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POPULISMO E DEMOCRACIA: Reflexões a partir de Álvaro Vieira Pinto

Populism and Democracy: Reflections on Álvaro Vieira Pinto

RESUMO

O artigo oferece uma genealogia da filosofia do desenvolvimento de Álvaro Vieira Pinto e argumenta que populismo e democracia podem se relacionar de maneira complementar ou antitética. Uma leitura contextualizada da obra de Vieira Pinto indica que o populismo fortalece a democracia quando combate o neocolonialismo e amplia a participação popular. O populismo, contudo, vai contra a democracia se adota uma concepção exclusivista do povo que nega o pluralismo.

PALAVRAS-CHAVE:
Álvaro Vieira Pinto; populismo; democracia; filosofia do desenvolvimento; história intelectual brasileira

ABSTRACT

This article offers a genealogy of Álvaro Vieira Pinto’s philosophy of development and argues that populism and democracy can interact in complementary or antithetical terms. A contextualized reading of Vieira Pinto’s work indicates that populism strengthens democracy when it resists neocolonialism and expands popular participation. However, populism goes against democracy if it adopts an exclusionary conception of the people that denies pluralism.

KEYWORDS:
Álvaro Vieira Pinto; populism; democracy; philosophy of development; Brazilian intellectual history

INTRODUÇÃO

No debate político contemporâneo, o tema do populismo vem ganhando cada vez mais espaço. 1 1 Versões anteriores deste trabalho foram apresentadas em 2023 no Programa Internacional de Pós-Doutorado (IPP) do Cebrap, no XIV Colóquio de Filosofia da Unespar e na conferência Decolonising the ‘Long Boom’: New Histories of the Global South, 1945-1990, organizada pelo Departamento de História da Universidade de Oxford. Além das pessoas que participaram dessas apresentações, o autor agradece a Adrian Gurza Lavalle e Maria Hermínia Tavares de Almeida pelos comentários enviados sobre o texto. Quaisquer erros que permanecerem são de responsabilidade do autor. Multiplicam-se, em especial, os estudos sobre a relação do populismo com a democracia. A literatura se divide entre os que consideram o populismo uma força democratizante (Canovan, 2005Canovan, Margaret. The People. Cambridge: Polity, 2005.) e os que o julgam uma patologia da democracia (Urbinati, 2020Urbinati, Nadia. Io, il popolo: come il populismo trasforma la democrazia. Bolonha: Il Mulino, 2020.). Neste artigo, tentaremos apontar como essas duas posições se manifestam na obra de Álvaro Vieira Pinto (1909-87). A fim de cumprir o objetivo, investigaremos a seguinte questão: qual a relação entre populismo e democracia na filosofia do desenvolvimento de Vieira Pinto? Ao responder à pergunta, observaremos que a filosofia do desenvolvimento evidencia que o populismo pode tanto fortalecer a democracia quanto enfraquecê-la.

A filosofia do desenvolvimento foi formulada entre 1955 e 1964, período em que Vieira Pinto lecionou no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb). Subscrevendo a uma concepção teleológica da história, a filosofia do desenvolvimento tem por objetivo estudar os fatores que regem a passagem do subdesenvolvimento para o estado desenvolvido e perpassa os seguintes livros: Ideologia e desenvolvimento nacional (1956), Consciência e realidade nacional (1960) e Por que os ricos não fazem greve? (1962)Pinto, Álvaro Vieira. Por que os ricos não fazem greve? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962.. Lidas em conjunto, essas obras mostram haver um paralelismo entre a filosofia do desenvolvimento e seu contexto histórico.

Além de esclarecer a relação entre populismo e democracia no interior da filosofia do desenvolvimento, esperamos que este trabalho contribua para reposicionar a recepção polarizada da obra de Vieira Pinto. Os comentadores do autor se dividem entre aqueles que o afirmam como um defensor aguerrido da liberdade e da democracia e os que o acusam de autoritarismo. Essa divisão remonta às leituras críticas de Caio Toledo (1977Toledo, Caio Navarro de. Iseb: fábrica de ideologias. São Paulo: Ática, 1977.), Maria Sylvia Carvalho Franco (1978Franco, Maria Sylvia Carvalho. “O tempo das ilusões”. In: Chaui, Marilena; Franco, Maria Sylvia Carvalho. Ideologia e mobilização popular. Rio de Janeiro: Paz e Terra/Centro de Estudos de Cultura Contemporânea, 1978, pp. 151-209.) e Vanilda Paiva (2000Paiva, Vanilda Pereira. Paulo Freire e o nacionalismo desenvolvimentista. São Paulo: Graal, 2000.). Ao detectarem a presença do populismo na obra de Vieira Pinto, os três autores afirmaram que toda a filosofia do desenvolvimento seria autoritária. Como que para responder à acusação, José Fáveri (2019Fáveri, José Ernesto de. Álvaro Vieira Pinto: contribuições à educação libertadora de Paulo Freire. 2. ed. São Paulo: Liber Ars, 2019.) e Norma Côrtes (2003Côrtes, Norma. Esperança e democracia: as ideias de Álvaro Vieira Pinto. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Ed. UFMG/Iuperj, 2003.) trataram de ressaltar, em seus livros, as credenciais democráticas de Vieira Pinto. Beneficiando-nos da literatura extremamente qualificada sobre Vieira Pinto existente no país, sustentaremos neste artigo que a filosofia do desenvolvimento não foi nem cem por cento democrática, nem cem por cento autoritária. Não menos do que seu contexto histórico, ela passou por fases e assume um viés ora democrático, ora antidemocrático.

Dada a pluralidade de metodologias no campo da história intelectual, convém explicitar qual delas adotaremos. Seguindo a recomendação de Oswaldo Porchat Pereira (1999Pereira, Oswaldo Porchat. “Discurso aos estudantes de filosofia da usp sobre a pesquisa em filosofia”. Dissenso: Revista de Estudantes de Filosofia, n. 2, 1999, pp. 131-40., pp. 135-9), a metodologia que empregaremos abrange: 1) estudo do contexto em que a filosofia do desenvolvimento foi gestada; 2) análise dos livros supramencionados de Vieira Pinto; 3) exame de sua contribuição para o debate sobre populismo e democracia. Iremos primeiro situar a filosofia do desenvolvimento historicamente, nomeando alguns de seus interlocutores e destacando as condições institucionais da República Populista que possibilitaram seu surgimento, bem como algumas características do populismo e do nacional-desenvolvimentismo daquela época. Em seguida, analisaremos as obras Ideologia e desenvolvimento nacional e Consciência e realidade nacional, explicitando como ambas articulam populismo e democracia. Feito isso, sublinharemos como o ocaso da democracia que o populismo pode causar se manifesta, a partir de 1962, na filosofia do desenvolvimento.

A REPÚBLICA POPULISTA E O ISEB

Costuma-se chamar de República Populista o período da história do Brasil que se estende de 1950 a 1964. Seu início se deu com a eleição democrática de Getúlio Vargas e seu término, com um golpe de Estado. Dentre as principais características do período, podemos assinalar: 1) a emergência de uma política de massas, orquestrada por um líder carismático, principal motivo para a qualificação do período como populista; 2) o nacional-desenvolvimentismo.

Antes de examinar em linhas gerais cada uma dessas características, cabe apontar que nem todos os historiadores consideram apropriado qualificar a Terceira República de populista. Considere-se, por exemplo, o livro O tempo da experiência democrática: da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. Nele, Jorge Ferreira (2019Ferreira, Jorge. “Crises da República: 1954, 1955 e 1961”. In: Ferreira, Jorge; Delgado, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O tempo da experiência democrática: da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2019, pp. 341-82., p. 358) afirma que as expressões “República Populista” ou “Democracia Populista” são inadequadas para caracterizar o período, haja vista o populismo ser um “conceito desmerecedor”. 2 2 Ao repudiar o populismo, Ferreira reforça uma tradição de pensamento relativamente consagrada no Brasil. No caso específico que analisamos, a conotação negativa do termo consta já nas primeiras análises sobre o populismo da Terceira República. Ver, por exemplo, os ensaios “Populismo revisitado” (Giannotti, 1985) e “Política de massas” (Weffort, 1978, cap. 1). Escrito em 1963 e publicado originalmente em 1965, o estudo de Francisco Weffort (1978, p. 42) foi um dos primeiros a identificar o Iseb como defensor de um “populismo teórico”. Para uma reconstrução da visão negativa do populismo que parte dos acadêmicos brasileiros costumava ter, cf. Angela de Castro Gomes (2001). Ambas deveriam ser evitadas porque o populismo remete “a uma dicotomia bastante simplista: por um lado, um líder esperto, superconsciente, capaz de manipular e enganar; por outro, uma massa sem consciência de seus interesses, iludida por discursos fáceis” (Ferreira, 2019, p. 358)Ferreira, Jorge. “Crises da República: 1954, 1955 e 1961”. In: Ferreira, Jorge; Delgado, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O tempo da experiência democrática: da democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2019, pp. 341-82..

Se mantemos a expressão “República Populista”, é porque julgamos que o populismo serve para descrever a política do período. O populismo não é um conceito necessariamente negativo, pois a manipulação de uma massa ignorante por um líder autoritário não é sua única formulação possível. O populismo é, sobretudo, um modo de estruturação do espaço político. Trata-se, em seu nível mais elementar, de uma maneira de construir um sujeito coletivo a partir da divisão do espaço político entre “nós” (o povo) e “eles” (a elite ou o antipovo). A criação do povo exige um exterior constitutivo, a nomeação de um grupo sem o qual o laço que une diferentes pessoas na coletividade popular se desfaz. Um dos primeiros autores a chamar atenção para essa característica foi Ernesto Laclau. 3 3 Para um exame mais amplo da obra de Laclau, bem como de outras interpretações sobre o populismo, consulte-se Nadia Urbinati (2021). No livro A razão populista, Laclau sustenta que a construção do povo é condição sine qua non da democracia e uma das tarefas mais urgentes da política atual. A democracia é o regime no qual o povo (demos) se governa. Logo, se não há povo, não há democracia. Na medida em que ocasiona a construção do povo, o populismo é indispensável à democracia (Laclau, 2013Laclau, Ernesto. A razão populista. Trad. Carlos Moura. São Paulo: Três Estrelas, 2013., p. 182).

Passemos ao nacional-desenvolvimentismo. Em 1950, Getúlio Vargas é eleito Presidente da República e adota uma política intervencionista para fortalecer o capitalismo nacional. Político habilidoso, Vargas conseguiu combinar taxas altas de crescimento econômico com políticas redistributivas para os pobres, que ofuscavam o conflito de classe. Vargas consolidou, assim, os princípios fundamentais do nacional-desenvolvimentismo: 1) ajuda estatal para o desenvolvimento nacional, compreendido principalmente como industrialização; 2) defesa da aliança de classes, promovida por meio de políticas de bem-estar social para os trabalhadores e benesses para a burguesia do país que se opusesse ao imperialismo econômico estrangeiro. O segundo elemento do nacional-desenvolvimentismo explica por que Vargas é considerado o maior símbolo do populismo brasileiro. Vargas pode ser identificado como um exemplo de líder populista porque, conforme indica Ernesto Laclau (2013Laclau, Ernesto. A razão populista. Trad. Carlos Moura. São Paulo: Três Estrelas, 2013., p. 276), foi capaz de construir o povo mediante um processo de mobilização que unificou grupos heterogêneos da nação brasileira.

Menos de um ano após a morte de Vargas, o presidente Café Filho criou por meio de decreto o Iseb, instituição de pesquisa e ensino que fora concebida com a missão de “constituir ou lançar as bases de um ‘pensamento brasileiro’ (autêntico ou não alienado)” nas seguintes áreas: “Sociologia, História, Política, Economia e Filosofia” (Toledo, 1977Toledo, Caio Navarro de. Iseb: fábrica de ideologias. São Paulo: Ática, 1977., p. 18). O Iseb instituiu um departamento para cada uma dessas cinco disciplinas. A convite do diretor do instituto, Roland Corbisier, Vieira Pinto assumiu, em 1955, a coordenação do Departamento de Filosofia, cargo que ocuparia até o Iseb ser extinto, em 1964.

Durante seus quase nove anos de existência, o Iseb percorreu três fases. A primeira delas abrigou duas vertentes concorrentes. Enquanto docentes como Hélio Jaguaribe e Roberto Campos postulavam a hegemonia da burguesia industrial no processo do desenvolvimento, professores como Vieira Pinto e Nelson Werneck Sodré entendiam que o nacional-desenvolvimentismo deveria ser liderado pelas massas populares. Essa primeira fase coincidiu com o período em que Jaguaribe, responsável por formular o projeto de criação do Iseb, tinha forte influência sobre as atividades do instituto. Explica-se, assim, a proximidade da primeira fase do Iseb com o desenvolvimentismo do governo Juscelino Kubitschek (1956-61).

Em 1958, Jaguaribe publica, pela editora do Iseb, O nacionalismo na atualidade brasileira. O livro gera polêmica dentro e fora do instituto porque defende a privatização do setor petroquímico e o capital estrangeiro. O Conselho Curador do Iseb marcou uma reunião especial para discutir a repercussão da obra. Depois dessa crise, todos os professores que não se identificam com a esquerda saem do instituto.

A segunda fase do Iseb começa em 1959 e vai até 1961. De acordo com um dos professores que saíram do instituto no final dos anos 1950, a partir de sua segunda fase, “o Iseb se transformou numa agência eleitoreira, e ultimamente, numa escola de marxismo-leninismo” (apudToledo, 1977Toledo, Caio Navarro de. Iseb: fábrica de ideologias. São Paulo: Ática, 1977., pp. 188-9). Embora exagerado, o relato de que o Iseb teria se tornado “eleitoreiro” é compreensível porque, em 1960, Corbisier concorreu ao cargo de deputado estadual e valeu-se do instituto como plataforma para a sua campanha. À época, difundia-se entre os isebianos a ideia de que eles deveriam não apenas compreender a realidade brasileira, mas também transformá-la. Por isso, a formação de futuros estadistas passou a ser vista como uma das funções da instituição.

Em 1961, Corbisier tornou-se deputado estadual e, portanto, teve de se afastar do Iseb. Logo em seguida, Vieira Pinto assumiu a direção do instituto. A terceira fase se inicia com a direção de Vieira Pinto e termina uma semana após o golpe de 1964, quando o Iseb é queimado e destruído pelos militares. Essa fase coincide com a radicalização do populismo, presenciada durante o governo de João Goulart (1961-64). Como leremos adiante, à medida que o populismo se radicalizava, a filosofia produzida no interior do Iseb também se radicalizava.

O chamado “último Iseb” teve um engajamento tão forte com os movimentos sociais de esquerda que alguns intérpretes chegaram a considerá-lo “uma típica organização agitprop” (Toledo, 2005Toledo, Caio Navarro de. “Iseb: ideologia e política na conjuntura do golpe de 1964”. In: Toledo, Caio Navarro de (org.). Intelectuais e política no Brasil: a experiência do Iseb. Rio de Janeiro: Revan, 2005, pp. 137-64., p. 155). De 1962 em diante, os membros do instituto consideravam “o país em vias de ingressar em um momento revolucionário, conduzido pelo próprio processo de radicalização do governo Goulart. Dentro dessas circunstâncias, o Iseb se constituiu em um dos centros de pressão para incrementar tal radicalização” (Jaguaribe, 2014Jaguaribe, Hélio. “Iseb: um breve depoimento e uma reapreciação crítica”. Cadernos do Desenvolvimento, v. 9, n. 14, 2014, pp. 231-60., p. 239). Concebido inicialmente como um centro irradiador do nacional-desenvolvimentismo de Kubitschek, o Iseb se tornara um polo difusor da revolução brasileira. Esclareça-se, todavia, que a mudança não significou um abandono do desenvolvimentismo. Pelo menos no caso de Vieira Pinto, autor isebiano sobre o qual dissertaremos, o que ocorreu foi uma transformação no modo como o desenvolvimento se concebia. 4 4 Vê-se, pois, que discordamos da interpretação de Daniel Pécaut (1990, p. 106) de que o desenvolvimentismo entre os intelectuais brasileiros teria sido suplantado pelo marxismo durante o governo Goulart. Tal leitura perde de vista o fato de que, entre 1961 e 1964, alguns intelectuais brasileiros ressignificaram o desenvolvimentismo e lhe conferiram uma inflexão marxista. O desenvolvimentismo é a ideia de que o progresso pressupõe o movimento temporal das sociedades de um estado subdesenvolvido para outro desenvolvido (Temin, 2023, p. 235). Como mostram os textos de Vieira Pinto redigidos a partir da última fase do Iseb, semelhante ideia pode assumir uma orientação marxista. Ao passo que, na primeira fase do Iseb, Vieira Pinto interpretava o desenvolvimento como um processo alinhado ao capitalismo e à democracia representativa, no apagar das luzes do instituto, o filósofo passou a entender que a revolução socialista seria um dos principais motores do desenvolvimento.

A FILOSOFIA DO DESENVOLVIMENTO

Vieira Pinto nasceu no início do século XX em Campos dos Goytacazes. Ainda jovem, mudou-se para a capital fluminense. Foi aluno do colégio jesuíta Santo Inácio, instituição na qual estudou filosofia, grego e latim. Na adolescência, morou um ano em São Paulo, cidade onde travou “relações com alguns intelectuais que naquele tempo estavam saindo da agitação do período da Semana de Arte Moderna” (Pinto, 1993, p. 13)Pinto, Álvaro Vieira. Sete lições sobre educação de adultos. 8. ed. São Paulo: Cortez, 1993.. O contato com o ambiente intelectual paulista dos cafés do Largo do Ouvidor o inclinou a estudar filosofia. Acabou, todavia, optando por cursar medicina. Durante a graduação, lecionou filosofia em um colégio de ensino médio. Após pouco tempo exercendo a clínica médica, decidiu dedicar-se à pesquisa sobre radioterapia e câncer. Em meados da década de 1940, tornou-se professor substituto de história da filosofia na Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. Em 1949, licenciou-se por dois semestres do trabalho para estudar filosofia na Sorbonne. Em 1950, defendeu no Departamento de Filosofia da FNFi uma tese sobre a cosmologia de Platão. A tese foi aprovada e, por conseguinte, Vieira Pinto tornou-se professor titular de história da filosofia naquela instituição.

Cinco anos depois, Vieira Pinto começou a dar aulas no Iseb. Segundo o autor, a experiência isebiana alterou radicalmente sua docência e pesquisa. Os discentes do Iseb diferiam do público que, normalmente, se encontrava em cursos universitários de filosofia. O Iseb era um centro de pesquisa voltado à criação de teorias que influíssem no debate público e não expedia diplomas de graduação. Seus alunos eram membros da sociedade civil, tais como sindicalistas, professores, profissionais liberais, integrantes de associações estudantis e movimentos sociais. O convívio com esse público heterogêneo, somado ao fato de os cursos do Iseb serem menos expositivos e mais direcionados à discussão de problemas políticos contemporâneos, levou Vieira Pinto a questionar o modo como até então pesquisara e lecionara filosofia. “Com a entrada para o Iseb fui mudando aos poucos de orientação, fui […] deixando de lado toda aquela forma clássica de ensinar História da Filosofia, que era puramente repetir o que o outro disse” (Pinto, 1993, p. 17)Pinto, Álvaro Vieira. Sete lições sobre educação de adultos. 8. ed. São Paulo: Cortez, 1993.. Antes de integrar o Iseb, quase toda a produção bibliográfica do autor se resumia à história da filosofia antiga. O ambiente isebiano instigou Vieira Pinto a dar menos atenção ao pensamento antigo e a elaborar uma filosofia própria - a filosofia do desenvolvimento -, cuja primeira formulação viria a lume no segundo ano de existência do referido instituto.

Ideologia e desenvolvimento nacional

Publicado em 1956, Ideologia e desenvolvimento nacional (IDN) foi um dos primeiros livros a retratar a experiência democrática da Terceira República como um processo de transição. O livro resulta de uma aula inaugural que o autor ministrou, naquele ano, na abertura do curso regular do Iseb. Vieira Pinto (1956Pinto, Álvaro Vieira. Ideologia e desenvolvimento nacional. Rio de Janeiro: Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1956., pp. 9-10) inicia a obra constatando que “faltou em nosso passado intelectual a presença da filosofia. Sem dúvida, essa privação é ela mesma efeito de condições anteriores de nossa formação, que cumpre investigar”. Assim como outros professores isebianos, o autor entendia que a ausência de um pensamento filosófico autônomo remetia ao passado colonial do Brasil. “A consciência com que nos concebíamos sempre foi uma consciência alienada. Ora, este é um fenômeno típico […] do status colonial. […] O representar-se a si próprio como objeto, sabendo que tem em outro o seu sujeito, é a essência do ser colonial” (Pinto, 1956, p. 25)Pinto, Álvaro Vieira. Ideologia e desenvolvimento nacional. Rio de Janeiro: Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1956..

No período em que Vieira Pinto escrevia IDN, a ocupação colonial, iniciada pelas potências europeias, havia cessado na maior parte do território latino-americano e caribenho. Mas daqui não se segue que o colonialismo deixara de ser um entrave para o desenvolvimento da região, pois a essência do colonialismo pode subsistir mesmo após o fim de sua ocupação territorial. A essência do colonialismo para Vieira Pinto é a alienação, termo usado pelo autor para se referir à heteronomia que inibe o pleno desenvolvimento da comunidade política e de seus membros.

Vieira Pinto entendia que, nos países que foram colonizados, três estágios históricos poderiam ser traçados: o estado colonial, o estado semicolonial e o estado desenvolvido. Enquanto este descreve uma comunidade política efetivamente autônoma, o primeiro estado designa o período em que um país tem seu território ocupado por estrangeiros que o dominam e o segundo, o período em que um país, mesmo tendo sua independência proclamada e reconhecida pelas demais nações, permanece heterônomo por conta da dominação indireta exercida pelo imperialismo. Na medida em que opõe o (semi)colonialismo ao desenvolvimento, IDN esboça o que poderíamos chamar de desenvolvimentismo anticolonial. 5 5 O desenvolvimentismo assumiu diferentes matizes na América Latina do terceiro quartel do século XX (Donoso Romo, 2016). Houve, de fato, desenvolvimentistas da região que buscaram intensificar o imperialismo (Pinto, 2008, pp. 339-46). No entanto, daqui não se segue que o desenvolvimentismo seja necessariamente a favor do imperialismo. Essa observação é digna de nota porque, sobretudo no campo dos estudos pós-desenvolvimentistas, não é incomum encontrarmos quem afirme que o desenvolvimentismo como um todo seria cúmplice do imperialismo. Leia-se, por exemplo, Gustavo Esteva (2023, cap. 4).

Segundo Vieira Pinto (1956Pinto, Álvaro Vieira. Ideologia e desenvolvimento nacional. Rio de Janeiro: Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1956., p. 19), a transição do semicolonialismo para o estado desenvolvido tem regras próprias, pois “o desenvolvimento nacional é um processo. Esta afirmação é de importância capital”. Por quê? Em primeiro lugar, porque nos leva a perceber que o desenvolvimento, longe de ocorrer de maneira espontânea, requer planejamento. É da natureza de todo processo possuir uma “transiência inteligível”, uma “legalidade interna” que explica como se passa de um estado a outro (Pinto, 1956Pinto, Álvaro Vieira. Ideologia e desenvolvimento nacional. Rio de Janeiro: Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1956., p. 19).

O Brasil já havia passado do estado colonial para o semicolonial. O que estava em questão, em 1956, era compreender como se completaria a transição do estado semicolonial para o estado desenvolvido. Eis o objetivo da “ideologia do desenvolvimento” ou, o que dá no mesmo, da “filosofia do desenvolvimento” (Pinto, 1956Pinto, Álvaro Vieira. Ideologia e desenvolvimento nacional. Rio de Janeiro: Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1956., p. 43). Na perspectiva de Vieira Pinto, quando situado em uma comunidade subjugada ao neocolonialismo, o filósofo tem o dever de estudar as regras que regem a passagem do estado semicolonial para o estado desenvolvido, a fim de acelerá-la. 6 6 Embora o termo neocolonialismo não apareça em IDN, o que nessa obra se denomina semicolonialismo pode ser associado àquele termo. A palavra neocolonialismo começou a ser usada, nos anos 1960, para expressar “a continuação do exercício de influência política ou econômica sobre uma sociedade mesmo na ausência de controle político formal. […] A consciência do neocolonialismo pelos povos outrora colonizados foi expressa de maneira notória em 1955” (Go, 2015, pp. 1-2). 1955 foi o ano de fundação do Iseb, instituição que tinha como um de seus objetivos tematizar a presença do neocolonialismo no Brasil, e da Conferência de Bandung, organizada por 29 países africanos e asiáticos que se reuniram para traçar estratégias de resistência ao (neo)colonialismo exercido pelos Estados Unidos e União Soviética. Visto designarem fenômenos semelhantes, os termos semicolonialismo, neocolonialismo e imperialismo serão empregados neste artigo sem maiores distinções.

Tendemos a ver o filósofo e suas ideias como elementos sem importância no desenrolar dos acontecimentos históricos. A suposição para Vieira Pinto (1956Pinto, Álvaro Vieira. Ideologia e desenvolvimento nacional. Rio de Janeiro: Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1956., p. 17) não procede porque “a todo processo objetivo, ou pelo menos aos de natureza social, corresponde uma concatenação ideológica paralela”. O que explica os diferentes graus de desenvolvimento das comunidades políticas é o substrato ideológico que as anima. O conceito de ideologia apresentado em IDN não significa falsa consciência. Significa antes uma representação da realidade, construída com base num conjunto de ideias e afetos, que leva as pessoas a pensar, perceber e agir de uma determinada maneira. Toda comunidade política é uma comunidade imaginada e, nesse sentido, inescapavelmente ideológica. A vida coletiva tem uma dimensão representativa inelidível porque o ser humano é um animal simbólico. Fenomenólogo que era, Vieira Pinto entendia que a consciência humana era uma máquina de fazer representações, pois é da sua essência ser sempre consciência de alguma coisa. O objetivo maior de IDN é substituir o substrato ideológico do semicolonialismo por uma nova ideologia, contribuindo, assim, para a difusão de uma representação da realidade que mobilize o povo a agir em prol do desenvolvimento nacional. A ideologia do desenvolvimento, elaborada pelo filósofo, é condição necessária para a liquidação do semicolonialismo.

Com seu conceito de ideologia, Vieira Pinto nos faz ver que a representação tem efeitos performativos, isto é, ela produz realidades. A representação não é mera reprodução ou espelhamento de uma realidade prévia. Na contramão das teorias clássicas da representação política, Vieira Pinto (1956, pp. 22-3)Pinto, Álvaro Vieira. Ideologia e desenvolvimento nacional. Rio de Janeiro: Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1956. recusa a ideia de que as ações dos cidadãos sejam movidas por uma vontade anterior à representação. Toda vontade política emana de uma representação calcada em alguma ideologia. O trabalho da representação nunca é apenas descrever uma realidade prévia, mas sim construir novas realidades políticas. 7 7 Eis uma tese fundante do construtivismo representativo, teoria da representação política que é característica do populismo (Laclau, 2013, cap. 6). A representação mobiliza as pessoas a agir à luz de projetos futuros.

Depois de apresentar a primeira tese do livro - a de que o desenvolvimento exige planejamento ideológico porque é um processo -, Vieira Pinto (1956Pinto, Álvaro Vieira. Ideologia e desenvolvimento nacional. Rio de Janeiro: Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1956., pp. 28-9) “deduz uma segunda tese que, embora consequência da primeira, não é menos importante do que esta: a ideologia do desenvolvimento tem necessariamente de ser fenômeno de massa”. A condição de existência da ideologia do desenvolvimento é sua incorporação pelo povo, que ela própria ajuda a formar. Mobilizar significa movimentar com força interior e, por conseguinte, difere do verbo deslocar, que seria transferir de um lado para outro. A mobilização deflagrada pela filosofia do desenvolvimento não é uma manipulação porque emerge de “um habitus individual, caracterizado por autêntica tomada de consciência, com a inclusão ativa da ideia no íntimo do ser, e não por adesão passiva, muda e inerte” (Pinto, 1956, p. 30)Pinto, Álvaro Vieira. Ideologia e desenvolvimento nacional. Rio de Janeiro: Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1956..

Oriunda de um artigo francês sobre o colonialismo, a expressão “tomada de consciência” denota um dos fatores concomitantes à transição para o desenvolvimento. 8 8 Ver Georges Balandier (1952). Esse artigo havia sido discutido em um ciclo de conferências organizado pelo Iseb em 1955. O extermínio do semicolonialismo reclama uma “transformação qualitativa da consciência, de alienada em autêntica” (Pinto, 1956Pinto, Álvaro Vieira. Ideologia e desenvolvimento nacional. Rio de Janeiro: Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1956., p. 25). Não é o único requisito, é claro, pois do contrário cairíamos em um idealismo ingênuo, segundo o qual a mudança de consciência seria suficiente para nos desenvolvermos. O semicolonialismo é um problema estrutural e, como tal, requer também mudanças macroeconômicas. Voltaremos a esse ponto adiante.

Ressaltando o caráter democrático da ideologia do desenvolvimento, Vieira Pinto (1956Pinto, Álvaro Vieira. Ideologia e desenvolvimento nacional. Rio de Janeiro: Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1956., p. 32) acrescenta que esta “não existe fora do sentir do povo, como uma proposição abstrata, lógica, fria. Não é uma verdade enunciada sobre o povo, mas pelo povo”. Mas qual seria então o papel do filósofo? Não havíamos lido, no início de IDN, que a construção da ideologia do desenvolvimento cabia ao filósofo? Como coadunar essa tese com a afirmação de que a filosofia do desenvolvimento se compõe de verdades enunciadas pelo povo?

A palavra-chave para responder à pergunta é interpretar. A ideologia do desenvolvimento é uma interpretação, construída pelo filósofo, de verdades enunciadas pelo povo. Deparamo-nos, aqui, com um aspecto da filosofia do desenvolvimento que seria bastante criticado por alguns comentadores. Maria Sylvia Carvalho Franco (1978Franco, Maria Sylvia Carvalho. “O tempo das ilusões”. In: Chaui, Marilena; Franco, Maria Sylvia Carvalho. Ideologia e mobilização popular. Rio de Janeiro: Paz e Terra/Centro de Estudos de Cultura Contemporânea, 1978, pp. 151-209.) e Caio Toledo (1977Toledo, Caio Navarro de. Iseb: fábrica de ideologias. São Paulo: Ática, 1977.), por exemplo, veem no construtivismo advogado em IDN um paternalismo autoritário infenso à democracia. A interpretação das verdades populares construída pela ideologia do desenvolvimento não passaria, no fim das contas, de uma imposição forjada com o intuito de escamotear a dominação de classe (Franco, 1978Franco, Maria Sylvia Carvalho. “O tempo das ilusões”. In: Chaui, Marilena; Franco, Maria Sylvia Carvalho. Ideologia e mobilização popular. Rio de Janeiro: Paz e Terra/Centro de Estudos de Cultura Contemporânea, 1978, pp. 151-209., pp. 175-9; Toledo, 1977Toledo, Caio Navarro de. Iseb: fábrica de ideologias. São Paulo: Ática, 1977., pp. 174-5). Apesar de ser adequada para alguns isebianos, essa crítica não é válida no caso específico de Vieira Pinto.

Para Vieira Pinto (1956Pinto, Álvaro Vieira. Ideologia e desenvolvimento nacional. Rio de Janeiro: Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1956., p. 33), o filósofo só consegue elaborar a ideologia do desenvolvimento se dialoga com o povo, pois é deste que aquela provém. Mas qual meio o povo tem para contestar a ideologia do desenvolvimento construída pelo filósofo? Em IDN, Vieira Pinto identifica um mecanismo que permite ao povo contestar a ideologia do desenvolvimento: o sufrágio. Vale a pena, aqui, citar a passagem em que o autor defende a importância da eleição popular:

só estarão credenciados para promover o desenvolvimento nacional aqueles que forem escolhidos pelas massas ou, noutras palavras, não pode haver solução política para os problemas brasileiros fora do voto popular. […] Inútil supor que haja outra consciência superposta à consciência das massas, a das pretensas elites, que julgue o comportamento do povo e examine o acerto e a convergência dos seus veredictos. […] É da consciência coletiva que devem emergir os promotores do desenvolvimento. Podem aparecer como destituídos de qualidades salientes, […] podem mesmo ser indivíduos que, por deficiências intelectuais ou morais, não pareçam os mais indicados para o papel que vão desempenhar. Mas na medida em que neles se personifica a consciência obscura ou pouco esclarecida do povo, são eles próprios um dado da realidade social e, como tal, exibem-se em espetáculo ao povo, que só assim terá oportunidade de reconhecer o grau que atinge a sua consciência e superá-lo. Do contrário, sem a autenticidade da escolha inconveniente, não é possível a autocorreção da consciência pública. (Pinto, 1956Pinto, Álvaro Vieira. Ideologia e desenvolvimento nacional. Rio de Janeiro: Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1956., pp. 39-40)

Apesar de longa, a citação acima se justifica porque revela que a filosofia do desenvolvimento, como Jano, tem duas faces. Por um lado, Vieira Pinto afirma que a ideologia do desenvolvimento é democrática, pois é sempre ratificável pelo povo. Mas, por outro, o autor também pressupõe um ponto de vista externo ao povo que opera como padrão de retidão das suas escolhas. Essa ambiguidade sobressai em IDN quando, após reiterar que a eleição popular determina qual projeto está mais apto para promover a ideologia do desenvolvimento, Vieira Pinto alerta que a maioria do povo pode eleger um político pouco adequado para o papel de governante. É possível que o povo, por falta de esclarecimento, cometa erros nocivos. Tais erros, o filósofo acrescenta, devem ser tolerados porque são necessários para o esclarecimento da consciência popular a longo prazo. A democracia vive cometendo erros, mas também vive os corrigindo. À medida que o governante nocivo realizar seu trabalho, o povo perceberá a inconveniência do projeto que ele representa e retornará, por conta própria, à trilha do desenvolvimento. Essa ressalva fortalece as credenciais democráticas da filosofia do desenvolvimento, pois descarta a possibilidade de que uma escolha popular considerada nociva seja revogada por uma minoria de especialistas. Entretanto, contradiz a afirmação, proferida na citação em recuo, de que inexista uma consciência, superposta à consciência do povo, capaz de avaliar os erros e acertos dos veredictos deste.

Eis uma tensão inerente à filosofia do desenvolvimento. Seria apressado inferir daí, como fizeram alguns críticos, que a filosofia do desenvolvimento, desde seu início, não passaria de um autoritarismo disfarçado de democracia. Vieira Pinto não estabelece em IDN que o resultado da eleição popular deveria ser revogado pelo filósofo, caso este julgasse que o povo se equivocou ao eleger um político pouco apropriado para a promoção do desenvolvimento. Em sua versão inicial, a filosofia do desenvolvimento mantém um compromisso inegociável com a soberania popular, expressa por meio do exercício periódico do sufrágio.

A tensão que subjaz à filosofia do desenvolvimento deriva não de um suposto autoritarismo presente em IDN, mas sim de uma concepção instrumentalista da democracia. IDN oferece uma defesa instrumentalista da democracia porque concebe esta não como um procedimento válido em si mesmo, mas sim como um instrumento cujo valor reside em seus benefícios. 9 9 Esse instrumentalismo é o que conduzirá Vieira Pinto, na última fase do Iseb, a descartar a democracia. Quando se convenceu de que esta não era capaz de gerar desenvolvimento, o autor parou de defendê-la. No caso específico de IDN, a democracia é valorizada enquanto um meio de estímulo ao desenvolvimento. Porém, poder-se-ia perguntar, o que aconteceria se desenvolvimento e democracia se divorciassem? Qual deles haveríamos de escolher? Em IDN, essa questão não se coloca porque o pressuposto da obra é que democracia e desenvolvimento sempre caminham juntos.

A tese de que a democracia vai ao encontro do desenvolvimento possui uma dimensão retórica, cuja presença se nota quando analisamos o contexto de gestação de IDN. O livro, não custa lembrar, resulta da aula inaugural que Vieira Pinto ministrou na abertura do curso regular do Iseb, em 1956. Na ocasião, o quadro docente do instituto era bastante heterogêneo. Todos eram a favor do desenvolvimentismo, mas discordavam na hora de especificar seu conteúdo. As sucessivas identificações que Vieira Pinto faz entre desenvolvimento e democracia o distanciavam de alguns colegas, como, por exemplo, Roberto Campos, professor de economia no Iseb que compreendia o desenvolvimento sobretudo como desenvolvimento capitalista, e não como um processo necessariamente democrático. 10 10 Assim como os demais isebianos de direita, Campos saiu do Iseb no final dos anos 1950. No início dos anos 1960, passou a colaborar com o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, organização financiada pelo governo dos Estados Unidos e por empresários brasileiros que conspirou ativamente a favor do golpe (Dreifuss, 1981, p. 198). Em abril de 1964, Campos se tornou o primeiro ministro do Planejamento da ditadura militar, cargo que ocupou até 1967. Como que para acalmar os ânimos dos isebianos de direita, Vieira Pinto (1956, p. 33)Pinto, Álvaro Vieira. Ideologia e desenvolvimento nacional. Rio de Janeiro: Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1956. repara que o vínculo entre democracia e desenvolvimento não deve ser lido como uma apologia a “revoluções sociais. Muito ao contrário, nele podemos achar um indício auspicioso de solução, no atual momento brasileiro, das divergências de classe”. Em IDN, a filosofia do desenvolvimento se apresenta como antirrevolucionária.

Quando IDN foi publicado, a democracia brasileira adentrava seu décimo ano de existência e observava uma profusão de grupos exigindo a ampliação da igualdade, tais como as Ligas Camponesas, a União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil, a União Nacional dos Estudantes e os sindicatos de trabalhadores urbanos. Os isebianos que se situavam mais à direita do espectro político tendiam a ver com maus olhos toda essa agitação, pois supunham que ela nos afastaria do desenvolvimento. Contra a suposição, Vieira Pinto (1956Pinto, Álvaro Vieira. Ideologia e desenvolvimento nacional. Rio de Janeiro: Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1956., p. 31) assevera que o “conjunto de manifestações sociais que se denominam, de modo geral, reivindicações populares - direitos, salários, condições de vida etc.” contribuirão para o desenvolvimento econômico brasileiro. É como se o autor estivesse assegurando a seus pares: a origem democrática da filosofia do desenvolvimento, não se preocupem, não ameaçará o capitalismo.

De acordo com IDN, o principal entrave à democracia brasileira não era o capitalismo, mas sim o semicolonialismo. Para que este fosse eliminado e a democracia se desenvolvesse, os trabalhadores deveriam deixar de lado as divergências que nutriam com a burguesia nacional. Uma vez que se juntasse a esta, a classe trabalhadora conseguiria combater o grande inimigo do povo brasileiro na década de 1950: o imperialismo estrangeiro.

Defrontamo-nos, aqui, com um dos principais motivos que levaram alguns intérpretes a classificar Vieira Pinto como populista (Fáveri, 2019Fáveri, José Ernesto de. Álvaro Vieira Pinto: contribuições à educação libertadora de Paulo Freire. 2. ed. São Paulo: Liber Ars, 2019., p. 40; Toledo, 1977Toledo, Caio Navarro de. Iseb: fábrica de ideologias. São Paulo: Ática, 1977., p. 48). Na historiografia brasileira, denomina-se pacto populista a aliança, orquestrada por líderes políticos e justificada por meio da ideologia desenvolvimentista, entre a burguesia nacional e a classe trabalhadora (Ianni, 1975Ianni, Octávio. A formação do Estado populista na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975., cap. 6). Em IDN, Vieira Pinto utiliza os termos “povo” e “nação” de modo indiferenciado para se referir ao sujeito próprio da democracia, caracterizado na obra como um todo coeso que abarca os trabalhadores, empresários, artistas etc. A filosofia do desenvolvimento, Vieira Pinto (1956, p. 43)Pinto, Álvaro Vieira. Ideologia e desenvolvimento nacional. Rio de Janeiro: Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1956. enfatiza, não exprime “nenhum interesse particular ou de grupo” porque trata do “interesse nacional”.

Como veremos na próxima seção, essa ideia seria posteriormente rechaçada pela filosofia do desenvolvimento. Nos anos 1960, a crescente participação das massas no processo político e o surgimento de uma crise econômica tornariam a burguesia indisposta à democracia. O conflito de classe, deixado em segundo plano durante os anos dourados da década de 1950, ganharia cada vez mais força. A “radicalização do populismo” esfacelaria o pacto de união entre a classe trabalhadora e a burguesia e repercutiria no interior da filosofia do desenvolvimento (Gomes et al., 2007Gomes, Angela de Castro et al. O Brasil republicano, v. 10: Sociedade e política (1930--1964). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007., p. 643).

Consciência e realidade nacional

Publicada em 1960, Consciência e realidade nacional (CRN) é uma obra composta de dois volumes que, juntos, ultrapassam mil páginas (Pinto, 2020aPinto, Álvaro Vieira. Consciência e realidade nacional, v. i: A consciência ingênua. Rio de Janeiro: Contraponto, 2020a.; 2020bPinto, Álvaro Vieira. Consciência e realidade nacional, v. ii: A consciência crítica. Rio de Janeiro: Contraponto, 2020b.). Sua maior extensão possibilitou ao autor detalhar algumas teses que, em IDN, apareciam de maneira incipiente. Contudo, CRN é mais que um detalhamento de IDN, pois revisa substancialmente alguns dos argumentos deste último. Examinemos, então, algumas semelhanças e diferenças entre IDN e CRN.

Duas teses importantes de IDN permanecem em CRN. São elas: 1) o desenvolvimento da democracia requer a destruição do semicolonialismo; 2) o populismo pode contribuir para eliminar o semicolonialismo, razão pela qual, em determinados contextos, serve de veículo para a democracia. Ainda que as duas teses persistam, CRN adota um tom marcadamente mais combativo que IDN. Em 1960, o Iseb adentrava sua segunda fase. O giro à esquerda do instituto explica, em parte, o tom agonístico com que Vieira Pinto abre CRN. Na introdução do livro, o autor constata que a nação brasileira estava cindida em duas modalidades opostas de representação política. Desde já, nota-se uma diferença significativa entre CRN e IDN: enquanto este ignora a existência de conflito interno, aquele afirma haver grupos antagônicos dentro da nação.

As duas modalidades em questão são a consciência ingênua e a consciência crítica. Grosso modo, a grande diferença entre elas é que somente a segunda tematiza os fatores históricos que a limitam. A desatenção da consciência ingênua com relação ao condicionamento histórico da comunidade a torna menos apta à reflexão política. Apenas a consciência crítica consegue promover a luta contra o semicolonialismo e, por conseguinte, o aprofundamento da democracia. Em CRN, a transição do semicolonialismo para o desenvolvimento coincide com a irrupção de uma “nova consciência”, resultante da passagem da consciência ingênua para a crítica (Pinto, 2020aPinto, Álvaro Vieira. Consciência e realidade nacional, v. i: A consciência ingênua. Rio de Janeiro: Contraponto, 2020a., p. 114).

Tendo apresentado a diferença entre as duas modalidades de consciência, Vieira Pinto (2020aPinto, Álvaro Vieira. Consciência e realidade nacional, v. i: A consciência ingênua. Rio de Janeiro: Contraponto, 2020a., p. 35) afirma que a filosofia do desenvolvimento defenderá a consciência crítica porque somente ela favorece “o processo de desenvolvimento coletivo” e a “convivência democrática”. Imbuído da convicção de que todo intelectual deve lutar pelo desenvolvimento da sua comunidade, o autor determina que o propósito último de CRN é fomentar a filosofia do desenvolvimento, cuja primeira formulação fora exposta em IDN. Vieira Pinto (2020a)Pinto, Álvaro Vieira. Consciência e realidade nacional, v. i: A consciência ingênua. Rio de Janeiro: Contraponto, 2020a. quer ajudar na construção de uma ideologia - uma certa representação da realidade - que fortaleça a luta pelo desenvolvimento da democracia no Brasil.

Por que a filosofia do desenvolvimento é necessária à democracia? Porque, responde o autor, ela consegue construir uma “vontade popular” unificada mediante a articulação das demandas dos diversos grupos que compõem a nação (Pinto, 2020aPinto, Álvaro Vieira. Consciência e realidade nacional, v. i: A consciência ingênua. Rio de Janeiro: Contraponto, 2020a., p. 38). O processo de articulação da ideologia do desenvolvimento não postula uma concepção de povo inconsútil ou sem cissuras internas. Esse ponto merece atenção porque distancia CRN de IDN. Em várias passagens de CRN, Vieira Pinto reconhece a existência do conflito de classe. O autor continua persuadido, entretanto, de que o principal obstáculo - mas não o único - ao desenvolvimento brasileiro, em 1960, era de origem externa. Naquele contexto, o maior perigo à consolidação da nossa democracia vinha do imperialismo estrangeiro e seus colaboradores internos, compostos por uma minoria que defendia as forças antidemocráticas em curso por causa dos benefícios financeiros que delas obtinha. Contra tais forças, Vieira Pinto defende uma maior participação dos setores populares na política e a concessão do voto aos analfabetos, que na Terceira República eram excluídos da franquia eleitoral.

Diferentemente de IDN, que não critica a recusa do voto aos analfabetos, CRN sustenta que todas as pessoas maiores de idade devem ter o direito de votar. Vieira Pinto (2020bPinto, Álvaro Vieira. Consciência e realidade nacional, v. ii: A consciência crítica. Rio de Janeiro: Contraponto, 2020b., p. 446) advoga em prol da ampliação do sufrágio justamente porque quer dar oportunidade para que uma vontade popular capaz de fazer frente ao neocolonialismo norte-americano venha à tona no Brasil. Era da criação dessa vontade popular que, segundo o autor, o futuro da democracia nacional dependia. Em CRN, o populismo adquire um viés democratizante porque: 1) promove a inclusão dos setores populares na franquia eleitoral; 2) denuncia a existência de planos golpistas para derrubar a democracia e conclama pela agregação de forças para neutralizá-las.

O poder construtivista da ideologia do desenvolvimento é relevante para a democracia porque, em um país subjugado pelo neocolonialismo, o povo não é algo prévio, mas sim algo que deve ser construído. O construtivismo da ideologia do desenvolvimento - sua capacidade de construir o povo - está relacionado ao seu estímulo da politização. O processo de articulação, efetuado pela ideologia do desenvolvimento, estrutura o mundo social segundo uma polarização em que a identidade popular se forma graças à “sua percepção de estar em contradição com o outro polo” (Pinto, 2020aPinto, Álvaro Vieira. Consciência e realidade nacional, v. i: A consciência ingênua. Rio de Janeiro: Contraponto, 2020a., p. 40). 11 11 Outra característica populista de CRN reside na afirmação da virtude do povo (cf. Laclau, 2013, p. 36). “O povo não erra” e proporciona uma prática política “pura” porque, diferentemente da elite, não tem interesses “econômicos escusos” (Pinto, 2020b, pp. 115 e 323).

Foi por não atentarem ao modus operandi do processo articulatório da filosofia do desenvolvimento que alguns intérpretes concluíram, equivocadamente, que CRN nega o conflito de classe. No capítulo em que expõe sua “teoria da pluralidade das contradições”, Vieira Pinto (2020aPinto, Álvaro Vieira. Consciência e realidade nacional, v. i: A consciência ingênua. Rio de Janeiro: Contraponto, 2020a., p. 39) estabelece que a ideologia do desenvolvimento não ignora a diversidade interna do povo. Em vez disso, o que ela faz é destacar um dado antagonismo como “contradição principal”, relegando as demais contradições que perpassam o tecido social ao papel de “subalternas, secundárias” (Pinto, 2020a, p. 39)Pinto, Álvaro Vieira. Consciência e realidade nacional, v. i: A consciência ingênua. Rio de Janeiro: Contraponto, 2020a.. Entretanto, nada impede que, com o passar do tempo, outros conflitos sociais assumam o posto de contradição principal.

Longe de denotar uma unidade substancial imutável, o povo é construído por meio de um processo de articulação contingente. Para o povo emergir como categoria política, a população de um território precisa se ver como composta por membros de um mesmo sujeito coletivo. Trata-se de um processo que não é automático, especialmente em países fragmentados pelo pluralismo. A variedade de grupos que compõem a nação resulta em demandas diversas. Destas, uma precisa ser destacada como a principal, a fim de inaugurar uma cadeia equivalencial entre grupos heterogêneos. É quando esta se instaura que o povo emerge. Eis, em linhas gerais, o processo articulatório do populismo de CRN.

Ao ordenar as diversas contradições que permeiam a realidade nacional, a filosofia do desenvolvimento põe em relevo as correlações existentes entre elas. Destarte, mostra que a luta contra a contradição que foi alçada, temporariamente, ao posto de obstáculo principal ao desenvolvimento repercute sobre as demais contradições. Os conflitos internos - tais quais os que existem entre a classe trabalhadora e a burguesia - estão ligados à contradição principal. Eles descendem dela e, portanto, só serão plenamente resolvidos quando ela acabar por meio da modificação das relações econômicas. Junto com sua defesa do populismo, Vieira Pinto (2020bPinto, Álvaro Vieira. Consciência e realidade nacional, v. ii: A consciência crítica. Rio de Janeiro: Contraponto, 2020b., p. 575) oferece uma “teoria da revolução”.

Eis que, outra vez, nos deparamos com uma ambiguidade característica da filosofia do desenvolvimento. Se, por um lado, Vieira Pinto admite que o povo é quem decide qual o rumo do desenvolvimento, por outro, o autor não hesita em afirmar que, uma vez eliminada a exploração do capital estrangeiro no interior do país, o conflito entre as diferentes classes nacionais se tornaria a contradição principal. Suprimir a exploração da classe trabalhadora realizada pela burguesia nacional é uma exigência do desenvolvimento compreendido “em termos de emancipação” (Pinto, 2020b, p. 458)Pinto, Álvaro Vieira. Consciência e realidade nacional, v. ii: A consciência crítica. Rio de Janeiro: Contraponto, 2020b.. Ou seja: além de não negar a existência do conflito de classe, Vieira Pinto (2020b)Pinto, Álvaro Vieira. Consciência e realidade nacional, v. ii: A consciência crítica. Rio de Janeiro: Contraponto, 2020b. identifica o antagonismo entre as classes nacionais como uma das contradições que, findada a luta contra o semicolonialismo, terão de ser enfrentadas.

A TENSÃO ENTRE POPULISMO E DEMOCRACIA

Em IDN e CRN, Vieira Pinto recorre ao populismo de uma maneira que é compatível com a democracia. No entanto, a partir de 1962, a filosofia do desenvolvimento desvincula o populismo da democracia. Isso fica claro em Por que os ricos não fazem greve? (PRG), livro publicado por Vieira Pinto em 1962. Observamos nessa obra a permanência de duas teses populistas apresentadas em CRN: 1) é urgente construir o povo mediante esclarecimento da contradição que este nutre com uma elite conivente com o imperialismo; 2) o povo é virtuoso e nunca erra. O que some, todavia, é o apoio à democracia. O conceito de revolução, que fora integrado à filosofia do desenvolvimento a partir da publicação de CRN, cresce a ponto de eclipsar a defesa do regime democrático.

Essa mudança não surpreende se lembrarmos que, entre 1961 e 1964, o Brasil e o Iseb vivenciaram o “epílogo populista” (Gomes et al., 2007Gomes, Angela de Castro et al. O Brasil republicano, v. 10: Sociedade e política (1930--1964). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007., p. 228). À ascensão de Goulart à presidência, seguiu-se uma intensificação do sectarismo tanto de esquerda quanto de direita. No campo da esquerda, as reformas de base passaram a ser defendidas de maneira intransigente, de modo que “tornou-se impossível a construção de um compromisso que combinasse democracia e reformas em um projeto político consistente. Os principais atores políticos percebiam democracia e reformas como objetivos conflitantes” (Figueiredo, 2015Figueiredo, Argelina Cheibub. “O Brasil na encruzilhada: democracia ou reformas?” In: Alonso, Angela; Dolhnikoff, Miriam (orgs.). 1964: do golpe à democracia. São Paulo: Hedra, 2015, pp. 25-41., p. 28). 12 12 Defendidas pela equipe de Goulart (2004, p. 230), as reformas de base almejavam implementar “uma justa participação do povo no desenvolvimento nacional” por meio da reestruturação de diferentes setores do país. Por compromisso, entenda-se a disposição para dialogar e negociar com a oposição, disposição esta que é fundamental à democracia. Como observou José Giannotti (2015Giannotti, José Arthur. “Brevíssimas considerações sobre o Estado e a política”. In: Alonso, Angela; Dolhnikoff, Miriam (orgs.). 1964: do golpe à democracia. São Paulo: Hedra, 2015, pp. 71-7., p. 73), durante o governo Goulart, os principais grupos políticos do país minaram o regime democrático porque a “democracia coloca entre parênteses a contradição entre amigos e inimigos, entre o nós e o outro absoluto, permitindo que eles convivam num plano comum, o plano da contrariedade”. A manutenção da democracia exige que a contrariedade política não degenere para uma relação entre inimigos. A díade povo versus elite, postulada pelo populismo, vai contra a democracia quando bloqueia a emergência de acordos entre os diferentes grupos políticos e nega o pluralismo.

Refletindo a radicalização do populismo do seu tempo, Vieira Pinto (1962Pinto, Álvaro Vieira. Por que os ricos não fazem greve? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962.) deixa de tratar dos procedimentos que nos permitiriam auferir o caráter democrático da filosofia do desenvolvimento. Em IDN, o autor afirma que a eleição popular é o critério que nos possibilita comprovar o apoio do povo à filosofia do desenvolvimento. Em CRN, a afirmação se repete, dessa vez com o acréscimo de que o sufrágio deveria ser estendido a todas as pessoas maiores de idade (inclusive as analfabetas). Porém, de 1962 em diante, Vieira Pinto parece convencido de que a filosofia do desenvolvimento automaticamente se identifica com a perspectiva do povo, razão pela qual não mais lhe parece necessário submetê-la ao sufrágio popular.

PRG tipifica o declínio da democracia que algumas versões do populismo podem gerar. Na introdução do livro, o autor apresenta a dicotomia com a qual trabalhará ao longo de toda a obra: de um lado, os trabalhadores pobres, de outro, os ricos. Adotando uma concepção exclusivista do povo, Vieira Pinto afirma que este compreende apenas a classe trabalhadora e que os inimigos do povo, os ricos, precisam ser eliminados. Depois que a consciência popular se esclarecer, “não haverá mais ‘ricos’. A consciência das massas, uma vez esclarecida, assume necessariamente atitude revolucionária” (Pinto, 1962Pinto, Álvaro Vieira. Por que os ricos não fazem greve? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962., p. 59). A tarefa da filosofia do desenvolvimento passa a ser, então, a de acelerar a chegada da revolução, cujo objetivo será “alterar as relações de produção existentes, a fim de pôr termo à alienação do trabalho humano” (Pinto, 1962Pinto, Álvaro Vieira. Por que os ricos não fazem greve? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962., p. 81). A revolução popular não ocorrerá de modo espontâneo, haja vista os ricos empregarem uma série de estratagemas para asfixiar a consciência crítica do povo. O líder populista e o filósofo do desenvolvimento são, portanto, imprescindíveis à revolução. São eles quem conduzirão a luta contra os fatores adversos que abortam a eclosão revolucionária (Pinto, 1962Pinto, Álvaro Vieira. Por que os ricos não fazem greve? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962., p. 67).

Contradizendo a defesa da democracia representativa que avançara em IDN e CRN, Vieira Pinto afirma que esse tipo de regime precisa ser derrubado porque é conivente com a alienação do trabalho do povo. Os “representantes parlamentares” não conseguem representar o povo porque têm “preconceitos de classe” e porque são “capitalistas, serventuários dos grandes industriais ou latifundiários […]. Claro está que o operariado só pode desempenhar papel de espectador […] na elaboração da lei […] uma vez que não é ouvido, não tem representantes pessoais no Parlamento” (Pinto, 1962Pinto, Álvaro Vieira. Por que os ricos não fazem greve? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962., pp. 29 e 46). A democracia representativa não dá vazão ao poder popular porque “a máquina da propaganda”, financiada pela classe capitalista, garante que todos os “representantes políticos” eleitos sejam defensores dos interesses dos ricos, jamais dos trabalhadores (Pinto, 1962Pinto, Álvaro Vieira. Por que os ricos não fazem greve? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962., p. 61). 13 13 Vieira Pinto parece esquecer que, em 1961, Corbisier fora eleito deputado pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Em nenhuma passagem de PRG o autor comenta que, nos primeiros anos da década de 1960, houve um aumento do número de parlamentares eleitos que eram a favor dos trabalhadores (cf. Ferreira; Gomes, 2021, cap. 5). Ao apresentar tal crítica à democracia representativa, a filosofia do desenvolvimento reitera uma “convicção bastante difundida entre os grupos de esquerda e da coalização pró-reformas” durante os últimos anos da República Populista, segundo a qual “a atividade parlamentar não era uma via efetiva para a implementação de reformas, mas mera plataforma para a propaganda radical” (Figueiredo, 2015Figueiredo, Argelina Cheibub. “O Brasil na encruzilhada: democracia ou reformas?” In: Alonso, Angela; Dolhnikoff, Miriam (orgs.). 1964: do golpe à democracia. São Paulo: Hedra, 2015, pp. 25-41., p. 38).

Do que foi dito, segue-se que a filosofia do desenvolvimento esclarece que a relação entre populismo e democracia é tensional. O populismo é compatível com a democracia quando deixa em aberto procedimentos - como a eleição democrática e as instituições representativas por ela determinada - que permitem ao povo contestar as pautas pleiteadas em seu nome. O populismo, no entanto, põe em xeque a democracia quando a divisão que postula entre povo e elite inviabiliza a prática do compromisso e dispensa a escolha de representantes políticos por meio do exercício periódico do sufrágio popular. É o que acontece, por exemplo, com o populismo esposado por Vieira Pinto em PRG.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao examinar a evolução da filosofia do desenvolvimento, notamos haver uma sincronia entre a obra de Vieira Pinto e seu contexto histórico. Na primeira fase do Iseb, Vieira Pinto (1956Pinto, Álvaro Vieira. Ideologia e desenvolvimento nacional. Rio de Janeiro: Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1956.) identifica o desenvolvimento com a democracia representativa e o capitalismo industrial e endossa o pacto populista promovido pelo governo de Juscelino Kubitschek. Na segunda fase do instituto (1959-61) o autor continua defendendo a democracia representativa e acrescenta que, findada a luta contra o imperialismo, será necessário transformar as relações econômicas de modo a acabar com a exploração de classe. Por fim, na última fase do Iseb (1962-64), Vieira Pinto incorpora em sua filosofia a radicalização do populismo, vivenciada ao longo do governo Goulart, e desvincula democracia e desenvolvimento, alegando que este exige eliminar aquela.

Nossa análise permite concluir que o populismo se torna uma força contrária à democracia quando nega o pluralismo e obstrui a possibilidade de acordo entre as diferentes partes que compõem a comunidade política. Contudo, é uma força democratizante quando, em vez de conclamar pela eliminação de uma parte da comunidade considerada inimiga do povo, defende a inclusão dos setores populares na política, fortalecendo a igualdade sem postular uma concepção homogênea da coletividade. A filosofia do desenvolvimento mostra que o populismo pode revigorar a democracia, na medida em que difunde no povo um espírito combativo ao neocolonialismo. Essa influência positiva do populismo sobre a democracia costuma ser ignorada na literatura contemporânea, que via de regra tende a dissociar teoria democrática e teoria anticolonial. Revisitar a história do pensamento brasileiro pode, portanto, contribuir para uma nova agenda de pesquisa sobre a relação entre populismo e democracia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • Figueiredo, Argelina Cheibub. “O Brasil na encruzilhada: democracia ou reformas?” In: Alonso, Angela; Dolhnikoff, Miriam (orgs.). 1964: do golpe à democracia. São Paulo: Hedra, 2015, pp. 25-41.
  • Franco, Maria Sylvia Carvalho. “O tempo das ilusões”. In: Chaui, Marilena; Franco, Maria Sylvia Carvalho. Ideologia e mobilização popular. Rio de Janeiro: Paz e Terra/Centro de Estudos de Cultura Contemporânea, 1978, pp. 151-209.
  • Giannotti, José Arthur. “Populismo revisitado”. Novos Estudos Cebrap, n. 13, 1985, p. 1.
  • Giannotti, José Arthur. “Brevíssimas considerações sobre o Estado e a política”. In: Alonso, Angela; Dolhnikoff, Miriam (orgs.). 1964: do golpe à democracia. São Paulo: Hedra, 2015, pp. 71-7.
  • Go, Julian. “Colonialism and Neocolonialism”. In: Stone, John et al. (orgs.). The Wiley Blackwell Encyclopedia of Race, Ethnicity, and Nationalism. Malden: Wiley Blackwell, 2015, pp. 1-3.
  • Gomes, Angela de Castro. “O populismo e as ciências sociais no Brasil: notas sobre a trajetória de um conceito”. In: Ferreira, Jorge (org.). O populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, pp. 17-57.
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  • Goulart, João Belchior Marques. João Goulart: perfil, discursos, depoimentos (1919--1976). Porto Alegre: Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, 2004.
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  • Pinto, Álvaro Vieira. Ideologia e desenvolvimento nacional. Rio de Janeiro: Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1956.
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  • Pinto, Álvaro Vieira. Sete lições sobre educação de adultos. 8. ed. São Paulo: Cortez, 1993.
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  • Pinto, Álvaro Vieira. Consciência e realidade nacional, v. ii: A consciência crítica. Rio de Janeiro: Contraponto, 2020b.
  • Temin, David Myer. “Development in Decolonization: Walter Rodney, Third World Developmentalism, and ‘Decolonizing Political Theory’”. American Political Science Review, v. 117, n. 1, 2023, pp. 235-48.
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  • Urbinati, Nadia. Io, il popolo: come il populismo trasforma la democrazia. Bolonha: Il Mulino, 2020.
  • Urbinati, Nadia. “A teoria política do populismo”. Trad. Guilherme Tadeu de Paula e Javier Amadeo. Exilium, v. 2, n. 3, 2021, pp. 299-334.
  • Weffort, Francisco Corrêa. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
  • 1
    Versões anteriores deste trabalho foram apresentadas em 2023 no Programa Internacional de Pós-Doutorado (IPP) do Cebrap, no XIV Colóquio de Filosofia da Unespar e na conferência Decolonising the ‘Long Boom’: New Histories of the Global South, 1945-1990, organizada pelo Departamento de História da Universidade de Oxford. Além das pessoas que participaram dessas apresentações, o autor agradece a Adrian Gurza Lavalle e Maria Hermínia Tavares de Almeida pelos comentários enviados sobre o texto. Quaisquer erros que permanecerem são de responsabilidade do autor.
  • 2
    Ao repudiar o populismo, Ferreira reforça uma tradição de pensamento relativamente consagrada no Brasil. No caso específico que analisamos, a conotação negativa do termo consta já nas primeiras análises sobre o populismo da Terceira República. Ver, por exemplo, os ensaios “Populismo revisitado” (Giannotti, 1985Giannotti, José Arthur. “Populismo revisitado”. Novos Estudos Cebrap, n. 13, 1985, p. 1.) e “Política de massas” (Weffort, 1978Weffort, Francisco Corrêa. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., cap. 1). Escrito em 1963 e publicado originalmente em 1965, o estudo de Francisco Weffort (1978Weffort, Francisco Corrêa. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., p. 42) foi um dos primeiros a identificar o Iseb como defensor de um “populismo teórico”. Para uma reconstrução da visão negativa do populismo que parte dos acadêmicos brasileiros costumava ter, cf. Angela de Castro Gomes (2001Gomes, Angela de Castro. “O populismo e as ciências sociais no Brasil: notas sobre a trajetória de um conceito”. In: Ferreira, Jorge (org.). O populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, pp. 17-57.).
  • 3
    Para um exame mais amplo da obra de Laclau, bem como de outras interpretações sobre o populismo, consulte-se Nadia Urbinati (2021Urbinati, Nadia. “A teoria política do populismo”. Trad. Guilherme Tadeu de Paula e Javier Amadeo. Exilium, v. 2, n. 3, 2021, pp. 299-334.).
  • 4
    Vê-se, pois, que discordamos da interpretação de Daniel Pécaut (1990Pécaut, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil: entre o povo e a nação. Trad. Maria Júlia Goldwasser. São Paulo: Ática, 1990., p. 106) de que o desenvolvimentismo entre os intelectuais brasileiros teria sido suplantado pelo marxismo durante o governo Goulart. Tal leitura perde de vista o fato de que, entre 1961 e 1964, alguns intelectuais brasileiros ressignificaram o desenvolvimentismo e lhe conferiram uma inflexão marxista. O desenvolvimentismo é a ideia de que o progresso pressupõe o movimento temporal das sociedades de um estado subdesenvolvido para outro desenvolvido (Temin, 2023Temin, David Myer. “Development in Decolonization: Walter Rodney, Third World Developmentalism, and ‘Decolonizing Political Theory’”. American Political Science Review, v. 117, n. 1, 2023, pp. 235-48. , p. 235). Como mostram os textos de Vieira Pinto redigidos a partir da última fase do Iseb, semelhante ideia pode assumir uma orientação marxista.
  • 5
    O desenvolvimentismo assumiu diferentes matizes na América Latina do terceiro quartel do século XX (Donoso Romo, 2016Donoso Romo, Andrés. “El desarrollo en disputa en la intelectualidad latinoamericana (1950-1980)”. Izquierdas, n. 27, 2016, pp. 272-92.). Houve, de fato, desenvolvimentistas da região que buscaram intensificar o imperialismo (Pinto, 2008Pinto, Álvaro Vieira. A sociologia dos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008., pp. 339-46). No entanto, daqui não se segue que o desenvolvimentismo seja necessariamente a favor do imperialismo. Essa observação é digna de nota porque, sobretudo no campo dos estudos pós-desenvolvimentistas, não é incomum encontrarmos quem afirme que o desenvolvimentismo como um todo seria cúmplice do imperialismo. Leia-se, por exemplo, Gustavo Esteva (2023Esteva, Gustavo. Gustavo Esteva: A Critique of Development and Other Essays. Trad. Kathryn Dix. Nova York: Routledge, 2023., cap. 4).
  • 6
    Embora o termo neocolonialismo não apareça em IDN, o que nessa obra se denomina semicolonialismo pode ser associado àquele termo. A palavra neocolonialismo começou a ser usada, nos anos 1960, para expressar “a continuação do exercício de influência política ou econômica sobre uma sociedade mesmo na ausência de controle político formal. […] A consciência do neocolonialismo pelos povos outrora colonizados foi expressa de maneira notória em 1955” (Go, 2015Go, Julian. “Colonialism and Neocolonialism”. In: Stone, John et al. (orgs.). The Wiley Blackwell Encyclopedia of Race, Ethnicity, and Nationalism. Malden: Wiley Blackwell, 2015, pp. 1-3., pp. 1-2). 1955 foi o ano de fundação do Iseb, instituição que tinha como um de seus objetivos tematizar a presença do neocolonialismo no Brasil, e da Conferência de Bandung, organizada por 29 países africanos e asiáticos que se reuniram para traçar estratégias de resistência ao (neo)colonialismo exercido pelos Estados Unidos e União Soviética. Visto designarem fenômenos semelhantes, os termos semicolonialismo, neocolonialismo e imperialismo serão empregados neste artigo sem maiores distinções.
  • 7
    Eis uma tese fundante do construtivismo representativo, teoria da representação política que é característica do populismo (Laclau, 2013Laclau, Ernesto. A razão populista. Trad. Carlos Moura. São Paulo: Três Estrelas, 2013., cap. 6).
  • 8
    Ver Georges Balandier (1952Balandier, Georges. “Contribution à une sociologie de la dépendance”. Cahiers Internationaux de Sociologie, v. 12, 1952, pp. 47-69.). Esse artigo havia sido discutido em um ciclo de conferências organizado pelo Iseb em 1955.
  • 9
    Esse instrumentalismo é o que conduzirá Vieira Pinto, na última fase do Iseb, a descartar a democracia. Quando se convenceu de que esta não era capaz de gerar desenvolvimento, o autor parou de defendê-la.
  • 10
    Assim como os demais isebianos de direita, Campos saiu do Iseb no final dos anos 1950. No início dos anos 1960, passou a colaborar com o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, organização financiada pelo governo dos Estados Unidos e por empresários brasileiros que conspirou ativamente a favor do golpe (Dreifuss, 1981Dreifuss, René Armand. 1964: a conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. Trad. Ayeska Branca de Oliveira Farias et al. Petrópolis: Vozes, 1981., p. 198). Em abril de 1964, Campos se tornou o primeiro ministro do Planejamento da ditadura militar, cargo que ocupou até 1967.
  • 11
    Outra característica populista de CRN reside na afirmação da virtude do povo (cf. Laclau, 2013Laclau, Ernesto. A razão populista. Trad. Carlos Moura. São Paulo: Três Estrelas, 2013., p. 36). “O povo não erra” e proporciona uma prática política “pura” porque, diferentemente da elite, não tem interesses “econômicos escusos” (Pinto, 2020bPinto, Álvaro Vieira. Consciência e realidade nacional, v. ii: A consciência crítica. Rio de Janeiro: Contraponto, 2020b., pp. 115 e 323).
  • 12
    Defendidas pela equipe de Goulart (2004Goulart, João Belchior Marques. João Goulart: perfil, discursos, depoimentos (1919--1976). Porto Alegre: Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, 2004., p. 230), as reformas de base almejavam implementar “uma justa participação do povo no desenvolvimento nacional” por meio da reestruturação de diferentes setores do país.
  • 13
    Vieira Pinto parece esquecer que, em 1961, Corbisier fora eleito deputado pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Em nenhuma passagem de PRG o autor comenta que, nos primeiros anos da década de 1960, houve um aumento do número de parlamentares eleitos que eram a favor dos trabalhadores (cf. Ferreira; Gomes, 2021Ferreira, Jorge; Gomes, Angela de Castro. 1964: o golpe que derrubou um presidente, pôs fim ao regime democrático e instituiu a ditadura no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2021., cap. 5).

Editado por

Editor responsável: Fernando Bee.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    09 Abr 2023
  • Aceito
    17 Jul 2023
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