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JOSÉ POMPILIO DA HORA E O “RACISMO NO ITAMARATY”

José Pompilio da Hora and “Racism at Itamaraty”

RESUMO

No período pós-guerra, surgiu a acusação da existência de “racismo no Itamaraty”. A finalidade deste artigo é examinar como esse assunto foi tratado pela imprensa brasileira e pelas lideranças negras, a partir sobretudo da repercussão do episódio de suposta discriminação racial que o professor negro José Pompilio da Hora teria sofrido, por parte do Instituto Rio Branco, quando se inscreveu no concurso admissional para a carreira diplomática.

PALAVRAS-CHAVE:
raça; negro; racismo; Itamaraty; diplomacia

ABSTRACT

In the post-war era, an accusation of “racism at Itamaraty” arose. The purpose of this article is to examine how this subject was treated by the Brazilian press and by Black leaders, based mainly on the repercussion of the episode of alleged racial discrimination that the Black teacher José Pompilio da Hora would have suffered, on the part of the Rio Branco Institute, when he applied for the diplomatic career entrance exam.

KEYWORDS:
race; black; racism; Itamaraty; diplomacy

INTRODUÇÃO

Aceitem-me como sou!

James Baldwin (1980Baldwin, James. Marcas da vida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980., p. 434)

No início de outubro de 1959, O Semanário publicou uma reportagem denunciando o “racismo no Itamaraty” e solidarizando-se com José Pompilio da Hora, que lecionava “Direito Romano na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil”. Segundo o órgão da imprensa da então capital da República, o professor Pompilio da Hora era um “homem ilustre por todos os títulos: culto, inteligente, viajado”, que falava fluentemente inglês, alemão, italiano, francês e espanhol, dominava “inteiramente o latim e o grego, especializado em filologia e em psicologia, dotado, enfim, de todos os atributos e qualidades de um intelectual da mais alta estirpe, dos que verdadeiramente honram ao nosso país pela sua devoção às coisas do Espírito” (“Racismo no Itamarati…”, 1959, p. 2)“Racismo no Itamarati: solidariedade d’‘O Semanário’ ao professor José Pompilio da Hora”. O Semanário, ano 4, n. 179, 3-9 out. 1959, p. 2. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/149322/2692 >. Acesso em: 30/4/2023.
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. A partir dali, O Semanário passou a relatar o pretenso episódio de racismo envolvendo o ilustre professor:

Em 1946 […] o professor José Pompilio, seduzido pela carreira diplomática, inscreveu-se num concurso no Itamaraty. Ninguém melhor nem mais credenciado do que ele para servir, lá fora, o nosso país e dar brilho à Casa de Rio Branco, tão desprovida dele depois que se transformou em domínio privado de filhinhos de papai, jovens transviados e roborés entreguistas, com as raras exceções que existem simplesmente para confirmar a regra. Mas acontece que o professor José Pompilio da Hora é homem de cor: por isso foi barrado, sem que lhe dessem, aliás, a menor satisfação ou explicação. […]

O racismo é a abominação das abominações. Não conhecemos coisa mais repugnante do que ele, mais repelente, mais nojenta. É anticristão, anti-humano, antissocial, um atentado à Cultura, uma profanação das conquistas do homem na sua luta pela paz e pela fraternidade universais, além de uma violação da Lei Divina. […]

Não temos palavras para exprimir nossa indignação contra o acinte de que foi vítima o eminente professor José Pompilio da Hora. […]

Esse acinte, aliás, não o diminuiu. Diminuiu apenas os imbecis que o praticaram e que devem ir para a cadeia, para purgar o crime nefando que praticaram contra a mais do que nunca necessária unidade nacional do povo brasileiro. (“Racismo no Itamarati…”, 1959, p. 2)“Racismo no Itamarati: solidariedade d’‘O Semanário’ ao professor José Pompilio da Hora”. O Semanário, ano 4, n. 179, 3-9 out. 1959, p. 2. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/149322/2692 >. Acesso em: 30/4/2023.
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O Semanário fazia uma denúncia grave: havia uma interdição de pessoas negras à carreira diplomática no Itamaraty, nome pelo qual ficou conhecido o Ministério das Relações Exteriores do Brasil. O Itamaraty é o órgão responsável por formulação, desempenho e acompanhamento das relações do Brasil com outros países e organismos internacionais. Sua atuação abrange as vertentes política, comercial, econômica, cultural e consular das relações externas, áreas nas quais exerce as tarefas clássicas da diplomacia: representar, informar e negociar. Para ingressar na carreira diplomática a partir de 1946, havia a necessidade de prestar um concurso admissional ao Instituto Rio Branco, que tratava da formação e do aperfeiçoamento dos funcionários do Ministério das Relações Exteriores.

Portanto, era o Instituto Rio Branco que oferecia o curso de preparação ao corpo diplomático, um campo distinto do restante da burocracia do Estado. Desde a sua formação, tratou-se de um campo em que critérios de distinção - que incluíam fluência em línguas estrangeiras, conhecimentos de arte e cultura, refinamento no uso das etiquetas e nas formas de se vestir - constituíam ingredientes fundamentais para o exercício da profissão (Gobo, 2018Gobo, Karla. “Da exclusão à inclusão consentida: negros e mulheres na diplomacia brasileira”. Política & Sociedade, v. 17, n. 38, 2018, pp. 440-64. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.5007/2175-7984.2018v17n38p440 >. Acesso em: 17/2/2023.
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).

O Itamaraty selecionava jovens que pudessem representar o Brasil da maneira que o Ministério julgava apropriada, com o intuito de “vender ao estrangeiro a imagem idealizada do país” (Ricupero, 2017Ricupero, Rubens. A diplomacia na construção do Brasil (1750-2016). Rio de Janeiro: Versal, 2017., p. 433). Era uma espécie de pré-requisito ser de famílias tradicionais, das elites 1 1 O embaixador Marcos Azambuja (2011) definiu o Itamaraty como uma instituição da “elite da elite”. e, fundamentalmente, ser uma pessoa branca, para desse modo buscar reproduzir tal representação do povo brasileiro no exterior. Talvez tenha sido por isso que, no início do século XX, o escritor Lima Barreto relatou que, ao se dirigir ao Palácio do Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores, passou por uma experiência traumática. Recebeu o “tratamento que se dá ao comum dos mortais” (Barreto, 1961, p. 109Barreto, Lima. Diário íntimo: memórias. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1961.). O escritor não tinha dúvida de que fora vítima de preconceito racial. Aquele não era lugar para pessoas negras. Fato é que, até a década de 1960, não há registros de pessoas desse segmento populacional fazendo parte dos quadros do Itamaraty, em carreira diplomática.

O intuito deste artigo é discutir como esse assunto foi tratado pela imprensa brasileira e pelas lideranças negras, a partir sobretudo da repercussão do episódio de discriminação racial que José Pompilio da Hora teria sofrido, por parte do Instituto Rio Branco, quando se inscreveu no concurso de ingresso na carreira diplomática. A imprensa tendeu a condenar esse episódio de discriminação racial, enfatizando a retórica da fraternidade nacional de todos os cidadãos (negros, brancos e mestiços). Já as lideranças negras não só condenaram o “racismo no Itamaraty”, como também pressionaram o governo a adotar medidas corretivas contra esse mal.

Vale dizer que o artigo tem caráter heurístico e apresenta uma abordagem preliminar, dado que a temática - a complexa relação entre a diplomacia e a população negra no Brasil - ainda é pouco explorada do ponto de vista das pesquisas nos domínios de Clio. “Quando pensamos no passado como uma paisagem”, assevera John Gaddis (2003Gaddis, John Lewis. Paisagens da história: como os historiadores mapeiam o passado. Rio de Janeiro: Campus, 2003., p. 19), “a história é o modo pelo qual a representamos, e é este ato de representação que nos diferencia do familiar, deixando-nos vivenciar através de outrem o que não podemos experimentar diretamente.”

“EXISTE NO BRASIL UMA QUESTÃO RACISTA?”

Ao que tudo indica, o primeiro registro público relacionado às restrições à entrada de negros no Itamaraty foi realizado pelo Comitê Democrático Afro-Brasileiro, um agrupamento fundado no Rio de Janeiro em março de 19452 2 Sobre o Comitê Democrático Afro-Brasileiro, ver Sotero (2015). Ao se reunir para definir o programa e as diretrizes, o Comitê elaborou uma “declaração de princípios” na qual listava, entre outras reivindicações, a “abolição das seleções raciais e de cor na diplomacia” (O Jornal, 1945, p. 3)“Abolição de todas as seleções raciais”. O Jornal, ano 27, n. 7.638, 23 mar. 1945, p. 3. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/110523_04/26472 >. Acesso em: 3/7/2023.
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Traduzia, assim, a expectativa de alguns segmentos da sociedade civil brasileira que demandavam a necessidade de inclusão de pessoas negras como representantes do governo brasileiro no exterior.

O segundo registro público ligado às restrições à entrada de pessoas negras no Itamaraty teria ocorrido em 14 de março de 1946, durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte. Em longo discurso no plenário, Hamilton de Lacerda Nogueira - médico, professor, senador fluminense pela União Democrática Nacional (UDN) - denunciou as restrições discriminatórias presentes no Itamaraty. O Jornal do Commercio transcreveu a íntegra do discurso com o título “A questão racista no Brasil“A questão racista no Brasil”. Jornal do Commercio, ano 119, n. 138, 15 mar. 1946, p. 2. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_13/29649 >. Acesso em: 30/4/2023.
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”:

venho expressar aqui o pensamento de nosso Partido, que acredito seja de todos os que constituem esta egrégia Assembleia sobre a questão racista no Brasil.

Perguntarão, talvez: existe no Brasil uma questão racista? É possível que não exista nas leis, mas existe de fato, não somente em relação aos nossos irmãos pretos como em relação aos nossos irmãos israelitas.

Há uma questão de fato: restrição da entrada de pretos na Escola Militar, na Escola Naval, na Aeronáutica e, principalmente, na carreira diplomática. (“A questão racista…”, 1946, p. 2)“A questão racista no Brasil”. Jornal do Commercio, ano 119, n. 138, 15 mar. 1946, p. 2. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/364568_13/29649 >. Acesso em: 30/4/2023.
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O pronunciamento de Hamilton de Lacerda Nogueira na tribuna do Senado repercutiu na imprensa. Além do Jornal do Commercio, o Diário de Notícias de 15 de março de 1946 também noticiou que o senador acusou a existência de “restrições quanto aos negros no Brasil: não podem eles matricular-se nas Escolas de Guerra, Naval e da Aeronáutica nem seguir carreira diplomática” (“Dizendo existir…”, 1946“Dizendo existir restrições raciais no Brasil, pronuncia importante discurso o senador Hamilton Nogueira”. Diário de Notícias, ano 16, n. 7.174, 15 mar. 1946, p. 3. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/093718_02/27064 >. Acesso em: 29/4/2023.
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). De acordo com a reportagem, o discurso de Nogueira fez “uma ampla e bem apresentada discussão do problema racista”. E que, ao final, o senador foi “muito aplaudido” e “muito cumprimentado por representantes de todos os partidos” (“Dizendo existir…”, 1946, p. 3“Dizendo existir restrições raciais no Brasil, pronuncia importante discurso o senador Hamilton Nogueira”. Diário de Notícias, ano 16, n. 7.174, 15 mar. 1946, p. 3. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/093718_02/27064 >. Acesso em: 29/4/2023.
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).

Repercutindo o discurso do senador, Osório Borba, um colunista do Diário de Notícias, abordou o assunto na edição de 18 de março de 1946Borba, Osório. “O Itamarati anti-democrático”. Diário de Notícias, ano 16, n. 7.185, 28 mar. 1946b, p. 9. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/093718_02/27248 >. Acesso em: 29/4/2023.
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. Reportou que Nogueira tomou a iniciativa de denunciar a discriminação racial existente no Brasil. O Itamaraty, por exemplo, sendo um “reduto de reação, inspirado em tolíssimas veleidades de aristocracia”, insiste em incorrer na “prática da toleima racista - tão ridícula quanto odiosa num país de formação preponderantemente mestiça”. Segundo Borba, “os consulados tiveram durante anos instruções reservadas” de natureza discriminatória, com restrições contra “israelitas e homens de cor” (Borba, 1946a, p. 9)Borba, Osório. “O ‘Estado Novo’ racista”. Diário de Notícias, ano 16, n. 7.174, 18 mar. 1946a, p. 9. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/093718_02/27122 >. Acesso em: 29/4/2023.
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.

Naquele contexto, nenhuma instituição pública brasileira assumia o seu racismo. Prevalecia, do ponto de vista da sociedade civil e do Estado, a ideologia da democracia racial, ou seja, a ideia de que a nação oferecia a todos os seus cidadãos - negros, mestiços e brancos - convivência harmoniosa e igualdade de oportunidades em todas as áreas da vida pública: educação, política, mercado de trabalho, moradia etc. Dessa perspectiva, os afro-brasileiros desfrutavam de oportunidades para se inserir e ascender socialmente, com igualdade de condições com todos os seus compatriotas na luta por bens públicos e privados, num grau desconhecido em qualquer outra sociedade multirracial do mundo. Foi assim que o Brasil - o último país do mundo cristão a abolir a escravidão - tornou-se o primeiro a se proclamar uma democracia racial: uma sociedade que teria oferecido uma genuína igualdade de oportunidades a todos os seus cidadãos, libertando-se da tensão, da discriminação e dos conflitos raciais (Andrews, 1998Andrews, George Reid. Negros e brancos em São Paulo (1888-1988). São Paulo: EdUSC, 1998.; Graham, 2019Graham, Jessica. Shifting the Meaning of Democracy: Race, Politcs, and Culture in United States and Brazil. Oakland: University of California Press, 2019.).

No decorrer do século XX, tanto os governos democráticos como os autoritários transformaram a narrativa da democracia racial brasileira numa ideologia oficial. À luz dessa ideologia, a diplomacia esposou a tese de que, no Brasil, em decorrência da miscigenação, inexistiam barreiras para o livre progresso da população negra, por um lado, e uma consciência de raça na minoria branca, por outro. Nessa visão, já haveria até mesmo um dispositivo meritocrático de mobilidade social para os mestiços, que ocupavam posições de destaque na medida em que tinham capital educacional e cultural (Guimarães, 2001Guimarães, Antonio Sérgio Alfredo. “Democracia racial: o ideal, o pacto e o mito”. Novos Estudos Cebrap, ed. 61, v. 3, 2001, pp. 147-62. Disponível em: <Disponível em: https://novosestudos.com.br/produto/edicao-61/#591babcfae112 >. Acesso em: 17/2/2023.
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).

A realidade brasileira, de desigualdades e contradições raciais, era distinta daquela que a ideologia oficial apregoava. A retórica da democracia racial serviu para legitimar e omitir o cenário da desigualdade racial ao invocar o seu oposto. Era patente, em termos de sociedade civil e Estado, que as pessoas negras continuavam, depois da abolição em 1888, a ocupar uma posição subalterna na sociedade brasileira. Porém, com a narrativa de que, mesmo durante a escravidão, o Brasil havia encampado o ideal de igualdade racial e, com a abolição, ele a havia alcançado, o chamado mito da democracia racial isentou o racismo institucional 3 3 Racismo institucional pode ser definido como aquele em que as instituições (públicas e privadas) estruturam-se a partir de uma dinâmica que confere privilégios e desvantagens com base na raça. Ou seja, as instituições são regidas a partir de mecanismos de funcionamento, normas sociais e padrões de condutas que atribuem benefícios e prejuízos a determinados grupos raciais (Hamilton; Kwane, 1967). e cotidiano de qualquer responsabilidade adicional pela situação da população negra e colocou essa responsabilidade diretamente nos ombros desse segmento populacional (Alberto, 2017Alberto, Paulina. Termos de inclusão: intelectuais negros brasileiros no século XX. Campinas: Ed. Unicamp, 2017.). Seja como for, a prática do racismo por parte das instituições públicas despertou reações, contestações e a cobrança de evidências que sustentassem a acusação.

Em 28 de março 1946, o jornalista Osório Borba, do Diário de Notícias, voltou a pautar o assunto das “discriminações raciais”, criticando o que chamou de “O Itamaraty antidemocrático”:


José Pompílio da Hora (retrato). Fotografia sem registro de autoria.

Se essas discriminações formalmente vedadas pelas Constituições que temos tido não constam de disposições legais, nem por isto deixam de ser, em certos casos e certas circunstâncias, estabelecidas praticamente, nas normas administrativas, por meios indiretos, como no caso das dificuldades sabidamente opostas à admissão de pessoas de cor em determinados cursos ou em determinados serviços. […]

É notória a tendência do Itamaraty para fechar os seus quadros, para erigir em casta a carreira diplomática. (Borba, 1946bBorba, Osório. “O Itamarati anti-democrático”. Diário de Notícias, ano 16, n. 7.185, 28 mar. 1946b, p. 9. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/093718_02/27248 >. Acesso em: 29/4/2023.
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, p. 9)

Em 27 de abril de 1946, o Diário Carioca publicou uma reportagem acerca da conferência do professor Tales de Azevedo, realizada no dia anterior sob os auspícios da Federação Negra do Brasil. Segundo o eminente conferencista, havia recrudescido o “preconceito de raça” no Brasil. Após a preleção de Azevedo, foi aberto debate a respeito do assunto, momento no qual várias pessoas da audiência se manifestaram, entre elas o professor José Pompilio da Hora, que relatou as dificuldades enfrentadas, recentemente, quando se candidatou ao concurso de ingresso no Itamaraty: “Inicialmente disseram-me que as inscrições já se haviam encerrado. Consegui, finalmente, apesar de tudo, efetuar minha inscrição. Ficaram de me mandar avisar o dia do exame. Ainda hoje”, concluiu o assertivo professor, “estou aguardando este aviso, embora todos os exames tenham já se realizado” (“Recrudesceu no Brasil…”, p. 11)“Recrudesceu no Brasil o preconceito de raça”. Diário Carioca, ano 19, n. 5.472, 27 abr. 1946, p. 11. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/093092_03/24407 >. Acesso em: 30/4/2023.
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.

UM “HOMEM DE COR” ERUDITO

Mas quem era José Pompilio da Hora? Era um baiano, nascido em Salvador, no seio de uma família muito carente. Em depoimento a Haroldo Costa, ele conta que, quando tinha de três para quatro anos, seus pais morreram e, a partir de então, viveu sob os cuidados de seu padrinho, Lorenzo Mario Pellegrino, um cônego italiano que, ao regressar a sua terra natal, levou-o para lá, juntamente com os seus irmãos Laurindo Pompilio da Hora e João Pompilio da Hora. Na Itália, ele fez toda a sua formação educacional, até o nível superior. Foi aluno do seminário católico, concluiu a sua graduação em direito pela Universidade de Nápoles e fez vários cursos complementares de línguas e história. Na época em que foi estagiário, trabalhou num prestigiado escritório na cidade de Nápoles, que pertencia ao advogado Enrico Di Nicola, que foi o primeiro presidente da República Italiana no pós-guerra (Hora, 1982Hora, José Pompilio. “José Pompilio Hora [Entrevista]”. In: Costa, Haroldo. Fala, crioulo: depoimentos. Rio de Janeiro: Record, 1982, pp. 84-8., p. 85; “‘Racismo religioso’…, 1951“ ‘Racismo religioso’ brasileiro discutido na Itália”. Diário de Notícias, ano 22, n. 8.898, 27 out. 1951, p. 4. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/093718_03/12754 >. Acesso em: 30/4/2023.
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).

Pompilio da Hora conta que, em 1943, ele e seus irmãos foram repatriados e, finalmente, vieram conhecer o Brasil. Instalaram-se no Rio de Janeiro, onde ele se tornou professor de latim, grego, filosofia, história geral e história do Brasil em instituições de ensino secundário (como Colégio Lafaiete, Colégio Pedro II e Instituto Souza Marques) e, posteriormente, lecionou na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil. Conforme declarou a Haroldo Costa, por um período sua “vida era de casa para a faculdade, de uma faculdade para outra faculdade, muitas vezes um colégio no meio, outra faculdade, e casa”. O ambiente escolar “era o meu clube, minha recreação, meu lazer, enfim, o meu ambiente permanente”. Foi nesse ambiente que ele conheceu Mirian Martins, uma ex-aluna branca, por quem se apaixonou. Mais tarde, ela se tornou sua esposa e mãe dos seus três filhos (Hora, 1982Hora, José Pompilio. “José Pompilio Hora [Entrevista]”. In: Costa, Haroldo. Fala, crioulo: depoimentos. Rio de Janeiro: Record, 1982, pp. 84-8., pp. 87-8).

Ao regressar ao Brasil, Pompilio da Hora foi vítima de uma série de episódios de discriminação racial. Relata que as hostilidades começaram pelas autoridades consulares durante a viagem. Quando se dirigiu a um diplomata, que também vinha de Roma, e disse que ao chegar ao Rio de Janeiro ele e seus dois irmãos não sabiam para onde ir, porque não tinham conhecimentos da cidade nem recursos, o diplomata teria respondido aridamente: “Quando vocês chegarem lá, se quiserem roubar, roubem; se quiserem trabalhar, trabalhem em qualquer coisa; em suma, vivam como quiserem”. Para Pompilio da Hora, essa declaração ríspida definia a maneira como a sociedade brasileira concebia as pessoas negras: como marginais em potencial que tinham de cumprir seu destino na subalternidade. Essa seria a explicação para a sociedade naturalizar o fato de não ter pessoas negras no primeiro escalão do governo, nas representações diplomáticas ou nos altos comandos militares. A sociedade brasileira criou, na concepção de José Pompilio da Hora, uma série de chavões e estigmas relacionados ao preconceito racial - ao mesmo tempo que instituiu a falácia da democracia racial, que é praticada no carnaval, no futebol e nas festas populares, mas não se manifesta nas coisas decisivas, nos patamares superiores, onde a nação decide o seu destino. Em outras palavras, no Brasil, “o poder público não faz justiça aos esforços de uma raça que deu o melhor de si para a construção do país”, que também pertence aos negros. “Esta insensibilidade”, desabafa José Pompilio da Hora (1982, pp. 86-7)Hora, José Pompilio. “José Pompilio Hora [Entrevista]”. In: Costa, Haroldo. Fala, crioulo: depoimentos. Rio de Janeiro: Record, 1982, pp. 84-8., “realmente me incomoda bastante, magoa, porque é insidiosa, camuflada, maquiada de paternalismo”; a seu ver, no Brasil, “não importa que seja uma pessoa culta, mas é um negro”.

Na entrevista concedida ao Diário Trabalhista, em fevereiro de 1946, ele já havia asseverado que, no Brasil, existia uma falsificação do espírito democrático: em vez do governo do povo, a democracia promovia a exclusão da população negra, que, pela sua estimativa, representava 75% da população do país, afastando-a dos altos postos estatais e relegando-a aos cargos subalternos. Em suma, “democracia para os negros tem sido o direito de limpar ruas, construir prédios onde não podemos morar” (“Problemas e aspirações…”, 1946, p. 7)“Problemas e aspirações do negro brasileiro”. Diário Trabalhista, 3 fev. 1946, p. 7..

Foi muito provavelmente por causa desses problemas relacionados ao racismo e à exclusão social da população negra que José Pompilio da Hora, ao vir repatriado da Itália, cerrou fileiras na União dos Homens de Cor (UHC), uma organização em defesa dos direitos dos afro-brasileiros, fundada em Porto Alegre em 1943, ano em que Pompilio da Hora voltava ao Brasil. A UHC era constituída de uma complexa estrutura organizativa e, ao longo do tempo, abriu sucursais ou possuía representantes em pelo menos onze estados da Federação (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia, Ceará, Maranhão e Piauí). Em linhas gerais, sua atuação era marcada pela promoção de debates na imprensa local, publicação de jornais próprios, serviços de assistência jurídica e médica, aulas de alfabetização, ações sociais e participação em campanhas eleitorais (Silva, 2003Silva, Joselina. “A União dos Homens de Cor: aspectos do movimento negro dos anos 40 e 50”. Estudos Afro-Asiáticos, ano 25, n. 2, 2003, pp. 215-35. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0101-546X2003000200002 >. Acesso em: 17/2/2023.
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).

No Distrito Federal, quem se distinguiu como expoente da UHC foi José Bernardo da Silva, que chegou a ser eleito deputado estadual em 1950 (Pinto, 1953Pinto, Luís de Aguiar Costa. O negro no Rio de Janeiro: relações de raça numa sociedade em mudança. São Paulo: Ed. Nacional, 1953.). Já no Rio de Janeiro, a UHC teve como principal liderança José Pompilio da Hora, que se destacou pela sua reputação e capacidade de articulação política e cultural (Silva, 2003)Silva, Joselina. “A União dos Homens de Cor: aspectos do movimento negro dos anos 40 e 50”. Estudos Afro-Asiáticos, ano 25, n. 2, 2003, pp. 215-35. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0101-546X2003000200002 >. Acesso em: 17/2/2023.
https://doi.org/10.1590/S0101-546X200300...
. Sua formação acadêmica aprimorada garantia-lhe não apenas circulação nos meios profissionais da capital federal, mas também a admiração dos militantes do movimento associativo dos “homens de cor”.

Outra notável liderança da UHC no Rio de Janeiro foi Joviano Severino de Mello, que por vezes recorreu à imprensa para denunciar o racismo, inclusive no tocante à ausência de negros nos quadros do Ministério das Relações Exteriores. Em entrevista ao jornal Redenção, Severino de Mello fez questão de enfatizar que “nós temos negros de valor reconhecido” e a título de exemplo listou vários nomes, como José Pompilio da Hora. Ao abordar a “ausência do negro no corpo diplomático”, o dirigente da UHC argumentou que “esses homens de sólida cultura estão esquecidos para fazer parte nas representações brasileiras, dentro e fora do país…” (“Uma visita…”, 1950, p. 4)“Uma visita ao presidente da União dos Homens de Cor”. Redenção, ano 1, n. 1, 9 dez. 1950, p. 4. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/844993/4 >. Acesso em: 30/4/2023.
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Em 29 de maio de 1951, Severino de Mello, representando a UHC, reuniu-se em audiência com o presidente Getúlio Vargas no Palácio do Catete. De acordo com o Correio da Manhã, o presidente da UHC solicitou o “apoio do chefe de governo para o projeto que inclui entre as contravenções penais os preconceitos de cor ou de raça, conforme o projeto de lei de autoria do deputado Afonso Arinos” (“No Catete…”, 1951, p. 4)“No Catete o presidente da União dos Homens de Cor”. Correio da Manhã, ano 50, n. 17.849, 29 maio 1951, p. 4. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/089842_06/9611 >. Acesso em: 29/4/2023.
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. Segundo outro periódico, o Última Hora, quem acompanhou Severino de Mello foi o professor José Pompilio da Hora, que teria levado a Vargas um pequeno cartaz do Ministério do Trabalho, comemorativo do 1-º de Maio, com a legenda “Unidos pelo Brasil”, no qual apareciam tão somente “três trabalhadores, todos branquinhos e coradinhos como pimentão. O negro, este colosso, que ajudou a fazer a grandeza do Brasil, está ausente na propaganda oficial” (“Preconceito de cor”, 1951, p. 12)“Preconceito de cor”. Última Hora, ano 1, n. 10, 22 jun. 1951, p. 12. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/386030/265 >. Acesso em: 30/4/2023.
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Um dia depois da sanção presidencial da Lei Antirracista n. 1.390, de 3 de julho de 1951, Joviano Severino de Mello declarou que a nova legislação era “um novo treze de maio”, fazendo alusão à data da abolição da escravidão no Brasil. Também propalou que ele e os representantes da UHC, naqueles dias, iriam ao Palácio do Catete para um “agradecimento coletivo ao presidente Getúlio Vargas”. Referindo-se à “Lei Getúlio Vargas” - e não pelo nome que acabou vingando, de “Lei Afonso Arinos” -, Severino de Mello postulava que o novo dispositivo legal seria “a nossa bandeira e o nosso escudo: queremos ver se os órgãos, estabelecimentos e instituições que até agora o fizeram, manterão preconceitos contra o negro”. A partir daí, o presidente da UHC passou a pautar o caso do professor José Pompilio da Hora, “lente de grego, latim, inglês e alemão” que lecionava em diversos colégios, “que fez brilhantes cursos na Europa, mas que foi sabotado numa sua pretensão diplomática”. “Acreditamos”, vociferava Severino de Mello, “que o presidente Getúlio Vargas faça valer a lei ontem promulgada e que defenda também bravamente o homem de cor de qualquer ressaibo de reação velada ou ostensiva contra nós” (“Vão ao Catete…”, 1951, p. 11)“Vão ao Catete agradecer ao presidente”. A Noite, ano 39, n. 13.833, 5 jul. 1951, p. 11. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/348970_05/7668 >. Acesso em: 29/4/2023.
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Ainda em 1951, o professor José Pompilio da Hora concedeu uma entrevista ao jornal Última Hora em que evocava a necessidade de o Itamaraty ter diplomatas negros. Em sua opinião, o problema poderia ser solucionado plenamente, desde que existisse “boa vontade e estímulo em vez de desencorajamento de parte do Itamaraty” (“Também devemos ter…”, 1951, p. 3)“Também devemos ter diplomatas negros”. Última Hora, ano 1, n. 90, 25 set. 1951, p. 3. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/386030/2561 >. Acesso em: 30/4/2023.
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. Afinal, se no Brasil mais da “metade da população é composta de negros e mulatos”, dizia o professor, “por que tornar praticamente intransponível as portas do Palácio Itamaraty aos homens de cor, com esclarecimentos tão desencorajadores?” (“Também devemos ter…”, 1951, p. 3)“Também devemos ter diplomatas negros”. Última Hora, ano 1, n. 90, 25 set. 1951, p. 3. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/386030/2561 >. Acesso em: 30/4/2023.
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Em março de 1954, uma comissão de lideranças negras, da qual faziam parte José Pompilio da Hora, João Cabral Alves, Abdias Nascimento e d. Constância Vargas, teve nova audiência com Getúlio Vargas, a quem expôs os vários aspectos do problema dos “homens de cor” no Brasil e “a necessidade da elevação de seu nível econômico e social etc.” (“O negro na diplomacia…”, 1954, p. 3)“O negro na diplomacia e na política”. Última Hora, ano 4, n. 845, 18 mar. 1954, p. 3. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/386030/17951 >. Acesso em: 30/4/2023.
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Vargas teria ouvido com a “maior atenção a exposição feita, interessando-se sobretudo por conhecer as reivindicações imediatas dos homens de cor”, que eram o “ingresso do negro na diplomacia e uma participação mais ativa (inclusive com apoio direto de Vargas) dos homens de cor na política, através da eleição de representantes negros para o Congresso Nacional” (“O negro na diplomacia…”, 1954, p. 3)“O negro na diplomacia e na política”. Última Hora, ano 4, n. 845, 18 mar. 1954, p. 3. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/386030/17951 >. Acesso em: 30/4/2023.
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Percebe-se, assim, que a UHC se distinguiu entre as organizações que militavam contra a discriminação racial, chegando a ser recebida pelo presidente Getúlio Vargas em audiência no Rio Negro, em Petrópolis. Quem a representou foi uma comissão da qual José Pompilio da Hora fez parte (“Com o Presidente da República…”, 1954“Com o Presidente da República os homens de cor”. A Noite, ano 42, n. 14.658, 18 mar. 1954, p. 7. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/348970_05/23403 >. Acesso em: 29/4/2023.
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; “Com o Presidente da República membros…”, 1954“Com o Presidente da República membros da Sociedade dos Homens de Cor do Brasil”. Correio da Manhã, ano 53, n. 18.704, 18 mar. 1954, p. 4. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/089842_06/34885 >. Acesso em: 29/4/2023.
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). Pompilio da Hora representou a UHC em outros eventos, como nas comemorações do 13 de Maio (aniversário da assinatura da Lei Áurea), quando participou de atos cívicos reunindo uma série de lideranças negras (“Comemorações…”, 1954“Comemorações do 13 de Maio pelo TEN”. Diário Carioca, ano 26, n. 7.926, 11 maio 1954, p. 3. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/093092_04/23598 >. Acesso em: 29/4/2023.
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; “Comemorações do ‘Dia da Abolição’”, 1954“Comemorações do ‘Dia da Abolição’”. Diário de Notícias, ano 24, n. 9.666, 11 maio 1954, p. 1. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/093718_03/32268 >. Acesso em: 30/4/2023.
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; “As comemorações…”, 1954“As comemorações da Abolição da Escravatura”. Jornal do Brasil, ano 64, n. 108, 13 maio 1954, p. 6. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/030015_07/40226 >. Acesso em: 30/4/2023.
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).

Como figura pública, José Pompilio da Hora foi candidato a vereador pelo menos duas vezes, em 1947 e 1950 (“As çercomsthamça’…”, 1951)“As çercomsthamça’, ou ‘o protetor do negro’”. Diário de Notícias, ano 22, n. 8.875, 30 set. 1951, p. 4. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/093718_03/12220 >. Acesso em: 30/4/2023.
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. Também fez parte da Organização Mundial Contra a Discriminação Racial e Religiosa, uma entidade organizada em vários países - entre os quais Estados Unidos, Cuba, África do Sul - e que foi instalada no Brasil em 1954, a partir da articulação da multiartista afro-americana Josephine Baker. No evento de instalação, que ocorreu no auditório da Associação Brasileira de Imprensa (AIB), dez oradores discursaram, entre eles Pompilio da Hora, que enfatizou o fato de inexistirem “homens de cor” nas representações diplomáticas brasileiras no exterior e defendeu que o governo deveria enviar à próxima reunião da onu representantes negros (“Contra a discriminação…”, 1952“Contra a discriminação racial”. Diário de Notícias, ano 23, n. 9. 154, 2 set. 1952, p. 1. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/093718_03/18813 >. Acesso em: 29/4/2023.
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; “Absoluta igualdade…”, 1952“Absoluta igualdade entre todas as raças”. O Jornal, ano 33, n. 9.918, 2 set. 1952, p. 8. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/110523_05/16307 >. Acesso em: 30/4/2023.
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; “A outra Josephine…”, 1952“A outra Josephine Baker”. Tribuna da Imprensa, ano 4, n. 822, 2 set. 1952, p. 1. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/154083_01/9750 >. Acesso em: 30/4/2023.
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). Anos depois, ele participou ativamente de ato público de protesto contra o regime segregacionista da África do Sul (“Brasil…”, 1960)“Brasil (praticamente) rompeu relações com a África do Sul”. Última Hora, ano 9, n. 2.988, 8 abr. 1960, p. 4. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/386030/59957 >. Acesso em: 30/4/2023.
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José Pompilio da Hora ainda chegou a colaborar com o Sindicato dos Professores de Ensino Secundário, Primário e de Artes do Rio de Janeiro (“Novo apelo…”, 1950)“Novo apelo dos professores ao Ministro da Educação”. O Jornal, ano 32, n. 9.207, 3 maio 1950, p. 10. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/110523_05/2294 >. Acesso em: 30/4/2023.
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, tomou parte no I Congresso do Negro Brasileiro (“O ‘perigo’…”, 1950)“O ‘perigo’ de um Congresso do Negro”. Vida Política. Suplemento de A Manhã, ano 3, n. 146, 15 out. 1950, p. 2. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/331155/461 >. Acesso em: 30/4/2023.
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e costumava participar ou palestrar nas efemérides em defesa dos direitos humanos, especialmente do “Dia dos Direitos do Homem”, que foi adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas (“Organização…”, 1951)“Organização das Entidades não Governamentais”. Diário de Notícias, ano 22, n. 8.933, 9 dez. 1951, p. 8. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/093718_03/13592 >. Acesso em: 30/4/2023.
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Em 1950, ele rompeu com UHC e, em conjunto com outros “irmãos de cor”, resolveu fundar a União Cultural dos Homens de Cor, tornando-se o seu presidente. Ao ser interrogado pelo jornal Redenção das razões que o levaram a fundar essa organização, respondeu que a “União Cultural era fruto de uma plêiade de idealistas”. A seu ver, os “administradores em 63 anos da abolição do cativeiro não fizeram jus às reivindicações da causa abolicionista. Porque nós [pessoas negras] vivemos, geralmente, afastados dos altos cargos da administração pública”. Após a breve entrevista, a reportagem do Redenção percorreu as “instalações da sociedade, ficando magnificamente impressionada com a organização dos departamentos estudantil e técnico, que são frequentados por um grande número de jovens associados e filhos de sócios” (“Uma visita…”, 1950, p. 3)“Uma visita ao presidente da União dos Homens de Cor”. Redenção, ano 1, n. 1, 9 dez. 1950, p. 4. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/844993/4 >. Acesso em: 30/4/2023.
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UM SONHO FRUSTRADO

José Pompilio da Hora alimentava um sonho: tornar-se diplomata de carreira. Para concretizar tal sonho, relata que, ao chegar ao Brasil, procurou o ministro das Relações Exteriores, o embaixador João Neves da Fontoura, levando uma apresentação do embaixador Leão Veloso, que conhecera na Itália. Depois de esperar horas e horas na antessala do gabinete do ministro, para dizer-lhe que queria seguir a carreira diplomática, teria recebido o seguinte conselho: “Olha, eu vou lhe dizer uma coisa, você pode ser tudo, menos diplomata. Por que não vai trabalhar no Cais do Porto”. Em ato contínuo, o ministro ainda teria emendado: “No Cais do Porto estamos precisando de muitos trabalhadores, você é forte, você dá…”. Pompilio da Hora conta que o sangue lhe “subiu à cabeça”, perdeu a paciência e retrucou: “Você está aí como ministro de Estado, refestelado nesta poltrona, recebendo um ordenado gordo que é parte dos impostos que eu pago à nação, que o povo paga à nação, que os negros pagam à nação” (Hora, 1982, p. 84)Hora, José Pompilio. “José Pompilio Hora [Entrevista]”. In: Costa, Haroldo. Fala, crioulo: depoimentos. Rio de Janeiro: Record, 1982, pp. 84-8.. Dito isso, deu-lhe as costas e saiu porta afora, antes que o ministro acionasse a segurança para o prender (Hora, 1982, p. 84)Hora, José Pompilio. “José Pompilio Hora [Entrevista]”. In: Costa, Haroldo. Fala, crioulo: depoimentos. Rio de Janeiro: Record, 1982, pp. 84-8..

Apesar de ter sido repelido por um “pistolão”, Pompilio da Hora não desistiu de seu sonho, inscrevendo-se duas vezes no concurso do Instituto Rio Branco. A primeira vez foi em 1948, quando o estabelecimento foi criado. Aqui cabem duas correções factuais. O Instituto Rio Branco foi criado em 1945 - na esteira das comemorações do centenário de nascimento do Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira - e não em 1948, como informa Pompilio da Hora. A outra correção diz respeito ao concurso de admissão para a carreira de diplomata. A utilização de exame vestibular para acesso ao Itamaraty existia desde 1946, após a criação do Instituto Rio Branco. Portanto, Pompilio da Hora equivocou-se quanto às datas. Se prestou o primeiro concurso de admissão à carreira de diplomata do Instituto Rio Branco, isso ocorreu em 1946 e não em 1948, como assinala.

Seja como for, Pompilio da Hora relata, na entrevista concedida a Haroldo Costa, que em seu primeiro concurso para o Instituto Rio Branco, ele estava entre os primeiros candidatos e apresentou o seu título provisório de professor (de latim, grego, filosofia, história geral e história do Brasil), mas não foi aceito. O formulário de inscrição, além de perguntar as línguas que ele falava, indagava também se ele conhecia diplomatas e ele citou dois ou três, que conhecera em Roma e Nápoles na época em que morava na Itália, entre os quais o embaixador Leão Veloso. O formulário ainda inquiria sobre sua origem social, ao que Pompilio da Hora teria respondido: “descendente de ex-escravos” (Hora, 1982, p. 85)Hora, José Pompilio. “José Pompilio Hora [Entrevista]”. In: Costa, Haroldo. Fala, crioulo: depoimentos. Rio de Janeiro: Record, 1982, pp. 84-8..

De fato, o candidato ao curso de preparação para a carreira de diplomata do Instituto Rio Branco tinha de preencher um “formulário para investigação social”, a partir do qual era investigada a origem tanto social quanto étnico-racial do candidato. Era nessa etapa da seleção que os candidatos, considerados negros, eram reprovados.4 4 Ao longo do tempo, o Instituto Rio Branco adotou mudanças institucionais no recrutamento, mas isso não levou necessariamente à alteração do perfil dos recrutados, pois a avaliação visava selecionar justamente agentes muito semelhantes aos que lá estavam (Cheibub, 1985). Coincidência ou não, foi depois dali que a diplomata Vera Sauer teria dito que Pompilio da Hora não estava habilitado, sob a alegação de que ele não tinha seus diplomas, obtidos na Itália, revalidados no Brasil. Conforme noticiou o Última Hora (1959, p. 1, grifo do autor)“Racismo no Itamarati”. Última Hora, ano 8, n. 2.733, 29 maio 1959, p. 1. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/386030/55016 >. Acesso em: 3/7/2023.
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, circulavam rumores de que Vera Sauer, primeira-secretária do Itamaraty e incumbida de coordenar os exames de seleção para o Instituto Rio Branco, estava “imprimindo a esses exames orientação destinada a impedir o ingresso de pretos na carrière”.

Pompilio da Hora conta que, ao final, o seu preterimento como candidato ao curso de formação para a carreira de diplomata do Instituto Rio Branco deu-se veladamente. Muitos alunos seus, do Instituto Souza Marques, Colégio Lafaiete e Pedro II, também teriam se inscrito. “O interessante, porém, é que o exame de seleção era precedido de um exame de saúde, e todos os candidatos seriam avisados oportunamente. Eu estou esperando até hoje…”, denunciava Pompilio da Hora (1982, p. 85). Sem se preocupar em apurar os pormenores dessa denúncia, o historiador Fábio Koifman (2021Koifman, Fábio. Raymundo Souza Dantas: o primeiro embaixador brasileiro negro. Salvador: Sagga, 2021., p. 158) localizou no Diário Oficial da União de 1946 o registro de um despacho da direção do Instituto Rio Branco que indeferia um requerimento de Hora “de acordo com o parecer do Assistente Técnico”.

Na segunda oportunidade em que o professor afro-brasileiro se candidatou a uma vaga, o coordenador cultural do Instituto Rio Branco o teria convidado para tomar um chocolate num bar das redondezas. Pompilio da Hora o acompanhou, sentaram-se e, de chofre, ele lhe teria dito: “Professor, pela segunda vez o senhor está tentando a carreira diplomática. Lembre-se de uma coisa: o senhor é um negro, jamais vai transpor os umbrais do Rio Branco”. Pompilio da Hora alega que, por reflexo de sua educação europeia, julgou que o coordenador do Rio Branco o estava advertindo da intolerância da instituição. Pensou até que era um gesto de solidariedade, mas não demorou muito para que percebesse a realidade. Para não dar margem a nenhum mal-entendido, o coordenador foi explícito: “Desista, professor. O senhor nem pense em entrar na carreira diplomática no Instituto do qual eu sou o coordenador cultural” (Hora, 1982, p. 85)Hora, José Pompilio. “José Pompilio Hora [Entrevista]”. In: Costa, Haroldo. Fala, crioulo: depoimentos. Rio de Janeiro: Record, 1982, pp. 84-8.. Ao que parece, o dirigente do Instituto Rio Branco tinha razão: Pompilio da Hora não conseguiu mesmo.

RACISMO NO ITAMARATY?

Tempos depois, o caso de Pompilio da Hora repercutiu na opinião pública, indo parar nas páginas de jornais e revistas. Em 25 de setembro de 1959, o Mundo Ilustrado publicou uma reportagem denunciando que não havia diplomatas negros no Brasil porque, na última vez que uma pessoa desse segmento populacional se apresentou no Itamaraty, em 1946, ela foi rejeitada. Seu nome: José Pompilio da Hora, um baiano de 37 anos, formado em filosofia e direito, que fez todos os seus estudos na Europa. A reportagem procurou o “homem que o Itamaraty barrou na carreira diplomática”. Tratava-se de um dos professores “mais acatados e sérios da Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, onde funciona como assistente do catedrático Wandick Londres da Nóbrega na cadeira de Direito Romano”. O professor Pompilio da Hora é “um negro forte, elegante, comedido nos gestos. Fala corretamente português, italiano, francês, inglês, espanhol e alemão, além de latim e grego, línguas mortas, porque se interessa como filólogo. Estudou filosofia, especializando-se em psicologia” (“Um homem que sofre…”, 1959, p. 40)“Um homem que sofre injustiças por ter nascido negro é um revoltado”. O Mundo Ilustrado, ano 29, n. 92, 25 set. 1959, pp. 40-1. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/119601/18263 >. Acesso em: 30/4/2023.
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A reportagem de O Mundo Ilustrado lhe perguntou, inicialmente, se existia preconceito racial no Brasil. Eis o que o professor respondeu:

Já não se negam direitos, legalmente, a um negro brasileiro. Mas, em compensação, ainda existem ambientes hostis ao elemento negro, lugares onde o seu ingresso constitui tanto uma aventura penosa como impraticável. Por que não existe no Itamaraty, até hoje, um diplomata negro? Por que nenhum negro se atreve a inscrever-se no Itamaraty? Será que entre os 19 milhões de negros brasileiros não existiu um, nos nove anos do Instituto Rio Branco, com qualidades ou pelo menos desejo de se tornar diplomata? Será que não existe um só negro entre os homens de cultura brasileiros, em condições de ocupar um posto diplomático, por nomeação, quando menos, no Haiti, em Gana ou num desses novos países de negros que se tornam independentes na África? (“Um homem que sofre…”, 1959, p. 40)“Um homem que sofre injustiças por ter nascido negro é um revoltado”. O Mundo Ilustrado, ano 29, n. 92, 25 set. 1959, pp. 40-1. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/119601/18263 >. Acesso em: 30/4/2023.
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Ao ser indagado se era verdade que o Itamaraty o recusou para a carreira diplomática, Pompilio da Hora não hesitou em responder que “sim”. Isso teria ocorrido em 1946. O jovem, então com 24 anos, apresentou seus títulos de estudo e voltou para casa, aguardando a chamada para os exames médicos e intelectuais. Dispensaram-no dos exames e, intencionalmente, não convocaram o “candidato negro”. O professor teria retornado ao Itamaraty para se certificar de sua inscrição e de seus títulos de estudo e demais documentos. Entretanto, o Itamaraty recusou-o da maneira mais discreta e diplomática. Foi omitido da lista de inscrições.

Segundo a reportagem, muitos rapazes de cor procuraram o professor Pompilio da Hora para saber se era verdade que ele havia sido barrado no Itamaraty. Evidentemente, ouviram a confirmação. É um desestímulo. No entanto, “poucos diplomatas brasileiros - todos brancos - têm cultura, classe e conhecimento da realidade nacional como o professor” (“Um homem que sofre…”, 1959, p. 41)“Um homem que sofre injustiças por ter nascido negro é um revoltado”. O Mundo Ilustrado, ano 29, n. 92, 25 set. 1959, pp. 40-1. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/119601/18263 >. Acesso em: 30/4/2023.
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. Diante disso, Pompilio da Hora confessava-se “revoltado” com essas injustiças que se cometiam contra os negros, por ele sofridas na própria pele:

Enquanto nos Estados Unidos, onde o preconceito racial é claro, um negro, dr. Ralph Bunch, é um dos homens mais importantes da diplomacia americana, já tendo sido adjunto do secretário de Estado, no Brasil, onde ser racista é contravenção penal, o Itamaraty recusa ou impossibilita que os negros se tornem diplomatas. “Talvez por considerarem o negro antiestético” […]

Historicamente, o processo da abolição da escravatura foi responsável por esse estado […] por isso a integração cultural do negro na vida brasileira foi prejudicada. Não houve preocupação de criar uma ordem econômica para tornar realmente livre o negro que era abandonado a uma “liberdade desamparada”. […]

Como está o Itamaraty, não se pode esperar de jovens negros o sacrifício de passarem pelas maiores humilhações para se tornarem diplomatas. (“Um homem que sofre…”, 1959, p. 41)“Um homem que sofre injustiças por ter nascido negro é um revoltado”. O Mundo Ilustrado, ano 29, n. 92, 25 set. 1959, pp. 40-1. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/119601/18263 >. Acesso em: 30/4/2023.
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Dois dias depois da reportagem de O Mundo Ilustrado, para a qual Pompilio da Hora foi entrevistado, o suplemento O Metropolitano alardeou: “São confirmados assim os boatos que há muito se espalhavam: preconceito de cor no exame de seleção para o Instituto Rio Branco. […] Quem o afirma - e o prova - é o professor José Pompilio da Hora, que em 1946 foi ‘diplomaticamente’ omitido da lista de inscrições para o concurso. Desde então fogem os negros da carreira diplomática” (“Preconceito…”, 1959, p. 1)“Preconceito de cor no Itamarati”. O Metropolitano, suplemento do Diário de Notícias, ano 30, n. 11.310, 27 set. 1959. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/093718_03/86209 >. Acesso em: 29/4/2023.
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. A partir daí, a matéria d’O Metropolitano fazia uma contundente postulação:

A Constituição é clara, a lei Afonso Arinos também: preconceito de raça ou cor é ato criminoso, contravenção. E é nos quadros do Itamaraty que se encontram, pelo visto, os racistas brasileiros, que negam a ciência e os preceitos de democracia racial, entre nós felizmente arraigados. São os senhores do Itamaraty, que dirigem nossa política exterior, que levam ao mundo o reflexo de nossa cultura e de nossa civilização, os mesmos que se aferram a ultrapassadas e ridículas discriminações que envergonham países como os Estados Unidos. Parece que na sua ânsia de decalcar os costumes da metrópole, nem ao menos selecionam o objeto de sua imitação. E repetem o que há de condenável e retrógrado.

O negro preterido em 1946 é hoje assistente da cátedra de Direito Romano na Faculdade Nacional de Direito da UB [Universidade do Brasil]. Respeitado por seu saber, ninguém lhe nega a capacidade e o valor. Mas este homem não pode ser diplomata porque os “punhos de renda” entendem que ele é portador do “grave estigma” de sua cor.(“Preconceito…”, 1959, p. 1)“Preconceito de cor no Itamarati”. O Metropolitano, suplemento do Diário de Notícias, ano 30, n. 11.310, 27 set. 1959. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/093718_03/86209 >. Acesso em: 29/4/2023.
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Indo na esteira de outros órgãos da imprensa, O Semanário publicou um artigo acoimando o “racismo no Itamaraty” e rendendo apoio a José Pompilio da Hora. O periódico não só relatou o episódio de racismo envolvendo o ilustre professor, como também lavrou o seu mais veemente protesto:

exigimos que sobre o fato seja aberto rigoroso inquérito, a fim de que se apure quais os responsáveis por esse ato hediondo de segregação racial, incompatível com as nossas tradições e sentimentos de povo democrata, civilizado e progressista. Há pouco tempo, o Marechal Teixeira Lott teve conhecimento de que no Itamaraty o racismo havia sido erigido em dogma. Imediatamente, S. Exa. interveio junto ao ministro Horácio Lafer, no sentido de se pôr cobro a situação de tão degradante para o nosso país. (“Racismo no Itamarati…”, 1959, p. 2)“Racismo no Itamarati: solidariedade d’‘O Semanário’ ao professor José Pompilio da Hora”. O Semanário, ano 4, n. 179, 3-9 out. 1959, p. 2. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/149322/2692 >. Acesso em: 30/4/2023.
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Como se nota, o caso de racismo que vitimou Pompilio da Hora repercutiu nas páginas de jornais e revistas. De modo geral, esses veículos de comunicação protestaram contra a “segregação racial” existente no Instituto Rio Branco. Embora nunca comprovada, tal “segregação” foi tomada como fato,5 5 Numa entrevista à revista Mundo Ilustrado (1959, p. 40), o professor Pompilio da Hora prometeu reunir provas de que sua rejeição no Instituto Rio Branco se deu por motivação racial: “O professor pediu que o assunto [do racismo no Itamaraty] não fosse publicado. Ele preferiu reunir documentos, ter provas à mão para, depois, mais tarde, levantar o assunto. ‘— Tenho horror ao ridículo’, disse, acrescentando: ‘Estou disposto a provar brevemente tudo isto’”. Apesar de sua disposição, Pompilio da Hora nunca apresentou provas documentais de que o racismo foi o fator determinante para seu preterimento em exame admissional para a carreira diplomática. gerando celeumas, controvérsias e manifestações públicas diversas. Os articulistas da imprensa se indignavam não só porque o racismo era um ato “criminoso”, contraventor, “hediondo”, mas também porque “nega a ciência e os preceitos de democracia racial, entre nós felizmente arraigados”. Os articulistas usavam a retórica de “democracia racial” para se contrapor ao racismo à brasileira e fazer circular imagens e representações de convivência fraternal entre todos os cidadãos na comunidade nacional, independentemente de sua origem racial. Em outras palavras, os redatores dos periódicos se apropriavam da narrativa da “democracia racial” com um sentido antirracista (Alberto, 2017Alberto, Paulina. Termos de inclusão: intelectuais negros brasileiros no século XX. Campinas: Ed. Unicamp, 2017.). Os preconceitos e as discriminações de raça/cor seriam contrários ao ethos, se não ao modus vivendi, do brasileiro. Daí o repúdio à “segregação racial” do Itamaraty.

As evidências apresentadas aqui levam a crer que não eram raras as denúncias na imprensa dando conta da ausência de pessoas negras entre os representantes brasileiros no exterior. Pelo contrário, pode-se até afirmar que o tema da acusação da prática de discriminação racial, por parte do Itamaraty, tornou-se recorrente nos jornais e revistas da época (Koifman, 2021Koifman, Fábio. Raymundo Souza Dantas: o primeiro embaixador brasileiro negro. Salvador: Sagga, 2021.). Jornalistas, políticos, intelectuais, artistas e, sobretudo, lideranças negras cobravam de governos e instituições públicas, especialmente do Instituto Rio Branco, uma postura republicana, democrática e equânime (despida, assim, de preconceitos de raça/cor).

Aliás, a demanda dos ativistas negros (e suas organizações) por igualdade de tratamento e oportunidades na sociedade brasileira ganhava capilaridade. Se, de um lado, o corpo diplomático brasileiro, isto é, a representação do povo brasileiro no exterior, não possuía um único rosto negro, de outro, os rumores ou as experiências de alguns sinalizavam que candidatos negros jamais seriam aprovados no concurso de ingresso no Instituto Rio Branco. O Itamaraty “representava para os ativistas um importante e sensível símbolo de persistente exclusão” no seio da comunidade nacional (Koifman, 2021Koifman, Fábio. Raymundo Souza Dantas: o primeiro embaixador brasileiro negro. Salvador: Sagga, 2021.), razão pela qual, ao longo dos anos, a pressão sobre aquela instituição do Estado brasileiro se intensificou.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No fim da década de 1950, ainda era possível encontrar, na imprensa brasileira, denúncias de práticas discriminatórias por parte do Itamaraty. A revista O Mundo Ilustrado, em sua edição de 25 de setembro de 1959, fez graves acusações contra o Instituto Rio Branco, que, como já assinalado, era a instituição responsável pelo curso de formação para a carreira diplomática:

O Brasil não tem diplomatas negros porque na última vez que um negro se apresentou no Itamarati, em 1946, foi rejeitado. Por isso o Instituto Rio Branco pode alegar que, ultimamente, nenhum caso de preconceito ocorreu ali: os negros consideram que as portas do Ministério das Relações Exteriores estão fechadas para eles […]. O Itamarati é o último reduto dos racistas brasileiros, excomungados definitivamente pela Constituição de [19]46 e, hoje, com a Lei Afonso Arinos, de 1951, incluídos entre os simples “contraventores”, a quem a Polícia deve perseguir como faz com os “bicheiros” e “traficantes de entorpecentes”.

No entanto, há um mês, o Marechal Lott - em plena campanha presidencial - transmitiu ao Presidente da República uma denúncia da maior gravidade: continua o preconceito racial no Itamarati. A notícia, divulgada pelos jornais, na primeira página, foi logo amortecida por um desmentido formal do Ministro Horácio Lafer, que na véspera se empossara como Ministro das Relações Exteriores. Logo em seguida, num verdadeiro desafio, o diretor do Instituto Rio Branco, escola de formação de diplomatas, pôs fim aos rumores escrevendo uma carta ao jornalista Prudente de Morais, neto, do “Diário de Notícias”, explicando como se dá o acesso de interessados ao Instituto Rio Branco e demonstrando a idoneidade dos exames de seleção, tanto físico como intelectual. Com isso, foi colocada uma pá de cal sobre a denúncia.

Nem o Marechal Lott, que abriu o escândalo, denunciando-o ao Presidente Juscelino, voltou mais ao assunto. Seus informantes, também, se conformaram. (“Um homem que sofre…”, 1959, p. 40)“Um homem que sofre injustiças por ter nascido negro é um revoltado”. O Mundo Ilustrado, ano 29, n. 92, 25 set. 1959, pp. 40-1. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/119601/18263 >. Acesso em: 30/4/2023.
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Naquele momento, o marechal Teixeira Lott ocupava o cargo de ministro da Guerra e estava no início de sua campanha eleitoral como candidato à Presidência da República, pelo partido do então presidente Juscelino Kubitschek. Tendo em vista a repercussão na imprensa do dia seguinte às acusações feitas por Lott, a notícia gerou polêmica. As edições de diversos jornais trouxeram uma nota atribuída ao ministro Horácio Lafer, rebatendo as acusações. Ao que parece, essa foi uma das últimas matérias da imprensa brasileira sobre a existência de “preconceito racial no Itamaraty”. Foi nesse contexto de pressão da opinião pública que, pela primeira vez, um candidato a presidente da República, Jânio Quadros, cogitou, em 1959, a possibilidade de indicar “embaixadores pretos para os países independentes da África” (Koifman, 2021Koifman, Fábio. Raymundo Souza Dantas: o primeiro embaixador brasileiro negro. Salvador: Sagga, 2021., pp. 145-51).

Se ao longo do tempo o Itamaraty negou a existência de discriminação racial no órgão, o novo presidente eleito, Jânio Quadros, ao tomar posse em 1961, explicitamente a assumiu, prometendo eliminá-la. Para tanto, cumpriu algo que havia especulado durante a campanha: nomeou Raimundo Souza Dantas, um jornalista afro-brasileiro, para ocupar a nova embaixada instalada em Gana (a primeira nação da África Ocidental a obter a independência). Dantas tornou-se, assim, o primeiro embaixador brasileiro negro (Koifman, 2021Koifman, Fábio. Raymundo Souza Dantas: o primeiro embaixador brasileiro negro. Salvador: Sagga, 2021.).

O envio de Souza Dantas para Gana fez parte da Política Externa Independente levada a cabo por Jânio Quadros, para quem o Brasil era uma potência mundial emergente e a África sua esfera de influência “natural”, por conta das conexões históricas, culturais e identitárias. Para o presidente, a aproximação política, econômica e diplomática com as novas nações africanas ajudaria a impulsionar o Brasil industrialmente e a desvencilhá-lo das potências da Guerra Fria, especialmente dos Estados Unidos (Dávila, 2011Dávila, Jerry. Hotel trópico: o Brasil e o desafio da descolonização africana (1950- -1980). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.; Saraiva, 1996Saraiva, José Flávio Sombra. O lugar da África: a dimensão atlântica da política externa do Brasil. Brasília: Ed. UnB, 1996.).

A nomeação de Souza Dantas pode ser interpretada também como fruto da pressão da opinião pública e, notadamente, das demandas e mobilizações políticas e culturais das diferentes organizações e expressões dos “homens de cor”. Num contexto no qual o Ministério das Relações Exteriores não possuía um único diplomata negro e carregava a fama de impedir o acesso a qualquer pessoa “de cor” que tentasse entrar para a carreira, a nomeação de Souza Dantas não recebeu dos “intelectuais e ativistas negros a pesada crítica que lhe atribuiu os seus pares brancos. Ao contrário, foi comemorada com entusiasmo, pois independentemente de qualquer fator, era uma vitória, mesmo que restrita e limitada” (Koifman, 2021Koifman, Fábio. Raymundo Souza Dantas: o primeiro embaixador brasileiro negro. Salvador: Sagga, 2021., p. 161).

Em que pese as relações do movimento negro com o ator operacional da política externa, o Itamaraty (Amorim; Silva, 2021Amorim, Camille; Silva, André Luiz Reis da. “O Itamaraty e o movimento negro: interesses, ideias e práticas nas relações Brasil-África”. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 35, 2021, pp. 1-36. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/88jMqSQYcVWGt9YrbsrKbYh/?format=pdf⟨=pt >. Acesso em: 17/2/2023.
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), até fins da primeira década do século XXI Souza Dantas foi o único embaixador brasileiro negro, constituindo paradigma expressivo do racismo institucional (evidente ou dissimulado) no serviço daquela agência estatal. Demorou, portanto, praticamente meio século para que surgissem outro(a)s embaixadore(a)s brasileiro(a)s afrodescendentes, dessa vez de carreira diplomática. 6 6 Não se pode olvidar do caso de Mônica Veyral, que ingressou no Instituto Rio Branco em 1979 e, no ano seguinte, foi nomeada Terceira Secretária da carreira de diplomata, tornando-se, aos 22 anos de idade, a primeira diplomata negra no Brasil (Friaça, 2018). Em 2002, o governo instituiu o Programa de Ação Afirmativa (PAA), que previa a concessão de bolsas de estudo para candidatos ao Instituto Rio Branco declaradamente negros (Pereira, 2014Pereira, Elcimar Dias. Programa de ação afirmativa do Instituto Rio Branco: discursos de diplomatas e candidados/as à diplomacia. Tese (doutorado em psicologia social). São Paulo: PPGP/Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2014.). A implementação de ação afirmativa vem contribuindo para elevar o número de diplomatas desse grupo racial no Itamaraty.

Contudo, ao se considerar a composição étnico-racial da população brasileira, pode-se constatar que os negros ainda estão sub-representados no corpo diplomático. Não é por outro motivo que, apesar dos avanços, vozes continuam reclamando tornar mais justa e democrática a carreira diplomática. O Instituto Rio Branco ainda é um espaço elitizado, de difícil acesso à grande parte da população. Por outro lado, foi só na atual quadra que o Itamaraty deixou de adotar como único eixo a meritocracia e passou a expor a necessidade de transformar a instituição em um espaço que represente mais a diversidade da sociedade brasileira.

Para finalizar, vale salientar que faltam mais pesquisas que examinem o entrecruzamento do marcador raça-diplomacia no Brasil. Embora exista uma “política sistemática de esquecimento” sobre essa temática - como aponta Debra Thompson (2015Thompson, Debra. “Through, against and beyond the Racial State: The Transnational Stratum of Race”. In: Anievas, Alexander; Manchanda, Nivi; Shilliam, Robbie (orgs.). Race and Racism in International Relations: Confronting the Global Colour Line. Nova York: Routledge, 2015, pp. 44-61.) ao se referir ao contexto internacional -, a questão racial fez parte do processo de recrutamento e formação do corpo diplomático brasileiro, da formulação, atuação e diretrizes do Itamaraty, do habitus da atividade profissional, da construção e implementação da política externa do Estado e, em última instância, o marcador racial contribuiu para a estruturação do sistema de relações internacionais do Brasil.

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  • “Racismo no Itamarati: solidariedade d’‘O Semanário’ ao professor José Pompilio da Hora”. O Semanário, ano 4, n. 179, 3-9 out. 1959, p. 2. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/149322/2692 >. Acesso em: 30/4/2023.
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  • “ ‘Racismo religioso’ brasileiro discutido na Itália”. Diário de Notícias, ano 22, n. 8.898, 27 out. 1951, p. 4. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/093718_03/12754 >. Acesso em: 30/4/2023.
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  • “Recrudesceu no Brasil o preconceito de raça”. Diário Carioca, ano 19, n. 5.472, 27 abr. 1946, p. 11. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/093092_03/24407 >. Acesso em: 30/4/2023.
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  • Ricupero, Rubens. A diplomacia na construção do Brasil (1750-2016) Rio de Janeiro: Versal, 2017.
  • Saraiva, José Flávio Sombra. O lugar da África: a dimensão atlântica da política externa do Brasil. Brasília: Ed. UnB, 1996.
  • Silva, Joselina. “A União dos Homens de Cor: aspectos do movimento negro dos anos 40 e 50”. Estudos Afro-Asiáticos, ano 25, n. 2, 2003, pp. 215-35. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0101-546X2003000200002 >. Acesso em: 17/2/2023.
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  • Sotero, Edilza Correia. Representação política negra no Brasil pós-Estado Novo Tese (doutorado em sociologia). São Paulo: PPGS/Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2015.
  • “Também devemos ter diplomatas negros”. Última Hora, ano 1, n. 90, 25 set. 1951, p. 3. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/386030/2561 >. Acesso em: 30/4/2023.
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  • Thompson, Debra. “Through, against and beyond the Racial State: The Transnational Stratum of Race”. In: Anievas, Alexander; Manchanda, Nivi; Shilliam, Robbie (orgs.). Race and Racism in International Relations: Confronting the Global Colour Line. Nova York: Routledge, 2015, pp. 44-61.
  • “Um homem que sofre injustiças por ter nascido negro é um revoltado”. O Mundo Ilustrado, ano 29, n. 92, 25 set. 1959, pp. 40-1. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/119601/18263 >. Acesso em: 30/4/2023.
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  • “Uma visita ao presidente da União dos Homens de Cor”. Redenção, ano 1, n. 1, 9 dez. 1950, p. 4. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/844993/4 >. Acesso em: 30/4/2023.
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  • “Vão ao Catete agradecer ao presidente”. A Noite, ano 39, n. 13.833, 5 jul. 1951, p. 11. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/348970_05/7668 >. Acesso em: 29/4/2023.
    » http://memoria.bn.br/DocReader/348970_05/7668
  • 1
    O embaixador Marcos Azambuja (2011Azambuja, Marcos. “Casa bem-assombrada: o Itamaraty antes da sua ida para Goiás”. Revista Piauí, ed. 54, 2011. Disponível em: <Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/casa-bem-assombrada/ >. Acesso em: 17/2/2023.
    https://piaui.folha.uol.com.br/materia/c...
    ) definiu o Itamaraty como uma instituição da “elite da elite”.
  • 2
    Sobre o Comitê Democrático Afro-Brasileiro, ver Sotero (2015Sotero, Edilza Correia. Representação política negra no Brasil pós-Estado Novo. Tese (doutorado em sociologia). São Paulo: PPGS/Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2015.).
  • 3
    Racismo institucional pode ser definido como aquele em que as instituições (públicas e privadas) estruturam-se a partir de uma dinâmica que confere privilégios e desvantagens com base na raça. Ou seja, as instituições são regidas a partir de mecanismos de funcionamento, normas sociais e padrões de condutas que atribuem benefícios e prejuízos a determinados grupos raciais (Hamilton; Kwane, 1967Hamilton, Charles V.; Kwane, Ture. Black Power: Politics of Liberation in America. Nova York: Random House, 1967.).
  • 4
    Ao longo do tempo, o Instituto Rio Branco adotou mudanças institucionais no recrutamento, mas isso não levou necessariamente à alteração do perfil dos recrutados, pois a avaliação visava selecionar justamente agentes muito semelhantes aos que lá estavam (Cheibub, 1985Cheibub, Zairo Borges. “Diplomacia e construção institucional: o Itamaraty em perspectiva histórica”. Dados, n. 28, 1985, pp. 113-31.).
  • 5
    Numa entrevista à revista Mundo Ilustrado (1959“Um homem que sofre injustiças por ter nascido negro é um revoltado”. O Mundo Ilustrado, ano 29, n. 92, 25 set. 1959, pp. 40-1. Disponível em: <Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/119601/18263 >. Acesso em: 30/4/2023.
    http://memoria.bn.br/DocReader/119601/18...
    , p. 40), o professor Pompilio da Hora prometeu reunir provas de que sua rejeição no Instituto Rio Branco se deu por motivação racial: “O professor pediu que o assunto [do racismo no Itamaraty] não fosse publicado. Ele preferiu reunir documentos, ter provas à mão para, depois, mais tarde, levantar o assunto. ‘— Tenho horror ao ridículo’, disse, acrescentando: ‘Estou disposto a provar brevemente tudo isto’”. Apesar de sua disposição, Pompilio da Hora nunca apresentou provas documentais de que o racismo foi o fator determinante para seu preterimento em exame admissional para a carreira diplomática.
  • 6
    Não se pode olvidar do caso de Mônica Veyral, que ingressou no Instituto Rio Branco em 1979 e, no ano seguinte, foi nomeada Terceira Secretária da carreira de diplomata, tornando-se, aos 22 anos de idade, a primeira diplomata negra no Brasil (Friaça, 2018Friaça, Guilherme José Roeder. Mulheres diplomatas no Itamaraty (1918-2011). Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2018.).

Editado por

Editor responsável: Fernando Bee.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    27 Jan 2023
  • Aceito
    22 Maio 2023
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