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FAMÍLIA COM ESTATUTO: Fraternidades criminais em Maceió (AL) e em São Luís (MA)1 1 Este artigo é resultado da pesquisa “Conexões Marginais: periferias, mercados ilegais e a expansão das facções criminais no Brasil”, que é uma parceria entre os grupos de pesquisa Gruppaes, da UFAL, e NaMargem, da UFSCar. O projeto é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Alagoas e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, através do edital Fapeal/Fapesp 05/2019. Contribuíram para a elaboração do texto Fernando Rodrigues, que esteve conosco nos primeiros esboços delineados, bem como os demais pesquisadores e amigos que compõem o grupo Conexões Marginais. Nossos agradecimentos ainda a Deborah Fromm, pela leitura atenta e sempre provocadora, a Taniele Rui, pela leitura do texto ainda em seu estágio inicial, e à Rede de Estudos Periféricos, especialmente aos pesquisadores Luiz Eduardo e Ailton Penha, pela concessão da entrevista que nos serviu como material para análise.

Family with Statute: Criminal Fraternities in Maceió (AL) and São Luís (MA)

RESUMO

Neste artigo, a partir de pesquisa de campo realizada em Maceió (AL) e São Luís (MA), refletimos sobre o que ficou conhecido como “expansão das facções nacionais”. Argumentamos que as noções êmicas de “família” e “facção” presentes nas constituições e resoluções de conflitos vivenciados por nossos interlocutores em seus territórios são indispensáveis para a compreensão dos mercados de proteção, drogas e armas nas duas cidades.

PALAVRAS-CHAVE:
família; facção; periferias; políticas criminais

ABSTRACT

In this paper, based on the fieldwork done in Maceió (AL) and São Luís (MA), we reflect upon what became known as the “expansion of national factions.” We argue the emic notions of “family” and “faction” present in the constitutions and resolutions of conflicts experienced by our interlocutors in their territories are indispensable for comprehending of the protection, drug and gun markets in both cities.

KEYWORDS:
family; faction; peripheries; criminal policies

A EXPANSÃO DAS FACÇÕES EM QUESTÃO

Cena 1

Maceió, meados de 2018. O vídeo2 2 Para narrar essa cena de cobrança, tomamos como referência vídeos que circulam por aplicativos de mensagem. Não se trata necessariamente de Blanca e da situação que lhe ocorreu, mas, a partir de sua descrição, o vídeo serviu como referência para representarmos ficcionalmente seu relato. dura menos de 30 segundos. Apenas Blanca3 3 Todos os nomes de pessoas e lugares mencionados neste artigo são fictícios. é exibida, com a expressão contorcida de pavor e as mãos levantadas na altura da cabeça, como se assim pudesse se proteger da 38 preta apontada em sua direção. Ela implora para se explicar e ser ouvida. Trata-se de uma cobrança, filmada e compartilhada por aplicativos de mensagem. Serve como prova de que a justiça e a ordem faccional são levadas a cabo naquele território.

A voz do outro lado da câmera exige silêncio, e Blanca, na cadeira em que foi sentada, num terreno baldio, continua a se contorcer numa frágil tentativa de se proteger da arma apontada em sua direção. A filmagem termina tão abruptamente como começou. Depois de uma conversa de fundo, incompreensível para quem assiste ao vídeo, a voz por trás da arma decide poupar Blanca: “Só não mato você porque considero seu pai”. A garota respira aliviada, jogando o corpo para trás e encostando pela primeira vez os ombros distensionados no encosto da cadeira.

Cena 2

São Luís, janeiro de 2022. Jorge caminha pelas ruas do bairro da Mangueira em direção ao campo do Canarinho. A “romaria da pelada” vai se formando enquanto o pessoal da Rua da Gia, no Complexo da Floresta, se desloca para o futebol que acontece nos fins de tarde das segundas e quintas. No trajeto de menos de dez minutos, o grupo de três ou quatro homens torna-se dez, onze, doze. Vão se juntando a Jorge, figuras importantes no dia a dia da quebrada. As conversas giram em torno do futebol, das festas, da presença da polícia no bairro, de alguém que “caiu”. Quando os “vermes”4 4 Termo utilizado para se referir às forças de segurança, mobilizado por pessoas próximas ou inseridas no mundo do crime. não estão na área, o tom das conversas em geral é de descontração.

A expressão sorridente e zombeteira de Jorge se transforma rapidamente quando encontra no meio do caminho um homem que lhe devia dinheiro5 5 O trabalho de Fernanda Gobbi (2021) sobre as transações econômicas informais-ilegais nos permite compreender que as relações econômicas são também relações morais, uma vez que a negociação entre agentes econômicos heterogêneos depende de constantes avaliações e negociações a respeito de seu cumprimento. havia algum tempo; uma dívida gerada pela promessa de raspas de crack como pagamento por pequenos serviços. De cabelos desgrenhados e roupas rotas, ele é “enquadrado” por Jorge, que aumenta o tom à medida que se aproxima dele. Naquele breve momento de tensão, o temor era de que a cobrança verbal pudesse se transformar em agressão. Contudo, ainda que o homem estivesse errado, se o agredisse, Jorge poderia passar por “malvado” aos olhos dos vizinhos que testemunhavam a cena. Todos seguiram para o campo.

Partindo dessas cenas etnográficas, refletimos sobre o que tem se denominado genericamente expansão das facções. Chamamos a atenção para os feixes de relações e vínculos que produzem redes, mercados e políticas criminais nas periferias urbanas. Damos ênfase às variadas e complexas conexões com as siglas nacionais: o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), considerando modulações locais e compromissos morais e afetivos implicados nas formas como são mobilizadas e colocadas em circulação suas normatividades no cotidiano de quem “corre” com o crime.

Os regimes normativos (Feltran, 2014Feltran, Gabriel de Santis. “O valor dos pobres: a aposta no dinheiro como mediação para o conflito social contemporâneo”. Caderno CRH, v. 27, n. 72, 2014, pp. 495-512.) mobilizados por atores e atrizes criminais em Alagoas e no Maranhão exercem função política semelhante, por isso não apresentamos uma diferenciação pormenorizada das siglas mencionadas. Nosso intuito é demonstrar como as fraternidades criminais maceioenses e ludovicenses reivindicam, para regular os conflitos em seus territórios, um repertório disciplinar próprio, que se amalgama a referências de ordem e justiça criminais circulantes no país. Argumentamos que o proceder faccional se articula às alianças já existentes entre os grupos locais, que continuam sendo referências para a formação de redes de proteção e intriga nos negócios ilegais e nas políticas de justiça (Barros et al., 2018Barros, João Paulo Pereira et al. “‘Pacificação’ nas periferias: discursos sobre as violências e o cotidiano de juventudes em Fortaleza”. Revista de Psicologia, v. 9, n. 1, 2018, pp. 117-28.; Carvalho, 2021Carvalho, Ada Rízia Barbosa. Cadeias de tensão: repertórios disciplinares de facções e do sistema em unidades de internação alagoanas. Dissertação (mestrado em sociologia). Maceió: PPGS/Universidade Federal de Alagoas, 2021.; Jara, 2021Jara, Simon. A cobrança: os sensos de justiça das facções do Maranhão. Dissertação (mestrado em sociologia). São Carlos: PPGS/Universidade Federal de São Carlos, 2021.; Lourenço; Almeida, 2013Lourenço, Luiz Claudio; Almeida, Odilza Lines. “‘Quem mantém a ordem, quem cria desordem’: gangues prisionais na Bahia”. Tempo Social, v. 1, n. 25, 2013, pp. 37-59.; Matos Júnior; Santiago Neto; Pires, 2022Matos Júnior, Clodomir Cordeiro de; Santiago Neto, João Pedro Cordeiro; Pires, Artur de Freitas. “Mercados ilegais e dinâmicas criminais: notas sobre as transformações do tráfico de drogas nas periferias de Fortaleza”. Tomo, v. 1, n. 40, 2022, pp. 39-62.; Paiva, 2019Paiva, Luís Fábio S. “‘Aqui não tem gangue, tem facção’: as transformações sociais do crime em Fortaleza, Brasil”. Caderno CRH, v. 85, n. 32, 2019, pp. 165-84.; Pires, 2018Pires, Artur de Freitas. “A vida do crime é louca”: as relações criminais em um complexo de favelas. Dissertação (mestrado em sociologia). Fortaleza: PPGS/Universidade Federal do Ceará, 2018.; Rodrigues et al., 2022Rodrigues, Fernando de Jesus et al. “Políticas, mercados e violência no Norte e Nordeste do Brasil”. Tomo, v. 40, n. 1, 2022, pp. 8-39.; Santos, 2021Santos, Alana Barros. Afetos marginais e tramas no crime: cursos sentimentais, de sobrevivência e de aventura entre socioeducandas alagoanas. Dissertação (mestrado em sociologia). Maceió: PPGS/Universidade Federal de Alagoas, 2021.; Siqueira; Paiva, 2019Siqueira, Ítalo Barbosa Lima; Paiva, Luís Fábio S. “‘No Norte, tem Comando’: as maneiras de fazer o crime, a guerra e o domínio das prisões do Amazonas”. Revista Brasileira de Sociologia, v. 17, n. 7, 2019, pp. 125-54.; Silva, 2020Silva, Luiz Eduardo Lopes. “Trilha sonora da guerra”: análise das facções maranhenses e da formação da sensibilidade da juventude faccionada a partir do proibidão. Tese (doutorado em educação). Niterói: PPGE/Universidade Federal Fluminense, 2020.).

Situamos a “expansão das facções nacionais” em suas hibridizações, articulações e conflitos em relação aos regimes político-disciplinares já operantes nas periferias abordadas. Argumentamos que a tal “expansão” não se dá de cima para baixo nem sem mediações. Nas guerras e negociações pela imposição de uma ordem, o que se tem entendido como um proceder pode, de maneiras diversas, tensionar a forma como antigas alianças e fraternidades são geridas. Por isso, damos ênfase descritiva e analítica aos formatos de vínculos já constituídos e como, nesses vínculos, os repertórios normativos faccionais ganham forma.

Para isso, mobilizamos a polissemia dos termos família e facção. Na cena de Maceió, a família é mobilizada enquanto rede consanguínea, espaço de sobrevivência. Já no caso de São Luís, a noção de família é mobilizada enquanto discurso, família com estatuto, como espelho moral. Lidamos com símbolos ou metáforas ambivalentes e ambiguamente mobilizados (Rodrigues; Santos; Silva, 2020Silva, Luiz Eduardo Lopes. “Trilha sonora da guerra”: análise das facções maranhenses e da formação da sensibilidade da juventude faccionada a partir do proibidão. Tese (doutorado em educação). Niterói: PPGE/Universidade Federal Fluminense, 2020.), operados nas articulações e fricções (Latour, 2015Latour, Bruno. “Faturas/fraturas: da noção de rede à noção de vínculo”. Ilha Revista de Antropologia, v. 17, n. 2, 2015, pp. 123-46.; Tsing, 2020Tsing, Anna Lowenhaupt. Friction: délires et faux-semblant de la globalité. Paris: Les Empêcheurs de Penser en Rond, 2020.) entre fraternidades criminais locais em contato com as facções nacionais citadas.

A discussão sobre as redes de proteção, alerta Michel Misse (2006Misse, Michel. Crime e violência no Brasil contemporâneo: estudos de sociologia do crime e da violência urbana. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.), está relacionada à expansão dos mercados informais e bens ilícitos. Uma vez que tais mercados se ligam a práticas criminalizadas, sem recurso à regulação do Estado, passam a demandar outras formas de regulação que, via de regra, envolvem a ameaça de violência e a compra e venda de proteção. Propomos pensar em um cenário de dependências e fricções entre atores e atrizes criminais que agem, simultaneamente, sob lógicas de fraternidades locais e facções.

NOTA METODOLÓGICA

Nossa escrita é atravessada pela reflexão sobre como marcadores de diferenciação estruturam nossos campos de pesquisa, influenciam nossas interlocuções e, consequentemente, o conhecimento que produzimos (Hanson; Richards, 2019Hanson, Rebecca; Richards, Patricia. Harassed: Gender, Bodies and Ethnographic Research. Oakland: University of California Press, 2019.). Clarificar as entradas e circulações em campo elucida como nossos corpos e performances foram cruciais para a pesquisa que produzimos e para os diálogos possíveis de serem desenvolvidos em cada contexto (Hanson; Richards, 2019Hanson, Rebecca; Richards, Patricia. Harassed: Gender, Bodies and Ethnographic Research. Oakland: University of California Press, 2019.). Por esse motivo, nesta seção, mudaremos a conjugação verbal adotada no restante do texto. O nós dará lugar à pessoalização da escrita, de modo a apresentarmos nossos percursos de pesquisa distintos e colocá-los em perspectiva.

A cena de Blanca é construída a partir de uma interlocução que vem se desenvolvendo, entre encontros e desencontros, desde 2019, quando ela tinha quinze anos e cumpria medida socioeducativa de internação. Para chegar até ela, a pesquisadora atravessava uma guarita guardada por dois agentes de segurança que se revezam durante a semana. A própria passagem pelo checkpoint ilustra como estar “de acordo” com determinados scripts, em determinados ambientes, pode facilitar o acesso ao campo. A formação superior da pesquisadora funcionava como um trunfo junto à direção da unidade, também gerida por mulheres, e ao mesmo tempo fazia com que ela fosse vista por Blanca como uma funcionária do Socioeducativo, alguém que a avaliava, o que a constrangeu a não abordar determinados aspectos de sua vida nas conversas iniciais.

Outras duas entrevistas foram feitas em 2022, retomando o contato com Blanca, agora fora do sistema e “evangélica convertida”. Dessa vez, as conversas se deram por videochamadas. Já mais velha e fora dos espaços vigiados da unidade de internação, Blanca forneceu outras nuances sobre sua vida. Contou de sua atuação e a de sua família nas redes do tráfico como se fosse um testemunho de sua conversão religiosa. Embora as conversas se dessem em um novo contexto, ficou claro como o fato de ser uma jovem pesquisadora a conduzir as entrevistas a tornava mais acessível ao diálogo - havia menos constrangimentos para aprofundar pontos ainda nebulosos em sua trajetória (Hanson; Richards, 2019Hanson, Rebecca; Richards, Patricia. Harassed: Gender, Bodies and Ethnographic Research. Oakland: University of California Press, 2019.).

Já as cenas de interação com Jorge são fruto de pesquisa de campo realizada nos dois primeiros meses de 2022, quando o pesquisador acompanhou o dia a dia do futebol de várzea no Complexo da Floresta. Além da cena descrita, relatada a partir dos diários de campo, também contamos com uma entrevista feita com ele em outubro de 2021.6 6 Entrevista realizada pelos pesquisadores Luiz Eduardo Lopes Silva e Ailton Penha, membros da Rede de Estudos Periféricos, a quem agradecemos pela partilha do material. Distante de Jorge em termos de classe e processo de racialização, foi a partir de certa performance dominante de gênero - sem dúvida ainda muito diversa e cheia de nuances - que o pesquisador se aproximou de seu interlocutor.

Diferentemente da experiência mediada por uma instituição, foi fundamental para a inserção no campo o apoio de pesquisadores parceiros que já tinham familiaridade com o bairro e com aqueles que viriam a se tornar interlocutores. Seu perfil e formação superior não funcionaram como condição de acesso ao campo. Pelo contrário, a princípio isso afastava os interlocutores, uma vez que a investigação científica era estranha naquele universo. O futebol entrou, então, como uma possibilidade de aproximação, e o domínio de seus códigos, o básico para jogar e comentar as partidas, foi o elemento que garantiu o acesso a esse universo popular masculino.

Ao dar ênfase a tais apontamentos metodológicos, nossa intenção é evidenciar como nossos corpos ganham acesso aos espaços de pesquisa e ocupam posições em campo, de modo a qualificar as intersecções que existem entre nossas circulações e as de nosso(a)s interlocutore(a)s. Permite-nos enxergar como tais circulações (ou seus impedimentos) são atravessadas e estruturadas por relações de poder ou gênero, que nos permitem diferentes experiências e acessos ao e no campo, aspectos fundamentais nas pesquisas etnográficas (Hanson; Richards, 2019Hanson, Rebecca; Richards, Patricia. Harassed: Gender, Bodies and Ethnographic Research. Oakland: University of California Press, 2019.; Padovani, 2017Padovani, Natália Corazza. “É possível fazer ciências sociais sem uma análise crítica das categorias de diferenciação? Uma proposição feminista”. Cadernos de Estudos Sociais e Políticos, v. 7, n. 12, 2017, pp. 6-30.).

Seja na interlocução com Blanca, em um contexto de privação de liberdade, seja na interlocução com Jorge, alvo de vigilância policial e disputas faccionais, os corpos distintos dos pesquisadores e suas performances em campo negociaram tais acessos, garantindo confiança em meio a disputas vividas pelos interlocutores. De maneira análoga, refletimos sobre como a guerra faccional atinge homens e mulheres, envolvidos ou não nessa guerra, de maneira distinta.

Se a atuação de Blanca nos mercados criminais, por um lado, tensiona a percepção do crime como um universo necessariamente masculino - como denota o termo fraternidade aqui empregado -, o constante escrutínio de figuras masculinas, a quem ela prestava contas, e a proteção de ameaças (também masculinas) nos levam a problematizar até que ponto sua atuação é balizada por formas de hierarquização generificadas nos mercados e nas políticas criminais locais. Por isso, optamos por manter o uso do termo fraternidades criminais, sem nos apegarmos a um preciosismo etimológico. Antes, incorporamos em seu uso a agência de nossas interlocutoras, que, a seguir, será descrita em suas potencialidades e hierarquizações.

FAMÍLIA COMO REDE DE SOBREVIVÊNCIA: BLANCA E A GUERRA EM MACEIÓ (AL)

Retornamos à cena de Blanca e sua cobrança. Mais especificamente, ao que fez com que a cobrança não terminasse com sua morte: “Só não mato você porque considero seu pai”. O pai de Blanca, Moacir, nesse momento já estava preso. Mas entre os anos 2000 e 2010, aproximadamente, ele foi a linha de frente do CV em Monte Santo, onde ela e a família sempre moraram. Trata-se de um bairro popular, na estigmatizada parte alta de Maceió, região de recente periferização.

Tais processos se deram entre o final dos anos 1980 e 1990, no bojo de uma sucessão de crises político-econômicas e desindustrialização no estado que provocou altos índices de desemprego e empobrecimento da população. Tais transformações produziram uma fragilização nas antigas alianças entre altos e baixos circuitos criminais, cujas regulações envolviam famílias patronais, agentes policiais de baixa patente e grupos de extermínio. Houve uma escalada nas taxas de homicídios em Maceió, com tentativas agonísticas de formação de redes de proteção, incluindo os atores recém-chegados aos territórios de periferia (Feltran et al., 2022Feltran, Gabriel de Santis et al. “Variações nas taxas de homicídios no Brasil: uma explicação centrada nos conflitos faccionais”. Dilemas, n. 4, 2022, pp. 311-48.).

Antes de ser preso, Moacir era responsável pela venda no varejo de maconha, cocaína e crack em Monte Santo, sempre prestando contas a outra figura que já estava presa; era uma espécie de gerente. Também vendia no atacado para aliados em cidades do interior do estado e em bairros vizinhos. Tornou-se importante no negócio porque fazia viagens para buscar a droga no Sudeste e no Centro-Oeste do país, além de atuar no mercado de armas, que com ele circulavam por entre estados fronteiriços com Alagoas. Segundo Blanca, num mês, Moacir tirava no mínimo R$ 5.000,00 para sustentar a família. A renda aumentava quando ele fazia viagens para trazer drogas ou levar armas. Para manter os negócios, precisou se envolver em várias mortes de inimigos e acumulou rivais.

Desde os anos 1980 havia aproximações entre os mercados criminais alagoanos, até então fragmentados em pequenos grupos locais, e os mercados governados pelas siglas faccionais. Tais aproximações se aprofundaram e se tornaram mais complexas nas últimas décadas, atravessando os anos 2000 e consolidando-se nos anos 2010. As prisões serviram como um dos principais disseminadores dos ideais e procederes faccionais, que se difundiram como referências para o governo de populações e mercados (Carvalho, 2021Carvalho, Ada Rízia Barbosa. Cadeias de tensão: repertórios disciplinares de facções e do sistema em unidades de internação alagoanas. Dissertação (mestrado em sociologia). Maceió: PPGS/Universidade Federal de Alagoas, 2021.; Feltran et al., 2022Feltran, Gabriel de Santis et al. “Variações nas taxas de homicídios no Brasil: uma explicação centrada nos conflitos faccionais”. Dilemas, n. 4, 2022, pp. 311-48.; Motta et al., 2022Motta, Luana et al. “Fora do crime no ‘mundo do crime’: experiências juvenis em meio à guerra em periferias de Maceió e Belo Horizonte”. Dilemas, n. 4, 2022, pp. 387-414.; Rodrigues, 2020Rodrigues, Fernando de Jesus. “‘Corro com o PCC’, ‘corro com o CV’, ‘sou do crime’: ‘facções’, sistema socioeducativo e os governos do ilícito em Alagoas”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 35, n. 102, 2020, pp. 1-21.; Santos, 2021Santos, Alana Barros. Afetos marginais e tramas no crime: cursos sentimentais, de sobrevivência e de aventura entre socioeducandas alagoanas. Dissertação (mestrado em sociologia). Maceió: PPGS/Universidade Federal de Alagoas, 2021.).

Dos anos 2000 em diante, a atuação das siglas faccionais passou a se entrelaçar às já constituídas rivalidades entre famílias, ruas, pequenas gangues e torcidas organizadas, referências para sensos de identificação grupal desde os anos 1990 (Feltran et al., 2022Feltran, Gabriel de Santis et al. “Variações nas taxas de homicídios no Brasil: uma explicação centrada nos conflitos faccionais”. Dilemas, n. 4, 2022, pp. 311-48.). Somando-se ao processo nacional de recrudescimento das políticas punitivistas e encarceramento em massa, em Maceió foram atualizadas políticas de repressão às antigas lideranças criminais atuantes nas periferias da cidade. Isso resultou em uma juvenilização inédita do crime alagoano. Foi justamente entre os mais jovens que os ideais faccionais tiveram mais aceitação (Carvalho, 2021Carvalho, Ada Rízia Barbosa. Cadeias de tensão: repertórios disciplinares de facções e do sistema em unidades de internação alagoanas. Dissertação (mestrado em sociologia). Maceió: PPGS/Universidade Federal de Alagoas, 2021.; Feltran et al., 2022Feltran, Gabriel de Santis et al. “Variações nas taxas de homicídios no Brasil: uma explicação centrada nos conflitos faccionais”. Dilemas, n. 4, 2022, pp. 311-48.; Lima, 2016Lima, Carla Patrícia Siqueira. As mulheres nas redes do tráfico de drogas em Alagoas. Dissertação (mestrado em sociologia). Maceió: PPGS/Universidade Federal de Alagoas, 2016.; Rodrigues, 2020Rodrigues, Fernando de Jesus; Santos, Alana Barros; Silva, Ada Rízia Barbosa da. “Notas sobre redes de proteção: facção, família e crime em periferias urbanas de Alagoas”. Diversitas Journal, n. 5, v. 3, 2020, p. 2297-316.; Silva, 2017Silva, Anna Virgínia Cardoso. A impunidade como alvo: o Brasil mais seguro e a tentativa de (re)organização do Sistema de Justiça Criminal em Maceió. Dissertação (mestrado em sociologia). Maceió: PPGS/Universidade Federal de Alagoas, 2017.).

Apesar disso, não se consolidou uma hegemonia faccional. Disputas violentas tiveram continuidade mais ou menos abertamente na cidade e, em 2016, inaugurou-se mais um período de acirradas rivalidades no mundo do crime. As duas principais siglas nacionais, PCC e CV, já capilarizadas no varejo de drogas da cidade, romperam uma coexistência relativamente pacífica e passaram a disputar o controle de territórios, provocando novas instabilidades nas redes de proteção que vinham se formando. Inaugurou-se então um novo formato de guerra, pressionando agora uma tomada bipolar de posição entre atores e atrizes criminais (Carvalho, 2021Carvalho, Ada Rízia Barbosa. Cadeias de tensão: repertórios disciplinares de facções e do sistema em unidades de internação alagoanas. Dissertação (mestrado em sociologia). Maceió: PPGS/Universidade Federal de Alagoas, 2021.; Feltran et al., 2022Feltran, Gabriel de Santis et al. “Variações nas taxas de homicídios no Brasil: uma explicação centrada nos conflitos faccionais”. Dilemas, n. 4, 2022, pp. 311-48.; Motta et al., 2022Motta, Luana et al. “Fora do crime no ‘mundo do crime’: experiências juvenis em meio à guerra em periferias de Maceió e Belo Horizonte”. Dilemas, n. 4, 2022, pp. 387-414.; Rodrigues, 2020Rodrigues, Fernando de Jesus; Santos, Alana Barros; Silva, Ada Rízia Barbosa da. “Notas sobre redes de proteção: facção, família e crime em periferias urbanas de Alagoas”. Diversitas Journal, n. 5, v. 3, 2020, p. 2297-316.; Santos, 2021Santos, Alana Barros. Afetos marginais e tramas no crime: cursos sentimentais, de sobrevivência e de aventura entre socioeducandas alagoanas. Dissertação (mestrado em sociologia). Maceió: PPGS/Universidade Federal de Alagoas, 2021.).

Teve início a guerra entre facções. As disputas entre os fragmentados grupos locais passaram a ser mediadas pela gramática faccional, mais hierarquizada e disciplinada. Não por acaso, mesmo num cenário de disputas, não se manteve o padrão de crescimento da taxa de homicídios, numa inédita, embora frágil, regulação de conflitos letais nos mercados de drogas (Carvalho, 2021Carvalho, Ada Rízia Barbosa. Cadeias de tensão: repertórios disciplinares de facções e do sistema em unidades de internação alagoanas. Dissertação (mestrado em sociologia). Maceió: PPGS/Universidade Federal de Alagoas, 2021.; Feltran et al., 2022Feltran, Gabriel de Santis et al. “Variações nas taxas de homicídios no Brasil: uma explicação centrada nos conflitos faccionais”. Dilemas, n. 4, 2022, pp. 311-48.; Motta et al., 2022Motta, Luana et al. “Fora do crime no ‘mundo do crime’: experiências juvenis em meio à guerra em periferias de Maceió e Belo Horizonte”. Dilemas, n. 4, 2022, pp. 387-414.; Rocha, 2015Rocha, Rafael Lacerda Silveira. “A guerra como forma de relação: uma análise das rivalidades violentas entre gangues em um aglomerado de Belo Horizonte”. Dilemas, v. 8, n. 2, 2015, pp. 277-301.; Rodrigues, 2020Rodrigues, Fernando de Jesus; Santos, Alana Barros; Silva, Ada Rízia Barbosa da. “Notas sobre redes de proteção: facção, família e crime em periferias urbanas de Alagoas”. Diversitas Journal, n. 5, v. 3, 2020, p. 2297-316.; Santos, 2021Santos, Alana Barros. Afetos marginais e tramas no crime: cursos sentimentais, de sobrevivência e de aventura entre socioeducandas alagoanas. Dissertação (mestrado em sociologia). Maceió: PPGS/Universidade Federal de Alagoas, 2021.).

Por volta desse período, Moacir foi preso. Nice, mãe de Blanca e então esposa de Moacir, assumiu a venda de drogas no varejo e no atacado, e seu cunhado, esposo de sua irmã, assumiu as viagens para compra de drogas e venda de armas. Ou seja, quando Moacir saiu de cena, foi um homem que assumiu a tarefa de circular por entre as divisas do país para levar e trazer as mercadorias ilícitas, estabelecendo contato com o mundo não familiar dos negócios. À Nice coube administrá-lo localmente, sempre prestando contas ao companheiro preso. Em certo sentido, podemos inferir que Moacir, sobretudo, mas também o cunhado de Nice, é que representavam a face pública do mercado de drogas e das políticas de justiça do crime em Monte Santo, numa divisão do trabalho e da política de circulação generificada.

Nice jamais gozou da mesma influência política que Moacir. Nas situações em que a vida de Blanca esteve em perigo, a figura do pai é que foi acionada para protegê-la. Na cena narrada, Blanca contou que estava sendo acusada de fazer “leva e traz” entre quebradas rivais. Seu “erro” foi ter postado no Facebook fotos em uma boate de reggae na fronteira entre Monte Santo, identificado no crime como uma quebrada do CV, e outro bairro identificado como uma quebrada do PCC. Nessa situação, foram conhecidos de Moacir que intercederam pela garota.

Apesar de, no caso de Blanca, chamarmos a atenção para uma quase confusão entre sua rede familiar e a forma como se estruturava o crime e a facção em seu bairro, não fica excluída a mobilização da família com estatuto, como discurso, uma rede de proteção formada por pares, uma fraternidade, que se enuncia e fortalece mutuamente, sobretudo nos momentos críticos.

Quando acusada de “cabueta”, Blanca dava os primeiros passos em sua caminhada no crime. Além de pequenos roubos fora de Monte Santo, levava quantidades de droga para os bairros vizinhos. O contexto, no entanto, já era de radicalização das rivalidades entre as duas facções atuantes no estado. Uma das características dessa radicalização é a interdição - sobretudo, mas não exclusivamente - de homens jovens, atuantes nas variadas posições nos mercados de drogas, de circularem por territórios ligados a rivais.

Blanca também teve sua circulação por territórios rivais questionada e foi cobrada por isso. Como ela, outras mulheres têm atravessado as divisas de bairros e até cidades levando e trazendo mercadorias ilícitas, por supostamente levantarem menos suspeita num contexto de muitas tensões potencialmente letais. Entretanto, elas também são alvo constante de desconfiança. Muitas, diferentemente de Blanca, não têm como se livrar das acusações, e as cobranças tomam um rumo letal. Em seu caso, houve uma articulação, não desprovida de tensões, entre os formatos atualizados de gerir justiçamentos e punições e as relações de família e compadrio, de fraternidade. Blanca passou pelo “ritual” da cobrança, consolidado enquanto uma espécie de reivindicação faccional de ordenamento naquele território (Jara, 2021Jara, Simon. A cobrança: os sensos de justiça das facções do Maranhão. Dissertação (mestrado em sociologia). São Carlos: PPGS/Universidade Federal de São Carlos, 2021.), mas o fato de ser “filha de Moacir” lhe garantiu um tratamento diferenciado em relação a outras mulheres cobradas em situações similares.

As posições de Blanca e de sua mãe eram ambivalentes: ao mesmo tempo que estavam sempre prestando contas dos negócios a terceiros, sob constante vigilância pelo fato de ocuparem uma posição crucial no tráfico local, elas dispunham de meios pouco usuais para se proteger de ameaças. A possibilidade de circulação ou de sua interdição, estar em um lugar de prestígio ou prestar contas a terceiros implica riscos diferentes, que incidem diferencialmente, a depender das conexões, posições e funções ocupadas por homens e mulheres no mercado de drogas.

A particularidade da trajetória de Blanca ilumina como as siglas faccionais se tornaram referências instáveis para a possibilidade de ascensão, proteção e resolução de conflitos no mundo do crime alagoano. Sua vida foi atravessada várias vezes pela guerra entre facções, que se constituiu como uma sociabilidade entre aqueles identificados com uma ou outra sigla (Carvalho, 2021Carvalho, Ada Rízia Barbosa. Cadeias de tensão: repertórios disciplinares de facções e do sistema em unidades de internação alagoanas. Dissertação (mestrado em sociologia). Maceió: PPGS/Universidade Federal de Alagoas, 2021.; Feltran et al., 2022Feltran, Gabriel de Santis et al. “Variações nas taxas de homicídios no Brasil: uma explicação centrada nos conflitos faccionais”. Dilemas, n. 4, 2022, pp. 311-48.; Motta et al., 2022Motta, Luana et al. “Fora do crime no ‘mundo do crime’: experiências juvenis em meio à guerra em periferias de Maceió e Belo Horizonte”. Dilemas, n. 4, 2022, pp. 387-414.; Rocha, 2015Rocha, Rafael Lacerda Silveira. “A guerra como forma de relação: uma análise das rivalidades violentas entre gangues em um aglomerado de Belo Horizonte”. Dilemas, v. 8, n. 2, 2015, pp. 277-301.; Rodrigues, 2020Rodrigues, Fernando de Jesus; Santos, Alana Barros; Silva, Ada Rízia Barbosa da. “Notas sobre redes de proteção: facção, família e crime em periferias urbanas de Alagoas”. Diversitas Journal, n. 5, v. 3, 2020, p. 2297-316.; Santos, 2021Santos, Alana Barros. Afetos marginais e tramas no crime: cursos sentimentais, de sobrevivência e de aventura entre socioeducandas alagoanas. Dissertação (mestrado em sociologia). Maceió: PPGS/Universidade Federal de Alagoas, 2021.). Seu pai, Moacir, foi assassinado por rivais do PCC depois de ter saído do sistema prisional. Depois disso, Blanca e a mãe decidiram se tornar irmãs da Assembleia de Deus, mas ficaram sob ameaça dos antigos aliados do CV, desconfiados de que elas pudessem estar mudando de lado.

Se as instabilidades são um elemento constituinte da formação de alianças e rivalidades criminais nas margens de Maceió, a dimensão familiar, a família enquanto rede de proteção e afeto, parece garantir algum senso de estabilidade para pessoas como Blanca e Nice, que estavam em uma posição profundamente vulnerável, ainda que de prestígio, em razão de uma série de circunstâncias, inclusive a forma como os marcadores de geração e gênero estão intersectados na produção de desconfianças e violências. Basta relembrar os relatos de jovens mulheres mortas em cobranças, acusadas de estar “levando fofocas”, informações preciosas, de uma quebrada a outra, entre rivais de facções opostas. São situações nebulosas, envolvendo relacionamentos afetivos e possibilidade de circulação por entre quebradas.

Chamamos a atenção para como, em algumas situações, as fronteiras entre boca de fumo, aliados do CV e família consanguínea ficam borradas e sobrepostas. A sobrevivência de Blanca nos momentos de risco foi garantida pelo esforço coletivo da rede de pares de seu pai, de compadres, de alianças traduzidas em termos de família, de modo a produzir obrigações morais que protegeram sua vida (Sarti, 1994Sarti, Cynthia Andersen. A família como espelho: um estudo sobre a moral dos pobres. Tese (doutorado em antropologia). São Paulo: PPGAS/Universidade de São Paulo, 1994.; Telles, 1993Telles, Vera da Silva. “Pobreza e cidadania: dilemas do Brasil contemporâneo”. Caderno CRH , n. 19, 1993, pp. 1-14.). A dimensão familiar ganha importância ainda mais vital se considerarmos o mencionado processo de urbanização-periferização da cidade de Maceió, quando famílias inteiras foram levadas a uma situação de pobreza, desemprego e subalternização. A história recente da urbanização de Maceió é uma história de profusão de cidades de lona construídas nas margens urbanas, ocupadas por famílias desajustadas ao ritmo de vida urbana e sem condições de assumir os poucos postos de trabalho existentes (Santos, 2022Santos, Nido Farias. Diversão e lutas por valor humano: os circuitos periféricos de som automotivo em cidades alagoanas. Tese (doutorado em sociologia). Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2022.; Lima, 2020Lima, Weldja Marques da Silva. Do conflito à re-volta: o deslocamento campo-cidade-campo entre camponeses em Alagoas. Dissertação (mestrado em sociologia). Maceió: PPGS/Universidade Federal de Alagoas, 2020., p. 53). É nesse quadro que as redes constituídas a partir de uma gramática familiar, consanguínea ou não, se constituem como espaços de sobrevivência, como redes de proteção.

FAMÍLIA COMO DISCURSO: JORGE E A FAMÍLIA COM ESTATUTO EM SÃO LUÍS (MA)

Em São Luís, também há um quadro de urbanização e periferização recente, ocorrida por volta dos anos 1990. Nesse processo, as margens da cidade e a população jovem desses territórios, bem como as práticas culturais a eles associadas, passaram a ser alvo de criminalização. A principal diferença em relação à Maceió é o surgimento de grupos faccionais locais, que, apesar das ligações com as siglas nacionais, mantêm uma identidade própria (Feltran et al., 2022Feltran, Gabriel de Santis et al. “Variações nas taxas de homicídios no Brasil: uma explicação centrada nos conflitos faccionais”. Dilemas, n. 4, 2022, pp. 311-48.).

Na capital do Maranhão, a gênese dos grupos faccionais locais tem relação direta com conflitos internos do sistema prisional. O antagonismo entre os presos de origem interiorana e os presos oriundos da capital deu origem aos primeiros coletivos criminais organizados. Os presos que vinham para a Penitenciária de Pedrinhas, em São Luís, transferidos dos municípios do interior, sentiam-se oprimidos pelos presos da capital, que, além de contarem com o suporte mais próximo dos familiares, traziam das ruas amizades e relações de solidariedade entre si.

Em resposta a essa opressão, na virada de 2010, o Primeiro Comando do Maranhão (PCM), formado majoritariamente por presos do interior, toma corpo (Silva, 2020Silva, Luiz Eduardo Lopes. “Trilha sonora da guerra”: análise das facções maranhenses e da formação da sensibilidade da juventude faccionada a partir do proibidão. Tese (doutorado em educação). Niterói: PPGE/Universidade Federal Fluminense, 2020.). O surgimento do PCM é sentido pelos “malandros” da capital como uma reconfiguração de forças dentro da cadeia, o que os leva a também se organizar em torno de uma nova facção, o Bonde dos 40 Ladrão (sic). Com o aumento das políticas de hiperencarceramento no estado (Dias, 2009Dias, Hertz da Conceição. Posse da liberdade: a integração neoliberal e a ruptura político-pedagógica do hip hop em São Luís, a partir de 1990. Dissertação (mestrado em educação). São Luís: PPGE/ Universidade Federal do Maranhão, 2009.), que torna mais intenso o fluxo entre a cadeia e as favelas, essa rivalidade se transfere para o “mundão”, fazendo com que os membros das facções passassem a disputar mais agudamente o domínio dos territórios com seus adversários.

A partir dos anos 2010, os pequenos grupos locais passaram a ser pressionados pelo movimento de faccionalização. O pico de homicídios ocorrido em 2013 marca o período mais violento da capital. Grupos autônomos que resistiam à transição logo se tornavam alvos de constrangimentos potencialmente letais. A imposição da disciplina, nesse primeiro momento, foi por meio da força (Feltran et al., 2022Feltran, Gabriel de Santis et al. “Variações nas taxas de homicídios no Brasil: uma explicação centrada nos conflitos faccionais”. Dilemas, n. 4, 2022, pp. 311-48.).

A chegada do Bonde dos 40 no bairro da Mangueira e o estabelecimento de sua hegemonia no Complexo da Floresta devem ser compreendidos de maneira conjunta com os conflitos ocorridos no presídio de Pedrinhas, especialmente na última década, quando a dialética presídio-facção se torna mais intensa (Silva, 2020Silva, Luiz Eduardo Lopes. “Trilha sonora da guerra”: análise das facções maranhenses e da formação da sensibilidade da juventude faccionada a partir do proibidão. Tese (doutorado em educação). Niterói: PPGE/Universidade Federal Fluminense, 2020.). Até 2012, os conflitos armados entre as pequenas fraternidades criminais impunham fortes restrições à circulação dos jovens, especialmente entre o bairro da Mangueira e os vizinhos do Limoeiro.

Em 2013, os faccionados identificados com o Bonde dos 40 orquestraram um ataque, de dentro do presídio de Pedrinhas, para “tombar os alemães” do Limoeiro. Ao obterem sucesso, a hegemonia conquistada pela facção Bonde dos 40 teve implicações para a sociabilidade interna do bairro, que passou a se autorreferir como família B.40, indicando uma relação de reciprocidade e compromissos morais diversa daquela que existia no período dos conflitos com o PCM.

Conflui para esse processo de estabelecimento de uma nova ética de resolução dos conflitos a ruptura nacional ocorrida entre PCC e CV em 2016, que pressionou as facções locais a se identificarem de maneira mais explícita com as siglas nacionais.7 7 Com a ruptura da aliança entre CV e PCC, a facção PCM, que representava localmente essa aliança, iniciou um processo de ruptura interna e aderiu em grande medida ao Comando carioca. Os faccionados do B.40 se aliaram aos Amigos dos Amigos, sem a transformação de sua sigla. Para saber mais sobre as transformações do crime maranhense, ver Luiz Eduardo Lopes Silva (2020). Como contraparte dessa figuração entre estabelecidos e outsiders, vimos uma reivindicação mais forte das normas de convivência interna aos grupos (Elias, 2000Elias, Norbert. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.; Jara, 2021Jara, Simon. A cobrança: os sensos de justiça das facções do Maranhão. Dissertação (mestrado em sociologia). São Carlos: PPGS/Universidade Federal de São Carlos, 2021.), traduzido na forma de um proceder faccional.

De maneira semelhante ao que vem sendo discutido nos estudos sobre o PCC (Marques, 2009Marques, Adalton. Crime, proceder, convívio-seguro: um experimento antropológico a partir de relações entre ladrões. Dissertação (mestrado em antropologia Social). São Paulo: FFLCH/Universidade de São Paulo. 2009.; Biondi, 2014Biondi, Karina. Etnografia no movimento: território, hierarquia e lei no PCC. Tese (doutorado em ciências humanas). São Carlos: PPGAS/Universidade Federal de São Carlos, 2014.), o surgimento de um proceder faccional entre os membros do Bonde não se restringe à criação de um conjunto de regras de conduta - visto que mesmo no período pré-faccional já era possível encontrar, ainda que de modo localizado, tentativas de normalização internas aos bairros (Silva, 2020Silva, Luiz Eduardo Lopes. “Trilha sonora da guerra”: análise das facções maranhenses e da formação da sensibilidade da juventude faccionada a partir do proibidão. Tese (doutorado em educação). Niterói: PPGE/Universidade Federal Fluminense, 2020.), tal como a proibição de assaltos ou a punição de pessoas acusadas de estupro. O proceder diz respeito também a uma mudança na conduta em relação aos acordos coletivos, aos contratos comerciais e aos “irmãos de camisa”, fato que fez com que Jorge controlasse sua ira ao encontrar o “cracudo” que lhe devia dinheiro.

Vale destacar que as dinâmicas criminais no Complexo da Floresta, especificamente a cena narrada das interações entre jovens envolvidos no mercado ilegal de drogas no bairro da Mangueira, se desenrolam em um contexto em que o domínio do Bonde dos 40 é estável, de modo que o conflito armado entre facções, também representado pela analogia da guerra, não surgiu senão nos relatos de Jorge enquanto traçava um histórico do mundo do crime no bairro. Mas não se trata do fim dos conflitos; sobretudo, é uma nova forma de resolução entre irmãos, que se fia em sensos de justiça e busca controlar o exercício da violência física privada (Jara, 2021Jara, Simon. A cobrança: os sensos de justiça das facções do Maranhão. Dissertação (mestrado em sociologia). São Carlos: PPGS/Universidade Federal de São Carlos, 2021.). Em comparação, no caso de Blanca, há uma fricção entre proceder e família que produz acomodações em algumas situações, mas divide as pessoas pela honra. No caso do Complexo da Floresta, família e proceder atuam na equalização do status e na manutenção de comunidades não consanguíneas.

Desde 2017 há uma espécie de sedimentação do poder das facções na capital maranhense, tendo o Bonde dos 40 dominado a maior parte das periferias da cidade. Com o aprofundamento do domínio de uma sigla faccional, há a disseminação de um proceder, um estatuto, que acaba por regular e mediar os conflitos letais e pacificar as contendas anteriores a esse proceder.

A pulverização de pequenos grupos locais se reduziu a uma disputa entre dois blocos: um formado pelo CV e seus aliados, e aquele formado pelo B.40, que estabelece uma aliança conjuntural com o PCC. A guerra, antes disseminada, passou a se concentrar nos territórios em disputa pelas duas siglas, as regiões de fronteira (Canjão, 2018Canjão, Isanda Maria Falcão. Não entra errado, tá Iraque tá o terror: deslocamento habitacional e sociabilidade violenta em um bairro de São Luís. Tese (doutorado em ciências sociais). São Luís: PPGSoc/Universidade Federal do Maranhão, 2018.; Silva, 2020Silva, Luiz Eduardo Lopes. “Trilha sonora da guerra”: análise das facções maranhenses e da formação da sensibilidade da juventude faccionada a partir do proibidão. Tese (doutorado em educação). Niterói: PPGE/Universidade Federal Fluminense, 2020.). As regiões que antes eram consideradas as mais violentas da cidade, sob a hegemonia de uma mesma facção, tiveram então uma redução drástica no número de crimes letais (Feltran et al., 2022Feltran, Gabriel de Santis et al. “Variações nas taxas de homicídios no Brasil: uma explicação centrada nos conflitos faccionais”. Dilemas, n. 4, 2022, pp. 311-48.).

A cena da cobrança feita por Jorge nos ajuda a entender essa nova ética criminal. Retornemos então a ela. No cruzamento entre a rua do mercado e a rua Mestre Ambrósio, depois de cobrar o “cracudo”, Jorge voltou ao caminho do campo. Passado o momento de tensão, ele explicou melhor a história. Tratava-se de um cliente que tempos atrás havia feito um acordo com ele: sem dinheiro para pagar uma pedra (o valor mínimo para se comprar uma “raspa” é R$ 5,00), Jorge lhe propôs que amolasse um facão e vendesse uma bicicleta velha. Em troca receberia um pouco de droga para fumar. Diferentemente daquilo que havia sido combinado, o homem sumiu com a bicicleta e o facão. Sua velha bicicleta havia sido “fritada”, isto é, trocada por pedras de crack que o homem havia fumado.

Apesar de ter subido o tom com o “cracudo” e tê-lo coagido fisicamente, Jorge não partiu para a agressão física e logo expôs sua insatisfação com o homem, que não “passava a transparência” daquilo que havia ocorrido. Apesar da raiva, ponderou o que os outros poderiam pensar, caso o vissem batendo no homem sem conhecer a história. Para que ele não fosse visto como “mau”, teria de justificar que se tratava de um “vacilão”, assim como havia feito em nossa curta conversa.

A cena é importante, pois: 1) demonstra um cálculo a respeito do uso da violência como algo que precisa ser justificado para as pessoas ao redor, sob o risco de ser visto como um homem “malvado”; 2) ao demonstrar preocupação com a vizinhança, revela também uma dimensão comunitária que o crime busca construir, na medida em que reivindica um regime normativo como forma de ordenar o bairro; 3) além disso, revela o caráter relacional da formação dos grupos sociais e de sua normatividade, seja internamente (Rui, 2021Rui, Taniele. “Nojo, humilhação e vergonha no cotidiano de usuários de crack em situação de rua”. Anuário Antropológico, v. 46, n. 3, 2021, pp. 85-107.), seja externamente (Grillo, 2019Grillo, Carolina Cristoph. “Da violência urbana à guerra: repensando a sociabilidade violenta. Rio de Janeiro”. Dilemas, v. 12, n. 1, 2019, pp. 62-92.; Jara, 2021Jara, Simon. A cobrança: os sensos de justiça das facções do Maranhão. Dissertação (mestrado em sociologia). São Carlos: PPGS/Universidade Federal de São Carlos, 2021.; Misse, 2003Misse, Michel. “O movimento: a constituição e reprodução das redes do mercado informal ilegal de drogas a varejo no Rio de Janeiro e seus efeitos de violência”. In: Cruz, Marcelo Santos; Baptista, Marcos; Matias, Regina (orgs.). Drogas e pós-modernidade, v. 2: Faces de um tema proscrito. Rio de Janeiro: Eduerj, 2003.).

O domínio do Bonde dos 40 no Complexo da Floresta e a reivindicação de seu ordenamento, de maneira análoga àquilo que Gabriel Feltran (2012Feltran, Gabriel de Santis. Governo que produz crime, crime que produz governo: o dispositivo de gestão do homicídio em São Paulo. Revista Brasileira de Segurança Pública, v. 6, n. 2, 2012, pp. 232-55.) chamou de expansão do mundo do crime, representa o surgimento de outro ator social que passa a reivindicar o monopólio do uso da força. Ainda que a atitude do “cracudo” tenha despertado a ira de Jorge, ele sabia que, se punisse o homem na frente de todos sem a devida justificação, sua atitude isolada poderia se virar contra ele, com sanções físicas ou com a perda do respeito dos vizinhos. São essas transformações que expressam uma sedimentação da disciplina faccional, expressa mais claramente na redução da taxa de homicídios em meados dos anos 2010.

O surgimento da família Bonde representou um alargamento das relações e uma nova ética para lidar com os desentendimentos internos no Complexo. Quebradas rivais passaram a se relacionar num registro de fraternidade, fazendo com que a hostilidade mútua que havia entre os bairros vizinhos fosse reposta nas disputas contra os alemães das facções rivais. Os laços de identificação local se fortaleceram e as disputas entre os moradores do Complexo, agora considerados irmãos, passaram a ser mediadas pelo senso de justiça criminal.

O caso de Jorge expressa uma transformação no cenário do crime em São Luís que, por um lado, tem raízes em antigas fraternidades e rivalidades locais - como demonstra a própria manutenção das referências ao PCM e ao B.40 -, e, por outro, representa o modo como se deu a expansão faccional. Aqui, a metáfora da família se expressa de forma mais clara como discurso. É a família com estatuto, conforme Jorge nos explica, menos literal do que a família como rede, consanguínea no caso de Blanca, mas que também pressiona a pacificação das relações entre atores criminais no Complexo, entre os irmãos da família B.40. Como Cynthia Sarti (1994Sarti, Cynthia Andersen. A família como espelho: um estudo sobre a moral dos pobres. Tese (doutorado em antropologia). São Paulo: PPGAS/Universidade de São Paulo, 1994.) nos ajuda a entender, as relações traduzidas em termos de família obrigam a compromissos morais, e o outro passa a servir como referência para a constituição das identidades sociais dos indivíduos.

CONCLUSÃO

A partir de 2016, o que ficou conhecido como uma expansão das facções nacionais para diferentes regiões do país ganhou destaque na imprensa e nas agendas de pesquisa. Após os episódios de massacres em penitenciárias do Norte e Nordeste e dos assassinatos de destacados atores criminais na fronteira internacional oeste do Brasil, iniciou-se um período de guerra entre facções em diversos estados. Desde então, tem se consolidado um esforço para se compreender os desdobramentos do proceder faccional na regulação de mercados e redes criminais nas margens urbanas menos conhecidas do Brasil, em diálogo com pesquisas realizadas há mais de duas décadas nos redutos do PCC e do CV (Barros et al., 2018Barros, João Paulo Pereira et al. “‘Pacificação’ nas periferias: discursos sobre as violências e o cotidiano de juventudes em Fortaleza”. Revista de Psicologia, v. 9, n. 1, 2018, pp. 117-28.; Carvalho, 2021Carvalho, Ada Rízia Barbosa. Cadeias de tensão: repertórios disciplinares de facções e do sistema em unidades de internação alagoanas. Dissertação (mestrado em sociologia). Maceió: PPGS/Universidade Federal de Alagoas, 2021.; Candotti, 2022Candotti, Fábio Magalhães. “‘Quando a massa erra, o Estado avança’: notas sobre transformações carcerárias e criminais em Manaus”. Tomo, v. 1, n. 40, 2022, pp. 197-240.; Feltran et al., 2022Feltran, Gabriel de Santis et al. “Variações nas taxas de homicídios no Brasil: uma explicação centrada nos conflitos faccionais”. Dilemas, n. 4, 2022, pp. 311-48.; Jara, 2021Jara, Simon. A cobrança: os sensos de justiça das facções do Maranhão. Dissertação (mestrado em sociologia). São Carlos: PPGS/Universidade Federal de São Carlos, 2021.; Lien, 2020Lien, Nicolas Santiago. Política, Poder y Violencia: La realidad del Crimen Organizado en Córdoba. Tese (doutorado em ciencias políticas y gobierno). Córdoba: PPGCPG/Universidad Católica de Córdoba Facultad, 2020.; Lourenço; Almeida, 2013Lourenço, Luiz Claudio; Almeida, Odilza Lines. “‘Quem mantém a ordem, quem cria desordem’: gangues prisionais na Bahia”. Tempo Social, v. 1, n. 25, 2013, pp. 37-59.; Manso; Dias, 2017Manso, Bruno Paes; Dias, Camila Caldeira Nunes. “PCC, sistema prisional e gestão do novo mundo do crime no Brasil”. Revista Brasileira de Segurança Pública , v. 2, n. 11, 2017, pp. 10-29.; Matos Júnior; Santiago Neto; Pires, 2022Matos Júnior, Clodomir Cordeiro de; Santiago Neto, João Pedro Cordeiro; Pires, Artur de Freitas. “Mercados ilegais e dinâmicas criminais: notas sobre as transformações do tráfico de drogas nas periferias de Fortaleza”. Tomo, v. 1, n. 40, 2022, pp. 39-62.; Paiva, 2019Paiva, Luís Fábio S. “‘Aqui não tem gangue, tem facção’: as transformações sociais do crime em Fortaleza, Brasil”. Caderno CRH, v. 85, n. 32, 2019, pp. 165-84.; Pinho, 2022Pinho, Isabela Viana. O mercado transnacional de cocaína no Brasil: etnografia no porto e em uma favela em Santos. Projeto de pesquisa (doutorado em sociologia). São Carlos: PPGS/Universidade Federal de São Carlos, 2022.; Pires, 2018Pires, Artur de Freitas. “A vida do crime é louca”: as relações criminais em um complexo de favelas. Dissertação (mestrado em sociologia). Fortaleza: PPGS/Universidade Federal do Ceará, 2018.; Rodrigues, 2020Rodrigues, Fernando de Jesus; Santos, Alana Barros; Silva, Ada Rízia Barbosa da. “Notas sobre redes de proteção: facção, família e crime em periferias urbanas de Alagoas”. Diversitas Journal, n. 5, v. 3, 2020, p. 2297-316.; Rodrigues et al., 2022Rodrigues, Fernando de Jesus et al. “Políticas, mercados e violência no Norte e Nordeste do Brasil”. Tomo, v. 40, n. 1, 2022, pp. 8-39.; Santos, 2021Santos, Alana Barros. Afetos marginais e tramas no crime: cursos sentimentais, de sobrevivência e de aventura entre socioeducandas alagoanas. Dissertação (mestrado em sociologia). Maceió: PPGS/Universidade Federal de Alagoas, 2021.; Silva, 2020Silva, Luiz Eduardo Lopes. “Trilha sonora da guerra”: análise das facções maranhenses e da formação da sensibilidade da juventude faccionada a partir do proibidão. Tese (doutorado em educação). Niterói: PPGE/Universidade Federal Fluminense, 2020.; Siqueira; Paiva, 2019Siqueira, Ítalo Barbosa Lima; Paiva, Luís Fábio S. “‘No Norte, tem Comando’: as maneiras de fazer o crime, a guerra e o domínio das prisões do Amazonas”. Revista Brasileira de Sociologia, v. 17, n. 7, 2019, pp. 125-54.; Nascimento; Siqueira, 2022Nascimento, Francisco Elionardo de Melo; Siqueira, Ítalo Barbosa Lima. Dinâmicas “faccionais” e políticas estatais entre o dentro e o fora das prisões do Ceará. Tomo, n. 40, v. 1, 2022, pp. 123-64.).

O processo de faccionalização forçada inaugurado em 2016 e as subsequentes guerras que se espraiaram nos estados do Norte e Nordeste deram a tônica de uma ativação de fronteiras (Tilly, 2003Tilly, Charles. The Politics of Collective Violence. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.) no qual as fraternidades criminais se viram compelidas a demonstrar de modo mais intenso suas filiações ao CV ou PCC como forma de se posicionar diante dos conflitos. Isso não representou, todavia, o fim dessas fraternidades. Pelo contrário, ao longo deste artigo, procuramos demonstrar a importância de conhecê-las para entender as especificidades que a faccionalização apresenta em Alagoas e no Maranhão.

Os excertos etnográficos sobre Blanca e Jorge iluminam aspectos das transformações, continuidades e tensões operadas nos últimos anos. Se no caso de Blanca percebemos mais claramente as fricções em torno de uma ordem negociada a partir do prestígio de uma família atuante no mercado de drogas, no caso de Jorge vemos como a ordem é reivindicada a partir de uma acomodação entre parcerias nomeadas como família com estatuto que mobilizam um ideal de equalização entre pares.

Indo mais a fundo, podemos dizer que tais relatos são elucidativos da incompletude da cidadania no Brasil para camadas extensas da população, condição inseparável da gênese das facções nas últimas décadas. A precariedade de vida e o cotidiano de negação de garantias básicas, que encontram o paroxismo nas margens (Telles, 1993Telles, Vera da Silva. “Pobreza e cidadania: dilemas do Brasil contemporâneo”. Caderno CRH , n. 19, 1993, pp. 1-14.; Souza, 2018Souza, Jessé. Subcidadania brasileira: para entender o país além do jeitinho brasileiro. Rio de Janeiro: LeYa, 2018.), pressionam a formação de coletivos de distintos matizes e compromissos político-ideológicos. Com isso, não é nossa intenção corroborar as correlações imediatas entre pobreza, crime e violência. Queremos chamar a atenção para como tal precariedade tem estatuto não apenas econômico, mas também político, de negação do “direito a ter direitos” (Côrtes, 2005Côrtes, Mariana. O bandido que virou pregador: a conversão de criminosos ao pentecostalismo e suas carreiras de pregadores. Dissertação (mestrado em sociologia). São Paulo: PPGS/Universidade de São Paulo, 2005.; Feltran, 2014Feltran, Gabriel de Santis. “O valor dos pobres: a aposta no dinheiro como mediação para o conflito social contemporâneo”. Caderno CRH, v. 27, n. 72, 2014, pp. 495-512.). Aquilo que tendemos a enxergar como crise de um ideal democrático nunca consolidado não se situa num vazio, mas produz tramas (Tsing, 2020Tsing, Anna Lowenhaupt. Friction: délires et faux-semblant de la globalité. Paris: Les Empêcheurs de Penser en Rond, 2020.), alianças, coletivos diversos e até mesmo “ligações perigosas”, muitas delas agonísticas, mas que reagem ao mundo no qual se constituem (Côrtes, 2005Côrtes, Mariana. O bandido que virou pregador: a conversão de criminosos ao pentecostalismo e suas carreiras de pregadores. Dissertação (mestrado em sociologia). São Paulo: PPGS/Universidade de São Paulo, 2005.; Misse, 1997Misse, Michel. “As ligações perigosas: mercado informal ilegal, narcotráfico e violência no Rio”. Contemporaneidade e Educação, v. 1, n. 2, 1997, pp. 93-116.).

E chama a atenção como os termos familiares, das fraternidades, são mobilizados por coletivos criminais que reagem violenta, mas também politicamente (embora não amparados num ideal democrático-republicano) (Feltran, 2023Feltran, Gabriel de Santis. “Lula ainda não despertou para a contrarrevolução de jagunços. Folha de S.Paulo, 16 mar. 2023. Disponível em: <Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2023/03/lula-ainda-nao-despertou-para-a-contrarrevolucao-dos-jaguncos.shtml >. Acesso: 16/3/2023.
https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissi...
) aos processos históricos de subalternização, criminalização e violações. O caráter literal-metafórico que a família assumiu nas fraternidades criminais analisadas simboliza ideais formados em posições sociais nas quais a continuidade diária da existência depende da produção de solidariedades não mediadas, porque cotidianamente distantes, pelas abstrações dos direitos, da igualdade e da cidadania.

A família fornece a partilha de um limiar social de pertencimento, cooperação e retribuição requerido pelo estado de precariedade e desproteção que descreve muitas vidas nas margens. Esse ideal tanto horizontaliza a relação entre irmãos no Complexo da Floresta quanto constitui autoridade em Monte Santo, e parece elucidativo das referências semelhantes que distintas facções fazem uso para expressar diferenciais de poder e legitimação de autoridades - irmãos, cunhados, padrinhos. Tais noções sobre família são importantes para a compreensão dos mecanismos complexos e sutis de produção de violência coletiva expressos com o surgimento e a expansão das facções no país.

A questão, entretanto, sugere um segundo momento, que foge ao escopo deste artigo. Trata-se da comparação mais demorada que as distintas cenas maceioenses e ludovicenses ensejam do funcionamento dos mercados ilegais de drogas, armas e proteção. Antes disso, porém, exige-se o refinamento dos instrumentos analíticos para a compreensão da fina tessitura entre expansão faccional e dinâmicas locais do crime. Enfim, as fraternidades criminais, os modos de articulação, complementaridade e atrito com a lógica faccional precisam ser levados em conta para tal fim.

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  • 1
    Este artigo é resultado da pesquisa “Conexões Marginais: periferias, mercados ilegais e a expansão das facções criminais no Brasil”, que é uma parceria entre os grupos de pesquisa Gruppaes, da UFAL, e NaMargem, da UFSCar. O projeto é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Alagoas e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, através do edital Fapeal/Fapesp 05/2019. Contribuíram para a elaboração do texto Fernando Rodrigues, que esteve conosco nos primeiros esboços delineados, bem como os demais pesquisadores e amigos que compõem o grupo Conexões Marginais. Nossos agradecimentos ainda a Deborah Fromm, pela leitura atenta e sempre provocadora, a Taniele Rui, pela leitura do texto ainda em seu estágio inicial, e à Rede de Estudos Periféricos, especialmente aos pesquisadores Luiz Eduardo e Ailton Penha, pela concessão da entrevista que nos serviu como material para análise.
  • 2
    Para narrar essa cena de cobrança, tomamos como referência vídeos que circulam por aplicativos de mensagem. Não se trata necessariamente de Blanca e da situação que lhe ocorreu, mas, a partir de sua descrição, o vídeo serviu como referência para representarmos ficcionalmente seu relato.
  • 3
    Todos os nomes de pessoas e lugares mencionados neste artigo são fictícios.
  • 4
    Termo utilizado para se referir às forças de segurança, mobilizado por pessoas próximas ou inseridas no mundo do crime.
  • 5
    O trabalho de Fernanda Gobbi (2021Gobbi, Fernanda. “É tudo uma questão de conhecer o lugar: dinâmicas sociais, políticas e econômicas da prática de agiotagem popular nas periferias de São Paulo”. Paper apresentado no 45º Encontro Anual da Anpocs, 2021.) sobre as transações econômicas informais-ilegais nos permite compreender que as relações econômicas são também relações morais, uma vez que a negociação entre agentes econômicos heterogêneos depende de constantes avaliações e negociações a respeito de seu cumprimento.
  • 6
    Entrevista realizada pelos pesquisadores Luiz Eduardo Lopes Silva e Ailton Penha, membros da Rede de Estudos Periféricos, a quem agradecemos pela partilha do material.
  • 7
    Com a ruptura da aliança entre CV e PCC, a facção PCM, que representava localmente essa aliança, iniciou um processo de ruptura interna e aderiu em grande medida ao Comando carioca. Os faccionados do B.40 se aliaram aos Amigos dos Amigos, sem a transformação de sua sigla. Para saber mais sobre as transformações do crime maranhense, ver Luiz Eduardo Lopes Silva (2020Silva, Luiz Eduardo Lopes. “Trilha sonora da guerra”: análise das facções maranhenses e da formação da sensibilidade da juventude faccionada a partir do proibidão. Tese (doutorado em educação). Niterói: PPGE/Universidade Federal Fluminense, 2020.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    28 Out 2022
  • Aceito
    03 Abr 2023
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