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LUCIO COSTA NA EUROPA: O papel dos acervos e a arquitetura brasileira

Lucio Costa in Europe: The Role of Collections and the Brazilian Architecture

RESUMO

Este artigo debate a importância dos acervos de arquitetura, tomando como base a doação do acervo do arquiteto Lucio Costa para a instituição portuguesa Casa da Arquitectura. Sublinha a contribuição de Lucio Costa para a formação cultural do país, localiza o papel estratégico dos acervos para a cultura ocidental e suas implicações para o Brasil, e apresenta alguns aspectos da relação da instituição brasileira com a arquitetura brasileira.

PALAVRAS-CHAVE:
arquivo; acervo; arquitetura; cultura; Lucio Costa

ABSTRACT

This article discusses the importance of architectural collections, based on the donation of the collection by architect Lucio Costa to the Casa da Arquitectura. It highlights Lucio Costa’s contribution to the country’s cultural formation; locates the strategic importance of collections for Western culture and its implications for Brazil; and presents some aspects of the relationship between the Brazilian institution and Brazilian architecture.

KEYWORDS:
collection; archive; architecture; culture; Lucio Costa

Um ano depois de ser noticiado que o arquiteto brasileiro Paulo Mendes da Rocha (1929-2021) havia doado seu acervo para a instituição portuguesa Casa da Arquitectura (Andrade, 2020Andrade, Sérgio C. “Paulo Mendes da Rocha doou o seu acervo à Casa da Arquitectura”. Público , 9/9/2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.publico.pt/2020/09/09/culturaipsilon/noticia/paulo-mendes-rocha-doou-acervo- casa-arquitectura-1931011 >. Acesso em: 27/12/2021.
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),1 1 A notícia suscitou diversas manifestações em jornais no Brasil. Ver: José Tavares Correia de Lira (2020), Hugo Segawa (2020) e Guilherme Wisnik (2020). os brasileiros receberam, em outubro de 2021, uma notícia de implicações ainda mais profundas: o acervo do arquiteto Lucio Costa (1902-1998) era a mais nova aquisição dessa mesma instituição (Angiolillo, 2021Angiolillo, Francesca. “Lucio Costa, pai de Brasília, tem acervo doado a Portugal ao lado de Paulo Mendes da Rocha”. Folha de S.Paulo, 19/10/2021. Disponível em: <Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2021/10/lucio-costa -pai-de-brasilia-tem-seu-acervo-doado-para-portugal.shtml >. Acesso em: 27/12/2021.
https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/...
; Salema, 2021Salema, Isabel. “Acervo de Lucio Costa, ‘pai’ de Brasília, foi doado a Portugal pela família”. Público , 19/10/2021. Disponível em: <Disponível em: https://www.publico.pt/2021/10/19/culturaipsilon/noticia/acervo-lucio-costa-pai-brasilia-doado-portugal-familia-1981650 >. Acesso em: 27/12/2021.
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). Se a primeira notícia causou polêmica, especialmente entre os arquitetos brasileiros, a segunda foi um golpe ainda maior.2 2 Para além das manifestações impressas, como os excelentes textos de Danilo Matoso (2021a; 2021b; 2021c), a reação dos brasileiros se deu essencialmente por canais não impressos, como a conta de Instagram Oscar Niemeyer Works, na qual se debateu a ilegalidade da doação dos documentos relativos ao concurso público do Plano Piloto de Brasília. Esse debate acarretou um acordo entre a Casa da Arquitectura e o Arquivo Público do Distrito Federal, que receberá arquivos digitais dos referidos documentos. Para tanto, ver Hellen Leite (2021). Doado pela família do arquiteto, foram transferidos para Portugal milhares de desenhos, croquis, documentos, cartas, livros, blocos de notas e fotografias. Trata-se, sem sombra de dúvida, de um conjunto excepcional e de importância estratégica para os brasileiros.

A complexidade do que representa essa última transferência não é fácil de se delinear. Exige uma avaliação comprometida. Antes de mais nada, é preciso reconhecer quem foi esse arquiteto, qual foi a sua contribuição para a nossa sociedade e por que essa doação nos atinge tão profundamente.

LUCIO COSTA, INTÉRPRETE DO BRASIL

Resumir a trajetória do arquiteto Lucio Costa num artigo é tarefa inglória e fadada ao fracasso, para aqueles que se lançarem nela. Reservo-me o direito de destacar questões muito pontuais de sua trajetória, e que fazem parte do cotidiano dos brasileiros, para que o leitor não familiarizado com a arquitetura compreenda do que e de quem estamos falando. Talvez a mais evidente e presente contribuição desse arquiteto em nosso cotidiano seja o plano da cidade de Brasília. Quando lemos ou ouvimos uma notícia, ou assistimos a uma matéria de telejornal sobre as decisões políticas dos três poderes, é essa a cidade que lhes dá palco. O Plano Piloto da capital do Brasil, no coração do Planalto Central, foi projetado pelo arquiteto Lucio Costa, após vencer o concurso lançado pelo então presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976) (Xavier; Katinsky, 2012Xavier, Alberto; Katinsky, Julio Roberto (orgs.). Brasília: antologia crítica. São Paulo: Cosac Naify, 2012.). Brasília, inaugurada em 1960, integra hoje a lista de Patrimônio da Humanidade da Unesco como realização singular de ideais urbanísticos debatidos ao longo dos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (Ciam).

Mas a obra de Lucio Costa tem laços ainda mais profundos com nossa sociedade. Basta reconhecer que o arquiteto participou ativamente da organização das matrizes culturais de nosso país, que, mesmo em processo de revisão,3 3 Um dos mais importantes artigos a revisar a política do Iphan, a partir dos anos 1980, é o do professor Paulo César Garcez Marins (2016). ainda hoje são compartilhadas. Foi a partir da gestão do ministro Gustavo Capanema, sob o governo do presidente Getulio Vargas, que o arquiteto participou, desde a primeira hora, das atividades do recém-criado Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (depois convertido em instituto), como diretor de Estudos e Tombamentos (Pessoa, 1999Pessoa, José Simões de Belmont. Lucio Costa: documentos de trabalho. Rio de Janeiro: Iphan, 1999.). Ou seja, quando pensamos no conjunto escultórico de Aleijadinho em Congonhas do Campo, no Museu da Inconfidência em Ouro Preto, na reluzente e dourada Igreja de São Francisco em Salvador, no conjunto dos Sete Povos das Missões no Rio Grande do Sul ou no Museu Nacional do Rio de Janeiro, estamos pensando em monumentos que passaram pelo crivo do arquiteto, como principal responsável pela determinação dos monumentos e edifícios que seriam preservados no país. Trata-se, afinal, de um patrimônio de Estado para o qual se procurou estabelecer uma unidade, a partir de artefatos e discursos convenientes à estruturação da modernização do país.

Mas foi também o arquiteto Lucio Costa o grande responsável por organizar uma linguagem plástica que tão bem caracterizaria o que viria a se chamar de arquitetura brasileira. Assim mesmo: “brasileira”, como se não pudesse haver outra e como se ela própria singularizasse os valores nacionais.4 4 Os debates sobre a natureza da arquitetura brasileira e sua vinculação com o Estado ressoam em diversos trabalhos entre o fim dos anos 1980 e os anos 2000, como o de Otavio Leonidio (2007). Estatuto compartilhado e atribuído a outras forças de expressão da cultura nacional, como as obras do compositor Heitor Villa-Lobos (1887-1959) ou do artista plástico Candido Portinari (1903-1972). É essa arquitetura que Lucio Costa foi capaz de organizar, uma arquitetura de Estado. E o arquiteto soube tão bem fazê-lo que foi ele o grande responsável por articular o passado colonial ao presente que se buscava projetar como moderno. Um moderno construído e comemorado. Com os tombamentos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) - o que pressupõe seleções, destruições e reconstruções (Andrade, 1993Andrade, Antônio Luiz Dias de. Um estado completo que pode jamais ter existido. Tese (doutorado em história da arquitetura). São Paulo: Universidade de São Paulo, 1993.; Costa, 2018Costa, Eduardo Augusto. Arquivo, poder, memória: Herman Hugo Graeser e o arquivo fotográfico do Iphan. São Paulo: Alameda, 2018.) -, o arquiteto estabeleceu os referenciais plásticos que tão bem viriam a ser mobilizados pela nova geração de arquitetos.

Talvez não tenha artigo mais eloquente dessa relação do que seu “Documentação necessária”, publicado em 1937, não por acaso, no primeiro número da Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Costa, 1937Costa, Lucio. “Documentação necessária”. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1937. pp. 31-40. Disponível em: <Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/RevPat01_m.pdf >. Acesso em: 27/12/2021.
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). Nesse artigo, ele explicita como a arquitetura colonial foi tomada - e preservada - por uma manifestação original do que viria a ser singularizado na modernidade. Destino implacável, incontornável e natural. Tudo projetado por Lucio Costa. Não foi por acaso que a arquitetura moderna brasileira tenha mobilizado para si aspectos como a azulejaria portuguesa, reinterpretada em painéis modernos projetados por Candido Portinari, como aqueles utilizados nos celebrados edifícios da Pampulha, em Belo Horizonte, ou por Athos Bulcão (1918-2008), para os palácios de Brasília. Do mesmo modo, os muxarabis, que foram incorporados à cultura portuguesa após a ocupação moura e trazidos para o Brasil com os primeiros colonizadores, foram interpretados como manifestações originais que se consolidariam em torno do brise-soleil, nos moldes do que vinha sendo utilizado pelo arquiteto suíço Le Corbusier - influência ímpar para a arquitetura brasileira.

Trata-se, afinal, de um esquema perfeito, ou de “boa tradição”, que de um lado desmantelava a proposta eugenista da Primeira República levada a cabo pelo presidente do Museu Histórico Nacional, Gustavo Barroso, e de outro projetava uma cultura mestiça e pretensamente acolhedora, como advogava Gilberto Freyre (1900-1987).5 5 Não é por acaso que a arquitetura brasileira, como também as proposições de Gilberto Freyre, foi tão bem recebida pela crítica internacional no pós-guerra (Schwarcz, 2006). A mesma mestiçagem que aparece como elemento qualificador da produção dos arquitetos modernos brasileiros, justamente a arquitetura que viria a ser celebrada internacionalmente, quando o mundo buscava a reconciliação pós-traumática da Segunda Guerra Mundial. Fato este que permite compreender que foi Oscar Niemeyer (1907-2012), grande estrela internacional da arquitetura brasileira e pupilo do professor e mestre Lucio Costa, quem veio a projetar a sede da Unesco em Nova York (1952), talvez o momento de maior projeção internacional da arquitetura brasileira. Enquanto contribuía decisivamente com o novo projeto social para o país, o esquema de Lucio Costa ganhava o mundo na pessoa de Niemeyer, contribuindo definitivamente com sua chancela no Brasil.

A contribuição de Lucio Costa, não por menos, é comparável à dos chamados intérpretes do Brasil, como a do historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) ou a do sociólogo Gilberto Freyre, que tratavam o arquiteto com igual respeito e admiração, como comprovam as cartas por eles trocadas. É certo que se pode dizer que a obra de Lucio Costa vai além da interpretação, já que a arquitetura tem como um de seus pressupostos construir, dar materialidade às ideias. Mas a contribuição teórica de Lucio Costa é, por certo, mais importante do que sua obra construída, o que se pode comprovar nas dezenas de textos escritos por ele, reunidos no fim de sua vida no livro Registro de uma vivência (Costa, 1997______. Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1997.). Nesse esforço, compreende-se seu empenho, em vida, para construir um legado interpretativo da cultura do país. Trata-se, afinal, de um patrimônio intelectual constitutivo da cultura brasileira, que foi deixado para a família, detentora de seu acervo até outubro de 2021. Há, portanto, uma dimensão projetiva em sua atuação, uma dimensão de futuro, já que é estruturante de uma perspectiva que se mantém ativa ainda hoje.

Ainda que caibam revisões a sua obra, como Lilia Schwarcz e Heloisa Starling (2018______; Starling, Heloisa Murgel (orgs.). Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.) vêm fazendo com os clássicos da formação do pensamento brasileiro, Lucio Costa é, sem dúvida alguma, um dos grandes nomes de nossa cultura, não devendo nada a Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa ou Mário de Andrade. Esse reconhecimento, porém, não se configura apenas naquilo que se constitui como patrimônio tombado pelo Iphan, como também não pode ser identificado apenas nos projetos construídos pelo arquiteto.6 6 Nesse caso, soma-se o fato de que Lucio Costa construiu pouco, apesar das manifestações singulares, como Brasília ou, no Rio de Janeiro, o Palácio Capanema. Tal distinção se encontra, justamente, nas articulações, diálogos e elaborações intelectuais orquestradas por Lucio Costa, algo que pode ser precariamente identificado nos artigos por ele publicados. Por outro lado, é justamente em seu acervo que se podem observar os processos constitutivos de suas elaborações mentais. Seus projetos, suas ideias, suas conversas, seus fracassos estão todos ali arquivados, nos moldes do que ele próprio desejou montar para si - como também sua família, responsável pela guarda do acervo por mais de duas décadas.

A saída desse acervo do país cria uma fissura nas possibilidades de enfrentamento qualificado da nossa sociedade com esse conjunto documental. Perde-se com esse evento uma potência não só de conhecimento da própria constituição de certas interpretações e articulações sociais mobilizadas pelas propostas de Lucio Costa, mas também de chaves interpretativas necessárias para a desmontagem desses mesmos paradigmas. Quantas ações engendradas por Lucio Costa não deixarão de ser reveladas com essa doação privada, e a que custo social? Quantos processos ou trabalhos, como aqueles elaborados desenhos produzidos por Lucio Costa em suas viagens a Portugal (Pessoa; Costa, 2013Pessoa, José; Costa, Maria Elisa (orgs.). Bloquinhos de Portugal: a arquitetura portuguesa no traço de Lucio Costa. Rio de Janeiro: Funarte, 2013.), não deixaremos de investigar e conhecer em detalhes, com esse distanciamento documental imposto com tal transação? A posse do acervo de um intérprete do Brasil é uma questão estratégica e de Estado.

AS CONDIÇÕES NO BRASIL

Se estamos falando de um intérprete da cultura brasileira e tão relevante arquiteto da nossa sociedade, como é possível conceber a saída do país desse acervo monumental e tão estrutural para nossa cultura? Se pensarmos novamente em Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre, por exemplo, vamos identificar que o acervo do primeiro está preservado na Universidade de Campinas7 7 Disponível em: <https://www.siarq.unicamp.br/sbh/acervo.html>. Acesso em: 27/12/2021. e o do segundo, em uma fundação homônima na cidade do Recife.8 8 Disponível em: <https://web.archive.org/web/20071009194434/http://www.fgf.org.br/>. Acesso em: 27/12/2021. Vale o mesmo para Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, Mário de Andrade e tantos outros.

O ensaio de uma resposta a essa pergunta está na fala da neta de Lucio Costa. Em vídeo divulgado pela Casa da Arquitectura, Julieta Sobral resume os dois principais motivos para a decisão da família:

Dois motivos foram os mais importantes para que a família resolvesse doar o acervo à Casa da Arquitectura: o primeiro deles é a infraestrutura de que a Casa da Arquitectura dispõe, a reserva técnica, a qualidade dos pesquisadores, toda a estrutura que permite armazenar a totalidade de um acervo muito grande, em condições perfeitas, o que no Brasil, infelizmente, a gente ainda não tem. O segundo motivo é que eu acho que você tem a Cité de l’Architecture [et du Patrimoine], a gente tem o MOMA, a gente tem o Beaubourg, mas, de fato, a Casa da Arquitectura está criando um acervo muito potente em relação à arquitetura brasileira, mas não só: o Lucio estar na Europa, num lugar como a Casa da Arquitectura, só contribui para que esse pensamento, tão importante, seja difundido para além do Brasil.9 9 Vídeo apresentado pela Casa da Arquitectura e intitulado “Espólio de Lucio Costa na Casa da Arquitectura”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=h3PhmAskiDA>. Acesso em: 27/12/2021.

Quem olha de fora do universo da arquivística brasileira pode ter a impressão de que estamos mesmo atrasados. O incêndio no Museu Nacional em setembro de 2018, no Rio de Janeiro, ou mesmo o que atingiu parte do acervo da Cinemateca Brasileira em julho de 2021, em São Paulo, e tantos outros que marcam a nossa história, denunciam uma situação precária, fruto de investimentos cada vez mais restritos na área. Revelam um desinteresse do Estado em fomentar a conservação e preservação de nosso patrimônio. Um desinteresse em seu próprio futuro. A área sofre também com a descontinuidade de políticas, com a chamada fuga de cérebros, mas é equivocado dizer que não temos estrutura, conhecimento ou recursos.

Quanto às instituições públicas, o Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP) conta com profissionais muito bem treinados, dispõe de infraestrutura de alta tecnologia, comparável à das melhores instituições internacionais. Não por menos, o IEB-USP recebeu recentemente o acervo do bibliófilo José Mindlin, a maior brasiliana do mundo, comprovando sua qualidade como instituição de guarda, numa das melhores universidades do país. A Faculdade de Arquitetura e Urbanismo dessa mesma universidade (FAU-USP) vem demonstrando que está comprometida com a questão, especificamente em torno da arquitetura. Professores e funcionários estão debruçados sobre esse acervo, sistematizando políticas, acolhendo pesquisas e apoiando iniciativas de divulgação e formação de público.10 10 Somente em 2021 foram publicados dois artigos científicos sobre o tema: um nos Anais do Museu Paulista (Lira et al., 2021) e outro no Brazilian Journal of Information Science (Brito; Costa; Velloso, 2021), além de um livro organizado por professores da FAU-USP (Castro; Carvalho e Silva; Costa, 2021).

Também não faltam exemplos de boas práticas em instituições privadas. O Instituto Moreira Salles e o Itaú Cultural, para citar duas das mais importantes e ativas instituições do país, contam com estruturas sofisticadas e trabalham com profissionais respeitados internacionalmente. É certo que se podem questionar os interesses dessas instituições, já que, no que se refere à arquitetura, da lista acima apenas a FAU-USP tem esse foco de atuação. É fato, contudo, que temos instituições reconhecidas e qualificadas, capazes de acolher acervos de grande complexidade.

No que se refere à infraestrutura disponível para a preservação do acervo do arquiteto Lucio Costa no Brasil, deve-se destacar algumas particularidades importantes. Danilo Matoso (2021aMatoso, Danilo. “Lucio Costa fora de casa: notas sobre o exílio e seu acervo”. O Partisano, 23/10/2021a. Disponível em: <Disponível em: https://opartisano.org/contracultura/lucio -costa-fora-de-casa-notas-sobre-o-exilio-de-seu-acervo/ >. Acesso em: 27/12/2021.
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) já esquadrinhou muitos desses aspectos, cabendo-me, aqui, apenas destacar algumas das particularidades por ele já levantadas.

Quando o arquiteto Lucio Costa faleceu, no ano de 1998, deixou um apartamento no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro, abarrotado de documentos. Nos poucos registros fotográficos aos quais temos acesso - já muito divulgados -, vê-se um acervo caótico, denunciando uma lógica de arquivamento própria e particular do arquiteto. Por certo, um material muito delicado de tratar, dadas as perdas potenciais que uma nova organização poderia provocar. Não se tem notícia das decisões de catalogação tomadas e quais seus impactos para a interpretação desse conjunto, mas é sabido que tal conjunto documental passou por uma profunda organização, catalogação e digitalização. Esse serviço foi realizado por meio de parceria entre a Casa de Lucio Costa - instituição formada pela família Costa e admiradores logo após o falecimento do arquiteto - e o Instituto Antônio Carlos Jobim, instituição privada gerida com recursos captados em empresas e leis de incentivo.

O Instituto Antônio Carlos Jobim iniciou suas atividades em 2001, buscando disponibilizar a obra poética e musical do maestro Antônio Carlos Jobim, como também a de outros artistas brasileiros. Ali estão preservados acervos como os de Dorival Caymmi, Chico Buarque, Gilberto Gil, Paulo Moura, Milton Nascimento e Marieta Severo. O espólio do arquiteto Lucio Costa integrava esse grupo e foi nesse contexto que pôde ser tratado e disponibilizado à população, ainda que com certas restrições11 11 Apesar das pesquisas, dos livros e das exposições promovidas pela Casa de Lucio Costa desde então, como bem destacou Matoso (2021a), foi somente no fim dos anos 2010, mais de uma década depois da morte do arquiteto, que se tornou público o conjunto de blocos de desenhos que o arquiteto realizou em suas viagens a Portugal. Até aquela data, apenas algumas folhas soltas estavam disponíveis no site, não sendo permitido o acesso ao conjunto documental. A relação da Casa de Lucio Costa com o Instituto Antônio Carlos Jobim, porém, foi encerrada após a reestruturação do instituto, realizada em 2019, inviabilizando economicamente a manutenção do acervo do arquiteto.

O fim desse vínculo provocou a doação do acervo para a Casa da Arquitectura, em Portugal, numa decisão tomada pela família sem qualquer manifestação pública ou divulgação das dificuldades por que vinha passando. A família fez uso de um direito privado, mas sem observar a estrutura disponível no país, a competência dos profissionais e, principalmente, a dimensão estratégica desse acervo para a nossa sociedade.

O NORTE GLOBAL E OS ACERVOS DE ARQUITETURA

Quanto ao segundo motivo apresentado por Julieta Sobral, a questão é complexa e merece uma reflexão alongada. Desde meados dos anos 1970, assistimos a uma mudança radical no sistema cultural do Ocidente. Houve uma transformação na estrutura econômica mundial desde o fim do pacto fordista (Botelho, 2008Botelho, Adriano. Do fordismo à produção flexível: o espaço da indústria num contexto de mudanças das estratégias de acumulação do capital. São Paulo: Annablume, 2008.), quando a cultura passou a ocupar um lugar importante na dinâmica política como ativo na atração de novos investimentos, mas também na estruturação de agendas locais com forte impacto na organização da dinâmica urbana. Desde então, não se trata mais de pensar a cultura como um lugar de estruturação de Estados nacionais, mas de mobilizá-la como uma commodity ativa tanto no sentido monetário quanto na proposição de agendas de impacto social (Canclini, 2015Canclini, Néstor Garcia. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2015.).

A França é um bom exemplo desse protagonismo da cultura. Sob o governo socialista de François Mitterrand (1981-95), os franceses comemoraram os duzentos anos da Queda da Bastilha (1789) com um evento apoteótico, televisionado mundialmente, no qual mais de 8 mil atores se apresentaram diante de autoridades de todo o mundo (entre eles, o presidente brasileiro José Sarney). Também houve a reforma do Louvre, quando foi construída a polêmica pirâmide de vidro, coroando uma nova fase (1989), e a inauguração do Musée d’Orsay (1986), do Parc de la Villette (1987) e da Opéra Bastille (1989).12 12 Apesar de Otília Arantes (2000) centrar sua reflexão na produção de construções e projetos urbanos, ao longo dos anos 1980 e 1990, seu trabalho não deixa de ser uma importante referência para a compreensão das políticas implementadas pela França naquele período. Se causou espanto o vultoso empenho da esquerda francesa na cultura, é preciso compreender que o protagonismo desta última já vinha se estruturando na França desde a inauguração do Beaubourg (Centro Cultural Georges Pompidou), em 1971.

A experiência do Beaubourg deu nitidez ao que vinha acontecendo nos anos anteriores com a cultura ocidental, em particular no campo da arquitetura. A criação de um Departamento de Arquitetura e a consolidação de um acervo de desenhos nessa instituição fizeram com que a comunidade internacional reconhecesse que os documentos de arquitetura eram ativos importantes para a transformação social que se impunha, especialmente no domínio do ambiente urbano. Aqui, é preciso identificar dois movimentos importantes que se entrelaçam nesse contexto.

Desde o início dos anos 1970, instituições como o MoMA passaram a se interessar pelos desenhos de arquitetura, representassem eles obras construídas ou não. O desenho do arquiteto emancipava-se da obra construída e, singularizado, passava a ser reconhecido como manifestação autônoma e de valor independente. Assim, se inicialmente o movimento se deu em função do reconhecimento desses documentos como obras de arte, mobilizando casas de leilão e colecionadores especializados, o que se viu a partir do fim daquela década foi o incremento desse entendimento (Kauffman, 2018Kauffman, Jordan. Drawing on Architecture: The Object of Lines, 1970-1990. Cambridge: The MIT Press, 2018.).

Esse segundo movimento reconhecia que os debates urbanos, como também o envolvimento da população, passavam por seu enfrentamento na esfera pública. Era preciso envolver a população, para que os novos projetos fossem debatidos ou encampados de forma mais orgânica. Foi assim que exposições e programas educacionais ganharam destaque, já que podiam mobilizar debates articulados, muitas vezes vinculados aos acervos institucionais (Figueiredo, 2016Figueiredo, Sergio M. The NAi Effect. Roterdã: nai010, 2016.). Afinal, acervos não são matéria inerte, mas um conhecimento sedimentado, uma potência, uma latência (Caraffa, 2011Caraffa, Constanza (org.). Photo Archives and the Photographic Memory of Art History. Berlim: Deutscher Kunstverlag, 2011.).

Essa transformação projetou novos sentidos para o papel do curador de arte e também do de exposições de arquitetura. Não se tratava mais de reunir obras dedicadas a uma temática ou período histórico, como se cuida de uma narrativa ou discurso preestabelecido em manuais ou livros de história. O fim do século xx viu surgir a figura de um curador que recorre à exposição como um dispositivo de proposição de debates e agenciamento de reflexões (Magalhães; Costa, 2021Magalhães, Ana Gonçalves; Costa, Helouise. “Breve história da curadoria de arte em museus”. Anais do Museu Paulista , v. 29, 2021. pp. 1-34. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/1982-02672021v29e15 >. Acesso em: 27/12/2021.
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). Não se expunha mais para apresentar algo previamente estruturado. A exposição passou a ser um dispositivo per se de reflexão, debate e construção, no qual o curador era o agente-chave.13 13 Aqui, destacam-se as obras de Paul O’Neill (2012) e Gail Anderson (2021). Foi diante dessa perspectiva que documentos e acervos ganharam destaque no circuito das artes e das ciências humanas, já que é a partir deles e no seu cruzamento com outros artefatos que se podem propor outras e novas agendas.14 14 O uso tanto de arquivos como de exposições pode ser identificado na trajetória do filósofo Georges Didi-Huberman (2013). No âmbito das artes, destaca-se a 11ª edição da Documenta de Kassel, que teve curadoria do nigeriano Okwui Enwezor e pavimentou o caminho para uma série de reflexões no mundo das artes, com publicações como a de Merewether (2007).

A arquitetura acompanhou essa mudança de dinâmica e, sob a influência da Nova História, ampliou o espectro de documentos mobilizados. Isso provocou uma necessária incursão nas mídias e na curadoria, afinal são ambas instrumentos inerentes às formas contemporâneas de pensar e agir na sociedade. José Lira (2021______; et al. “Acervos de arquitetura como espaço histórico de formação”. Anais do Museu Paulista, v. 29, 2021, pp. 1-31. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1982-02672021v29e53>. Acesso em: 27/12/2021.
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) apresentou um excelente relato sobre a formação de acervos em universidades do Norte global ao longo das últimas décadas do século xx, mas não se pode perder de vista que esse interesse pelos acervos e arquivos não é resultado apenas das mudanças nas atividades de ensino e pesquisa dos historiadores de arquitetura. É fruto da revisão historiográfica, que passou a considerar em seu espectro cartas, cadernos de anotações, livros, croquis, desenhos, fotografias e maquetes (Castro; Carvalho e Silva, 2016Castro, Ana Claudia Veiga de; Carvalho e Silva, Joana Mello de. “Dossiê Fazer História: o estatuto das fontes e o lugar dos acervos nas pesquisas de história de arquitetura e da cidade no Brasil”. Anais do Museu Paulista, v. 24, n. 3, 2016, pp. 11-8. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/1982-02672016v24n03do >. Acesso em: 27/12/2021.
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), mas também decorre da importância que a cultura visual assumiu na academia desde, ao menos, os anos 1980.15 15 Reflexões importantes produzidas por pesquisadores brasileiros podem ser acompanhadas em Iara Lis Franco Schiavinatto e Eduardo Augusto Costa (2016), e em Francisco Santiago Júnior (2019).

Das diversas iniciativas daquele momento, duas merecem destaque: a criação do Program in Media and Modernity, na Universidade de Princeton, sob a direção de Beatriz Colomina e Devin Fore;16 16 Disponível em: <https://man dm.princeton.edu/>. Acesso em: 27/12/2021. e do Department of Visual Cultures no Goldsmiths College (Universidade de Londres), que conta com um mestrado em arquitetura17 17 Disponível em: <https://www.gold.ac.uk/pg/ma-research-architecture/>. Acesso em: 27/12/2021. e deu nascimento a uma das mais proeminentes agências de arquitetura: o Forensic Architecture,18 18 Disponível em: <https://foren sic-architecture.org/>. Acesso em: 27/12/2021. coordenado por Eyal Weizman. Esse novo contexto foi responsável também pela emergência de dezenas de galerias dedicadas a arquitetura e bienais especializadas - um tema que ganhou projeção entre os historiadores da arquitetura na última década.19 19 Alguns exemplos de destaque são Thordis Arrhenius et al. (2014) e Léa-Catherine Szacka (2016). Tais evidências explicitam o fato de que não se trata mais de enquadrar a disciplina apenas em sua dimensão construtiva. A arquitetura passou a ser compreendida como uma cultura, na qual ter acesso e saber trabalhar com arquivos é determinante (Costa, 2021______. “Mudanças epistemológicas na arquitetura: entre arquivos, exposições e publicações”. Estudos Históricos, v. 34, n. 72, 2021, pp. 129-47. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S2178-149420210107>. Acesso em: 27/12/2021.
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).

A partir dessa nova conjuntura, países do chamado Norte global não se ocupam apenas em transformar as cidades com novos e espetaculares projetos, visando a atrair recursos financeiros, seja de empresas, seja de turistas. Por certo, essa é uma perspectiva que persiste no contexto atual, mas não é exclusiva. Novos projetos se concretizaram para estruturar instituições e museus de arquitetura como dispositivos de proposição e agenciamento de debates e políticas (Giral, 2009Giral, Angela. “International Confederation of Architectural Museums: A History”. Icam Print, v. 3, 2009, pp. 8-15. Disponível em: <Disponível em: https://icam-web.org/wp-content/downloads/icam-print-03.pdf >. Acesso em: 27/12/2021.
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). Exemplos relevantes não faltam, como o Canadian Centre for Architecture (CCA), criado em 1979; o Deutsches Architekturmuseum (DAM), criado em 1984; o Nederlands Architectuurinstituut (NAI), que foi inaugurado em 1993 e hoje integra o Het Nieuwe Instituut: Architectuur, Design en Digitale Cultuur, além de instituições mais antigas, como o próprio moma, que rapidamente se reestruturaram em função do novo contexto. É nessas instituições - e a partir de seus acervos - que se organizam hoje as principais agendas de debate da arquitetura - muitas vezes em parceria com universidades e mobilizando temas como moradia, mobilidade, governança, ativismo, participação e representação de minorias, reparação, crise ambiental e democracia urbana. Um bom exemplo é a exposição Reconstructions: Architecture and Blackness in America, realizada no moma em parceria com a Universidade Columbia (Anderson; Wilson, 2021Anderson, Sean; Wilson, Mabel O. (orgs.). Reconstructions: Architecture and Blackness in America. Nova York: MoMA, 2021.).

O reconhecimento do debate em torno da arquitetura como ativo inerente à organização das cidades nessa nova agenda político-econômica foi tamanho que não resultou apenas em aportes econômicos maciços por parte dos Estados, mas também na organização dos próprios arquitetos em torno de políticas compartilhadas e direcionadas aos acervos. Foi assim que surgiu em 1979 a International Confederation of Architectural Museums (Icam),20 20 Disponível em: <https://www.icam-web.org/>. Acesso em: 27/12/2021. responsável pela elaboração de protocolos direcionados à conservação e preservação de documentos, gestão de arquivos e coleções, formação profissional, organização de agendas articuladas entre pesquisa e ensino, agendas de exposição e sua relação com o público. O contexto também favoreceu o surgimento de ações correlatas, como a criação em 1988 do Comitê Internacional de Documentação e Preservação de Edifícios, Sítios e Unidades de Vizinhança do Movimento Moderno (Docomomo),21 21 Disponível em: <https://www.docomomo.com/>. Acesso em: 27/12/2021. este muito mais interessado na documentação diretamente associada a edifícios; e da Seção de Arquivos de Arquitetura (SAR),22 22 Disponível em: <https://www.ica.org/en/about-architectural-archives-sar>. Acesso em 27/12/2021. em 2000, no âmbito do Conselho Internacional de Arquivos (ICA), instituição independente apoiada pela Unesco.

A aquisição do acervo do arquiteto Lucio Costa pela Casa da Arquitectura deve ser compreendida nesse contexto. Se, por um lado, os documentos podem ser tratados como obras que têm um valor nesse mercado global, o que por si só justificaria o interesse pelo acervo, por outro, eles têm um papel importante na proposição de novas agendas. Esse acervo é muito valioso pelo que representa como memória do passado da arquitetura moderna, mas também como expressão da cultura brasileira, mas é igualmente muito valioso pelos debates que pode vir a gerar, um bem precioso para a estruturação de formas de pensar e agir nas cidades. Trata-se de uma commodity, um ativo cultural, com forte influência na transformação político-econômico das cidades, num momento em que se apresentam questões mais do que complexas, como as mudanças climáticas e a reparação a grupos oprimidos.

A aquisição do acervo do arquiteto Lucio Costa pela instituição portuguesa tira do Brasil a possibilidade de trabalhar com essa potência de natureza singular que a cultura assumiu na contemporaneidade para a estruturação social e econômica de um país. Não se trata de formas de divulgação da obra do arquiteto - como se estivéssemos falando de um passado cristalizado, à espera de ser acessado -, mas de formas de mobilização do acervo em prol de um debate público, um debate de futuro. E aqui vale reforçar que não estamos tratando da restrição ou impossibilidade apenas do trabalho de pesquisadores ou historiadores dedicados à arquitetura. O que se restringe é a possibilidade de atuação dos arquitetos e - talvez mais explicitamente esta -a possibilidade de protagonismo da arquitetura brasileira no contexto atual.

A INSTITUIÇÃO PORTUGUESA E A ARQUITETURA BRASILEIRA

A Casa da Arquitectura é uma instituição jovem, se considerarmos a história das instituições, museus e organizações ligadas aos acervos de arquitetura. Criada em 2007, foi pega no contrapé da crise financeira que se instalou no ano seguinte e acertou em cheio a economia portuguesa. Mas Portugal tem clareza do lugar da cultura no mundo contemporâneo, como também a União Europeia, que designou essa dimensão ao país no contexto europeu. São dezenas de novos museus criados nas últimas duas décadas em Portugal, entre os quais se destacam exemplos importantes surgidos no contexto da Exposição Mundial, realizada em 1998 em Lisboa. Além disso, Lisboa (1994), Porto (2001) e Guimarães (2012) foram sucessivamente designados como capital cultural da Europa.23 23 Podemos citar alguns exemplos importantes, como o Centro Cultural de Belém (1993), o Oceanário de Lisboa (1998), a Fundação de Serralves (1989), a Casa da Música (2005) e o Museu do Oriente (2008). A criação em 2010 da Rede Portuguesa de Museus, que estabeleceu uma política nacional para a cultura, evidencia ainda mais que Portugal tem clareza da dimensão pública e do papel estratégico que a cultura tem no mundo contemporâneo (Neves; Santos; Lima, 2013Neves, José Soares; Santos, Jorge Alves dos; Lima, Maria João (orgs.). O panorama museológico em Portugal: os museus e a rede portuguesa de museus na primeira década do século XXI. Lisboa: Editorial do Ministério da Educação e Ciência, 2013.).

Nesse contexto, a Casa da Arquitectura inaugurou sua sede em 2007 e, a partir de então, estruturou rapidamente um consistente arquivo de projetos, deixando clara sua missão. Em cerimônia de posse, o arquiteto Nuno Sampaio, diretor da instituição, afirmou que a arquitetura tem um valor cultural e um papel importante na estruturação da sociedade e da economia do país, evidenciando o lugar da instituição nesse novo cenário político. Ainda destacou que a Casa da Arquitectura é “um projeto nacional de âmbito internacional”.24 24 Disponível em: <http://casadaarquitectura.pt/nuno-sampaio-nomeado-diretor-executivo-da-casa-da-arquitectura/>. Acesso em: 27/12/2021. E não é por acaso que, imediatamente após a aquisição do acervo do arquiteto Paulo Mendes da Rocha, em 2020, a ministra da Cultura de Portugal, Graça Fonseca, manifestou “orgulho” pelo acontecimento. Importante notar que uma manifestação de um ministro em torno da aquisição de um acervo é, por si só, uma evidência singular do papel estratégico ocupado pelos acervos. Mas vale destrinchar a nota divulgada pela própria Casa da Arquitectura, segundo a qual Graça Fonseca teria dito o seguinte: “É com confiança nesta instituição e no trabalho por ela desenvolvido no tratamento, conservação e divulgação pública dos diferentes acervos que tem vindo a acolher que dou as boas-vindas a este tão importante acervo para a história e conhecimento da arquitetura contemporânea a nível mundial” (Andrade, 2020Andrade, Sérgio C. “Paulo Mendes da Rocha doou o seu acervo à Casa da Arquitectura”. Público , 9/9/2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.publico.pt/2020/09/09/culturaipsilon/noticia/paulo-mendes-rocha-doou-acervo- casa-arquitectura-1931011 >. Acesso em: 27/12/2021.
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). Trata-se, evidentemente, de um projeto que olha para o interior do país, mas também para sua projeção em escala mundial.

O interesse pelos acervos brasileiros ressoa novamente na fala de Julieta Sobral, para quem “a Casa da Arquitectura está criando um acervo muito potente em relação à arquitetura brasileira”. Nesse ponto, vale destacar que a Casa da Arquitectura já realizou duas exposições dedicadas à arquitetura brasileira, ambas em 2019. A primeira teve curadoria de Francesco Bruno Perrotta-Bosch e foi dedicada à obra do arquiteto Fábio Penteado, tendo resultado num livreto e na doação do projeto do Centro de Convivência de Campinas, uma das mais importantes obras do arquiteto (Perrotta-Bosch, 2019Perrotta-Bosch, Francesco Bruno. Irradiações: Fábio Penteado. Lisboa: Casa da Architectura, 2019.). A segunda foi mais ambiciosa: cobriu noventa anos da produção brasileira. Os curadores Fernando Serapião e Guilherme Wisnik organizaram para a ocasião um catálogo de grandes proporções e consolidaram uma coleção de desenhos com a doação de arquitetos e instituições brasileiras (Serapião; Wisnik, 2019Serapião, Fernando; Wisnik, Guilherme. Infinito vão: 90 anos de arquitetura brasileira. São Paulo: Monolito, 2019.).25 25 A exposição “Infinito vão” teve uma versão montada em São Paulo, em 2021, no Sesc 24 de Maio.

O projeto soa ambicioso e o interesse pela produção brasileira não parece se encerrar com a aquisição do acervo de Lucio Costa. No entanto, Nuno Sampaio parece querer negar o movimento. Recente artigo publicado no jornal Público ressalta que “não se preveem outras incorporações de acervos únicos de arquitectos brasileiros e [Sampaio] recusa leituras que possam ver aqui a concentração de um património cultural que é de outro país, com o qual, para mais, houve uma relação colonial” (Salema, 2021Salema, Isabel. “Acervo de Lucio Costa, ‘pai’ de Brasília, foi doado a Portugal pela família”. Público , 19/10/2021. Disponível em: <Disponível em: https://www.publico.pt/2021/10/19/culturaipsilon/noticia/acervo-lucio-costa-pai-brasilia-doado-portugal-familia-1981650 >. Acesso em: 27/12/2021.
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).26 26 Talvez a declaração do arquiteto português pretenda apenas arrefecer os ânimos, já que, ao contrário do que relata, as notícias que correm no Brasil é que alguns arquitetos já teriam acertado e outros estariam negociando seus acervos com a instituição portuguesa.

Processos de aquisição de acervos de um país por outro não são novidade. Uma situação muito conhecida foi quando a União Soviética chegou ao fim e a Europa Ocidental passou a adquirir os acervos de seus vizinhos do Oriente. A Icam teve de intervir, estabelecendo um código de ética para as dezenas de instituições que a compõem (Giral, 2009Giral, Angela. “International Confederation of Architectural Museums: A History”. Icam Print, v. 3, 2009, pp. 8-15. Disponível em: <Disponível em: https://icam-web.org/wp-content/downloads/icam-print-03.pdf >. Acesso em: 27/12/2021.
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). Não resolveu o problema, mas amenizou a voracidade e a falta de princípios morais do capital e mostrou a importância de uma instituição reguladora. Um exemplo mais recente dos impasses gerados pela aquisição de acervos de arquitetos de grande relevância internacional foi a aquisição do acervo do arquiteto português Álvaro Siza Vieira pelo CCA (criado por Phyllis Lambert e membro da Icam desde a sua fundação). Nesse caso, após o anúncio da aquisição dos documentos do arquiteto, o governo português interveio e conseguiu que parte - diminuta, diga-se de passagem - da documentação fosse mantida em Portugal, sob a guarda da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação de Serralves (Público, 2014).

No que se refere à relação dos brasileiros com a instituição portuguesa, ela é deveras complexa. Entre outras coisas, porque Portugal funciona como uma porta de entrada para os brasileiros no Norte global. “Lucio estar na Europa”, como destaca Julieta Sobral, resume bem a história. Não espanta, portanto, que os arquitetos que participaram da exposição “Infinito vão” tenham doado de bom grado milhares de documentos importantes para a história da nossa arquitetura. Revela-se, nessa operação, um desejo de projeção internacional, mas também uma falta de conhecimento da monetização desses documentos e de sua importância estratégica para o país. Um arquiteto cordial - talvez valesse atualizar. De outra parte, se houvesse um real interesse de construir relações e cooperar com políticas e protocolos, os portugueses não levariam nossos acervos. Afinal, não se trata de um gesto benevolente para conosco. Trata-se de um posicionamento político em relação ao contexto europeu.

DAS IMPLICAÇÕES DOS FATOS

A saída do acervo do arquiteto Lucio Costa do Brasil gera debates importantes e nos ajuda a pensar no papel da arquitetura em nossa sociedade e na relação que temos com outros países, especialmente aqueles do chamado Norte global. Contribui definitivamente para que aspectos da cultura arquitetônica ganhem proeminência em nossos debates: a relação entre a história da arquitetura e a atividade projetual, fazendo-se necessária uma reflexão mais atenta sobre a relação entre a universidade, a prática profissional e os equipamentos culturais; o lugar do desenho na cultura arquitetônica, tensionando os limites entre documento, obra de arte e instrumento de trabalho; a relevância dos acervos nesse contexto, compreendidos como manifestações do conhecimento e, portanto, estruturantes de futuras ações políticas, também na chave dos processos de reparação; a questão do acesso aos documentos físicos e sua relação com os processos de digitalização, já que esse é um tensionamento posto em questão nas transações com a Casa da Arquitectura; a falta de uma política nacional que permita a preservação, no Brasil, de acervos estratégicos para o nosso país; e a importância de uma instituição, ou museu de arquitetura, como lugar de fomento e proposição de debates.

De um lado, esse cenário abre fronteiras de investigação nas faculdades de arquitetura no Brasil, projetando novos objetos e práticas que passam pelos documentos, mas também por acervos, curadorias, exposições e outras formas de mediação e ação dos arquitetos. De outro lado, problematiza o ofício da arquitetura, revelando outros domínios e espaços de atuação que, de certo modo, atualizam o lugar da arquitetura e seu sentido social. Se desejamos um ambiente democrático e comprometido com os desafios contemporâneos, debater publicamente os acervos de arquitetura é um caminho tanto incontornável quanto estratégico para a nossa sociedade. A recente história do campo da arquitetura tem mostrado isso.

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  • Xavier, Alberto; Katinsky, Julio Roberto (orgs.). Brasília: antologia crítica. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
  • 1
    A notícia suscitou diversas manifestações em jornais no Brasil. Ver: José Tavares Correia de Lira (2020Lira, José Tavares Correia de. “Arquitetura, acervos e barbárie”. Folha de S.Paulo , 12/9/2020. Disponível em: <Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/09/arquitetura-acervos-e-barbarie.shtml >. Acesso em: 27/12/2021.
    https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/20...
    ), Hugo Segawa (2020Segawa, Hugo. “A fragilidade e o peso dos papéis”. Jornal da USP, São Paulo, 17/9/2020. Disponível em: <Disponível em: https://jornal.usp.br/artigos/a-fragilidade-e-o -peso-dos-papeis/ >. Acesso em: 27/12/2021.
    https://jornal.usp.br/artigos/a-fragilid...
    ) e Guilherme Wisnik (2020Wisnik, Guilherme. “Falta de estrutura no Brasil respalda decisão de Paulo Mendes da Rocha”. Folha de S.Paulo , 26/9/2020. Disponível em: <Disponível em: https://www1.fo lha.uol.com.br/ilustrissima/2020/09/falta-de-estrutura-no-brasil-respalda-decisao-de-paulo-mendes-da-rocha.shtml >. Acesso em: 27/12/2021.
    https://www1.fo lha.uol.com.br/ilustriss...
    ).
  • 2
    Para além das manifestações impressas, como os excelentes textos de Danilo Matoso (2021aMatoso, Danilo. “Lucio Costa fora de casa: notas sobre o exílio e seu acervo”. O Partisano, 23/10/2021a. Disponível em: <Disponível em: https://opartisano.org/contracultura/lucio -costa-fora-de-casa-notas-sobre-o-exilio-de-seu-acervo/ >. Acesso em: 27/12/2021.
    https://opartisano.org/contracultura/luc...
    ; 2021b______. “Lucio Costa fora de casa: patrimônio, patrimonialismo”. O Partisano, 28/10/2021b. Disponível em: <https://opartisano.org/contracultura/lucio-costa-fora-de-casa-patrimonio-patrimonialismo/>. Acesso em: 27/12/2021.
    https://opartisano.org/contracultura/luc...
    ; 2021c______. “Lucio Costa fora de casa: Europa, Portugal etc.” O Partisano, 7/11/2021c. Disponível em: <https://opartisano.org/politica/lucio-costa-fora-de-casa-europa-portugal-etc/>. Acesso em: 27/12/2021.
    https://opartisano.org/politica/lucio-co...
    ), a reação dos brasileiros se deu essencialmente por canais não impressos, como a conta de Instagram Oscar Niemeyer Works, na qual se debateu a ilegalidade da doação dos documentos relativos ao concurso público do Plano Piloto de Brasília. Esse debate acarretou um acordo entre a Casa da Arquitectura e o Arquivo Público do Distrito Federal, que receberá arquivos digitais dos referidos documentos. Para tanto, ver Hellen Leite (2021Leite, Hellen. “Brasília vai receber arquivos digitais do acervo de Lucio Costa”. R7, 25/10/2021. Disponível em: <Disponível em: https://noticias.r7.com/brasilia/brasilia -vai-receber-arquivos-digitais-do-acervo-de-lucio-costa-25102021 >. Acesso em: 27/12/2021.
    https://noticias.r7.com/brasilia/brasili...
    ).
  • 3
    Um dos mais importantes artigos a revisar a política do Iphan, a partir dos anos 1980, é o do professor Paulo César Garcez Marins (2016Marins, Paulo César Garcez. “Novos patrimônios, um novo Brasil? Um balanço das políticas patrimoniais federais após a década de 1980”. Estudos Históricos , v. 29, n. 57, 2016, pp. 9-28. Disponível em: <Disponível em: http://doi.org/10.1590/S0103-21862016000100002 >. Acesso em: 27/12/2021.
    http://doi.org/10.1590/S0103-21862016000...
    ).
  • 4
    Os debates sobre a natureza da arquitetura brasileira e sua vinculação com o Estado ressoam em diversos trabalhos entre o fim dos anos 1980 e os anos 2000, como o de Otavio Leonidio (2007Leonidio, Otavio. Carradas de razão: Lucio Costa e a arquitetura moderna brasileira. Rio de Janeiro: PUC/Loyola, 1997.).
  • 5
    Não é por acaso que a arquitetura brasileira, como também as proposições de Gilberto Freyre, foi tão bem recebida pela crítica internacional no pós-guerra (Schwarcz, 2006Schwarcz, Lilia Katri Moritz. “Gilberto Freyre: adaptação, mestiçagem, trópicos e privacidade em Novo Mundo nos trópicos”. In: Lund, Joshua; McNee, Malcolm (orgs.). Gilberto Freyre e os estudos latino-americanos. Pittsburgh: Instituto Internacional de Literatura Iberoamericana, 2006, pp. 305-34.).
  • 6
    Nesse caso, soma-se o fato de que Lucio Costa construiu pouco, apesar das manifestações singulares, como Brasília ou, no Rio de Janeiro, o Palácio Capanema.
  • 7
    Disponível em: <https://www.siarq.unicamp.br/sbh/acervo.html>. Acesso em: 27/12/2021.
  • 8
  • 9
    Vídeo apresentado pela Casa da Arquitectura e intitulado “Espólio de Lucio Costa na Casa da Arquitectura”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=h3PhmAskiDA>. Acesso em: 27/12/2021.
  • 10
    Somente em 2021 foram publicados dois artigos científicos sobre o tema: um nos Anais do Museu Paulista (Lira et al., 2021______; et al. “Acervos de arquitetura como espaço histórico de formação”. Anais do Museu Paulista, v. 29, 2021, pp. 1-31. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1982-02672021v29e53>. Acesso em: 27/12/2021.
    https://doi.org/10.1590/1982-02672021v29...
    ) e outro no Brazilian Journal of Information Science (Brito; Costa; Velloso, 2021Brito, Gisele Ferreira de; Costa, Eduardo Augusto; Velloso, Leandro Manuel Reis. “Digital Platform for Dissemination of the FAU-USP Architecture and Design Collections”. Brazilian Journal of Information Science: Research Trends, v. 15, 2021, pp. 1-20. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.36311/1981-1640.2021.v15.e02125 >. Acesso em: 27/12/2021.
    https://doi.org/10.36311/1981-1640.2021....
    ), além de um livro organizado por professores da FAU-USP (Castro; Carvalho e Silva; Costa, 2021______; ______; Costa, Eduardo Augusto (orgs.). Arquivos, memórias da cidade, historiografias da arquitetura e do urbanismo. São Paulo: FAU-USP, 2021. (Coleção Caramelo, v. 1). Disponível em: <https://doi.org/10.11606/9786589514091>. Acesso em: 13/6/2022.
    https://doi.org/10.11606/9786589514091...
    ).
  • 11
    Apesar das pesquisas, dos livros e das exposições promovidas pela Casa de Lucio Costa desde então, como bem destacou Matoso (2021a), foi somente no fim dos anos 2010, mais de uma década depois da morte do arquiteto, que se tornou público o conjunto de blocos de desenhos que o arquiteto realizou em suas viagens a Portugal. Até aquela data, apenas algumas folhas soltas estavam disponíveis no site, não sendo permitido o acesso ao conjunto documental.
  • 12
    Apesar de Otília Arantes (2000Arantes, Otília Beatriz Fiori. O lugar da arquitetura depois dos modernos. São Paulo: Edusp, 2000.) centrar sua reflexão na produção de construções e projetos urbanos, ao longo dos anos 1980 e 1990, seu trabalho não deixa de ser uma importante referência para a compreensão das políticas implementadas pela França naquele período.
  • 13
    Aqui, destacam-se as obras de Paul O’Neill (2012O’Neill, Paul. The Culture of Curating and the Curating of Culture(s). Cambridge: The MIT Press , 2012.) e Gail Anderson (2021Anderson, Gail (org). Reinventing the Museum: The Evolving Conversation on the Paradigm Schift. Lanham: AltaMira Press, 2021.).
  • 14
    O uso tanto de arquivos como de exposições pode ser identificado na trajetória do filósofo Georges Didi-Huberman (2013Didi-Huberman, Georges. A imagem sobrevivente. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013.). No âmbito das artes, destaca-se a 11ª edição da Documenta de Kassel, que teve curadoria do nigeriano Okwui Enwezor e pavimentou o caminho para uma série de reflexões no mundo das artes, com publicações como a de Merewether (2007Merewether, Charles (org.). The Archive. Cambridge: The MIT Press , 2007.).
  • 15
    Reflexões importantes produzidas por pesquisadores brasileiros podem ser acompanhadas em Iara Lis Franco Schiavinatto e Eduardo Augusto Costa (2016Schiavinatto, Iara Lis Franco; Costa, Eduardo Augusto. “Cultura visual: apontamentos sobre um campo disciplinar”. In: __. (orgs.). Cultura visual & história. São Paulo: Alameda, 2016, pp. 9-31.), e em Francisco Santiago Júnior (2019Santiago Júnior, Francisco das Chagas Fernandes. “A virada e a imagem: história teórica do pictorial/iconic/visual turn e suas implicações para as humanidades”. Anais do Museu Paulista , v. 27, 2019, pp. 1-51. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/1982-02672019v27e08 >. Acesso em: 27/12/2021.
    https://doi.org/10.1590/1982-02672019v27...
    ).
  • 16
    Disponível em: <https://man dm.princeton.edu/>. Acesso em: 27/12/2021.
  • 17
    Disponível em: <https://www.gold.ac.uk/pg/ma-research-architecture/>. Acesso em: 27/12/2021.
  • 18
    Disponível em: <https://foren sic-architecture.org/>. Acesso em: 27/12/2021.
  • 19
    Alguns exemplos de destaque são Thordis Arrhenius et al. (2014Arrhenius, Thordis et al. (orgs.). Place and Displacement: Exhibiting Architecture. Zurique: Lars Müller, 2014.) e Léa-Catherine Szacka (2016Szacka, Léa-Catherine. Exhibiting the Postmodern: The 1980 Venice Architecture Biennale. Veneza: Marsilio, 2016.).
  • 20
    Disponível em: <https://www.icam-web.org/>. Acesso em: 27/12/2021.
  • 21
    Disponível em: <https://www.docomomo.com/>. Acesso em: 27/12/2021.
  • 22
    Disponível em: <https://www.ica.org/en/about-architectural-archives-sar>. Acesso em 27/12/2021.
  • 23
    Podemos citar alguns exemplos importantes, como o Centro Cultural de Belém (1993), o Oceanário de Lisboa (1998), a Fundação de Serralves (1989), a Casa da Música (2005) e o Museu do Oriente (2008).
  • 24
  • 25
    A exposição “Infinito vão” teve uma versão montada em São Paulo, em 2021, no Sesc 24 de Maio.
  • 26
    Talvez a declaração do arquiteto português pretenda apenas arrefecer os ânimos, já que, ao contrário do que relata, as notícias que correm no Brasil é que alguns arquitetos já teriam acertado e outros estariam negociando seus acervos com a instituição portuguesa.
  • 27
    EDUARDO AUGUSTO COSTA [https://orcid.org/0000-0002-7909-0496] é professor do departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto da FAU-USP, um dos coordenadores do grupo de pesquisa “Arquivos, fontes e narrativas: entre cidades, arquitetura e design”, do CNPq, e coordenador da pesquisa “Cultura visual e história intelectual: arquivos e coleções de arquitetura”, financiada pela Fapesp.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    30 Dez 2021
  • Aceito
    04 Maio 2022
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