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Capital humano e desigualdade salarial no Brasil: uma análise de decomposição para o período 1995-2014

Resumo

Este artigo investiga fatores que podem explicar a redução da desigualdade salarial no Brasil entre 1995 e 2014, utilizando um método sugerido por Yun (2006)YUN, M. Earnings Inequality in USA, 1969-99: Comparing Inequality Using Earnings Equations. Review of Income and Wealth, S.52, n.1, March, 2006.. Este método corresponde a uma junção de outras duas formas de decomposição: Juhn Murphy e Pierce (1993) e Fields (2003). A aplicação conjunta dessas metodologias proporciona um maior nível de detalhamento no exercício de decomposição, ao permitir obter os efeitos preço e quantidade associados a cada uma das variáveis explicativas da equação de salários. Os resultados encontrados, com base nos dados da PNAD, mostram que a recente queda da desigualdade salarial foi devida, essencialmente, à acumulação de capital humano, enquanto fricções no mercado de trabalho (segmentação e discriminação) parecem ter desempenhado um papel secundário nesse processo. O efeito preço associado ao capital humano foi o principal responsável por essa redução e, em particular, a queda dos retornos educacionais teve papel de destaque nesse resultado.

Palavras-Chave:
Desigualdade salarial; Decomposição da desigualdade; Regressão de salários

Abstract

This paper investigates factors that may explain the reduction in wage inequality in Brazil between 1995 and 2014 using a decomposition method suggested by Yun (2006)YUN, M. Earnings Inequality in USA, 1969-99: Comparing Inequality Using Earnings Equations. Review of Income and Wealth, S.52, n.1, March, 2006.. This method is a synthesis of two another methods, a decomposition proposed by Juhn, Murphy and Pierce (1993) and the other was suggested by Fields (2003). The application of these methods provides a greater level of detail in the decomposition exercise by allowing get the price and quantity effects associated with each of the explanatory variables in the wage equation. The results based on PNAD data, shows that the recent decline in the wage inequality was due mainly to the human capital accumulation, while frictions in the labor market (segmentation and discrimination) seem to have played a secondary role in this process. The price effect associated with human capital was the main reason for this reduction and, in particular, the fall in returns to education played an important role in this result.

Keywords:
Wage inequality; Decomposition of inequality; Wage regression

1. Introdução

Após relativa estabilidade durante a segunda metade da década de 1990, a desigualdade de renda no Brasil declinou de forma acentuada ao longo da década de 2000. Diversos estudos apontam para a significância dessa redução e para os fatores que ajudam a explicar esse fenômeno.1 1 Além de significante no sentido comum, pela magnitude e velocidade da redução; a significância estatística da redução da desigualdade na primeira metade dos anos 2000 foi testada por Azevedo (2007). Dentre estes trabalhos, Barros et al. (2010)_____, R. Determinantes da Queda na Desigualdade de Renda no Brasil. Texto para Discussão, n. 1.460. Rio de Janeiro: IPEA, jan. 2010. mostram que o grau de desigualdade de renda entre 2001 e 2007 declinou de forma acentuada e contínua. O coeficiente de Gini declinou 7% no período (0,593 em 2001 para 0,552 em 2007), atingindo o menor valor dos últimos 30 anos. Os autores também comentam que, de 74 países para os quais se tem informações sobre a evolução do coeficiente de Gini, em menos de 25% deles houve redução semelhante e de mesma magnitude. Essa tendência de redução do índice de desigualdade foi observada nos anos seguintes, com o coeficiente de Gini atingindo o valor de 0,518 em 2014, o menor valor da série histórica até então.

Mesmo após esse acentuado declínio, a desigualdade de renda brasileira permanece extremamente elevada. Barros et al. (2010)_____, R. Determinantes da Queda na Desigualdade de Renda no Brasil. Texto para Discussão, n. 1.460. Rio de Janeiro: IPEA, jan. 2010. apontam que cerca de 90% dos países ainda apresentam distribuições menos concentradas que a do Brasil, o que indica a necessidade de um processo de redução da desigualdade de renda contínuo e sustentável até patamares mais baixos. Sob a égide desse argumento, a dinâmica da desigualdade de renda no Brasil ainda permanece como um importante tema de pesquisa e sua análise merece atenção permanente, não apenas do meio acadêmico, mas também político.

O declínio da desigualdade de renda nos primeiros anos da década de 2000 recebeu bastante atenção na literatura recente. Uma das principais abordagens sobre o tema se ocupou da análise de fatores determinantes da redução da desigualdade, sejam eles componentes da renda como em Soares (2006)SOARES, F. V.; SOARES, S.; MEDEIROS, M.; GERREIRO, R. Programas de Transferência de Renda no Brasil: Impactos sobre a desigualdade. Texto para Discussão, n. 1.228. Brasília: IPEA, out, 2006., Soares et al. (2006)SOARES, F. V.; SOARES, S.; MEDEIROS, M.; GERREIRO, R. Programas de Transferência de Renda no Brasil: Impactos sobre a desigualdade. Texto para Discussão, n. 1.228. Brasília: IPEA, out, 2006., Hoffmann (2006)HOFFMAN, R. Transferências de renda e a redução da desigualdade no Brasil e cinco regiões entre 1997 e 2004. Econômica, v. 8, n. 1, 2006. e Hoffmann e Oliveira (2014)HOFFMANN, R.; DE OLIVEIRA, R. B. The Evolution of Income Distribution in Brazil in the Agricul tural and the non-agricultural Sectors. World Journal of Agricultural Research, v. 2, n. 5, 2014., ou determinantes imediatos2 2 Que incluem além dos rendimentos, fatores demográficos e relacionados com a oferta de trabalho. como os definidos em Barros et al. (2006)BARROS, R. P.; CARVALHO, M.; FRANCO, S.; MEDONÇA, R. Uma Análise das Principais Causas da Queda Recente na Desigualdade de Renda Brasileira. Texto para Discussão, n. 1.203. Rio de Janeiro: IPEA, ago. 2006., Barros et al. (2007a)BARROS, R.; FRANCO, S.; MENDONÇA, R. Determinantes Imediatos da Queda da Desigualdade Brasileira. In: BARROS, R. P.; FOGUEL, M. N.; ULYSSEA, G. (orgs). Desigualdade de Renda no Brasil: Uma Análise da Queda Recente. Brasília: Ipea , v. 2,, 2007a. e Barros et al. (2010)_____, R. Determinantes da Queda na Desigualdade de Renda no Brasil. Texto para Discussão, n. 1.460. Rio de Janeiro: IPEA, jan. 2010.. Em todos estes trabalhos, uma posição unânime refere-se à importância de fatores relacionados ao mercado de trabalho, como empregos e salários, para a redução da desigualdade de renda.

Os dados apresentados por Soares (2006)SOARES, F. V.; SOARES, S.; MEDEIROS, M.; GERREIRO, R. Programas de Transferência de Renda no Brasil: Impactos sobre a desigualdade. Texto para Discussão, n. 1.228. Brasília: IPEA, out, 2006. mostram que a participação da renda do trabalho na renda total esteve sempre próxima de 80%, entre 1995 e 2004. Trata-se de uma participação considerável e que gera uma expectativa de que este componente tenha uma contribuição significativa para a queda da desigualdade de renda ocorrida recentemente. Já Hoffmann (2006)HOFFMAN, R. Transferências de renda e a redução da desigualdade no Brasil e cinco regiões entre 1997 e 2004. Econômica, v. 8, n. 1, 2006. atribui à renda do trabalho uma contribuição superior a 68% para explicar a redução do índice de Gini entre 2001 e 2004. Considerando um período maior, 1995 a 2004, Soares (2006)SOARES, S. Análise de Bem-Estar e Decomposição por Fatores da Queda na da Desigualdade entre 1995 e 2004. Econômica, Rio de Janeiro, v.8, n. 1, 2006. e Soares et al. (2006)SOARES, F. V.; SOARES, S.; MEDEIROS, M.; GERREIRO, R. Programas de Transferência de Renda no Brasil: Impactos sobre a desigualdade. Texto para Discussão, n. 1.228. Brasília: IPEA, out, 2006. encontram contribuições ainda maiores desse componente da renda, de 73% e 85% da queda observada no índice de Gini entre 1995 e 2004. Já Barros et al. (2010)_____, R. Determinantes da Queda na Desigualdade de Renda no Brasil. Texto para Discussão, n. 1.460. Rio de Janeiro: IPEA, jan. 2010. atribui que 60% da redução da desigualdade de renda entre 2001 e 2007, também mensurada pelo índice de Gini, deve-se a melhorias na distribuição dos rendimentos derivados do trabalho.

Considerando-se então os resultados relatados na literatura, a desigualdade de rendimentos do trabalho e os seus determinantes possuem um papel fundamental para a dinâmica da desigualdade da renda brasileira. Dessa forma, sua análise permitirá aprofundar o conhecimento sobre o fenômeno, além de ajudar a compreender como políticas públicas podem tornar a redução da desigualdade de renda no Brasil um processo sustentável.

Com efeito, considerando-se o problema em uma perspectiva microeconométrica, cujo cerne está na decomposição de medidas de desigualdade de rendimentos e na mudança observada dessas medidas ao longo do tempo, o presente estudo aplicou a abordagem de decomposição baseada em regressões, adotando os métodos propostos por Fields (2003)FIELDS, G. S. Accounting for income inequality and its changes: A new method with application to the distribution of earnings in the United States. Research in Labour Economics, vol. 22, 2003. e Yun (2006)YUN, M. Earnings Inequality in USA, 1969-99: Comparing Inequality Using Earnings Equations. Review of Income and Wealth, S.52, n.1, March, 2006.. Com o propósito de avaliar mudanças na desigualdade de salários no Brasil entre 1995 e 2014, realizou-se o exercício de decomposição em dois subperíodos: 1995-2004 e 2004-2014.3 3 O período sob consideração se inicia após o Plano Real até o último ano com dados dis poníveis no momento de realização da pesquisa. Uma breve análise da trajetória dos salários reais médios entre 1995 e 2014, com base nos dados da PNAD/IBGE mostra um comporta mento diferenciado entre estes dois subperíodos; onde se observa uma redução no primeiro (1995-2004) e um forte aumento no segundo (2004-2014). Dentre as variáveis explicativas no modelo de salários foram considerados fatores relacionados a três aspectos: capital humano, discriminação e segmentação. Fatores relacionados a estes aspectos são levantados pela literatura como os principais determinantes das disparidades de rendimentos no mercado de trabalho.

A principal contribuição do artigo está nos resultados obtidos com a aplicação do método proposto por Yun (2006)YUN, M. Earnings Inequality in USA, 1969-99: Comparing Inequality Using Earnings Equations. Review of Income and Wealth, S.52, n.1, March, 2006. à análise de mudanças na desigualdade salarial brasileira. De forma relativamente simples perante às outras alternativas, o método possibilita a decomposição detalhada de mudança na desigualdade salarial, com a identificação dos chamados efeito preço e efeito quantidade para cada fator explicativo na equação de rendimentos. A análise desses efeitos proporciona considerações interessantes e pouco exploradas na literatura brasileira.4 4 Exercícios de decomposição semelhantes foram realizados por Barros et al. (2007c), Foguel e Azevedo (2007) e Menezes-Filho et al. (2006 e 2007) aplicando métodos diferentes de decomposição. Dentre os resultados obtidos, destaca-se a contribuição das mudanças educacionais para a recente queda da desigualdade salarial no Brasil. Essa contribuição que pode ser atribuída essencialmente à queda dos retornos educacionais (efeito preço), uma vez que o aumento da escolaridade dos trabalhadores (efeito quantidade) apresentou um efeito pouco expressivo entre 1995 e 2004, e até mesmo contrário à maior equidade de salários entre 2004 e 2014. Fatores relacionados à discriminação e segmentação também apresentaram contribuições significantes, mas em magnitudes relativamente modestas.

Além dessa introdução, o presente artigo se divide em outras cinco seções. Na próxima seção é feita uma revisão da literatura nacional com o objetivo de reunir informações sobre os principais determinantes da desigualdade de rendimentos do trabalho no Brasil. O método de decomposição empregado na análise é o tema da terceira seção, onde são revisadas as principais referências para a metodologia adotada. Em seguida são apresentados os comentários sobre a base de dados e os resultados da estimação das equações de salários. A análise e discussão dos resultados da decomposição são reportados na quinta seção. Por fim, são apresentadas as considerações finais do presente estudo, resumindo os principais resultados obtidos.

2. Revisão de literatura

Barros e Mendonça (1995)BARROS, R. P.; MENDONÇA, R. Os determinantes da desigualdade no Brasil. Texto para Discussão, n. 377. Rio de Janeiro: IPEA , 1995. desenvolvem um arcabouço teórico em que dois tipos de desigualdades podem ser identificados no mercado de trabalho: desigualdade de condições e desigualdade de resultados. A desigualdade de condições ocorre ainda antes de os indivíduos ingressarem nesse mercado, em etapas de acumulação de capital humano. Nessa fase os indivíduos procuram utilizar-se de suas habilidades inatas, recursos públicos e privados para acumular determinados níveis de capital humano e posteriormente obter bons resultados em termos de salários. Já a desigualdade de resultados (em que podemos entender a desigualdade salarial) reflete as diferenças individuais em termos de capital humano acumulado, corroborando com a desigualdade de condições e a teoria do capital humano, e as diferenças não relacionadas aos atributos produtivos de cada trabalhador, mas associadas à segmentação do mercado de trabalho e à discriminação.

Ainda de acordo com esses autores, as disparidades nos rendimentos do trabalho podem ser explicadas por diferenças de produtividade, e também pelos efeitos da discriminação ou da segmentação. A primeira explicação é natural, uma vez que é de se esperar que trabalhadores mais produtivos, de acordo com suas dotações de capital humano ou habilidades intrínsecas, recebam melhores remunerações. Nesse caso, o mercado de trabalho estaria apenas reproduzindo ou revelando desigualdades preexistentes. Essa ideia é amparada na teoria do capital humano, em que a reprodução da desigualdade no mercado de trabalho ocorre por que os trabalhadores são diferentes em termos de qualidade. Assim, a desigualdade de renda depende da distribuição de atributos produtivos entre os trabalhadores e também da forma como o mercado de trabalho remunera diferentes qualidades.

A segunda explicação se deve a deficiências do mercado, quando remunerações diferenciadas são atribuídas a trabalhadores igualmente produtivos. Os casos clássicos desse tipo de desigualdade são os provenientes de discriminação por gênero e raça, em que diferenciais de rendimentos são observados em favor de indivíduos do sexo masculino e de cor branca. A segmentação do mercado de trabalho, como a existente entre regiões e setores da economia, também é capaz de gerar diferenciais de rendimentos de natureza semelhante. Considerando-se estes aspectos, o mercado de trabalho estaria cumprindo um papel de produtor de desigualdades.

Se todos os trabalhadores e postos de trabalhos fossem homogêneos, o mercado se preocuparia apenas em definir o valor dos salários pagos, que seriam iguais para todos aqueles igualmente produtivos, não havendo motivos para que se remunerem pessoas em iguais condições de maneira distinta. No entanto, a realidade mostra que trabalhadores com atributos produtivos semelhantes recebem remunerações diferentes, o que configura criação de desigualdade por parte do mercado de trabalho. Nesse mesmo sentido, Ramos e Vieira (2001)RAMOS, L.; VIEIRA, M. L. Determinantes da Desigualdade de Rendimentos no Brasil nos Anos No venta: Discriminação, Segmentação e Heterogeneidade dos Trabalhadores. Texto para Discussão, n. 803. Rio de Janeiro: IPEA , jun. 2001. apontam que os diferenciais de salários existem como consequência de compensações por fatores não pecuniários, heterogeneidade dos trabalhadores, segmentação e discriminação. Para esses autores, no caso dos dois primeiros elementos, o mercado de trabalho se apresentaria como revelador de desigualdades, pois as diferenças de remuneração surgiram em função das diferenças de qualidade de postos de trabalho e da produtividade dos trabalhadores. Nos dois casos restantes, o mercado se revelaria como gerador de desigualdades, na medida em que os rendimentos passariam a não refletir corretamente a produtividade marginal do fator trabalho.

Barros et al. (2007b)BARROS, R. P.; FRANCO, S.; MEDONÇA, R. Discriminação e Segmentação no Mercado de Trabalho e Desigualdade de Renda no Brasil. Texto para Discussão, n. 1.288. Rio de Janeiro: IPEA , jul. 2007b. mostram evidências de que fatores como discriminação e segmentação, que a princípio não afetam a produtividade, explicam grandes parcelas da desigualdade de rendimentos no mercado de trabalho. Os autores avaliam como a discriminação por gênero e por raça, e a segmentação por regiões, por setores e por formalização do emprego, contribuíram para a redução do grau de desigualdade dos rendimentos do trabalho entre 2001 e 2005. Eles concluem que, com exceção da segmentação formal-informal, os efeitos discriminatórios e dos diferenciais regionais e setoriais diminuíram, contribuindo para a redução das disparidades de rendimentos.

Barros et al. (2007c)_____. A Recente Queda da Desigualdade de Renda e o Acelerado Progresso Educacional Brasileiro da Última Década. Texto para Discussão, n. 1.304. Rio de Janeiro: IPEA, jan. 2007c. ainda avaliam a relação entre a distribuição de rendimentos do trabalho e as mudanças na composição educacional na primeira metade da década de 2000. Para os autores, essa relação ocorre por duas vias. Na primeira delas, a distribuição de rendimentos depende da distribuição de escolaridade. Na medida em que a remuneração é uma função crescente do nível educacional, quanto maior for a desigualdade educacional, maior será a desigualdade de rendimentos. A segunda via depende da forma como cada nível de escolaridade (ou ano de estudo) é valorado pelo mercado de trabalho, ou seja, depende dos retornos à educação. Dado um grau de desigualdade educacional, quanto maior for a sensibilidade das remunerações a mudanças na escolaridade (sensibilidade medida pelo retorno educacional), maior será a desigualdade de rendimentos.

Também com o foco de investigar a contribuição das mudanças educacionais, Meneses-Filho et al. (2006MENEZES-FILHO, N.; FERNANDES, R.; PICCHETTI, P. Rising human capital, but constant inequality: the education composition effect in Brazil. Revista Brasileira de Economia, v. 60, 2006. e 2007)MENEZES-FILHO, N.; FERNANDES, R.; PICCHETTI, P.. Educação e queda recente da desigualdade no Brasil. In: BARROS, R. P.; FOGUEL, M. N.; ULYSSEA, G. (orgs). Desigualdade de Renda no Brasil: Uma Análise da Queda Recente. Brasília: Ipea, v. 2, , 2007. analisam o comportamento da desigualdade de rendimentos dos homens no Brasil entre 1977 e 2004,5 5 Meneses-Filho, Fernandes e Picchetti (2006), para o período 1977-2007, e Meneses-Filho, Fernandes e Picchetti (2007), para o período 1981-2004. empregando regressões quantílicas e simulações contrafactuais para decompor mudanças na variância do logaritmo dos salários em termos dos efeitos preço e composição. Os principais resultados obtidos mostram que o efeito preço apresentou uma contribuição favorável na direção de menor desigualdade ao longo de toda a década de 1990, tornando mais significativa ao final da década e no início dos anos 2000. Já o efeito composição apresentou uma contribuição na direção oposta. Para os autores, ambos os efeitos se compensaram, permitindo uma relativa estabilidade da desigualdade de rendimentos entre grupos educacionais até o final da década de 1990, quando passaram a ter impactos na mesma direção de redução da desigualdade.

Foguel e Azevedo (2007)AZEVEDO, J. P. Avaliando a significância estatística da queda na desigualdade no Brasil. In: BARROS, R. P.; FOGUEL, M. N.; ULYSSEA, G. (orgs). Desigualdade de Renda no Brasil: Uma Análise da Queda Recente. Brasília: Ipea, v. 1, 2007. empregam uma versão modificada do método de decomposição de Juhn, Murphy e Pierce (1993)JUHN, C.; MURPHY, K. M., & PIERCE, B. Wage Inequality and the Rise in Returns to Skill. Journal of Political Economy, v.113 1993. para estudar variações em medidas de desigualdade (coeficiente de Gini, índice de Theil-L, e razões 90/10 e 80/20) no Brasil entre 1995 e 2005. O trabalho avalia os efeitos preço e composição (quantidade), além de um componente residual atribuído a não observáveis. Avaliando dois subperíodos, 1995-2001 e 2001-2005, eles observaram que os efeitos quantidade e residual foram os mais importantes para explicar as mudanças no primeiro caso. No segundo subperíodo, o efeito preço, que antes se mostrou pouco significante, passa a ter maior relevância para explicar a queda na desigualdade de rendimentos do trabalho. Dentre estes resultados, novamente a contribuição das mudanças educacionais mais significativas ocorrem em função da redução dos retornos à educação.

Dentre os estudos mais recentes, Cunha e Vasconcelos (2012)CUNHA, M. S.; VASCONCELOS, M. R. Evolução da desigualdade na distribuição dos salários no Brasil. Economia Aplicada, Ribeirão Preto, v. 16, n. 1, 2012. verificam que a heterogeneidade educacional no mercado de trabalho brasileiro é o seu principal determinante e está entre os fatores que mais contribuíram para sua queda no período recente. Os autores também apontam para uma ampliação dos diferenciais relativos à segmentação formal-informal ao longo da década de 2000.

3. Método de decomposição

Decomposições de mudanças na desigualdade já constituem um arcabouço bem estabelecido na literatura econômica, sendo o método mais tradicional baseado na decomposição de mudanças em medidas de desigualdade por subgrupos populacionais. Bourguignon (1979)BOURGUIGNON, F. Decomposable Income Inequality Measures, Econometrica 47, 1979. define que uma medida de desigualdade para ser decomposta deve possui propriedades que permitem que a desigualdade total possa ser expressa em termos da média ponderada da desigualdade dentro de subgrupos populacionais e da desigualdade entre estes subgrupos.

Outra abordagem apresentada nos trabalhos de Pyatt, Chen, e Fei (1980)PYATT, G., CHEN, C., FEI, J. The distribution of income by factor Components. The Quarterly Journal of Economics. 1980. e Shorrocks (1982)SHORROCKS A, F Inequality Decomposition by Factor Components. Econometrica, v. 50, n.1, January 1982. mostra a decomposição da desigualdade em fatores componentes da renda, na qual se emprega o conceito de coeficiente de concentração para decompor o Índice de Gini segundo as diferentes fontes de rendimentos que compõem a renda total, tais como os rendimentos do trabalho, rendimentos de capital e transferências. Esse método de decomposição foi empregado em diversos estudos sobre a distribuição de renda no Brasil tais como Soares (2006)SOARES, F. V.; SOARES, S.; MEDEIROS, M.; GERREIRO, R. Programas de Transferência de Renda no Brasil: Impactos sobre a desigualdade. Texto para Discussão, n. 1.228. Brasília: IPEA, out, 2006., Soares et al. (2006)SOARES, F. V.; SOARES, S.; MEDEIROS, M.; GERREIRO, R. Programas de Transferência de Renda no Brasil: Impactos sobre a desigualdade. Texto para Discussão, n. 1.228. Brasília: IPEA, out, 2006., Hoffmann (2006)HOFFMAN, R. Transferências de renda e a redução da desigualdade no Brasil e cinco regiões entre 1997 e 2004. Econômica, v. 8, n. 1, 2006. e Hoffman e Oliveira (2014)HOFFMANN, R.; DE OLIVEIRA, R. B. The Evolution of Income Distribution in Brazil in the Agricul tural and the non-agricultural Sectors. World Journal of Agricultural Research, v. 2, n. 5, 2014..

A partir dos trabalhos seminais de Oaxaca (1973)OAXACA, R. Male-Female Wage Differentials in Urban Labor Markets. International Economic Review, 14(3), 1973. e Blinder (1973)BLINDER, A. Wage Discrimination: Reduced Form and Structural Estimates. Journal of Human Resources, 8, 1973., o termo decomposição passou a designar a decomposição de diferença salariais entre grupos definidos de acordo com características individuais, inicialmente de acordo com gênero e raça. O método de decomposição de Oaxaca-Blinder, que tem como base as equações de rendimentos mincerianas,6 6 Mincer, J. Schooling, Experience and Earnings. Columbia University Press: New York, 1974. tornou-se um método padrão em diversas abordagens aplicadas em economia do trabalho em função de sua simplicidade e poder analítico.

Ao longo das últimas décadas, o método de Oaxaca-Blinder evoluiu e serviu de inspiração para o desenvolvimento de outras metodologias de decomposição. Os principais desenvolvimentos analíticos voltados para o estudo da desigualdade de rendimentos do trabalho ocorreram nas décadas de 1980 e 1990. O aumento da desigualdade salarial observado nos Estados Unidos após a década de 1970 motivou a evolução dos métodos de decomposição, que desde então incorporaram formas de avaliar mudanças na distribuição de renda. Nesse cenário, o método tradicional de decompor diferenciais de rendimentos médios deixou de ser suficiente e o foco se voltou para a análise de mudanças na distribuição dos rendimentos. Os trabalhos de Juhn, Murphy e Pierce - JMP (1993)JUHN, C.; MURPHY, K. M., & PIERCE, B. Wage Inequality and the Rise in Returns to Skill. Journal of Political Economy, v.113 1993. e DiNardo, Fortin e Lemieux - DFL (1996) são as principais referências nesse contexto.

O método de decomposição de JMP (1993) permite a análise de mudanças na desigualdade de rendimentos entre dois períodos do tempo em termos de três componentes: uma parte explicada por diferenças nas características observáveis (efeito quantidade), uma parte explicada por diferenças nos coeficientes (efeito preço) e uma parte atribuída a fatores não observados (efeito residual). Apesar de terem observado ganhos reais nos salários médios dos trabalhadores norte-americanos entre 1963 e 1989, os autores chamam a atenção para o aumento na desigualdade de rendimentos do trabalho nos Estados Unidos ao longo dos anos de 1970 e 1980. Ao aplicar a decomposição proposta para diferentes medidas de desigualdade, eles concluíram que a explicação para o aumento da desigualdade de rendimentos não está na distribuição de qualificação entre os trabalhadores, mas no aumento do retorno sobre a qualificação, resultante de uma maior demanda por trabalho qualificado.

Por sua vez, DFL (1996)DINARDO, J; FORTIN, N. M.; LEMIEUX, T. Labor Market Institutions and the Distribution of Wages, 1973-1992: A Semiparametric Approach. Econometrica 64, 1996. propõem um método semiparamétrico baseado em funções de densidade do tipo kernel. O objetivo dos autores era avaliar os efeitos da sindicalização e de choques de demanda e oferta sobre diferentes indicadores de desigualdade, calculados para o mercado de trabalho americano nas décadas de 1970, 1980 e início dos anos de 1990. Dentre as conclusões obtidas, os autores mostraram que a sindicalização e o valor real do piso salarial possuem grandes contribuições para as mudanças observadas na desigualdade de salários.

Já no início dos anos de 2000, novos desenvolvimentos surgiram como os métodos baseados em modelos de regressão.7 7 Além do método proposto por Fields (2003), pode-se citar os trabalhos de Bourguignon et al. (2001) e Morduch e Sicular (2002). Dentre eles, Fields (2003)FIELDS, G. S. Accounting for income inequality and its changes: A new method with application to the distribution of earnings in the United States. Research in Labour Economics, vol. 22, 2003. adota o aparato das equações de rendimentos estimados por Mínimos Quadrados Ordinários e o desenvolvimento axiomático apresentado em Shorrocks (1982). O método de Fields permite estimar a contribuição individual de cada variável explicativa na equação de salários para a desigualdade de rendimentos observada em um dado grupo ou período de tempo, e para diferenças na desigualdade de rendimentos entre dois grupos ou períodos. Ao aplicar o método proposto na análise da desigualdade de rendimentos nos Estados Unidos entre 1979 e 1999, Fields (2003)FIELDS, G. S. Accounting for income inequality and its changes: A new method with application to the distribution of earnings in the United States. Research in Labour Economics, vol. 22, 2003. concluiu que dentre as variáveis de gênero, raça, ocupação, indústria e região, a escolaridade foi o principal fator para a explicação da desigualdade de rendimentos em cada ano considerado na amostra e para o aumento na desigualdade ao longo do período avaliado.

Com o objetivo de estudar as mudanças na desigualdade de rendimentos do trabalho nos Estados Unidos entre 1969 e 1999, Yun (2006)YUN, M. Earnings Inequality in USA, 1969-99: Comparing Inequality Using Earnings Equations. Review of Income and Wealth, S.52, n.1, March, 2006. propôs uma síntese dos métodos de JMP (1993)JUHN, C.; MURPHY, K. M., & PIERCE, B. Wage Inequality and the Rise in Returns to Skill. Journal of Political Economy, v.113 1993. e Fields (2003)FIELDS, G. S. Accounting for income inequality and its changes: A new method with application to the distribution of earnings in the United States. Research in Labour Economics, vol. 22, 2003.. O método de JMP (1993) permite a decomposição de medidas de desigualdade em termos dos três componentes já citados, mas não permite avaliar a contribuição de diferentes características individuais. Por sua vez, o método apresentado por Fields (2003)FIELDS, G. S. Accounting for income inequality and its changes: A new method with application to the distribution of earnings in the United States. Research in Labour Economics, vol. 22, 2003., com base em modelos de regressão, permite a realização de uma decomposição detalhada. Dessa forma, a síntese de Yun (2006)YUN, M. Earnings Inequality in USA, 1969-99: Comparing Inequality Using Earnings Equations. Review of Income and Wealth, S.52, n.1, March, 2006. é um método de decomposição que, aplicado à medida de log-variância dos rendimentos, permite a estimação dos chamados efeito preço e efeito quantidade para cada variável explicativa de uma equação de rendimentos, além do efeito residual.

Dentre os fatores considerados por Yun (2006)YUN, M. Earnings Inequality in USA, 1969-99: Comparing Inequality Using Earnings Equations. Review of Income and Wealth, S.52, n.1, March, 2006., a educação foi o que melhor explicou a elevação da desigualdade, com predominância do efeito preço desse atributo, principalmente na decomposição da desigualdade entre as mulheres. No entanto, ele conclui que os efeitos preço e quantidade agregados praticamente se anularam no período analisado e identifica um elevado grau de explicação do componente residual.

Os métodos empregados nos artigos citados acima possuem como base equações de rendimentos, estimados pelo método de Mínimos Quadrados Ordinários (MQO), com a seguinte especificação:

(1)

Nessa equação, para cada indivíduo indexado por i, o termo yit denota rendimentos do trabalho/salários (em logaritmo) e é explicado por K características dos trabalhadores e dos postos de trabalho por eles ocupados, representadas pelas quantidades Xikt e pelo termo de erro da regressão, eit. O índice t denota dois períodos, aqui definidos simplesmente por A e B, mas se deve deixar claro que não se trata necessariamente de uma estrutura de dados em painel. A partir dos rendimentos estimados em cada equação, uma medida de desigualdade pode ser obtida para cada período t=A,B da seguinte forma:

(2)

Em que yit representa o rendimento do trabalhador i no período t, com i = 1 ... M se t = A e i = 1 ... N se t = B. As próximas subseções apresentam os métodos de decomposição abordados.

3.1. O método JMP (1993)JUHN, C.; MURPHY, K. M., & PIERCE, B. Wage Inequality and the Rise in Returns to Skill. Journal of Political Economy, v.113 1993.

Como apresentado anteriormente, o método JMP (1993)JUHN, C.; MURPHY, K. M., & PIERCE, B. Wage Inequality and the Rise in Returns to Skill. Journal of Political Economy, v.113 1993. permite a decomposição de mudanças de diferentes estatísticas de uma distribuição de rendimentos em três componentes: efeito quantidade, efeito preço e efeito de não observáveis (ou residual); tendo como base equações de rendimentos estimadas por MQO.

O primeiro desses componentes refere-se ao efeito de uma mudança nas características observáveis dos trabalhadores, as quais são representadas pelas variáveis explicativas da regressão. O segundo componente, denominado como efeito preço, relaciona-se às estimativas dos coeficientes associados a essas características. Dessa forma, o efeito preço tem como objetivo captar como mudanças nos retornos afetaram a distribuição dos rendimentos. Por sua vez, o terceiro componente corresponde ao efeito de mudanças no termo residual da equação, comumente associado às variáveis não observáveis.

Como apresentado por Yun (2006)YUN, M. Earnings Inequality in USA, 1969-99: Comparing Inequality Using Earnings Equations. Review of Income and Wealth, S.52, n.1, March, 2006., o procedimento de decomposição de JMP pode ser aplicado inicialmente pela estimação de equações de rendimentos para os dois períodos sob consideração e, utilizando-se valores das variáveis explicativas, os coeficientes estimados e os resíduos das regressões, constroem-se equações auxiliares contrafactuais de forma sequencial.

Iniciando-se com a equação de rendimentos para o período t = A, substitui-se os coeficientes dessa equação pelos coeficientes da equação do período B(βkB), mantendo as características e resíduos de A(XikA, SiA). Assim, obtém-se:

(3)

A segunda equação auxiliar é obtida com a substituição dos coeficientes e características do período B(βkB,xikB) e mantendo os resíduos de A(eiA), obtém-se:

(4)

Por fim, com a substituição dos resíduos, tem-se:

(5)

Usando as equações estimadas de yiA, yi*, yi** e yiB, podem ser calculadas medidas de desigualdade correspondentes para cada equação de salários, obtendo IyA, Iy*, Iy** e Iy. Segundo Yun (2006)YUN, M. Earnings Inequality in USA, 1969-99: Comparing Inequality Using Earnings Equations. Review of Income and Wealth, S.52, n.1, March, 2006., qualquer índice de desigualdade pode ser usado com o método JMP.

A diferença na desigualdade de rendimentos entre os períodos A e B é decomposta da seguinte forma:

(6)

Nessa expressão pode-se identificar os componentes:

  • Efeito preço (efeito da diferença nos coeficientes) = [IyA - Iy*];

  • Efeito quantidade (efeito da diferença nas características) = [Iy* - Iy**];

  • Efeito residual (efeito da diferença na distribuição de não-observáveis) = [Iy** - IyB];.

3.2. O método de Fields (2003)FIELDS, G. S. Accounting for income inequality and its changes: A new method with application to the distribution of earnings in the United States. Research in Labour Economics, vol. 22, 2003.

Com base na equação de rendimentos estimada, o método proposto por Fields (2003)FIELDS, G. S. Accounting for income inequality and its changes: A new method with application to the distribution of earnings in the United States. Research in Labour Economics, vol. 22, 2003. contabiliza a contribuição de cada variável explicativa para o nível e para mudanças em um indicador de desigualdade. Assim, o método decompõe uma medida de desigualdade destacando as contribuições de cada atributo individual em um ponto no tempo (decomposição em nível) e, com base nesse resultado, compara a desigualdade entre dois períodos de tempo (decomposição da diferença).

A contribuição de cada variável k, é definida como uma "ponderação relativa" e indica o percentual de desigualdade de rendimentos que pode ser atribuída ao k-ésimo fator. Essa "ponderação relativa" é derivada a partir da decomposição da variância de y, dada por:

(7)

Em que cov(e,y) = var(e), desde que se assume a hipótese de que cov(e,fikxk) = 0. Assim, a contribuição de cada fator k, denotada por sk é:

(8)

Dessas expressões temos que:

(9)

Considerando apenas a parcela explicada do modelo (ΣKK=1 sk = R2) a contribuição de cada variável k, denotada por pk, é:

(10)

Fields (2003)FIELDS, G. S. Accounting for income inequality and its changes: A new method with application to the distribution of earnings in the United States. Research in Labour Economics, vol. 22, 2003. argumenta que a contribuição relativa de cada fator para a desigualdade é invariante à escolha da medida de desigualdade sob os seis axiomas propostos por Shorrocks (1982).8 8 (1) Número de componentes. Uma medida de desigualdade deve ser dividada em K componentes, denotados por sk(Y1,...,YK;K) um para cada fator da renda. (2) Continuidade e simetria. Cada sK é contínuo em YK e é tratado de forma simétrica, tal que, sk(Y1,...,YK;K) = sπk (Yπ1,..., YπK; K), para qualquer permutação πk,... πk de 1, ..., K. (3) Independência do nível de desagregação. A contribuição de cada fator para a desigualdade independe da forma em que os demais fatores são agrupados. (4) Consistência da decomposição. A soma da contribuição dos resultados na medida de desigualdade, ou seja, Σk sk (Y1,..., YK; K) = I(Y). (5) a) Simetria populacional. Considerando uma matriz de permutação n x n denotada por P, s(Yk P, YP) = s (Yk, Y), ou seja, os indivíduos são tratados simetricamente; b) Normalização para a igualdade na distribuição dos fatores. Considerando que todos os recipientes de renda (indivíduos ou famílias) possuam o mesmo valor para o fator k, e a média de Yk, dada por µk, então a contribuição desse fator para a medida de desigualdade é sk (µk, Y) = 0 para todo µk. (6) Simetria dual dos fatores. Supondo que a distribuição de um fator seja uma simples permutação de outro, ambos possuem a mesma contribuição para a medida de desigualdade. Assim para toda permutação P, s(Yk, Yk + Yk P) = (Yk P, Yk + Yk P). Portanto, a contribuição de uma característica individual sobre a desigualdade de rendimentos é simplesmente sk ▪ I. No caso dos resíduos, estes são tratados como os demais fatores, mas com coeficientes β = 1.

Na decomposição da diferença, a parcela de contribuição do fator para a diferença na desigualdade entre dois períodos A e B é definida como:

(11)

3.3. Unificando os métodos de JMP e Fields - a síntese de Yun (2006)YUN, M. Earnings Inequality in USA, 1969-99: Comparing Inequality Using Earnings Equations. Review of Income and Wealth, S.52, n.1, March, 2006.

O método proposto por JMP (1993) permite a distinção dos efeitos preço e quantidade, mas a decomposição é realizada de forma agregada. Já o método proposto por Fields (2003)FIELDS, G. S. Accounting for income inequality and its changes: A new method with application to the distribution of earnings in the United States. Research in Labour Economics, vol. 22, 2003. permite uma decomposição desagregada, fornecendo as contribuições de fatores individuais para as diferenças na desigualdade de rendimentos, mas sem se decompor em efeitos preço e quantidade. Yun (2006)YUN, M. Earnings Inequality in USA, 1969-99: Comparing Inequality Using Earnings Equations. Review of Income and Wealth, S.52, n.1, March, 2006. faz uma síntese dos métodos de JMP e Fields, unificando os procedimentos de decomposição com base nas equações de rendimentos.

Considerando a variância do logaritmo dos rendimentos como medida de desigualdade, Yun (2006)YUN, M. Earnings Inequality in USA, 1969-99: Comparing Inequality Using Earnings Equations. Review of Income and Wealth, S.52, n.1, March, 2006. propõe a decomposição realizada na seguinte expressão:

(12)

Nessa expressão, a primeira parte deriva do método de JMP e a segunda da metodologia apresentada por Fields. O primeiro somatório representa a parcela da mudança na desigualdade salarial que pode ser atribuída às variações nos coeficientes da regressão (efeito preço); no segundo somatório tem-se a contribuição das mudanças na composição das características individuais (efeito quantidade) e, por fim, o termo residual.9 9 Assim como em qualquer modelo de regressão, o termo de resíduo incorpora variáveis não observáveis, variáveis omitidas e afins. No contexto da decomposição, seu efeito é interpre tado como a diferença de não observáveis e respectivos retornos.

4. Base de dados e equações mincerianas

No presente estudo são utilizados dados brasileiros de 1995 a 2014, provenientes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) levada a campo pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foram obtidas subamostras, uma para cada ano considerado, aplicando alguns filtros coerentes com os objetivos do trabalho e as ponderações amostrais fornecidas pelo IBGE. São considerados apenas indivíduos com informações disponíveis para todas as variáveis investigadas, compreendendo os ocupados com idade entre 18 e 65 anos e residentes em áreas urbanas. Com a proposta de avaliar mudanças na desigualdade de salários, a variável explicada pelo modelo de regressão corresponde ao salário/hora (em logaritmo) obtido pelo trabalho principal dos indivíduos ocupados que declararam uma carga horária entre 20 e 72 horas nessa ocupação.

Com relação às variáveis explicativas, vale ressaltar que estas foram baseadas nas três principais fontes de desigualdade descritas pela literatura comentada na segunda seção: heterogeneidade de capital humano, discriminação e segmentação. De modo geral, as variáveis empregadas são muito semelhantes às utilizadas na análise realizada por Fields (2003)FIELDS, G. S. Accounting for income inequality and its changes: A new method with application to the distribution of earnings in the United States. Research in Labour Economics, vol. 22, 2003. e Yun (2006)YUN, M. Earnings Inequality in USA, 1969-99: Comparing Inequality Using Earnings Equations. Review of Income and Wealth, S.52, n.1, March, 2006.. No Quadro 1 encontra-se a descrição precisa das variáveis utilizadas no modelo de salários.

Quadro 1
Descrição das variáveis explicativas utilizadas na estimação das equações de rendimentos.

A Tabela 1 a seguir apresenta estatísticas descritivas para as subamostras referentes aos anos de 1995, 2004 e 2014. Note que existem algumas evidências importantes das transformações ocorridas no mercado de trabalho urbano ao longo do período considerado.

Tabela 1
Estatísticas descritivas da amostra (1995, 2004 e 2014).

Em 1995, mais de 50% da força de trabalho não tinha sequer completado o ensino fundamental (até 7 anos de estudo), 17% tinham completado apenas o ensino fundamental, 21,6% tinham completado o ensino médio e apenas 8% tinham estudado no ensino superior. Em 2014, o grupo de menor escolaridade correspondia a menos de 25%, mais de 40% já haviam concluído o ensino médio e aproximadamente 15% tinham estudado no ensino superior. As demais variáveis de capital humano, experiência e permanência não sofreram grandes mudanças no período. Destaca-se ainda uma maior participação das mulheres no mercado de trabalho, e a maior declaração por parte da população de negros e pardos (não brancos) também é uma mudança que deve ser ressaltada.

No que diz respeito às características de segmentação do mercado, chama a atenção para a grande, e crescente, participação do setor de serviços (que inclui o comércio e a administração pública) e as mudanças no grau de formalização, que aumentou entre 1995 e 2014. Já com relação à composição regional, o maior destaque está na redução da participação das áreas metropolitanas.

As equações de rendimentos necessárias para o procedimento de decomposição foram estimadas por MQO, empregando a forma da Equação [1] para os anos de 1995, 2004 e 2014, e as variáveis especificadas no Quadro 1. A Tabela 2 apresenta os resultados dessas estimações.

Tabela 2
Resultado da Regressão de Salários: 1995, 2004 e 2014.

Para as variáveis associadas à educação, os coeficientes estimados se mostraram crescentes em relação ao nível de escolaridade, evidenciando a convexidade dos retornos educacionais em que indivíduos mais educados recebem um retorno significativamente maior. No entanto, ao comparar os resultados entre os anos considerados, tem-se uma evidência de redução no retorno educacional ao longo do período. Também pode-se relatar uma redução nas diferenças de retornos entre níveis de escolaridade, com exceção do nível mais elevado (15 anos ou mais). Resultado semelhante foi observado por Hoffmann e Oliveira (2014)HOFFMANN, R.; DE OLIVEIRA, R. B. The Evolution of Income Distribution in Brazil in the Agricul tural and the non-agricultural Sectors. World Journal of Agricultural Research, v. 2, n. 5, 2014., que avalia a tendência dos retornos educacionais para trabalhadores empregados nos setores agrícola e não agrícola no Brasil entre 1992 e 2012.

Também foram observados retornos positivos para as variáveis de experiência e permanência no mesmo emprego, e a relação côncava que estas possuem com o nível de salário/hora é confirmada. No caso das variáveis que captam diferenças salariais por gênero e raça/cor, tem-se uma confirmação do diferencial de rendimentos a favor de homens e brancos. Uma comparação simples dos resultados entre os anos analisados mostra uma redução desse diferencial. No que diz respeito às variáveis que captam aspectos de segmentação setorial no mercado de trabalho, como era de se esperar, trabalhadores nos setores de indústria e serviços (que inclui comércio e administração pública) possuem compensações salariais positivas em relação aos trabalhadores do setor agrícola. Contudo, esse diferencial também apresentou reduções ao longo do período considerado.

Considerando os coeficientes que captam o diferencial entre trabalhadores formais e informais, tem-se a confirmação de um diferencial de rendimentos a favor dos trabalhadores com carteira de trabalho assinada. Nota-se que entre 1995 e 2004 o diferencial se amplia, conforme alguns trabalhos da literatura já haviam concluído; e entre 2004 e 2014 o diferencial segue a tendência dos demais apresentando uma redução.

A segmentação espacial e regional do mercado de trabalho também é observada com relação aos diferenciais de rendimentos positivos para os trabalhadores residentes em regiões metropolitanas e nas demais regiões em detrimento ao Nordeste; embora da mesma forma como foi observado para outras variáveis, alguns destes diferenciais vêm reduzindo ao longo do tempo.

Tais resultados são importantes para o objetivo central desse trabalho. O conhecimento da estrutura salarial permite a avaliação de como tais características, de trabalhadores e postos de trabalho, afetam a formação de salários e irão auxiliar na análise de como, e em que medida, essas características contribuíram para a queda na desigualdade verificada recentemente.

5. Resultados da decomposição

Nesta seção apresentam-se os resultados da decomposição da desigualdade salarial com o emprego das metodologias apresentadas anteriormente. A partir das equações de rendimentos estimadas e que tiveram seus resultados apresentados na seção anterior, aplicam-se os métodos de decomposição propostos por Fields (2003)FIELDS, G. S. Accounting for income inequality and its changes: A new method with application to the distribution of earnings in the United States. Research in Labour Economics, vol. 22, 2003. e Yun (2006)YUN, M. Earnings Inequality in USA, 1969-99: Comparing Inequality Using Earnings Equations. Review of Income and Wealth, S.52, n.1, March, 2006.. O exercício de decomposição detalhada permite obter estimativas da contribuição de cada fator para a desigualdade observada e para a mudança no período.

Vale destacar que a evolução da desigualdade salarial no Brasil apresentou uma tendência consistente de redução entre os anos de 1995 e 2014. O Gráfico 1 apresenta duas das principais medidas de desigualdade, a variância do logaritmo dos salários e o índice de Gini, considerando-se os dados da amostra.

Gráfico 1
Evolução da Desigualdade de rendimentos do trabalho, medidas selecionadas - Brasil (1995-2014)

5.1. Decomposição do nível e da diferença - Fields (2003)FIELDS, G. S. Accounting for income inequality and its changes: A new method with application to the distribution of earnings in the United States. Research in Labour Economics, vol. 22, 2003.

Os resultados da aplicação direta do método de Fields (2003)FIELDS, G. S. Accounting for income inequality and its changes: A new method with application to the distribution of earnings in the United States. Research in Labour Economics, vol. 22, 2003. são reportados nas Tabelas 3, 4 e 5. Com o objetivo de tornar a leitura desses resultados mais direta, os efeitos de características com duas ou mais categorias, como é o caso da escolaridade e de variáveis relacionadas ao setor de ocupação, tipo de ocupação e região, assim como variáveis de experiência (experiência e Experiência2) e permanência (permanência e Permanêcia2), foram agregados.

Tabela 3
Decomposição em nível - Ponderações relativas (em %).
Tabela 4
Decomposição em nível - Contribuições para a variância dos salários (log).
Tabela 5
Decomposição da diferença - Contribuições relativas para a mudança na desigualdade. Valores percentuais entre parênteses.

Na Tabela 3 tem-se o peso relativo de cada variável, Sk calculado de acordo com a expressão [8], e a contribuição (percentual) de cada variável para a parte explicada, Pk, dada pela expressão [10].

Considerando a variância do logaritmo dos salários, a Tabela 4 apresenta as contribuições de cada variável para essa medida de desigualdade.

Na Tabela 5 são apresentados os resultados da aplicação da expressão [11], para a decomposição da diferença da variância do logaritmo dos salários. São avaliadas mudanças nos dois subperíodos 1995-2004 e 2004-2014.

Em primeiro lugar, as variáveis de capital humano (educação, experiência e permanência) explicaram aproximadamente 40% do nível de desigualdade, correspondendo a mais de 70% da parte explicada nos anos de 2004 e 2014. Em termos da diferença observada nos indicadores de desigualdade entre os períodos considerados, pode-se associar a estas variáveis a maior parcela de contribuição para a redução da desigualdade salarial. No subperíodo 1995-2004, as contribuições das variáveis de capital humano correspondiam a pouco mais de 35% da redução na medida de log-variância. No subperíodo 2004-2013, essa contribuição foi de quase 50%.

Dentre as variáveis de capital humano, a contribuição da educação se apresentou como o principal determinante, tanto para a desigualdade em nível, quanto para a diferença. O efeito da escolaridade correspondeu a aproximadamente 30% do nível de desigualdade em 1995 e 2004, sendo um pouco mais baixo em 2014 (28,5%). Já a decomposição da diferença entre os indicadores de desigualdade entre dois anos, a contribuição da educação para redução na variância do logaritmo dos salários corresponde a aproximadamente 35% em ambos os subperíodos.

Por sua vez, os fatores relacionados com a segmentação ocupacional, setorial e regional do mercado de trabalho explicaram o nível de desigualdade em pouco mais de 12% nos anos de 1995 e 2004, e 7,6% em 2014. Já a contribuição de tais variáveis sobre a redução da variância do logaritmo dos salários foi de 11,7% entre 1995 e 2004, e de 23,6% entre 2004 e 2014. Dentre as variáveis desse grupo, destacam-se a contribuição do diferencial regional de salários e o diferencial ocupacional (formal-informal), sendo que este segundo foi negativo no subperíodo 1995-2004.

Fatores relacionados com a discriminação por gênero e raça tiveram contribuições para o nível de desigualdade observado em torno de 5,3% em 1995, 3,7% em 2004 e 3,1% do nível de desigualdade observado nos anos considerados. A contribuição destes fatores para a redução da desigualdade variou bastante entre os dois períodos analisados, sendo de 13,3% em 1995-2004 e de 6% em 2004-2014.

Por fim, uma forte contribuição é apontada para fatores não observados. Na decomposição do nível de desigualdade em cada um dos anos, o termo residual apresentou contribuições de 43,5% em 1995, 44,3% em 2004 e 52,3% em 2014. Na decomposição da diferença, essa contribuição foi de quase 40% em 1995-2004 e de 23,4% em 2004-2014.

Essa elevada contribuição do resíduo é bastante comum na literatura, sendo atribuída às variáveis não incorporadas ao modelo. Fields (2003)FIELDS, G. S. Accounting for income inequality and its changes: A new method with application to the distribution of earnings in the United States. Research in Labour Economics, vol. 22, 2003. reporta um efeito residual em torno de 60% sobre o nível de desigualdade americano, entre 1979 e 1999. Também para a economia americana, Yun (2006)YUN, M. Earnings Inequality in USA, 1969-99: Comparing Inequality Using Earnings Equations. Review of Income and Wealth, S.52, n.1, March, 2006. reporta um efeito residual de 77% no nível de desigualdade em 1979 e de até de 99% na diferença de desigualdade entre 1969 e 1999.

A próxima subseção apresenta os resultados da síntese proposta por Yun (2006)YUN, M. Earnings Inequality in USA, 1969-99: Comparing Inequality Using Earnings Equations. Review of Income and Wealth, S.52, n.1, March, 2006., em que o efeito preço e o efeito quantidade das variáveis explicativas da equação de salários são detalhados, aplicando diretamente a expressão [12].

5.2. Decomposição da diferença em efeito preço e efeito quantidade - Yun (2006)YUN, M. Earnings Inequality in USA, 1969-99: Comparing Inequality Using Earnings Equations. Review of Income and Wealth, S.52, n.1, March, 2006.

A decomposição dos efeitos preço e quantidade permite uma análise mais acurada da mudança na desigualdade de renda no período analisado, ofertando intuições interessantes para o entendimento da dinâmica da distribuição dos salários. Considerando um atributo produtivo qualquer, o chamado efeito preço diz em quanto a mudança no retorno desse atributo (retorno da educação, por exemplo) afetou a variação da medida de desigualdade. Já o efeito quantidade diz em quanto uma mudança na quantidade observada (anos de estudo) impactou a mudança do indicador da distribuição salarial. A Tabela 6 apresenta os resultados da decomposição detalhada em efeito preço e efeito quantidade para cada variável explicativa considerada no modelo de salários.

Tabela 6
Decomposição da variação da desigualdade em efeito preço e efeito quantidade.Valores percentuais entre parênteses

De acordo com os resultados da decomposição, a mudança na estrutura salarial, dada pelo efeito preço, é o principal responsável pela redução na desigualdade de salários ao longo de todo o período analisado. As contribuições estimadas do efeito preço agregado para a redução na variância do logaritmo dos salários contabilizou 96,6% entre 1995 e 2004, e superou os 100% entre 2004 e 2014. Por sua vez, o efeito quantidade agregado apresentou uma contribuição pouco significativa entre 1995 e 2004, e um efeito contrário à redução da desigualdade salarial entre 2004 e 2014. Características não observáveis também apresentaram uma contribuição importante para a redução da desigualdade, de 39,8%, no primeiro período e de 23,4% no segundo.

Fatores relacionados ao capital humano dos trabalhadores foram determinantes para a dinâmica da desigualdade de rendimentos no período considerado. A partir da decomposição detalhada, o efeito preço associado às variáveis de capital humano respondeu por 35,6% da redução da desigualdade entre 1995 e 2004, e por 61,4% entre 2004 e 2014. Com relação ao efeito quantidade associado a este conjunto de variáveis, tem-se que a contribuição deste fator se apresentou favorável à concentração de rendimentos no período 2004-2014.

Em qualquer um dos casos, destaque deve ser dado ao efeito da educação. Entre 1995 e 2004, a mudança na composição educacional da força de trabalho, captado pelo efeito quantidade, apresentou uma contribuição de 2% contrária à redução da desigualdade salarial. Já no período entre 2004 e 2014, esse efeito se amplia, indicando que, mantendo os demais fatores constantes, inclusive os retornos, a desigualdade de rendimentos medida pela log-variância teria aumentado quase 14%. Esse comportamento se assemelha ao fenômeno "paradoxo do progresso" discutido em Bourguignon et al. (2005)BOURGUIGNON, F.; FERREIRA, F.H.G. e LUSTING, N.E. (eds). The Microeconomics of Income Distribution Dynamics. Washington, DC: World Bank and Oxford University Press; 2005., que descreve uma situação em que o progresso em termos do crescimento da escolaridade ou uma maior equalização educacional pode gerar desigualdades na distribuição dos rendimentos do trabalho. Esse resultado é comumente atribuído à presença de convexidade nos retornos da educação.10 10 Alejo (2012) aponta duas hipóteses para a relação entre educação e desigualdades salariais. Além da hipótese de convexidade, o autor avalia um postulado de heterogeneidade dos retornos educacionais.

Por fim, os fatores associados à discriminação e segmentação também apresentaram uma maior contribuição em termos do efeito preço, mas com importância diferenciada em cada um dos períodos analisados. No que diz respeito à discriminação, destaca-se a redução nos diferenciais de salários por gênero, que apresentou uma contribuição mais significativa em 1995-2004. Quanto aos aspectos de segmentação, destacam-se a redução das disparidades regionais e as contribuições da segmentação ocupacional, entre setores formal e informal.

6. Considerações finais

Inspirado na importância dos rendimentos do trabalho para a redução na desigualdade de renda no Brasil ao longo da década de 2000, o presente estudo aplicou um modelo de decomposição de desigualdade baseado em regressões para contabilizar a contribuição de características individuais para a mudança na desigualdade salarial entre 1995 e 2014.

A principal contribuição da análise apresentada por esse artigo está na aplicação dos métodos de decomposição de Fields (2003)FIELDS, G. S. Accounting for income inequality and its changes: A new method with application to the distribution of earnings in the United States. Research in Labour Economics, vol. 22, 2003. e Yun (2006)YUN, M. Earnings Inequality in USA, 1969-99: Comparing Inequality Using Earnings Equations. Review of Income and Wealth, S.52, n.1, March, 2006., ainda pouco explorados na literatura nacional. A aplicação de tais métodos possibilita a decomposição de mudanças nas características produtivas dos trabalhadores (efeito quantidade) e dos retornos destas características (efeito preço), de forma simples e bastante intuitiva. Quanto aos resultados apresentados, estes confirmam algumas evidências já relatadas na literatura e apresentam novas evidências, principalmente quanto aos efeitos da educação para a dinâmica recente da distribuição de salários.

Os resultados indicam que as variáveis de educação, experiência e permanência no mesmo emprego contribuíram significativamente para a redução no indicador de variância do logaritmo dos salários, sendo as de maior relevância na explicação dos níveis de desigualdade observados e para a redução na desigualdade ao longo de todo o período considerado. Também foi possível verificar a contribuição de reduções nos diferenciais de rendimentos por gênero, raça e de acordo com a segmentação setorial, ocupacional e regional.

Os resultados da decomposição revelaram que a redução na desigualdade de salários pode ser explicada essencialmente por mudanças na estrutura salarial, ou seja, o chamado efeito preço. Destaca-se a contribuição das mudanças nos retornos educacionais, cujo efeito foi responsável por mais de 35% da redução da desigualdade de rendimentos entre 1995 e 2004, e quase 50% da redução entre 2004 e 2014.

Já o efeito quantidade agregado contabilizou uma contribuição relativamente modesta no primeiro período (1995-2004) e contrária à tendência de queda da desigualdade no segundo período (2004-2014). Com base nos resultados da decomposição detalhada foi possível observar que essa dinâmica é explicada, em grande parte, pelas mudanças na composição educacional da força de trabalho. O efeito quantidade associado à distribuição de escolaridade dos trabalhadores mostrou-se pernicioso quanto ao objetivo de redução da desigualdade. Esse resultado contrapõe-se às evidências até então apresentadas na literatura nacional, mas possui amparo em um fenômeno descrito como "paradoxo do progresso" discutido em Bourguignon et al. (2005)BOURGUIGNON, F.; FERREIRA, F.H.G. e LUSTING, N.E. (eds). The Microeconomics of Income Distribution Dynamics. Washington, DC: World Bank and Oxford University Press; 2005.. Trata-se de um resultado instigante e que deverá receber maior atenção em trabalhos futuros.

  • 1
    Além de significante no sentido comum, pela magnitude e velocidade da redução; a significância estatística da redução da desigualdade na primeira metade dos anos 2000 foi testada por Azevedo (2007)AZEVEDO, J. P. Avaliando a significância estatística da queda na desigualdade no Brasil. In: BARROS, R. P.; FOGUEL, M. N.; ULYSSEA, G. (orgs). Desigualdade de Renda no Brasil: Uma Análise da Queda Recente. Brasília: Ipea, v. 1, 2007..
  • 2
    Que incluem além dos rendimentos, fatores demográficos e relacionados com a oferta de trabalho.
  • 3
    O período sob consideração se inicia após o Plano Real até o último ano com dados dis poníveis no momento de realização da pesquisa. Uma breve análise da trajetória dos salários reais médios entre 1995 e 2014, com base nos dados da PNAD/IBGE mostra um comporta mento diferenciado entre estes dois subperíodos; onde se observa uma redução no primeiro (1995-2004) e um forte aumento no segundo (2004-2014).
  • 4
    Exercícios de decomposição semelhantes foram realizados por Barros et al. (2007c)_____. A Recente Queda da Desigualdade de Renda e o Acelerado Progresso Educacional Brasileiro da Última Década. Texto para Discussão, n. 1.304. Rio de Janeiro: IPEA, jan. 2007c., Foguel e Azevedo (2007)FOGUEL, M. N.; e AZEVEDO, J. P. Uma decomposição da desigualdade de rendimentos do trabalho no Brasil, 1995-2005.In: BARROS, R. P.; FOGUEL, M. N.; ULYSSEA, G. (orgs). Desigualdade de Renda no Brasil: Uma Análise da Queda Recente. Brasília: Ipea , v. 2, , 2007. e Menezes-Filho et al. (2006MENEZES-FILHO, N.; FERNANDES, R.; PICCHETTI, P. Rising human capital, but constant inequality: the education composition effect in Brazil. Revista Brasileira de Economia, v. 60, 2006. e 2007)MENEZES-FILHO, N.; FERNANDES, R.; PICCHETTI, P.. Educação e queda recente da desigualdade no Brasil. In: BARROS, R. P.; FOGUEL, M. N.; ULYSSEA, G. (orgs). Desigualdade de Renda no Brasil: Uma Análise da Queda Recente. Brasília: Ipea, v. 2, , 2007. aplicando métodos diferentes de decomposição.
  • 5
    Meneses-Filho, Fernandes e Picchetti (2006)MENEZES-FILHO, N.; FERNANDES, R.; PICCHETTI, P. Rising human capital, but constant inequality: the education composition effect in Brazil. Revista Brasileira de Economia, v. 60, 2006., para o período 1977-2007, e Meneses-Filho, Fernandes e Picchetti (2007)MENEZES-FILHO, N.; FERNANDES, R.; PICCHETTI, P.. Educação e queda recente da desigualdade no Brasil. In: BARROS, R. P.; FOGUEL, M. N.; ULYSSEA, G. (orgs). Desigualdade de Renda no Brasil: Uma Análise da Queda Recente. Brasília: Ipea, v. 2, , 2007., para o período 1981-2004.
  • 6
    Mincer, J. Schooling, Experience and Earnings. Columbia University Press: New York, 1974.
  • 7
    Além do método proposto por Fields (2003)FIELDS, G. S. Accounting for income inequality and its changes: A new method with application to the distribution of earnings in the United States. Research in Labour Economics, vol. 22, 2003., pode-se citar os trabalhos de Bourguignon et al. (2001)BOURGUIGNON, F.; FOURNIER, M.; GURGAND, M. Fast development with a stable income dis tribution: Taiwan, 1979-94. Review of Income and Wealth, v. 47, n. 2, 2001. e Morduch e Sicular (2002)MORDUCH, Jonathan; SICULAR, Terry. Rethinking inequality decomposition, with evidence from rural China. The Economic Journal, v. 112, n. 476, 2002..
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    (1) Número de componentes. Uma medida de desigualdade deve ser dividada em K componentes, denotados por sk(Y1,...,YK;K) um para cada fator da renda. (2) Continuidade e simetria. Cada sK é contínuo em YK e é tratado de forma simétrica, tal que, sk(Y1,...,YK;K) = sπk (Yπ1,..., YπK; K), para qualquer permutação πk,... πk de 1, ..., K. (3) Independência do nível de desagregação. A contribuição de cada fator para a desigualdade independe da forma em que os demais fatores são agrupados. (4) Consistência da decomposição. A soma da contribuição dos resultados na medida de desigualdade, ou seja, Σk sk (Y1,..., YK; K) = I(Y). (5) a) Simetria populacional. Considerando uma matriz de permutação n x n denotada por P, s(Yk P, YP) = s (Yk, Y), ou seja, os indivíduos são tratados simetricamente; b) Normalização para a igualdade na distribuição dos fatores. Considerando que todos os recipientes de renda (indivíduos ou famílias) possuam o mesmo valor para o fator k, e a média de Yk, dada por µk, então a contribuição desse fator para a medida de desigualdade é skk, Y) = 0 para todo µk. (6) Simetria dual dos fatores. Supondo que a distribuição de um fator seja uma simples permutação de outro, ambos possuem a mesma contribuição para a medida de desigualdade. Assim para toda permutação P, s(Yk, Yk + Yk P) = (Yk P, Yk + Yk P).
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    Assim como em qualquer modelo de regressão, o termo de resíduo incorpora variáveis não observáveis, variáveis omitidas e afins. No contexto da decomposição, seu efeito é interpre tado como a diferença de não observáveis e respectivos retornos.
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    Alejo (2012)ALEJO, J.. Educación y Desigualdad: una metodología de descomposición basada en dos interpretacio nes de laecuación de Mincer. Evidencia para Argentina. XLVII Reunión Anual de la Asociación Argentina de Economía Política, Trelew, Argentina, 2012. aponta duas hipóteses para a relação entre educação e desigualdades salariais. Além da hipótese de convexidade, o autor avalia um postulado de heterogeneidade dos retornos educacionais.

Referências

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  • _____. A Recente Queda da Desigualdade de Renda e o Acelerado Progresso Educacional Brasileiro da Última Década. Texto para Discussão, n. 1.304. Rio de Janeiro: IPEA, jan. 2007c.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    12 Mar 2015
  • Aceito
    21 Maio 2016
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