Charles. Regimes and Repertoires. Chicago: University of Chicago Press, 2006.). No Brasil, o recente acúmulo de pesquisas consolida o entendimento de que os processos de interação entre Estado e sociedade civil são múltiplos, dinâmicos e interativos (Lavalle; Szwako, 2015Lavalle, Adrian Gurza; Szwako, José. “Sociedade civil, Estado e autonomia: argumentos, contra-argumentos e avanços no debate”. Opinião Pública, 2015, v. 21, n. 1, pp. 157-87.; Lavalle et al., 2019_______; Carlos, Euzeneia; Dowbor, Monika; Szwako, José. “Movimentos sociais, institucionalização e domínios de agência”. In: Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2019, pp. 21-86.) e estabelecem uma agenda cuja “tarefa passa a ser esquadrinhar os padrões da interdependência entre atores sociais e estatais, a constituição e/ou as consequências desses padrões, bem como as mudanças na natureza dessa interdependência ao longo do tempo” (Lavalle; Szwako, 2015Lavalle, Adrian Gurza; Szwako, José. “Sociedade civil, Estado e autonomia: argumentos, contra-argumentos e avanços no debate”. Opinião Pública, 2015, v. 21, n. 1, pp. 157-87., p. 181).

No entanto, como a maior parte dos esforços se direcionou para a análise do período da transição democrática e as subsequentes mudanças governamentais, ainda temos muito que avançar do ponto de vista empírico sobre os padrões de interação pretéritos, suas continuidades e mudanças, até mesmo para auxiliar as explicações sobre os processos mais recentes. Nossa contribuição reside em analisar a construção de tipos específicos de relações entre Estado e sociedade civil ao longo da República de 1946 até o fim da ditadura militar, problematizando, portanto, os padrões e as dinâmicas das relações socioestatais em contexto ainda pouco explorado e cujas análises necessitam de maior refinamento. Em consonância com a nova onda de produções historiográficas que têm renovado nossas leituras sobre o passado da sociedade civil brasileira (Silva Jr., 2004Silva Jr., Adhemar Lourenço. As sociedades de socorros mútuos: estratégias privadas e públicas (estudo centrado no Rio Grande do Sul, Brasil, 1854-1940). Tese (doutorado em história). Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2004.; Fonseca, 2008Fonseca, Vitor Manuel Marques da. No gozo dos direitos civis: associativismo no Rio de Janeiro, 1903-1916. Rio de Janeiro/Niterói: Arquivo Nacional/Muiraquitã, 2008.; Gonçalves, 2011Gonçalves, Marcos. “Caridade, abre as asas sobre nós: política de subvenções do governo Vargas entre 1931 e 1937”. Varia História, 2011, v. 27, n. 45, pp. 317-36.; Brum, 2014Brum, Rosemary Fritsch. Uma casa nas costas: uma análise do movimento social urbano em Porto Alegre (1975-1982). Porto Alegre: Animal, 2014.; Lüchmann, 2016Lüchmann, Lígia Helena Hans. Associativismo e democracia: um estudo em Florianópolis. Florianópolis: Ed. UFSC, 2016.; Souza, 2019Souza, Fabíola Amaral Tomé. “Gangsters da caridade”: sistema político subvencional brasileiro e a manutenção de formação de clientela eleitoral no período de 1946 a 1964. Tese (doutorado em história). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2019.), esperamos iluminar um processo histórico que é muito mais rico e complexo do que pressupunham os diagnósticos normativos, etapistas e anacrônicos outrora realizados e já dissecados em outros trabalhos (Jacobi, 1987Jacobi, Pedro. “Movimentos sociais urbanos no Brasil: reflexão sobre a literatura nos anos 70 e 80”. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais - BIB, 1987, n. 23, pp. 18-34.; Lavalle; Szwako, 2015Lavalle, Adrian Gurza; Szwako, José. “Sociedade civil, Estado e autonomia: argumentos, contra-argumentos e avanços no debate”. Opinião Pública, 2015, v. 21, n. 1, pp. 157-87.).

Assim sendo, neste artigo procuramos “seguir o dinheiro” (Skocpol, 2003Skocpol, Theda. Diminished Democracy: From Membership to Management in American Civic Life. Norman: University of Oklahoma Press, 2003.), com o objetivo de analisar as relações existentes entre as instituições - Prefeitura e Câmara - e o associativismo na cidade de Porto Alegre, entre 1946 e 1988, a partir de comparações entre os padrões observados em um regime democrático (República de 1946) e um regime autoritário (ditadura militar).

Dentre os diferentes fenômenos relativos às interações entre Estado e sociedade civil, sejam elas mais cooperativas ou mais disruptivas (Warren, 2001Warren, Mark. Democracy and Association. Princeton: Princeton University Press, 2001.), delimitamos nosso objeto de análise aos decretos e às leis que concederam subvenções financeiras, doações e isenções às associações, bem como as legislações municipais e federais que possibilitaram essas concessões. Mesmo que não sejam homólogos, entendemos esses fenômenos como subconjuntos das interações socioestatais e lócus privilegiados para a observação de dinâmicas de mútua constituição.

Para tanto, extraímos informações do Sistema Integrado de Referência Legislativa (Sirel), disponibilizado on-line pela Procuradoria Geral do Município de Porto Alegre.1 1 Essas informações estão disponíveis em: <http://www2.portoalegre.rs.gov.br/netahtml/sirel/avancada.html>. Acesso em: 28/8/2020. Investigamos as leis e os decretos municipais de 1946 até 1988 e montamos um banco de dados inédito, que foi analisado por meio de estatística descritiva e cotejado com o levantamento das diferentes legislações que embasaram juridicamente essas relações. Cabe ressaltar que, nos “debates históricos, as análises sobre subvenções são lacunares, apesar de extremamente relevantes para pensarmos importantes aspectos da política brasileira” (Souza, 2019Souza, Fabíola Amaral Tomé. “Gangsters da caridade”: sistema político subvencional brasileiro e a manutenção de formação de clientela eleitoral no período de 1946 a 1964. Tese (doutorado em história). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2019., p. 18). No mesmo sentido, a abertura recente de uma série de dados públicos possibilita que temas até então pouco abordados, como o financiamento da sociedade civil, se tornem objetos profícuos de pesquisa (Lopez, 2018Lopez, Felix Garcia. Perfil das organizações da sociedade civil no Brasil. Brasília: Ipea, 2018.; Souza, 2019Souza, Fabíola Amaral Tomé. “Gangsters da caridade”: sistema político subvencional brasileiro e a manutenção de formação de clientela eleitoral no período de 1946 a 1964. Tese (doutorado em história). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2019.).

Na primeira parte do artigo apresentamos os fundamentos teórico-metodológicos que orientam nossa análise, a partir de autores como Skocpol (2003Skocpol, Theda. Diminished Democracy: From Membership to Management in American Civic Life. Norman: University of Oklahoma Press, 2003.), Tilly (2006Tilly, Charles. Regimes and Repertoires. Chicago: University of Chicago Press, 2006.) e, no cenário nacional, Lavalle e Szwako (2015Lavalle, Adrian Gurza; Szwako, José. “Sociedade civil, Estado e autonomia: argumentos, contra-argumentos e avanços no debate”. Opinião Pública, 2015, v. 21, n. 1, pp. 157-87.), Lavalle et al. (2019_______; Carlos, Euzeneia; Dowbor, Monika; Szwako, José. “Movimentos sociais, institucionalização e domínios de agência”. In: Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2019, pp. 21-86.). Na segunda parte, detemo-nos na dinâmica estabelecida entre associações e regimes políticos, descrevendo e estabelecendo comparações entre a República de 1946 e a ditadura militar. Como conclusão, apontamos uma intensa e crescente relação socioestatal desde os primeiros anos estudados, acompanhada de gradativo aumento de mecanismos legais e regulatórios. Essa interdependência é um processo fluido e construído com o passar do tempo a partir de interesses, disputas e dinâmicas estabelecidas pelos agentes sociais e políticos de cada regime.

FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

Para Tilly (2006Tilly, Charles. Regimes and Repertoires. Chicago: University of Chicago Press, 2006.), um regime político é feito de interações regulares e sistemáticas, situadas em tempo e espaço específicos, entre os distintos agentes políticos presentes em uma sociedade. A forma pela qual será exercida a vontade política, bem como a seleção da classe dirigente e seus valores influenciam os interesses dos atores sociais e geram estabilidade no acesso às instituições por meio de oportunidades de participação para determinados grupos em detrimento de outros (Levi, 1998Levi, Lucio. “Regimes políticos”. In: Bobbio, Norberto; Pasquino, Gianfranco; Matteuci, Nicola (orgs.). Dicionário de política. 11. ed. Brasília: Editora UnB, 1998, pp. 1.081-4.). Na mesma direção, Tarrow (2011Tarrow, Sidney. Power in Movement: Social Movements and Contentious Politics. 3. ed. Cambridge: Cambridge University Press , 2011., p. 161) argumenta que “regimes consistem em interações regulares entre governos, atores políticos estabelecidos, desafiantes, e outsiders, incluindo outros governos. Uma mudança de regime insere novos atores nessas relações, reduz o poder dos membros do regime ou impõe novas relações entre eles”.

Em relação aos períodos aqui delimitados, já existe um amplo consenso historiográfico de que, na República de 1946, tivemos o primeiro experimento democrático de maior consistência, com ampliação da população votante e alternância entre elites de partidos com diferenças entre si. Por outro lado, a ditadura militar se construiu como um regime autoritário, iniciado por um golpe de Estado realizado por um grupo de militares que acabou com as eleições diretas para presidente, governadores e prefeitos, fechou os partidos preexistentes e estruturou um sistema bipartidário, cassando e perseguindo as principais lideranças de oposição.

O empenho deste artigo reside em entender e comparar, nesses dois regimes, a ocorrência de determinadas interações entre Estado e sociedade civil, tendo por base a agenda de pesquisa internacional que se disseminou nos últimos anos (McAdam et al., 2001McAdam, Doug; Tarrow, Sidney; Tilly, Charles. Dynamics of contention. Cambridge: Cambridge University Press, 2001.; Skocpol, 2003Skocpol, Theda. Diminished Democracy: From Membership to Management in American Civic Life. Norman: University of Oklahoma Press, 2003.; Tilly, 2006Tilly, Charles. Regimes and Repertoires. Chicago: University of Chicago Press, 2006.) e pretendendo observar os aspectos processuais e relacionais que configuram as dinâmicas socioestatais. Embora sob enfoques diversificados, essa perspectiva encontrou terreno profícuo no Brasil (Lüchmann, 2016Lüchmann, Lígia Helena Hans. Associativismo e democracia: um estudo em Florianópolis. Florianópolis: Ed. UFSC, 2016.; Lavalle et al., 2019_______; Carlos, Euzeneia; Dowbor, Monika; Szwako, José. “Movimentos sociais, institucionalização e domínios de agência”. In: Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2019, pp. 21-86.), uma vez que a redemocratização ampliou as possibilidades de ação dos movimentos sociais e organizações da sociedade civil.

Para entender de forma relacional, interativa e endógena as relações socioestatais (Lavalle et al., 2019_______; Carlos, Euzeneia; Dowbor, Monika; Szwako, José. “Movimentos sociais, institucionalização e domínios de agência”. In: Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2019, pp. 21-86.), acreditamos que o conceito de encaixes2 2 Também cabe mencionar a importância do conceito de domínios de agência, que diz respeito ao conjunto de articulações horizontais e verticais de encaixes (Lavalle et al., 2019). Apesar de indicar caminhos frutíferos para o quadro geral da agenda com a qual dialogamos, sua utilização foge aos objetivos deste trabalho. pode ser útil, pois trata-se de “sedimentações institucionais de processos de interação socioestatal que ganham vida própria (artefatos: instrumentos, regras, leis, programas, instâncias, órgãos) e mediante as quais atores sociais são, em alguma medida, bem-sucedidos em dirigir de modo contínuo a seletividade das instituições políticas ao seu favor, ampliando sua capacidade de agir” (idem, p. 47).

A utilização de tal conceito implica o reconhecimento da dinamicidade da análise, em detrimento de uma análise dicotômica, estática e unidirecional. As sedimentações institucionais analisadas, leis e decretos que distribuem benefícios para a sociedade civil, são vistas como processos históricos de interações entre atores políticos e sociais que possuem capacidade de influência recíproca e buscam reduzir a contingência em contextos de disputas por recursos sociais, econômicos e políticos. Dependentes das relações estabelecidas em cada regime político, esses encaixes ampliam a capacidade de ação e, uma vez feitos, podem se manter ou ser substituídos por outros encaixes (Lavalle et al., 2019_______; Carlos, Euzeneia; Dowbor, Monika; Szwako, José. “Movimentos sociais, institucionalização e domínios de agência”. In: Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2019, pp. 21-86.). Nesse sentido, procuramos mostrar como essas alterações ocorrem ao longo do tempo, em favor ora de determinadas associações, ora de outras.

Além disso, é importante entendermos a polissemia do conceito de associação, que conforma uma infinidade de práticas e organizações diferentes entre si e atua, prioritariamente, no âmbito da sociedade civil (Warren, 2001Warren, Mark. Democracy and Association. Princeton: Princeton University Press, 2001.). Mark Warren (2001Warren, Mark. Democracy and Association. Princeton: Princeton University Press, 2001.), em obra seminal sobre o tema, argumenta que uma das definições teóricas mais comuns se dá a partir da amplitude das relações estabelecidas nas associações. Grupos menores, com objetivos mais restritos, como a família, são associações primárias. As associações intermediárias, ou secundárias, são compostas de grupos cívicos, esportivos, religiosos e culturais. Por sua vez, as associações terciárias são grupos de interesse político e econômico, mais abrangentes e hierárquicas. No entanto, Lüchmann (2016Lüchmann, Lígia Helena Hans. Associativismo e democracia: um estudo em Florianópolis. Florianópolis: Ed. UFSC, 2016.) sugere que a heterogeneidade e elasticidade dos formatos atualmente existentes extrapola as possíveis definições do conceito, e estas acabam por variar de acordo com as diferentes correntes teóricas.

Sem perder de vista essa complexidade, mas procurando definir os tipos de organizações que aqui serão analisados, cabe destacar que, do ponto de vista jurídico, o Código Civil Brasileiro de 2004, no artigo 53, apresenta uma concepção minimalista, na qual “constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos”. Essa concepção exclui os grupos informais e os movimentos sociais, por exemplo (Lüchmann, 2016Lüchmann, Lígia Helena Hans. Associativismo e democracia: um estudo em Florianópolis. Florianópolis: Ed. UFSC, 2016.). Ao mesmo tempo, para historicizar nosso conceito e evitar anacronismos, cabe destacar que o Código Civil de 1916 caracterizava as pessoas de direito jurídico privado, no artigo 1.363, da seguinte forma: “Celebram contrato de sociedade as pessoas que mutualmente se obrigam a combinar seus esforços ou recursos para lograr fins comuns”. Já no artigo 16, parágrafo I, tínhamos a caracterização das pessoas jurídicas de direito privado como “sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, as associações de utilidade pública e as fundações”.

Assim sendo, os tipos de organizações que buscamos analisar são aquelas passíveis de receber subvenções, ou seja, pessoas de direito privado constituídas a partir do Código Civil de 1916, registradas em cartório, reunidas sem objetivo de lucro e diferenciadas de outros formatos organizativos, como partidos, empresas privadas, grupos informais e movimentos sociais.

Para conectar a análise dos regimes políticos e da sociedade civil em uma perspectiva empírica que seja significativa para os estudos nacionais, montamos um banco de dados composto de 1.300 leis e decretos, com menção a 7 mil associações, que analisamos por estatística descritiva. Delimitamos o período de análise de 1946 a 1988, porque no primeiro houve a reabertura da Câmara Municipal e no segundo encerrou-se definitivamente a ditadura militar, com a promulgação da nova Constituição.

Dada a necessidade de entender as especificidades desse amplo conjunto de associações e a impossibilidade de consultar todos os seus estatutos, realizamos uma categorização de acordo com suas nomenclaturas, adaptando o modelo do IBGE para seis tipos de associações: assistenciais; educacionais e de pesquisa; culturais; desenvolvimento de direitos; econômicas e profissionais; religiosas.3 3 Em relação ao modelo do IBGE, retiramos as categorias “saúde”, que foi vinculada a “assistenciais”; “meio ambiente”, que foi unida a “direitos”; e “habitação”, que esteve ausente de nossa pesquisa. As agregações se justificam pela baixa presença dessas categorias no banco de dados e pela proximidade em relação aos temas de assistência e desenvolvimento de direitos. As que não explicitavam claramente sua área de atuação na titulação foram retiradas da base e definidas como “outras”, para estudos futuros. Além dessa limitação metodológica, também destacamos a impossibilidade de entender a multifocalidade (Lüchmann, 2016) das associações estudadas. Embora não sejam imunes a críticas, os levantamentos do IBGE figuram como um dos principais modelos para análise do associativismo formal e influenciaram diferentes pesquisas realizadas no território nacional (Silva, 2007Silva, Marcelo Kunrath. Mapa do associativismo em Porto Alegre. Porto Alegre: OBSERVAPOA, 2007.; Lüchmann, 2016Lüchmann, Lígia Helena Hans. Associativismo e democracia: um estudo em Florianópolis. Florianópolis: Ed. UFSC, 2016.).

A escolha da cidade de Porto Alegre como caso a ser investigado justifica-se por sua centralidade nos debates sobre sociedade civil e participação política (Avritzer, 2008Avritzer, Leonardo. “Instituições participativas e desenho institucional: algumas considerações sobre a variação da participação no Brasil democrático”. Opinião Pública, 2008, v. 14, pp. 43-64.), insuficiência e fragilidade das análises empíricas (Silva, 2007Silva, Marcelo Kunrath. Mapa do associativismo em Porto Alegre. Porto Alegre: OBSERVAPOA, 2007.), disponibilidade de acesso e tratamento de dados por sistema integrado, mas, sobretudo, pelo conhecimento prévio possibilitado por estudos realizados em outros trabalhos (Locks, 2016Locks, Pompilio. Regimes políticos e ação coletiva: um estudo sobre o associativismo em Porto Alegre (1930-2012). Tese (doutorado em ciência política). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2016.). Porto Alegre atraiu os holofotes da literatura acadêmica nacional especialmente pelos dezesseis anos de governo do Partido dos Trabalhadores (PT), pelo Orçamento Participativo (OP) e pelos três anos consecutivos em que sediou o Fórum Social Mundial. Dentre as principais explicações de sua excepcionalidade, destaca-se “a existência de uma forte tradição de organização da sociedade civil, em particular dos movimentos comunitários ainda nos anos cinquenta do século XX” (Avritzer, 2008Avritzer, Leonardo. “Instituições participativas e desenho institucional: algumas considerações sobre a variação da participação no Brasil democrático”. Opinião Pública, 2008, v. 14, pp. 43-64., p. 47). Além disso, os poucos estudos empíricos que se debruçaram sobre o tecido associativo da cidade, como os de Silva (2007Silva, Marcelo Kunrath. Mapa do associativismo em Porto Alegre. Porto Alegre: OBSERVAPOA, 2007.) e Costa (2004Costa, Beatriz Morem. Capital social e organizações do terceiro setor em Porto Alegre. Tese (doutorado em ciências sociais). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2004.), observaram a prefeitura municipal como principal fonte de recursos das organizações.

Tendo em vista a importância dessa relação, consideramos necessário o aprofundamento de investigações, pois ainda “não dispomos de diagnósticos de conjunto satisfatórios sobre as transformações ocorridas nas últimas décadas quanto aos padrões de interação entre Estado e sociedade civil” (Lavalle; Szwako, 2015Lavalle, Adrian Gurza; Szwako, José. “Sociedade civil, Estado e autonomia: argumentos, contra-argumentos e avanços no debate”. Opinião Pública, 2015, v. 21, n. 1, pp. 157-87., p. 27). Nesse sentido, este trabalho busca suprir uma lacuna e, ao mesmo tempo, oferecer uma visão das mudanças e permanências da sociedade civil em um período até agora menosprezado nas pesquisas nacionais. Aproveitando a gradual liberação e informatização dos bancos de dados públicos, bem como a necessidade de sua interpretação cuidadosa e parcimoniosa, nosso artigo procura refletir como as interações pregressas podem conformar as relações entre o Estado e a sociedade civil.

A EXPERIÊNCIA DA REPÚBLICA DE 1946: CONSTRUINDO AS RELAÇÕES

Foi durante a era Vargas (1930-45) que a política de subvenções começou a se estabelecer de forma estruturada em nosso país (Souza, 2019Souza, Fabíola Amaral Tomé. “Gangsters da caridade”: sistema político subvencional brasileiro e a manutenção de formação de clientela eleitoral no período de 1946 a 1964. Tese (doutorado em história). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2019.). A Caixa de Subvenções, criada em 1931, destinava-se ao financiamento de associações religiosas de caridade: ela “incentivaria e impulsionaria formas embrionárias de um nonprofit setor” (Gonçalves, 2011Gonçalves, Marcos. “Caridade, abre as asas sobre nós: política de subvenções do governo Vargas entre 1931 e 1937”. Varia História, 2011, v. 27, n. 45, pp. 317-36., p. 326). No entanto, no caso aqui analisado, somente em 1946 a Câmara Municipal de Vereadores de Porto Alegre foi reaberta e deu início à produção de leis e decretos com menção às entidades da sociedade civil.

Segundo os dados que coletamos no Sirel, de 1946 a 1963, foram realizados 550 atos relativos às entidades privadas, uma média de 30,5 atos/ano, dos quais 19% são decretos e 81% leis municipais.4 4 Encontramos 810 registros referentes a “entidade”, de 1o de janeiro de 1946 até 1o de janeiro de 1964. Esses registros foram filtrados, de modo que chegamos ao número final de 550 registros. O conteúdo, em sua maior parte, diz respeito à concessão de auxílios financeiros e doação de imóveis da prefeitura para funcionar como sede das entidades privadas (63%). No entanto, nesse período também aparecem outros tipos de atos, como isenções de dívidas e impostos (19%) ou concessões de títulos de utilidade pública (15%).5 5 Os 3% restantes dizem respeito a outros tipos de ações, como a devolução de imóveis à prefeitura, ou ações cujas associações não foram especificadas. Com isso, podemos dizer que, já nos anos iniciais da República de 1946, havia uma diversidade de associações em contato com as instituições governamentais, como podemos ver no Gráfico 1.

Gráfico 1
Série histórica de leis e decretos referentes às associações (1946-63)

O Gráfico 1 nos mostra, entre 1952 e 1953, um pico no número de leis e decretos, justamente nos anos iniciais do mandato do primeiro prefeito eleito no novo ambiente democrático, Ildo Meneghetti, do Partido Social Democrático (PSD). Essa agremiação fazia parte do quadro multipartidário montado pela Constituição de 1946 e era composta especialmente de políticos, burocratas, proprietários de terras e industriais beneficiados pelo Estado Novo (Souza, 1976Souza, Maria do Carmo Campello de. Estado e partidos políticos no Brasil (1930 a 1964). São Paulo: Alfa Omega, 1976.). Anos antes, em 1947, o PSD já havia vencido a eleição para o executivo estadual, com Walter Jobim, que participou da revolução de 1930 e teve cargos importantes no Estado Novo (1937-46). Dessa forma, com o PSD instalado no governo estadual desde a transição, os resultados das primeiras eleições democráticas dão indícios da eficácia da organização e da utilização da máquina estatal pelo partido:

O Partido Social Democrata (PSD) foi constituído em torno de prefeitos e interventores e se beneficiou dos recursos para patronagem à disposição para as administrações estaduais e municipais. Além dos interventores, todas as figuras mais importantes do Estado Novo participaram de sua criação. ( Nunes, 1997 Nunes, Edson. A gramática política do Brasil: clientelismo e insulamento burocrático. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. , p. 69)

Em paralelo, é importante destacar que muitos desses atos eram destinados a um conjunto maior de associações: nos 550 atos catalogados foram mencionadas cerca de 1.440 associações. A sistematização dessas informações, feita no Gráfico 2, deixa claro que entre 1950 e 1954 ocorreu um pico no número de associações que recebiam auxílios do poder público.

Gráfico 2
Série histórica anual das associações presentes em leis e decretos (1946-63)

Os dois gráficos anteriores corroboram essa intensificação das relações entre o governo e a sociedade civil mediante concessão de auxílios, isenções e títulos de utilidade pública no período de 1950 a 1954. Como as instituições municipais estavam começando a se organizar, os dados constatam que o PSD aproveitou o fato de estar no poder desde o Estado Novo, e ter a máquina estatal a sua disposição, para se construir como um partido importante no ambiente democrático (Noll; Passos, 1996Noll, Maria Isabel; Passos, Manoel Caetano. “Eleições municipais em Porto Alegre (1947-1992)”. Cadernos de Ciência Política, 1996, n. 4, pp. 1-68.). Ou seja, é um partido que nasceu no regime anterior com “um estoque de recursos para patronagem” (Nunes, 1997Nunes, Edson. A gramática política do Brasil: clientelismo e insulamento burocrático. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1997., p. 69).

Simultaneamente, com a redemocratização começaram a surgir regulações sobre os auxílios e benefícios concedidos pelo município, mesmo que, no quadro federal, houvesse a existência de “poucos dispositivos legais sobre o assunto, um corpus jurídico escasso sobre uma matéria importante” (Souza, 2019Souza, Fabíola Amaral Tomé. “Gangsters da caridade”: sistema político subvencional brasileiro e a manutenção de formação de clientela eleitoral no período de 1946 a 1964. Tese (doutorado em história). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2019., p. 211). Por exemplo, embasada na lei federal n. 91/1935Brasil. Lei n. 91, de 28 de agosto de 1935. Determina as regras pelas quais são as sociedades declaradas de utilidade pública. Diário Oficial da União, 1935., foi instituída em 1948 a lei municipal n. 93, que regulamentou os procedimentos para a concessão de títulos de utilidade pública, exigindo atestado fornecido pela polícia estadual de que a entidade trabalhava pela coletividade. Já a lei n. 99, do mesmo ano, regulamentou a cooperação do município com “entidades privadas, assistenciais ou culturais, para auxiliar a realização de seus objetivos”, obrigou que as associações se registrassem na municipalidade e impôs, no artigo 8, que “os auxílios ou a subvenção deverá ser requerida ao Prefeito Municipal”, denotando o alto grau de pessoalidade entre os dirigentes associativos e os agentes políticos da época. Ao mesmo tempo, as entidades tinham de cumprir requisitos como apresentar registro legal, ter cargos de diretoria não remunerados, demonstrar sentido social, não possuir recursos próprios suficientes, dispor de patrimônio e renda regular, apresentar o balanço das contas do último exercício, indicar o destino do benefício e aceitar por meio de declaração a fiscalização do município.

Ainda assim, a aplicação dessas normativas não se deu de forma tão rápida, pois não estava claro nas leis de 1948 como as entidades deveriam proceder para receber auxílios ou serem declaradas de utilidade pública. Por conta disso, os decretos n. 396_______. Decreto n. 396, de 17 de janeiro de 1949. Regulamenta a Lei n. 93. Prefeitura Municipal de Porto Alegre. e n. 397_______. Decreto n. 397, de 17 de janeiro de 1949. Regulamenta a Lei n. 99. Prefeitura Municipal de Porto Alegre., ambos de 1949, estabeleceram as condições e os procedimentos necessários de inscrição no registro da municipalidade e determinaram que os auxílios deveriam ser requeridos no primeiro trimestre de cada ano, de modo que somente a partir de 1950 essas leis tiveram efeitos e beneficiaram uma primeira grande leva de associações. Ou seja, nesse primeiro momento os agentes políticos e sociais buscaram construir o marco legal e institucional das relações entre a sociedade civil e o Estado em Porto Alegre. Ao analisar as subvenções no nível federal, Souza (2019Souza, Fabíola Amaral Tomé. “Gangsters da caridade”: sistema político subvencional brasileiro e a manutenção de formação de clientela eleitoral no período de 1946 a 1964. Tese (doutorado em história). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2019.) detalha como, a partir de 1946, se deu o surgimento de um “sistema político subvencional” que envolvia políticos, juristas e líderes de associações motivados pelo acesso aos recursos governamentais; mostra também como a mídia da época divulgava os ilícitos nas concessões.

No caso de Porto Alegre, o regramento inicial de 1948 se atualizou somente com a lei n. 1.901/1958_______. Lei n. 1.901, 11 de dezembro de 1958. Dispõe sobre a cooperação do município com entidades privadas para fins de assistência e dá outras providências. Prefeitura Municipal de Porto Alegre., que dispõe “sobre a cooperação do município com entidades privadas, para fins de assistência, e dá outras providências”. Curiosamente, as mudanças afrouxaram o controle legal, pois, com a nova lei, somente os repasses superiores a 100 mil cruzeiros necessitariam da entrega de balanços financeiros, da indicação do destino do benefício e de um “relatório circunstanciado dos serviços prestados a Coletividade” (art. n. 7). Ao mesmo tempo, o que se definia como simples fiscalização municipal, de acordo com a lei de 1948, foi modificado por uma sindicância, a ser realizada pela Secretaria Municipal de Educação e Assistência Social de Porto Alegre. Entendemos que investigações mais aprofundadas sobre esses mecanismos de fiscalização indicariam caminhos frutíferos, posto que, no nível nacional, “a outorga das subvenções caracterizava uma prática que envolvia dois aspectos do clientelismo, sendo eles a troca de favores em troca de votos e apoio político, assim como favores como forma de suprimento de necessidades básicas não garantidas pelo Estado” (Souza, 2019Souza, Fabíola Amaral Tomé. “Gangsters da caridade”: sistema político subvencional brasileiro e a manutenção de formação de clientela eleitoral no período de 1946 a 1964. Tese (doutorado em história). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2019., p. 71).

Exemplar nesse sentido é a possibilidade aberta pela lei n. 1.901/1985, que permitia aos vereadores destinar verbas específicas a entidades por eles selecionadas. Desse modo, no artigo 6 do “Plano de auxílios, prêmios e subvenções para 1959” estabeleceu-se que a “dotação de 2.100.000,00 (dois milhões e cem mil cruzeiros), destinada aos vereadores, será distribuída de acordo com a legislação em vigor e regulamento a ser elaborado”.6 6 A última menção legal que encontramos ao auxílio dos vereadores é a lei n. 6.532/990, artigo 5. De acordo com nossa pesquisa, esse instituto era regulado pela Resolução n. 367, de 1959, cujo artigo 3 informava: “Anualmente, até 31 de maio, os vereadores devem encaminhar à mesa a relação de entidades beneficiadas com a especificação dos auxílios”. Entendemos essa legislação como um dos “encaixes” que foram construídos ao longo do período, pois ilustra o caráter endógeno da interdependência. Ao estabelecer institucionalidade possibilitando a concessão de recursos às associações e, sobretudo, ao autorizar os agentes políticos eleitos a escolher quais associações seriam beneficiadas, podemos ver como as instituições afetaram e também reverberam os interesses da sociedade civil no período.

Quando analisamos os diferentes tipos de associações em contato com o regime, podemos ver, por meio do Gráfico 3, que a maioria das ações governamentais foi direcionada para as associações culturais. Em sua maior parte, trata-se de clubes, agremiações e sociedades esportivas e recreativas que, além de ser o tipo de associação mais criado durante todo o século XX na cidade (Locks, 2016Locks, Pompilio. Regimes políticos e ação coletiva: um estudo sobre o associativismo em Porto Alegre (1930-2012). Tese (doutorado em ciência política). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2016.), eram os mais visados pelas elites políticas estaduais (Amaral, 2005Amaral, Sandra Maria do. O teatro do poder: as elites políticas no Rio Grande do Sul na vigência do Estado Novo. Tese (doutorado em história). Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2005.).7 7 Em sua tese de doutorado sobre as elites gaúchas na era Vargas, Sandra Amaral (2005, p. 99) afirma que, “com relação à participação dos integrantes da elite política em entidades, tivemos a proeminência, em todas as três elites políticas, de uma maior participação em entidades com atividades de cunho cultural”. A autora ainda constatou que “a vinculação com as atividades culturais foi de grande preocupação das elites políticas rio-grandenses que atuaram de 1930 até 1947”. Sua importância foi reconhecida pela própria legislação municipal, cujo artigo 13, da lei n. 99/1949, assegurava que, à exceção das demais, “as entidades culturais são isentas, em caráter de subvenção e a juízo da Municipalidade, do pagamento de qualquer imposto”.

Gráfico 3
Leis e decretos por tipos de associações (1946-63)

É importante destacar que as associações educacionais, juntamente com as assistenciais, também tiveram importância e foram amplamente acionadas pelo poder público. Aliás, os planos de auxílio e subvenção elaborados anualmente pelas autoridades possuíam artigos que tratavam especificamente das entidades assistenciais, culturais e educacionais, que, juntas, somam 69% do total dos atos do período. Por outro lado, as relações com as associações econômicas, religiosas e de direitos correspondem a apenas 31% dos atos. A explicação para essas diferenças pode ser um tema profícuo para pesquisas qualitativas futuras: abrir a caixa-preta das leis e decretos nos permitiria observar as práticas por trás das subvenções, auxílios e títulos de utilidade pública. Como veremos nas próximas linhas, esse complexo quadro de relações montado durante os anos democráticos seria significativamente alterado com o advento da ditadura militar.

A SOCIEDADE CIVIL NA DITADURA MILITAR: A PROFUSÃO DAS RELAÇÕES

Na conclusão de seu trabalho, Souza (2019Souza, Fabíola Amaral Tomé. “Gangsters da caridade”: sistema político subvencional brasileiro e a manutenção de formação de clientela eleitoral no período de 1946 a 1964. Tese (doutorado em história). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2019., p. 220) assinala que o “estudo sobre subvenções sociais propicia um caminho em que várias questões podem ser levantadas”, dentre as quais: “como funcionava a logística de doações de subvenções sociais durante o período da ditadura civil-militar, se havia interesse de um grupo específico nessas doações”. Nessa direção, ao analisarmos o campo associativo durante a ditadura militar, percebemos o crescimento da estrutura jurídica nos níveis municipal e federal, com o objetivo de uma maior regulação dos auxílios concedidos. Logo antes do golpe militar, foi promulgada a “Lei do Orçamento” (n. 4.320/1964_______. Lei Federal n. 4.320, de 17 de março de 1964. Estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Diário Oficial da União, 1964.), ainda hoje em vigor, que indica que as subvenções sociais deveriam ser concedidas “sempre que a suplementação de recursos de origem privada aplicados a esses objetivos revelar-se mais econômica” (art. 16). Nessa mesma lei (art. 12), temos uma consolidação da definição das subvenções:

Consideram-se subvenções, para os efeitos desta lei, as transferências destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas, distinguindo-se como:

i. subvenções sociais, as que se destinem a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa;

ii. subvenções econômicas, as que se destinem a empresas públicas ou privadas de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril.

Em 1966 foi promulgada a lei municipal n. 2.926_______. Lei Ordinária n. 2.926, de 12 de julho 1966. Estabelece as condições pelas quais são as sociedades declaradas de utilidade pública. Prefeitura Municipal de Porto Alegre., que definiu com maior precisão as regras para a concessão do título de utilidade pública, substituindo a lei municipal n. 93, de 1948. Além de outros requisitos,8 8 Para obter o título, as entidades precisavam ter personalidade jurídica, funcionar por mais de três anos, ter cargos não remunerados de diretores, servir desinteressadamente à coletividade, apresentar relatório de serviços prestados à comunidade, comunicar alteração nos estatutos e não alterar seus fins. a nova lei manteve a necessidade de apresentação de atestado de órgão policial, mas acrescentou a possibilidade de cassação do título pelo Ministério Público, caso a entidade exercesse atividades diversas de seus fins, algo de considerável valor para um regime autoritário. É importante destacar que a mesma lei ainda é válida para a concessão do título de utilidade pública no município.

Esse quadro legislativo, elaborado ao longo das décadas de 1950 e 1960, se refletiu em Porto Alegre, especificamente na Lei Orgânica Municipal (LOM) de 1970_______. Lei Orgânica do Município de Porto Alegre, 11 de dezembro de 1970. Câmara Municipal de Porto Alegre., cujo artigo 64 manteve a competência exclusiva do prefeito na concessão de auxílios, prêmios e subvenções, bem como a necessidade de aprovação da Câmara de Vereadores dada no “Plano de Distribuição de Auxílios e Subvenções” presente no orçamento. O artigo 100 da LOM define algumas áreas prioritárias, em similaridade com a lei federal: “O Município proporcionará assistência à maternidade, à infância e à adolescência, podendo para esses fins realizar convênios, inclusive com entidades assistenciais particulares”. O mesmo se dá no artigo 103: “O Município auxiliará as organizações beneficentes, culturais e desportivas amadoristas regulares”. Dessa forma, a própria legislação passa a direcionar a concessão de auxílios para as associações assistenciais, beneficentes e culturais, o que evidencia que os agentes políticos delimitaram estrategicamente o campo de oportunidades, de modo que “a construção de encaixes e sua ativação ao longo do tempo guarda relação com o desenvolvimento de capacidades organizacionais dos atores sociais, por exemplo, mediante complexificação organizacional” (Lavalle et al., 2019_______; Carlos, Euzeneia; Dowbor, Monika; Szwako, José. “Movimentos sociais, institucionalização e domínios de agência”. In: Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2019, pp. 21-86., p. 57).

A lei complementar n. 4.407/1978_______. Lei Complementar n. 4.407, de 12 de janeiro de 1978. Consolida a legislação municipal sobre a cooperação financeira do município com entidades privadas e dá outras providências. Prefeitura Municipal de Porto Alegre. modificou os requisitos para a solicitação dos auxílios, revogando toda a regulação anterior. A novidade foi o percentual de gratuidade que as entidades deveriam comprovar: “não possuir recursos próprios suficientes para a manutenção dos seus serviços ou atividades, comprovando a gratuidade de pelo menos 25% dos serviços prestados e/ou 50% com remuneração insuficiente” (art. 2). Como veremos, é provável que essa mudança tenha acarretado uma redução da cooperação em 1979, ano subsequente à sua promulgação. A partir desses fatores, podemos perceber a cumulatividade e a complexidade crescente que adquirem as interações entre Estado e sociedade civil aqui descritas e que, sem sombra de dúvida, merecem atenção especial em trabalhos futuros. Nossa análise, no entanto, indica que pouco mudou do ponto de vista do controle dos recursos, já que o artigo 13 determinou que as entidades prestassem contas à secretaria concedente, desobrigando-as de apresentá-las ao Tribunal de Contas ou à Câmara, como constava no regramento do início da década de 1970.

Levando em consideração esse cenário, coletamos 773 atos relativos às associações no período de 1964 a 1988,9 9 Encontramos, de 1o de janeiro de 1964 até 31 de dezembro de 1988, 1.039 registros referentes a “entidade”. Esses registros foram filtrados, de modo que chegamos ao número final de 773 registros para a construção do banco de dados. com uma média de 31 atos anuais. A maior parte se deu por meio de leis municipais (68%), enquanto a outra se fez por decretos (32%). Em comparação com a República de 1946, quando tivemos 81% de leis e 19% de decretos, houve um incremento na utilização destes últimos como forma de legislar em prol das associações. Esses dados corroboram o caráter autoritário do período, uma vez que os decretos não exigem apreciação legislativa e dependem da elaboração e aprovação exclusiva do Executivo, que na época era ocupado por interventores.

Sobre o conteúdo dessas ações, a grande maioria (67%) eram auxílios financeiros concedidos diretamente às associações. Do restante, 23% tornavam determinadas associações de utilidade pública, e 8% ofereciam isenções de impostos de alguma natureza.10 10 Os 2% restantes dizem respeito a outros tipos de ações, como a devolução de imóveis à prefeitura, ou atos em que não era especificado o nome das associações. Em comparação com o período anterior, percebemos um aumento das declarações de utilidade pública e uma diminuição das isenções, conforme podemos ver no Gráfico 4.

Gráfico 4
Comparação das finalidades das leis e decretos de Porto Alegre (1946-88)

O aumento de concessões de títulos de utilidade pública pode ser visto como um reflexo do reconhecimento das organizações da sociedade civil e um mecanismo direto de regulação de determinados tipos de benesses concedidas pelo Estado e de outorga de capacidades de ação que aumentam a competitividade das associações tituladas (Lavalle et al., 2017). No mesmo sentido, a queda no número de isenções se explica por sua institucionalização pelas leis da década de 1960 e 1970, que retiraram a necessidade do cumprimento dos ritos executivos e legislativos para o enquadramento. Dessa forma, os atores do regime criaram relações prevalentes, oferecendo oportunidades e previsibilidade nas interações com determinadas organizações, cujo status e importância as colocou em condições de barganhar titulação específica.

Da análise do período, obtivemos o montante de 4.935 entidades mencionadas nos 773 decretos e leis. Nesse sentido, se na República de 1946 uma média de 80 associações eram mencionadas por ano, na ditadura militar esse número saltou para 205, representando um aumento anual de aproximadamente 150%, como mostra o Gráfico 5.

Gráfico 5
Série histórica anual das associações presentes em leis e decretos (1946-88)

Por meio do gráfico, podemos ver como os encaixes criados no período articularam as relações, já que, por um lado, os atores públicos agiram no sentido de disponibilizar os recursos e, por outro, inúmeras associações se mobilizaram para obtê-los e desenvolver seus projetos. O primeiro pico do gráfico indica que o PSD já utilizava esses recursos nos anos iniciais da década de 1950, seguindo-se trocas de governos e certa tendência de queda, que foi revertida de 1960 até 1963, com um crescimento gradativo. Em 1964, essa tendência se ampliou e manteve-se em um patamar estável durante todo o regime militar, à exceção de 1979, quando apresenta uma queda brusca, após a promulgação da lei n. 4.407/1978_______. Lei Complementar n. 4.407, de 12 de janeiro de 1978. Consolida a legislação municipal sobre a cooperação financeira do município com entidades privadas e dá outras providências. Prefeitura Municipal de Porto Alegre., que, como dissemos anteriormente, estabeleceu regras mais rígidas para a concessão de recursos.

Comparativamente, a ditadura militar ampliou o número de associações em contato com o regime e criou novos encaixes, ou seja, remodelou a estrutura legal para o acesso aos recursos. O Gráfico 6, que especifica as características das associações beneficiadas, permite analisar com mais profundidade como a mudança nos regimes políticos alterou os pontos de contato com o tecido associativo.

Gráfico 6
Comparação das leis e decretos por tipos de associações (1946-1988)

Em primeiro lugar, destacamos a queda no vínculo estabelecido entre a administração municipal e as entidades culturais (de 32% para 20%), assim como as econômicas, que praticamente passaram a não ter mais nenhum vínculo com o governo (4%). Por outro lado, as associações assistenciais cresceram significativamente (18% para 25%) juntamente com as educacionais (de 19% para 29%), que se tornaram as mais visadas pelo poder público municipal. As associações religiosas e as de direitos mantiveram um patamar similar ao período anterior, com um leve crescimento.

Se o desafio é “documentar extensivamente as diversas modalidades de interdependência que ocorrem em diferentes interfaces socioestatais” (Lavalle; Szwako, 2015Lavalle, Adrian Gurza; Szwako, José. “Sociedade civil, Estado e autonomia: argumentos, contra-argumentos e avanços no debate”. Opinião Pública, 2015, v. 21, n. 1, pp. 157-87., p. 172), acreditamos que as análises apresentadas aqui mostram a existência de inúmeras interações entre regime e sociedade civil, naquilo que a literatura irá chamar de interdependência socioestatal, ou seja, “uma compreensão das mudanças de certos padrões de codeterminação à emergência e à cristalização de novos padrões de mútua determinação entre Estado e sociedade civil” (idem, p. 182).

Basicamente, no regime militar construíram-se novos encaixes que outorgaram suporte material e legitimidade sob a forma de subvenções, auxílios e concessão de títulos a associações educacionais e assistenciais (54%), em detrimento das culturais e econômicas, que foram as mais acionadas na República de 1946. Essa alteração na destinação dos recursos de modo que as associações assistenciais e educacionais gerassem serviços públicos é significativa diante da concorrência e das disputas inerentes a uma sociedade civil complexa como a observada. No entanto, nossa análise do período ainda deve ser pesada e contextualizada em função das limitações dos dados, por não levar em consideração as relações mais conflituosas entre o Estado e as organizações sindicais e culturais (Padrós; Fernandez, 2010Padrós, Enrique Serra; Fernandes, Ananda Simões. “Faz escuro, mas eu canto: os mecanismos repressivos e as lutas de resistência durante os ‘anos de chumbo’ no Rio Grande do Sul. In: Padrós, Enrique Serra; Barbosa, Vânia M.; Lopez, Vanessa Albuquerque; Fernandes, Ananda Simões (orgs.). A ditadura de segurança nacional no Rio Grande do Sul (1964-1985): história e memória. Porto Alegre: Corag, 2010, v. 2., pp. 33-48.), bem como pelo caráter embrionário das associações de desenvolvimento de direitos nas décadas de 1950 e 1960 (Brum, 2014Brum, Rosemary Fritsch. Uma casa nas costas: uma análise do movimento social urbano em Porto Alegre (1975-1982). Porto Alegre: Animal, 2014.).

Por fim, apesar da gradativa cumulatividade e complexidade dos instrumentos legais, os mecanismos regulatórios ainda eram incipientes, persistiam a requisição direta ao prefeito e a indicação de entidades por vereadores,11 11 De acordo com nossa pesquisa, somente a partir da década de 1990 começaram a surgir regulações mais detalhadas para o controle das subvenções. Em Porto Alegre, foi a partir do decreto n. 11.417/1996 que o Executivo Municipal impôs regras mais estritas para a realização de convênios, com o estabelecimento de metas, avaliação, prestação de contas e sanções em caso de irregularidades. Esse decreto se embasou na lei federal n. 8.666/1993, que dispunha sobre as licitações e os contratos da administração pública com o setor privado e buscava mudar um quadro anterior pouco responsivo de concessão de auxílios. encaixes de complexa análise que indicam o aspecto endógeno da mútua constituição (Lavalle; Szwako, 2015Lavalle, Adrian Gurza; Szwako, José. “Sociedade civil, Estado e autonomia: argumentos, contra-argumentos e avanços no debate”. Opinião Pública, 2015, v. 21, n. 1, pp. 157-87.), ou seja, a importância e a interdependência das relações entre as associações e os atores políticos no contexto estudado. Assim sendo, faz-se necessário um olhar cuidadoso para o passado que evite anacronismos e discuta constantemente os limites de conceitos como recursos para patronagem (Nunes, 1997Nunes, Edson. A gramática política do Brasil: clientelismo e insulamento burocrático. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.), práticas clientelistas (Abers, 1998Abers, Rebecca. “From Clientelism to Cooperation: Local Government, Participatory Policy and Civic Organizing in Porto Alegre, Brazil”. Politics and Society, 1998, v. 26, n. 4, pp. 511-37.; Souza, 2019Souza, Fabíola Amaral Tomé. “Gangsters da caridade”: sistema político subvencional brasileiro e a manutenção de formação de clientela eleitoral no período de 1946 a 1964. Tese (doutorado em história). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2019.) e autonomia (Avritzer, 2012_______ “Sociedade civil e Estado no Brasil: da autonomia à interdependência política”. Opinião Pública, 2012, v. 18, n. 2, pp. 383-98.). Tendo esse debate como pano de fundo e não como foco, ressaltamos que, ao analisar empírica e historicamente parte do amplo quadro de formas pelas quais se deram as relações entre o Estado e a sociedade civil, esta pesquisa também pode contribuir para uma reinterpretação de explicações outrora consolidadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora este trabalho aponte para um longo caminho ainda a explorar e documentar, um caminho aberto pela informatização de dados, nele buscamos entender as relações estabelecidas entre o governo e o tecido associativo da cidade de Porto Alegre sob a República de 1946 e a ditadura militar. Dentre nossas principais considerações, ressaltamos a significativa variação na quantidade de associações beneficiadas ao longo do tempo, com destaque para um incremento nos primeiros anos da República de 1946, seguido de uma queda e de uma nova alta durante toda a ditadura militar, com um crescimento anual de 150% em comparação com o período anterior. Sobretudo, em consonância com estudos recentes que têm ampliado nossa compreensão sobre aspectos históricos da sociedade civil brasileira, os dados revelam a existência de inúmeras e complexas interações entre regimes e sociedade civil, dificilmente compreendidas por diagnósticos normativos, estáticos ou totalizantes.

Em leitura relacional, e a partir do que a literatura denomina interdependência socioestatal (Lavalle; Szwako, 2015Lavalle, Adrian Gurza; Szwako, José. “Sociedade civil, Estado e autonomia: argumentos, contra-argumentos e avanços no debate”. Opinião Pública, 2015, v. 21, n. 1, pp. 157-87.), é importante ressaltar que, gradualmente, as associações ganharam legitimidade e ampliaram sua capacidade de ação. Esse fenômeno pode ser observado pelo aumento no número de títulos de utilidade pública concedidos pelo Legislativo, bem como pela institucionalização das isenções para determinadas categorias de entidades. Concomitantemente, as mudanças nos regimes políticos e a seletividade das instituições alteraram os encaixes, seus pontos de acesso e influência, estabilizando ao longo do tempo determinados padrões de interação. No caso aqui analisado, foram construídos encaixes que arquitetaram subvenções e, consecutivamente, capacidade de ação para as entidades privadas, sobretudo assistenciais e educacionais, em detrimento das associações culturais e econômicas.

Abre-se aqui uma frente interessante de pesquisa que pode auxiliar a crítica a certa literatura que enfatizou as associações de oposição à ditadura e negligenciou aquela parte da sociedade civil que interagiu, compactuou e se beneficiou das políticas do regime autoritário. Quando olhamos para o passado evitando os anacronismos, a discussão sobre os polos positivos e negativos se desfaz e dá espaço para a compreensão da complexidade das relações, suas continuidades e suas mudanças. A história, nesse caso, ilumina e nos mostra que os (des)caminhos de outrora ainda nos valem para a reflexão futura.

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  • Silva Jr., Adhemar Lourenço. As sociedades de socorros mútuos: estratégias privadas e públicas (estudo centrado no Rio Grande do Sul, Brasil, 1854-1940). Tese (doutorado em história). Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2004.
  • Skocpol, Theda. Diminished Democracy: From Membership to Management in American Civic Life. Norman: University of Oklahoma Press, 2003.
  • Souza, Fabíola Amaral Tomé. “Gangsters da caridade”: sistema político subvencional brasileiro e a manutenção de formação de clientela eleitoral no período de 1946 a 1964. Tese (doutorado em história). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2019.
  • Souza, Maria do Carmo Campello de. Estado e partidos políticos no Brasil (1930 a 1964). São Paulo: Alfa Omega, 1976.
  • Tarrow, Sidney. Power in Movement: Social Movements and Contentious Politics. 3. ed. Cambridge: Cambridge University Press , 2011.
  • Tilly, Charles. Regimes and Repertoires. Chicago: University of Chicago Press, 2006.
  • Warren, Mark. Democracy and Association. Princeton: Princeton University Press, 2001.

LEIS E DECRETOS CONSULTADOS

  • Brasil. Lei n. 91, de 28 de agosto de 1935. Determina as regras pelas quais são as sociedades declaradas de utilidade pública. Diário Oficial da União, 1935.
  • _______. Lei Federal n. 4.320, de 17 de março de 1964. Estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Diário Oficial da União, 1964.
  • _______. Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o Art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da União, 1993.
  • _______ Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, 11/01/2002.
  • _______. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.
  • Porto Alegre. Lei Ordinária n. 93, de 4 de agosto 1948. Estabelece condições para o reconhecimento de utilidade pública. Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
  • _______. Decreto n. 396, de 17 de janeiro de 1949. Regulamenta a Lei n. 93. Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
  • _______. Decreto n. 397, de 17 de janeiro de 1949. Regulamenta a Lei n. 99. Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
  • _______. Lei n. 99, de 18 de agosto de 1948. Regula a cooperação do Município com entidades privadas para fins de assistência social ou cultural. Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
  • _______. Lei n. 1.901, 11 de dezembro de 1958. Dispõe sobre a cooperação do município com entidades privadas para fins de assistência e dá outras providências. Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
  • _______. Lei n. 1.930, 31 de dezembro de 1958. Aprova o plano de auxílios, prêmios e subvenções para 1959. Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
  • _______. Lei Ordinária n. 2.926, de 12 de julho 1966. Estabelece as condições pelas quais são as sociedades declaradas de utilidade pública. Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
  • _______. Lei Orgânica do Município de Porto Alegre, 11 de dezembro de 1970. Câmara Municipal de Porto Alegre.
  • _______. Lei Complementar n. 4.407, de 12 de janeiro de 1978. Consolida a legislação municipal sobre a cooperação financeira do município com entidades privadas e dá outras providências. Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
  • _______. Lei Municipal n. 6.532, de 27 de dezembro de 1989. Aprova o plano de auxílios, prêmios e subvenções para o exercício de 1990 e dá outras providências. Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
  • _______. Lei Orgânica do Município de Porto Alegre, de 4 de abril de 1990. Câmara Municipal de Porto Alegre.
  • _______. Lei n. 6.770, de 28 de dezembro de 1990. Aprova o plano de auxílios, prêmios e subvenções para o exercício de 1991 e dá outras providências. Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
  • _______. Decreto n. 11.417, de 10 de janeiro de 1996. Dispõe sobre aplicação de recursos e prestação de contas dos convênios da administração direta e indireta do Município com entidades não governamentais e dá outras providências. Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
  • 1
    Essas informações estão disponíveis em: <http://www2.portoalegre.rs.gov.br/netahtml/sirel/avancada.html>. Acesso em: 28/8/2020.
  • 2
    Também cabe mencionar a importância do conceito de domínios de agência, que diz respeito ao conjunto de articulações horizontais e verticais de encaixes (Lavalle et al., 2019_______; Carlos, Euzeneia; Dowbor, Monika; Szwako, José. “Movimentos sociais, institucionalização e domínios de agência”. In: Movimentos sociais e institucionalização: políticas sociais, raça e gênero no Brasil pós-transição. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2019, pp. 21-86.). Apesar de indicar caminhos frutíferos para o quadro geral da agenda com a qual dialogamos, sua utilização foge aos objetivos deste trabalho.
  • 3
    Em relação ao modelo do IBGE, retiramos as categorias “saúde”, que foi vinculada a “assistenciais”; “meio ambiente”, que foi unida a “direitos”; e “habitação”, que esteve ausente de nossa pesquisa. As agregações se justificam pela baixa presença dessas categorias no banco de dados e pela proximidade em relação aos temas de assistência e desenvolvimento de direitos. As que não explicitavam claramente sua área de atuação na titulação foram retiradas da base e definidas como “outras”, para estudos futuros. Além dessa limitação metodológica, também destacamos a impossibilidade de entender a multifocalidade (Lüchmann, 2016Lüchmann, Lígia Helena Hans. Associativismo e democracia: um estudo em Florianópolis. Florianópolis: Ed. UFSC, 2016.) das associações estudadas.
  • 4
    Encontramos 810 registros referentes a “entidade”, de 1o de janeiro de 1946 até 1o de janeiro de 1964. Esses registros foram filtrados, de modo que chegamos ao número final de 550 registros.
  • 5
    Os 3% restantes dizem respeito a outros tipos de ações, como a devolução de imóveis à prefeitura, ou ações cujas associações não foram especificadas.
  • 6
    A última menção legal que encontramos ao auxílio dos vereadores é a lei n. 6.532/990, artigo 5.
  • 7
    Em sua tese de doutorado sobre as elites gaúchas na era Vargas, Sandra Amaral (2005Amaral, Sandra Maria do. O teatro do poder: as elites políticas no Rio Grande do Sul na vigência do Estado Novo. Tese (doutorado em história). Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2005., p. 99) afirma que, “com relação à participação dos integrantes da elite política em entidades, tivemos a proeminência, em todas as três elites políticas, de uma maior participação em entidades com atividades de cunho cultural”. A autora ainda constatou que “a vinculação com as atividades culturais foi de grande preocupação das elites políticas rio-grandenses que atuaram de 1930 até 1947”.
  • 8
    Para obter o título, as entidades precisavam ter personalidade jurídica, funcionar por mais de três anos, ter cargos não remunerados de diretores, servir desinteressadamente à coletividade, apresentar relatório de serviços prestados à comunidade, comunicar alteração nos estatutos e não alterar seus fins.
  • 9
    Encontramos, de 1o de janeiro de 1964 até 31 de dezembro de 1988, 1.039 registros referentes a “entidade”. Esses registros foram filtrados, de modo que chegamos ao número final de 773 registros para a construção do banco de dados.
  • 10
    Os 2% restantes dizem respeito a outros tipos de ações, como a devolução de imóveis à prefeitura, ou atos em que não era especificado o nome das associações.
  • 11
    De acordo com nossa pesquisa, somente a partir da década de 1990 começaram a surgir regulações mais detalhadas para o controle das subvenções. Em Porto Alegre, foi a partir do decreto n. 11.417/1996_______. Decreto n. 11.417, de 10 de janeiro de 1996. Dispõe sobre aplicação de recursos e prestação de contas dos convênios da administração direta e indireta do Município com entidades não governamentais e dá outras providências. Prefeitura Municipal de Porto Alegre. que o Executivo Municipal impôs regras mais estritas para a realização de convênios, com o estabelecimento de metas, avaliação, prestação de contas e sanções em caso de irregularidades. Esse decreto se embasou na lei federal n. 8.666/1993_______. Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o Art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da União, 1993., que dispunha sobre as licitações e os contratos da administração pública com o setor privado e buscava mudar um quadro anterior pouco responsivo de concessão de auxílios.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2019
  • Aceito
    27 Jul 2020
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