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Diferença salarial e taxa de participação no mercado de trabalho brasileiro: uma análise a partir do sexo dos indivíduos O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Resumo

Investigamos a relação entre a diferença de remuneração entre os sexos e a taxa de participação de homens e mulheres no mercado de trabalho brasileiro. Utilizando dados das PNADCs de 2012.I a 2018.IV, estimamos os efeitos do prêmio salarial sobre a taxa de participação de homens e mulheres, pormenorizando a análise por grupos étnicos e de renda. Nossos resultados trazem evidências a favor da hipótese de que a diferença salarial contra as mulheres diminui a taxa de participação feminina. As estimativas apontam que a eliminação da diferença salarial entre os sexos pode trazer ganhos de 4,5 p.p. de taxa de participação feminina entre mulheres mais ricas, e de 3,2 p.p. para mulheres mais pobres. Estimamos aumentos de 3 p.p. de taxa de participação conjunta de casais mais pobres e 4,1 p.p. para casais mais ricos. Para solteiros, encontramos ganhos modestos de 0,6 p.p. e 0,3 p.p. para homens e mulheres pobres, respectivamente, além de um ganho de 1 p.p. para mulheres ricas e uma perda de 0,4 p.p. para homens ricos.

Palavras-Chave:
Taxa de participação; Discriminação de gênero; Diferença salarial de gênero

Abstract

We investigate the relationship between the gender pay gap and male and female labor force participation rates in the Brazilian labor market. Using data from the PNADCs from 2012.I to 2018.IV, we estimate the effects of the gender pay gap on the participation rate of men and women, detailing the analysis by ethnic and income groups. Our results provide evidence in favor of the hypothesis that wage penalties against women reduce the female participation rate. Our estimates suggest that the elimination of the gender pay gap can generate an increase of 4.5 p.p. of female participation rate among richer women, and 3.2 p.p. for poorer women. We estimate increases of 3 pp in the joint participation rate of poorer couples and 4.1 pp for richer couples. For single people, we find modest increases in the participation rates of 0.6 p.p. and 0.3 p.p. for poor men and women, respectively, a 1 p.p. increase for rich women and a 0.4 decrease for rich men.

Keywords:
Labor force participation rate; Gender discrimination; Gender wage gap

1. Introdução

O aumento secular da taxa de participação feminina é um dos grandes fatos acerca do mercado de trabalho mundial na história recente. Para o caso brasileiro, de acordo com dados do Banco Mundial (2019), entre 1960 e 2018, a taxa de participação feminina, para mulheres com 15 ou mais anos de idade, cresceu de 18,5% para 52,9%. Também cresceu pari passu a literatura teórica e empírica nacional e internacional que busca explicar os motivos pelos quais um indivíduo decide por sua inserção no mercado de trabalho.

As instituições, tanto as formais, quanto as informais, podem ser cruciais para a determinação da taxa de participação. Lippmann, Georgieff e Senik (2019Lippmann, Q., A. Georgieff, and C. Senik. 2019. Undoing gender with institutions: Lessons from the german division and reunification. SSRN Scholarly Paper.), por exemplo, encontraram que as mudanças institucionais1 1 Tais mudanças incluíam, principalmente, programas para conciliar a família com o trabalho, além de creches e outras localidades para cuidado das crianças. promovidas na Alemanha Oriental após a separação promoveram comportamentos de gênero mais igualitários e dissuadiram um fenômeno conhecido como doing gender, no qual a esposa passa a trabalhar menos ou se retira da força de trabalho por completo quando passa a ganhar mais do que seu marido, de tal sorte que tal comportamento se faz muito mais presente na antiga Alemanha Ocidental. Gray (1998Gray, J. S. 1998. “Divorce-law changes, household bargaining, and married women’s labor supply”. The American Economic Review 88, no.3: 628-642.), por sua vez, concluiu que as mudanças2 2 O autor destaca que algumas dessas mudanças beneficiaram os maridos, ao passo que outras beneficiaram as esposas. As primeiras, segundo ele, reduziram a taxa de participação das mulheres, enquanto as segundas a elevaram. nas leis de divórcio e partilha de patrimônio em alguns estados americanos deu às esposas maior poder de barganha dentro do casamento, elevando a taxa de participação das mesmas.3 3 Mais sobre a influência dos papeis de gênero na escolha das mulheres com relação à participação no mercado de trabalho em Bertrand (2019), Ferber (1982) e Fortin (2015).

Em linha com tais achados, Connelly (1992Connelly, R. 1992. “The effect of child care costs on married women’s labor force participation”. The Review of Economics and Statistics 74, no.1: 83-90.) estimou volumosos efeitos do custo de se cuidar dos filhos sobre a participação de mulheres casadas, e concluiu que subsídios a tais custos elevariam a taxa de participação feminina; Blau e Robins (1988Blau, D. M. and P. K. Robins. 1988. “Child-care costs and family labor supply”. The Review of Economics and Statistics 70, no.3: 374-381.) também obtiveram achados nesse sentido. Para o Brasil (mais especificamente, São Paulo), Sanfelice (2019Sanfelice, V. 2019. Essays on Public Policies Using City Neighborhoods Variation (Doctoral dissertation, University of Rochester).) concluiu que o fato de uma mãe ter acesso a creche pública eleva em 44 pontos percentuais a probabilidade de ela obter um emprego.4 4 Em particular, um emprego full-time e formal. Eckstein e Wolpin (1989) também apontam sobre a endogeneidade da experiência de trabalho prévio na participação de mulheres casadas no mercado de trabalho, mesmo com a presença de filhos.

Já Ferber, Blau e Winkler (2013Blau, F. D., Ferber, M. A., & Winkler, A. E. 2013. The economics of women, men and work. Pearson Higher Ed.) teorizam que a discriminação salarial de sexo pode ser fator relevante para a determinação da taxa de participação feminina. Por um lado, é verdade que o hiato salarial entre os sexos é tema muito presente no debate público brasileiro e mundial. Não apenas a existência e o tamanho do hiato são discutidos, mas maneiras de mitigá-lo. Por outro, todavia, não há, até o momento, trabalhos empíricos que testem a possibilidade levantada por Ferber, Blau e Winkler (2013); e, mais especificamente, que o fizessem para o caso brasileiro.5 5 Para o caso brasileiro, ver Madalozzo (2010). Para documentação do efeito de diferenças salariais entre homens e mulheres para países específicos, ver Cook et al (2018), Waldfogel (1998) e Kleven, Landais e Sogaard (2018).

O objetivo aventado por este estudo é contribuir à literatura na medida em que buscamos compreender e aquilatar os efeitos do prêmio salarial de sexo, um indício de discriminação, sobre a taxa de participação de homens e mulheres no Brasil. Pretendemos investigar a hipótese proposta por Ferber, Blau e Winkler (2013Blau, F. D., Ferber, M. A., & Winkler, A. E. 2013. The economics of women, men and work. Pearson Higher Ed.), de que, uma vez que se deparem com discriminação de sexo, as mulheres tendam a participar menos do mercado de trabalho.

Para tanto, baseamo-nos em dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) entre o primeiro trimestre de 2012 e o último trimestre de 2018, e estimamos a penalidade salarial feminina através da metodologia de Oaxaca-Blinder (ver Oaxaca 1973Oaxaca, R. 1973. “Male-female wage differentials in urban labor markets”. International Economic Review 14, no.3: 693-709. e Blinder 1973), bem como um tratamento dos resíduos pelo método proposto por Juhn, Murphy e Pierce (1993Juhn, C., K. M. Murphy, and B. Pierce. 1993. “Wage inequality and the rise in returns to skill”. Journal of Political Economy 101, no.3: 410-442.), além de corrigirmos o viés de seleção proveniente da exclusão de indivíduos fora do mercado de trabalho pela metodologia de Heckman (1979Heckman, J. J. 1979. “Sample selection bias as a specification error”. Econometrica 47, no.1: 153-161.). Estimamos o prêmio salarial de sexo para todos os indivíduos na amostra, por ano e por trimestre; então, limitando-nos apenas a homens e mulheres casados,6 6 Por sugestão de um parecerista e como um teste de robustez de nossos resultados, estimamos todos os modelos para pessoas solteiras e para casais sem filhos. Os resultados se encontram nos Anexo I a IV e são consonantes com os resultados principais do artigo. estimamos, considerando a família, um probit bivariado para a probabilidade do marido e da esposa estarem ativos no mercado de trabalho. Pormenorizamos essa análise para grupos de renda e étnicos.

Nossos resultados vão ao encontro da hipótese de Ferber, Blau e Winkler (2013Blau, F. D., Ferber, M. A., & Winkler, A. E. 2013. The economics of women, men and work. Pearson Higher Ed.): concluímos que, para mulheres em casais pobres, em geral, bem como para mulheres em casais brancos ou casais com marido negro e esposa branca mais ricos, um aumento da discriminação de sexo (medida pelo prêmio salarial de sexo em favor dos homens) reduz a probabilidade dessas mulheres estarem ativas, com efeitos chegando a, em alguns casos, mais de 8 pontos percentuais. O resultado líquido para o mercado de trabalho (considerando a participação conjunta do marido e da esposa) indica que uma redução da discriminação de sexo especificamente contra mulheres pode elevar a inserção dos casais no mercado de trabalho brasileiro.

Nesse sentido, nossa contribuição à literatura é a de trazer evidências dos impactos negativos da diferença salarial de sexo sobre a participação de homens e mulheres no mercado de trabalho brasileiro. É importante salientarmos que esse artigo não tem por objetivo encontrar a direção da causalidade entre discriminação salarial com fontes exógenas de variações salariais. Entretanto, a relevância deste trabalho consiste em justamente apresentar evidências de uma correção bastante forte e negativa entre essas variáveis: a menor participação das mulheres no mercado de trabalho acompanha aumentos na discriminação salarial contra elas. Ainda, realizamos um trabalho de catalogar a diferença salarial ao longo dos trimestres entre 2012 e 2018, bem como a contribuição das diversas variáveis para essa diferença.

O artigo é dividido em 5 seções, incluindo esta introdução. A segunda seção apresenta a descrição da literatura correlata acerca do principal mecanismo teórico que queremos testar, qual seja: a hipótese de Ferber, Blau e Winkler (2013Blau, F. D., Ferber, M. A., & Winkler, A. E. 2013. The economics of women, men and work. Pearson Higher Ed.). A terceira seção descreve a metodologia aqui utilizada, desde a estimação do prêmio salarial de sexo até a averiguação de seus efeitos sobre a taxa de participação. A quarta seção, por sua vez, descreve nossos resultados, circunstanciando a análise para diferentes grupos étnicos e de renda. Finalmente, a quinta seção conclui o artigo.

2. Framework teórico

O ponto nevrálgico do arcabouço teórico sob o qual baseamos nosso estudo é o chamado efeito feedback formalizado por Arrow (1971Arrow, K. J. 1971. Some models of racial discrimination in the labor market (No. RM-6253-RC). RAND CORP SANTA MONICA CA.) para o caso de discriminação entre negros e brancos, e expandido por Ferber, Blau e Winkler (2013Blau, F. D., Ferber, M. A., & Winkler, A. E. 2013. The economics of women, men and work. Pearson Higher Ed.) para o estudo de discriminação de sexo, se dá dessa maneira: Diz tal teoria que, sob um contexto com informação imperfeita e discriminação estatística por parte dos empregadores, e dadas experiências prévias com homens e mulheres, os contratantes possam discriminar indivíduos baseados em médias dos grupos (discriminação estatística) e baseados numa fonte de informação “barata”, como o sexo.

Por exemplo: o empregador pode julgar que mulheres, na média, sejam menos comprometidas, dedicadas ou que possuam menos habilidades ou características desejadas por eles, além de ter maior probabilidade de abandonarem o emprego devido à maternidade, resultando em menor apego à força de trabalho. Sendo assim, os potenciais contratantes podem vir a oferecer um salário menor para esse grupo. Num período seguinte, assumindo-se que tais características desejáveis para um empregador dependam dos salários recebidos, segue-se que as mulheres, por receberem um salário inferior ao dos homens, acabem, de fato, investindo menos na obtenção de tais habilidades e, de fato, tenham menor apego à força de trabalho, confirmando a crença inicial baseada em informação imperfeita. Por conseguinte, enseja-se um ciclo de retroalimentação dos fenômenos acima descritos.

Arrow (1971Arrow, K. J. 1971. Some models of racial discrimination in the labor market (No. RM-6253-RC). RAND CORP SANTA MONICA CA.) ainda delineou um framework sob o qual as firmas podem segregar para maximizar lucros, a depender de possíveis efeitos discriminatórios por parte de outros empregados dentro da firma. Já Phelps (1972Phelps, E. S. 1972. “The statistical theory of racism and sexism”. The American Economic Review 62, no.4: 659-661.) teoriza que empregadores podem atribuir maior peso às ditas fontes de informação “baratas”, como sexo ou raça, em detrimento de medidas objetivas de qualificação, se acreditarem que, para grupos comumente desfavorecidos (como negros e mulheres), tais medidas de qualificação sejam menos confiáveis (i.e. meçam qualificação com maior erro).

Em consonância com o mecanismo teórico aqui descrito, Neumark, Bank e Van Nort (1996Neumark, D., R. J. Bank, and K. D. Van Nort. 1996. “Sex discrimination in restaurant hiring: An audit study”. The Quarterly Journal of Economics 111, no.3: 915-941.) realizaram um estudo no qual enviaram currículos fictícios em busca de vagas de emprego de garçons e garçonetes e observaram que, em restaurantes com preços mais elevados, os quais estão associados a maiores salários e gorjetas, há menor probabilidade de mulheres serem entrevistadas ou obterem a vaga. Também nessa linha de pesquisa, Steinpreis, Anders e Ritzke (1999Steinpreis, R. E., K. A. Anders, and D. Ritzke. 1999. “The impact of gender on the review of the curricula vitae of job applicants and tenure candiyears: A national empirical study”. Sex Roles 41, no.7: 509-528.) concluíram que homens candidatos a vagas de emprego no meio acadêmico da Psicologia têm maior probabilidade de serem bem avaliados e julgados como contratáveis do que mulheres com mesmo currículo, embora tal diferença não tenha se mostrado existente para candidatos a tenure.7 7 Os autores, ainda, observaram que, por parte do avaliador, tal viés existe tanto para avaliadores homens, quanto mulheres. Ainda, Groshen (1991Groshen, E. L. 1991. “The structure of the female/male wage differential: Is it who you are, what you do, or where you work?” The Journal of Human Resources 26, no.3: 457-472.) estimou que boa parte da diferença salarial bruta entre homens e mulheres se deve à segregação ocupacional, entre firmas e dentro das chamadas job-cells.8 8 Mesmas ocupações dentro das mesmas firmas.

3. Metodologia

Inicialmente, é necessário obter uma medida de penalidade salarial. Para tanto, optamos por utilizar uma combinação da decomposição de Oaxaca-Blinder (Oaxaca, 1973Oaxaca, R. 1973. “Male-female wage differentials in urban labor markets”. International Economic Review 14, no.3: 693-709. e Blinder 1973) com a metodologia de Juhn, Murphy e Pierce (1993Juhn, C., K. M. Murphy, and B. Pierce. 1993. “Wage inequality and the rise in returns to skill”. Journal of Political Economy 101, no.3: 410-442.). Antes de estimarmos quaisquer regressões, ainda, tratamos de corrigir o viés de seleção que pode emergir. Só então, depois de obtidas as estimativas para a penalidade salarial, estimaremos um probit bivariado para os casais brasileiros.9 9 Conforme alertado na nota de rodapé número 4, concentraremos nossa análise e interpretação para casais. Entretanto, estatísticas e resultados para indivíduos solteiros, bem como especificamente para casais sem filhos, estão no Anexo I. A seguir, explicamos todos os procedimentos utilizados.

a. Regressões e viés de seleção

Ao estimar uma regressão salarial, é possível que emerja um problema particularmente relevante: o viés de seleção. Tal problema decorre do fato de que, para estimarmos uma regressão de salários, acabamos por excluir da amostra aqueles indivíduos fora da força de trabalho, afinal, seus salários não são observados. Se tal exclusão se der de maneira não aleatória, isto é, se existir um processo de seleção por trás da participação na força de trabalho, então existirá um viés de seleção, e as estimativas dos coeficientes serão enviesadas. Gronau (1974Gronau, R. 1974. “Wage comparisons-a selectivity bias”. Journal of Political Economy 82, no.6: 1119-1143.) detalhou a teoria por trás dessa auto seleção para a força de trabalho, bem como mostrou que, ao ignorar tal processo, pode-se concluir que existem diferenças salariais onde, na verdade, não há, uma vez que tais diferenças não sejam senão diferenças em termos de preferências, decisões e circunstâncias individuais sobre participação no mercado de trabalho.

Nesse sentido, Heckman (1979Heckman, J. J. 1979. “Sample selection bias as a specification error”. Econometrica 47, no.1: 153-161.) demonstrou como tal problema pode ser entendido como um viés de variável omitida, propondo um estimador consistente para os coeficientes de interesse. Tal procedimento - também detalhado à frente neste estudo - ficou conhecido como correção de viés de Heckman, e foi incorporado à literatura de ponta que investiga diferenças salariais.

Ainda, Hoffmann e Kassouf (2005Hoffmann, R. and A. L. Kassouf. 2005. “Deriving conditional and unconditional marginal effects in log earnings equations estimated by Heckman’s procedure”. Applied Economics 37: 1303-1311.) afirmam que, quando se estima uma regressão utilizando o procedimento de Heckman, os efeitos marginais ilustraram que cada covariada passam a depender do termo de correção de viés caso a covariada esteja também presente na equação de seleção. Os autores derivaram os efeitos marginais condicionais e incondicionais do efeito da educação sobre o salário no Brasil, quando se corrige o viés de seleção de estar ou não na força de trabalho.

Em termos práticos, imagine que queiramos modelar o salário do i-ésimo indivíduo da seguinte forma:

w i = X i β + ε i (1)

Onde wi é o logaritmo natural do salário por hora, Xi é um vetor de características que determinam o salário, é um vetor de coeficientes e é um termo de erro idiossincrático. Sabe-se que só observamos o salário do indivíduo se o indivíduo está na força de trabalho. Vamos denotar essa variável binária como Yi. Podemos modelá-la como resultado de uma variável latente, da seguinte forma:

Y i * = Z i α + u i (2)

No qual Zi é um vetor de características que determinam a participação na força de trabalho, α é um vetor de coeficientes e ui é um termo de erro idiossincrático. Segue-se que a esperança condicional do salário é:

E ( w i | X i , Y i = 1 ) = X i β + E ( ε i | X i , Y i = 1 ) = X i β + E ( ε i | Y i = 1 ) = X i β + E ( ε i | Y i * 0 ) = X i β + E ( ε i | u i Z i α ) (3)

Onde a segunda igualdade deriva do fato de assumirmos que os erros são independentes dos regressores.

Percebe-se, portanto, que o último termo será diferente de zero caso haja uma correlação diferente de zero entre εi e ui. Heckman (1979Heckman, J. J. 1979. “Sample selection bias as a specification error”. Econometrica 47, no.1: 153-161.) argumentou que o viés de seleção pode ser entendido como um viés de variável omitida, sendo esta a chamada Razão Inversa de Mills (Inverse Mills Ratio - IMR). Sendo assim, para corrigir o viés, basta incluir a IMR, fazendo com que nossa nova regressão seja:

w i = X i β + θ λ i + ε i (4)

b. Filtros da amostra

Da amostra total de cada PNAD Contínua trimestral, excluímos: todos os indivíduos com menos de 18 e mais de 60 anos; amarelos, indígenas e aqueles com etnia não declarada; pessoas com atividade ou ocupação mal definidas; empregadores e trabalhadores por conta própria; trabalhadores agrícolas e militares; e pessoas empregadas, mas com renda igual a zero ou não declarada.

As variáveis no vetor de características Xi incluem: uma dummy para brancos; idade e seu quadrado; educação e tempo de experiência no emprego, seus quadrados e todas as interações entre esses termos; dummies para categorias de trabalho, como trabalhador do setor privado com ou sem carteira assinada, servidor estatutário, funcionário público federal ou estadual; dummies para o setor de trabalho do indivíduo (indústria, comércio, etc.); dummies para categorias ocupacionais; uma dummy de morador da capital do estado; uma dummy de morador de região urbana; horas trabalhadas e seu quadrado, para capturar um possível long hours premium.

Ainda, para corrigir o viés de seleção, optamos por usar as seguintes variáveis na restrição de exclusão do probit para taxa de participação - isto é, variáveis que impactam a taxa de participação, mas não impactam os salários - quais sejam: número de crianças com até 6 anos (inclusive) de idade no domicílio; número de crianças maiores de 6 anos até 12 anos (inclusive) no domicilio; dummy para pessoas que estão estudando; e dummy para casado (construída a partir da posição na família, na qual consideramos como “casado” o chefe de família e o cônjuge apenas em domicílios onde houvesse cônjuge).

A inclusão da dummy de pessoas que estavam estudando foi baseada em Pastore (2012Pastore, F. 2012. “To study or to work? Education and labour market participation of young people in Poland”. Eastern European Economics 50, no.3: 49-78.), que investigou a probabilidade de jovens de estarem empregados ou desempregados ou inativos (estes dois últimos grupos formando um só), controlando pelo viés de seleção de estar estudando ou não. Pastore (2012) argumenta e traz evidências de que a expectativa de ganhos futuros maiores em decorrência do maior investimento em capital humano pode atrasar a entrada na força de trabalho.

Em termos da variável de número de filhos, um resultado interessante que pode justificar o uso dessa variável é aquele de Goldin e Katz (2002Goldin, C. and L. F. Katz. 2002. “The power of the pill: Oral contraceptives and women’s career and marriage decisions”. Journal of Political Economy 110, no.4: 730-770.): a disseminação das pílulas anticoncepcionais, nos EUA, elevou a idade em que as mulheres se casam pela primeira vez, bem como reduziu os custos de investir em carreiras que demandam mais tempo e dedicação. Ainda, Adda, Dustmann e Stevens (2017Adda, J., C. Dustmann, and K. Stevens. 2017. “The career costs of children”. Journal of Political Economy 125, no.2: 293-337.) encontram custos expressivos da fertilidade sobre os rendimentos ao longo da vida das mulheres, sendo a maior parte desses custos, justamente, por conta de mudanças da oferta de trabalho das mulheres.

Por fim, diversos estudos argumentam que a taxa de participação é influenciada pelo fato de um indivíduo estar casado, particularmente no caso feminino. Isso se deve a fatores como a renda total da família, especialização em determinadas tarefas e vantagens comparativas. Gronau (1973Gronau, R. 1973. “The intrafamily allocation of time: The value of the housewives’ time”. The American Economic Review 63, no.4: 634-651.) traz evidências interessantes e uma alternativa de arcabouço teórico por trás dessa assertiva.

c. Metodologia de Oaxaca-Blinder

A decomposição de Oaxaca-Blinder (Oaxaca 1973Oaxaca, R. 1973. “Male-female wage differentials in urban labor markets”. International Economic Review 14, no.3: 693-709. e Blinder 1973) consiste, basicamente, em estimar as regressões supracitadas para os dois grupos de interesse (no caso, homens e mulheres), e decompor a diferença dos salários médios. Para tanto, sendo a média dos resíduos igual a zero, então podemos afirmar:

w ¯ j = X ¯ j β j (5)

Onde w¯j é o salário médio do j-ésimo grupo, X¯j é um vetor de características do j-ésimo grupo em suas médias e βj é um vetor de coeficientes do j-ésimo grupo. Após alguma manipulação algébrica, e já considerando a correção do viés de seleção utilizando a metodologia de Heckman (1979Heckman, J. J. 1979. “Sample selection bias as a specification error”. Econometrica 47, no.1: 153-161.), podemos definir a diferença dos salários médios de mulheres e homens como:

w ¯ H w ¯ M = ( X ¯ H X ¯ M ) β H + ( β ¯ H β ¯ M ) X M + ( θ H λ ¯ H θ M λ ¯ M ) (6)

Onde o termo (X¯HX¯M)βH corresponde à parte da diferença total explicada pelas características, (θHλ¯HθMλ¯M) é a contribuição do viés de seleção e (β¯Hβ¯M)XM, nosso interesse, corresponde à parcela dita “não explicada”, uma medida de prêmio ou penalidade salarial, interpretada como a diferença entre quanto as mulheres ganhariam caso suas características fossem remuneradas como mulheres contra quanto ganhariam caso fossem remuneradas como homens.

Para tanto, podemos estimar as regressões salariais para homens e mulheres, calcular o salário predito para mulheres com os coeficientes tanto dos homens, quanto das mulheres, calcular a diferença e tomar a média dessa variável. Ainda, é necessário tratar os resíduos dessas estimativas e, para tal, utilizaremos a metodologia de Juhn, Murphy e Pierce (1993Juhn, C., K. M. Murphy, and B. Pierce. 1993. “Wage inequality and the rise in returns to skill”. Journal of Political Economy 101, no.3: 410-442.), explicada a seguir.

d. Metodologia de Juhn, Murphy e Pierce (JMP) para os resíduos

Juhn, Murphy e Pierce (1993Juhn, C., K. M. Murphy, and B. Pierce. 1993. “Wage inequality and the rise in returns to skill”. Journal of Political Economy 101, no.3: 410-442.) propuseram uma maneira análoga à decomposição de Oaxaca-Blinder para se avaliar diferenças não explicadas e retornos diferentes às características. Contudo, a grande diferença entre as duas metodologias está no tratamento dos resíduos: enquanto Oaxaca e Blinder se utilizam da hipótese de que a média dos resíduos é igual a zero, Juhn, Murphy e Pierce utilizam resíduos contra factuais como forma de pormenorizar ainda mais a decomposição da diferença total. Optamos por combinar as duas metodologias. A explicação é a que se segue:

Das equações, vamos escrever o percentil dos resíduos de cada indivíduo do j-ésimo grupo, na distribuição de resíduos daquele grupo, como sendo:

π i j = F j ( ε i | X i ) (7)

Onde Fj é a função de densidade acumulada dos resíduos do j-ésimo grupo e πij é o percentil do i-ésimo indivíduo de acordo com a função do j-ésimo grupo. Por definição o resíduo do i-ésimo indivíudo pode ser escrito como:

ε i = ( F j ) 1 ( π i j | X i ) (8)

Onde (Fj)1 é a inversa de função de densidade acumulada dos resíduos do j-ésimo grupo. Assim, podemos construir resíduos contra factuais, de maneira análoga ao salário predito contra factual. Para isso, basta calcularmos o percentil do resíduo do i-ésimo indivíduo em sua própria distribuição de resíduos e averiguar qual seria esse resíduo na distribuição de resíduos de outro grupo. Sendo assim, nossa medida de “penalidade salarial” de cada indivíduo, Pi, passa a ser:

P i = ( β H β M ) X i + ( F H ) 1 ( π i j | X i ) ( F M ) 1 ( π i j | X i ) = [ β H X i + ( F H ) 1 ( π i j | X i ) S a l á r i o c o m o hom e m ] [ β M X i + ( F M ) 1 ( π i j | X i ) S a l á r i o c o m o m u l h e r ] (9)

Em outras palavras: estimamos quanto cada indivíduo ganharia caso fosse remunerado como homem, inclusive com o resíduo caso homem; disso, subtraímos quanto esse indivíduo ganharia caso fosse remunerado como mulher, bem como o resíduo que esse indivíduo teria na distribuição de resíduos feminina. A esse valor, damos o nome de “prêmio salarial de sexo”. Um prêmio positivo indica que tal indivíduo, seja homem ou seja mulher, ganharia mais caso fosse remunerado como homem vis-à-vis caso fosse remunerado como mulher; por outro lado, um prêmio negativo significa que o indivíduo em questão ganharia mais como mulher do que como homem.

O interessante com relação à metodologia Juhn, Murphy e Pierce (1993Juhn, C., K. M. Murphy, and B. Pierce. 1993. “Wage inequality and the rise in returns to skill”. Journal of Political Economy 101, no.3: 410-442.) é observar que tal análise permite avaliar como as mudanças na composição afetaram toda a distribuição salarial e não apenas a variação salarial média. Por exemplo, usando essa metodologia, é possível calcular como mudanças na distribuição dos resíduos afetaram outras medidas de desigualdade, como o diferencial entre diversos decis da distribuição. Ou seja, através do uso dos resíduos, Juhn, Murphy e Pierce (1993) capturam como os não observáveis afetam a desigualdade salarial. Para o presente artigo, é de grande importância utilizar um método que permita avaliar a desigualdade nos prêmios salariais e nas dimensões de habilidade não observadas e observadas, o que é feito devido à inclusão do componente não observado.

Cabe destacar, também, que para estimar o prêmio de cada indivíduo, estimamos o modelo (Oaxaca-Blinder e JMP) para cada trimestre em cada ano, e calculamos o prêmio salarial apenas para os indivíduos naquele trimestre e ano.10 10 Exponenciamos as estimativas e subtraímos 1 para termos a medida em % exata.

e. Probit bivariado para as famílias

Novamente, suponha que queiramos estimar a probabilidade de duas variáveis binárias assumirem os pares (m, n), com m, n ∈ {0; 1}. O modelo assume que cada variável seja determinada por uma relação como:

Y i * = X i β + ε i (10)

Onde Yi* é uma variável latente que assume o valor 1, se Yi* > 0, e 0, se Yi* ≤ 0. Dessa forma, como temos interesse em modelar a probabilidade de Yi = 1, temos que:

P ( Y i = 1 ) = P ( Y i * > 0 ) = P ( X i β + ε i > 0 ) = P ( ε i > X i β ) = P ( ε i < X i β ) (11)

No qual a última igualdade é obtida via simetria da distribuição normal (assumida como distribuição dos erros num modelo probit). Contudo, lembre-se que também estamos interessados no comportamento conjunto das variáveis. Assumamos que os erros de cada variável (1 e 2, digamos), sejam:

ε i ~ N ( 0,1 ) u i ~ N ( 0,1 ) C o r r ( ε i , u i ) = ρ (12)

Onde εi é o erro da variável 1 e ui é o erro da variável 2. Se ρ0, então existe uma correlação entre os erros das variáveis, de forma que estimar modelos probit univariados individualmente não capturaria esse comportamento conjunto.

Neste caso, e nos restringindo apenas aos casais heterossexuais,11 11 Embora tenhamos incluído análises sobre casais sem filhos e indivíduos - de ambos os sexos - solteiros no Anexo I, neste artigo não usamos como amostra os casais homossexuais. Eles exigiriam uma análise à parte - devido a características do ponto de vista de normas sociais, inclusive - que tornariam ainda mais extenso este artigo. Entretanto, acreditamos que a análise futura desses casais pode ser de substancial interesse para a pesquisa acadêmica. Estudos como Badgett e Folbre (2003), Ash e Badgett (2006), Badgett, Nezhad, Waaldijk e Meulen (2014) são excelentes fontes para a melhor compreensão das diferentes (e semelhantes) dinâmicas entre casais homossexuais e heterossexuais. estamos interessados em modelar a probabilidade do marido e da esposa estarem ativos, bem como as combinações possíveis (ambos ativos; nenhum ativo; apenas o marido ativo; apenas a esposa ativa). Cabe dizer, ainda, que o modelo utilizado é a família, e não do indivíduo.12 12 A pesquisa acompanha os indivíduos por apenas cinco trimestres, uma janela muito curta; desse modo, não observaríamos muitas variações na grande maioria das nossas covariadas (e, para algumas, como etnia, por exemplo, não observaríamos variação alguma), de forma que não seria possível estimar os coeficientes para tais covariadas. Sendo assim, optamos por não utilizar a estrutura em painel da PNAD Contínua, e mantivemos apenas a última entrevista de cada indivíduo na amostra.

As variáveis no vetor de características Xi incluem: o prêmio salarial de sexo de ambos (marido e esposa), seus quadrados e seus cubos; a idade de ambos (e seus quadrados); a educação de ambos (e seus quadrados); e dummies para cada um estar estudando ou não. Também controlamos pelo estado, uma dummy para famílias na capital do estado, dummy para famílias em áreas urbanas, número de crianças número de crianças com até 6 anos (incluso) de idade no domicílio e número de crianças maiores de 6 anos até 12 anos (incluso) no domicílio.

Estamos interessados, justamente, nos efeitos dos prêmios do homem e da mulher nas diversas probabilidades (marginal, conjunta, condicional) do marido e da esposa trabalharem. Ainda, cabe destacar que, para aqueles indivíduos para os quais não pudemos estimar o prêmio salarial,13 13 Foi necessária a imputação de valores para os casos em que homens e/ou mulheres não estavam recebendo salário (seja por não participarem do mercado de trabalho ou por estarem desocupados no período da entrevista). Essas pessoas não tinham um valor de remuneração para calcularmos o prêmio salarial. Entretanto, elas são vitais para nosso objetivo de inferir a relação entre prêmio salarial e participação no mercado de trabalho. imputamos um valor utilizando a metodologia de predictive mean matching do software Stata com 10 vizinhos próximos (ver Rubin 1986Rubin, D. B. 1986. “Statistical matching using file concatenation with adjusted weights and multiple imputations”. Journal of Business & Economic Statistics 4, no.1: 87-94., e Little 1988Little, R. J. A. 1988. “Missing-data adjustments in large surveys”. Journal of Business & Economic Statistics 6, no.3: 287-296.). Tal metodologia constitui na realização de um match entre o indivíduo com valor não observado e os indivíduos com valor predito mais próximo, combinando regressão linear e imputação através de vizinhos mais próximos. Inicialmente, usa-se uma regressão linear para calcular os valores preditos. Então, calcula-se a distância entre os valores preditos dos indivíduos com e sem valores não observados, selecionando k (no nosso caso, 10) vizinhos mais próximos. Finalmente, retira-se uma observação aleatória desse conjunto de vizinhos mais próximos e usa-se tal observação para imputar os valores não observados.

4. Resultados14 14 Todas as tabelas de regressão estão disponíveis sob solicitação.

Inicialmente, apresentamos algumas variáveis descritivas da nossa amostra. A Tabela 1 mostra a taxa de participação de homens e mulheres, pormenorizando a análise por etnia e estado civil. Observamos que, para os solteiros, em geral, a taxa de participação, como função da idade, parece ter um formato em “U” invertido: menor para jovens e idosos e maior para os adultos. Contudo, para homens casados, vemos que, na verdade, a taxa de participação parece ser decrescente com a idade. Entretanto, cabe lembrar que a distribuição de idades entre casados e solteiros é muito diferente, de forma que a maior participação de homens casados mais novos pouco influencia na taxa de participação total dos homens nesses grupos de idade, pois são poucos os homens casados em idades mais baixas.

Ainda na Tabela 1, podemos perceber que a participação na força de trabalho para mulheres solteiras é sempre superior à participação das mulheres casadas - oposto ao que acontece para os homens -, independentemente de serem brancas ou negras. Também é verificado um formato de “U” invertido na participação da força de trabalho feminina de acordo com a idade. O pico da participação se dá entre os 30 e 39 anos, curiosamente enquanto estão em idade fértil. De acordo com dados das Estatísticas do Registro Civil - divulgados pelo IBGE em 2019, referentes ao período de 2008 a 2018 -, aumentou o percentual de mulheres que tiveram o primeiro filho entre os 30 e 39 anos no período, sendo esse, justamente, o período que verificamos a maior inserção de mulheres no mercado de trabalho.

Também observamos diferenças sensíveis nas taxas de participação entre homens e mulheres, com as taxas de participação femininas sendo sempre mais baixa que suas contrapartes masculinas, em particular para mulheres negras casadas. Sendo assim, é pertinente que nossa análise leve em conta esses diferentes padrões de participação no mercado de trabalho sob prismas de etnia, idade e estado civil.

Tabela 1
Taxa de participação, por sexo, etnia e estado civil

Na Tabela 2 apresentamos as estatísticas para homens casados ativos e inativos, discriminando também pela situação de atividade da esposa.15 15 Como estamos trabalhando com casais, as variáveis para os homens são apenas um “espelho” dos valores das mulheres. Logo, optamos por apresentar apenas as tabelas para os homens. Observamos que os maiores prêmios, tanto do marido quanto de sua esposa, são observados nos homens inativos e cujas esposas também são inativas. Estima-se que, na média, homens nessa situação ganhariam cerca de 65,4% a mais caso remunerados como homens vis-à-vis a remuneração que observariam caso fossem remunerados como mulheres. É importante ressaltar que o “prêmio” significa a pessoa (independentemente de ser homem ou mulher) seria melhor remunerado como homem do que seria como mulher. Então, partindo da hipótese que a discriminação pode implicar o menor incentivo para participação no mercado de trabalho - conforme apontado na seção 2, onde descrevemos o Framework teórico -, é esperado que mulheres com maior prêmio salarial (se fossem remuneradas como homens) estejam na situação de inatividade no mercado de trabalho.

Já a análise para os homens inativos, que representam 15,6% da nossa amostra, é mais delicada. Supostamente, por ter um prêmio salarial em ser homem, eles teriam incentivos para continuar participando da força de trabalho, que é o oposto do que verificamos em nossas análises descritivas. A nosso ver, isso ocorre tanto pela demografia específica desses homens - a ser descrita com maior detalhe abaixo - como pela definição de prêmio, que é um potencial de ganho relativo a mulheres com suas características observáveis e não necessariamente identificado pelo sujeito para a tomada de decisão com relação à participação no mercado de trabalho.

Tabela 2
Estatísticas descritivas para homens, por situação de atividade

Vemos que homens inativos com esposas também inativas têm menos anos de instrução: cerca de 5,9 anos, contra 9,7 anos para os homens ativos com esposas ativas. Do ponto de vista teórico, isso pode ser explicado, visto que suas oportunidades de salários e emprego são também menores. Em geral, também observamos que as mulheres com mais anos de instrução estão casadas também com os homens ativos.

Nota-se também que os homens inativos são mais velhos, bem como estão com mulheres mais velhas, o que se deve muito em parte à aposentadoria. Ainda, é possível notar que cerca de 95% dos homens ativos com esposas ativas são moradores urbanos, contra 74,1% dos inativos com esposas ativas, possivelmente por conta das maiores oportunidades de emprego nas cidades. Interessante observar, ademais, que os maiores salários por hora preditos,16 16 As variáveis “salário por hora como homem” e “salário por hora como mulher” são definidas como na Equação (12). Já variáveis “próprias” e “do cônjuge” indicam o valor de tal variável para o marido e para sua esposa, respectivamente. tanto como homem, quanto como mulher, para o marido e para a esposa, estão nos casais nos quais ambos os membros são ativos. Quando se compara, por exemplo, o salário predito como mulher de uma esposa ativa com marido ativo, contra uma esposa inativa com marido inativo, tal diferença chega a 40%.

Ainda, destacamos o prêmio salarial17 17 Lembrando, parte desses valores foram imputados para considerarmos em nossa amostra pessoas - homens e mulheres - inativos (não participando da força de trabalho ou não empregados no momento da entrevista). de homens e mulheres nas Figuras 1 e 2 abaixo. Ambas as figuras mostram um deslocamento patente à direita da distribuição de prêmios entre os casais nos quais ambos são inativos. Curioso também perceber que, para o prêmio salarial das esposas, as distribuições nos casos em que só um dos membros do casal é ativo se entrelaçam fortemente. Como os prêmios para pessoas inativas foram imputados baseados em vizinhos próximos em termos de características observáveis,18 18 Essas variáveis são as mesmas utilizadas no probit bivariado. sendo que tais observáveis também estão nas equações de determinação de participação (via correção de Heckman), tal resultado sugere uma relação inversa entre o prêmio salarial de sexo e a probabilidade de participação, como será mostrado mais à frente.

Também é notório que, em ambos os casos, sempre mais de 95% da amostra tem prêmios positivos, com destaque para o prêmio salarial de sexo das esposas em casais nos quais ambos são inativos, em que 99,4% têm prêmio positivo. Isso significa que a maioria expressiva da nossa amostra, tanto os maridos, quanto as esposas, receberiam salários por hora maiores caso fossem remunerados como homens, contra um pequeno grupo que seria melhor remunerado caso fossem mulheres.

Figura 1
Densidade do prêmio salarial de sexo do marido (Densidade, por situação de atividade do casal)

Figura 2
Densidade do prêmio salarial de sexo da esposa (Densidade, por situação de atividade do casal)

Finalmente, na Tabela 3 19 19 Na Tabela 3, usamos os pesos amostrais da PNAD-C e optamos por utilizar a decomposição pooled. que se segue, decompusemos a diferença salarial de sexo por trimestre e por variável. Observamos que, ao longo do período analisado, a principal contribuição positiva ao prêmio salarial de sexo é da diferença de constantes estimadas para ambos os sexos; também vale destacar a contribuição positiva do tipo de emprego (com carteira, sem carteira, no setor público em diferentes esferas, estatutário ou não, etc.). Em termos de contribuições negativas, destacam-se a contribuição da idade e seu quadrado, da educação e seu quadrado, bem como das variáveis demográficas (dummies para moradores urbanos ou de capitais), sugerindo que as mulheres têm retornos a essas características superiores aos homens. Também é interessante notar a evolução do prêmio salarial, estimado em cerca de 56,8%,20 20 e0,45 - 1. no primeiro trimestre de 2012, atingindo um mínimo de 44,8%,21 21 e0,37 - 1. no final de 2014 e início de 2015, e terminando em torno de 49,2%,22 22 e0,21 - 1. ao final de 2018.

Em termos da diferença explicada, nota-se um padrão interessante: ela é negativa em todo o período, o que indica que mulheres têm características produtivas “superiores” às dos homens. Destacam-se a contribuição positiva (no sentido de elevar a diferença salarial) do tipo de atividade exercida, e a contribuição negativa (no sentido de reduzir o prêmio) do número de horas trabalhadas.

Tabela 3
Diferença salarial de sexo ajustada pelo viés de seleção (Em pontos de log)

a. Resultados para casais de baixa renda

i. Resposta ao prêmio salarial de sexo da esposa

A Figura 3 mostra a probabilidade marginal da esposa estar ativa, de acordo com o prêmio salarial para o sexo masculino estimado, para casais com renda familiar per capita abaixo da mediana. Lembre-se que, neste caso, se o prêmio for maior do que zero, significa que existe uma penalidade na remuneração dessa mulher por ela pertencer ao sexo feminino.

Observe que a probabilidade se reduz à medida que o prêmio cresce. Para uma mulher num casal branco com características “médias” (em relação às covariadas do modelo) e com prêmio em -40% (ou seja, que ganharia um salário mais elevado sendo mulher do que ganharia caso fossem homem), a probabilidade marginal de estar ativa é de cerca de 59,3%. Já para essa mesma mulher, mas com prêmio de 40%, essa probabilidade cai para 48,3%. Já a probabilidade marginal de uma mulher negra “média” (ou seja, com características “médias”) num casal de baixa renda dessa etnia estar ativa apresenta uma queda de 54,6% para 49%, um pouco mais modesta do que aquela observada para a mulher branca.

Ainda, observamos que a probabilidade marginal da esposa estar ativa num casal inter-racial com marido branco e esposa negra não parece variar de maneira estatisticamente significativa em resposta a variações no prêmio salarial de sexo dela. Perceba, ademais, como probabilidade da esposa num casal de renda mais baixa e no qual o marido é negro e a esposa é branca é decrescente com o prêmio salarial de sexo da esposa, caindo de 62,3% para 54% quando o prêmio passa de -40% a 40%.23 23 Utilizamos o intervalo de -40% a +40% no prêmio salarial para ser homem de forma a nos aproximarmos dos dados evidenciados na literatura. Scorzafave e Pazello (2007) estimaram uma diferença salarial média entre homens e mulheres de 47% na década de 80 e paulatinamente decrescendo até a casa dos 20% no início dos anos 2000. Entretanto, de acordo com Madalozzo e Mauriz (2012), a diferença salarial para os quantis mais elevados de salário no Brasil - ao considerarmos pessoas com ensino superior completo - pode ultrapassar 50%. Esses dados são similares aos divulgados pelo Ministério do Trabalho - usando dados da RAIS 2016 - a respeito de um aumento na desigualdade salarial entre homens e mulheres com o incremento educacional. Enquanto homens e mulheres analfabetos tinham uma diferença salarial média de 16%, esse percentual subia para 36% quando comparávamos os salários de homens e mulheres com ensino superior ou mais. Dessa forma, para conseguirmos ter um panorama mais claro do potencial desincentivo à participação das mulheres no mercado de trabalho, optamos por ampliar nosso intervalo de análise de forma que abrangesse as diferenças salariais para diferentes grupos demográficos.

É possível que a maior queda observada entre os casais brancos se dê graças às diferentes características desses casais, que influenciam a maneira como reagem à diferença salarial. Na nossa amostra, os casais brancos abaixo da mediana são, por exemplo, significativamente mais ricos, mais instruídos (tanto o marido quanto a esposa) e mais velhos, além de terem menos filhos. Esse pode ser um dos motivos pelos quais as esposas nos demais casais reajam menos ao prêmio salarial de sexo: como o custo de oportunidade das esposas em casais brancos é maior (já que esperam receber salários maiores), além da menor obrigação de cuidar de filhos, então a variação do prêmio salarial, em termos absolutos (em R$) também é maior, de forma que a reação torna-se mais forte do que aquela observada para as outras mulheres.

Figura 3
Probabilidades marginais de esposas estarem ativas - Casais com renda abaixo da mediana de RFPC (Em porcentagem, de acordo com o prêmio salarial de sexo da esposa)

A Figura 4 traz a probabilidade de o marido estar ativo, dado o prêmio salarial de sexo estimado para a esposa. Observe como essa probabilidade pouco varia em função de mudanças no prêmio salarial, o que sugere uma baixa reação dos maridos às desvantagens das esposas no mercado de trabalho. Esse resultado está de acordo com o esperado: pelas condições sociais vigentes no Brasil e pela posição dessa família com relação à distribuição de renda no país (pessoas de baixa renda relativa), é esperado que os homens participem do mercado de trabalho independentemente de sua relação com os prêmios salariais.

Figura 4
Probabilidades marginais de maridos estarem ativos - Casais com renda abaixo da mediana de RFPC (Em porcentagem, de acordo com o prêmio salarial de sexo da esposa)

A Figura 5, por sua vez, ilustra a probabilidade conjunta de ambos os membros do casal estarem ativos como função do prêmio salarial de sexo da esposa. Observe como essa probabilidade é decrescente com o prêmio para os casais brancos, saindo de cerca de 50,1% para 41,4%, sugerindo um efeito líquido negativo do aumento da penalidade salarial de sexo, ao menos em se tratando da penalidade da esposa. Nota-se também que a probabilidade conjunta de um casal negro com renda familiar per capita abaixo da mediana estar ativo sofre queda de 48,9% para 43,8%, metade do resultado encontrado para casais brancos.

Também ilustra tal figura que a probabilidade conjunta de casais inter-raciais - nos quais o marido é branco e a esposa é negra - estarem ativos não varia de maneira estatisticamente significante em resposta a variações do prêmio salarial da esposa. Por fim, para casais com marido negro e esposa branca, a probabilidade conjunta de o casal estar ativo sofre um impacto negativo à medida que o prêmio salarial de sexo da esposa se eleva, saindo de 57,4% para 48,4%.

Naturalmente, tais resultados estão intimamente ligados às possíveis explicações discutidas para a Figura 4.24 24 Com a finalidade de checarmos a robustez dos resultados, também estimamos a resposta ao prêmio salarial de sexo do marido. Entretanto, suprimimos a apresentação desses resultados para manter o texto em um tamanho apropriado. Os autores disponibilizarão esses resultados sob demanda.

Figura 5
Probabilidades conjuntas de casais estarem ativos - Casais com renda abaixo da mediana de RFPC (Em porcentagem, de acordo com o prêmio salarial de sexo da esposa)

b. Resultados para casais de alta renda

i. Resposta ao prêmio salarial de sexo da esposa

A Figura 6 elucida que a probabilidade marginal de uma esposa “média” num casal branco de renda familiar per capita acima da mediana estar ativa cai de cerca de 83,2% para 79,4%, uma diferença bem menor do que aquela anteriormente notada para uma mulher num casal branco de renda mais baixa. Já para um casal inter-racial com marido negro e esposa branca, tal probabilidade é decrescente com o aumento do prêmio salarial de sexo da esposa: caindo de 89,% para 83,1%. Por fim, não se observou efeitos estatisticamente significantes para um casal com marido branco e esposa negra ou para um casal de negros.

Figura 6
Probabilidades marginais de esposas estarem ativas - Casais com renda acima da mediana de RFPC (Em porcentagem, de acordo com o prêmio salarial de sexo da esposa)

A Figura 7 ressalta a probabilidade marginal de o marido estar ativo, de acordo com o prêmio salarial de sexo de sua esposa. Observe que tais estimativas variam muito pouco e de maneira insignificante estatisticamente para todos os grupos étnicos, sempre transitando em torno de 98%. Novamente, esse resultado aponta para a persistência da participação dos homens no mercado de trabalho independentemente da relação própria ou da esposa com relação aos prêmios salariais. A princípio, esses resultados - inalteração da participação na força de trabalho por parte dos homens quando seus prêmios salariais relativos fossem diminuídos - podem soar contraintuitivos. Entretanto, é importante ressaltar dois fatores: o primeiro, que o efeito da diminuição do prêmio salarial de sexo do marido sobre a probabilidade de ele participar na força de trabalho não é significante estatisticamente. Segundo, e possivelmente mais importante, em uma sociedade que privilegia o trabalho masculino com relação ao feminino - e a existência de prêmios salariais positivos para o fato de ser homem aponta isso -, é natural que a participação dos homens no mercado de trabalho seja praticamente inalterada mesmo com a diminuição de seu prêmio salarial ou com relação a alterações do prêmio salarial de sua esposa. Afinal, sua participação no mercado de trabalho praticamente independe da escolha de sua parceira em um ambiente social de divisão de trabalho mais estrita, como ainda se verifica em nosso país.

Figura 7
Probabilidades marginais de maridos estarem ativos - Casais com renda acima da mediana de RFPC (Em porcentagem, de acordo com o prêmio salarial de sexo da esposa)

Os resultados líquidos são descritos na Figura 8 por meio da probabilidade conjunta de um casal “médio” estar ativo. Nota-se para o casal branco uma queda de 82% para 78,5%, relativamente mais modesta do que aquela que se observou preteritamente para o casal branco com renda familiar per capita abaixo da mediana. Também é perceptível a queda de 88,6% para 82,5% para o casal com marido negro e esposa branca. Finalmente, em se tratando do casal inter-racial, com marido branco e esposa negra, e do casal negro, não foram encontrados efeitos estatisticamente significativos.

Figura 8
Probabilidades conjuntas de casais estarem ativos - Casais com renda acima da mediana de RFPC (Em porcentagem, de acordo com o prêmio salarial de sexo da esposa)

c. Análise de política: e se a diferença salarial fosse eliminada?

Por fim, também realizamos uma análise dos efeitos da eliminação dos prêmios salariais de sexo do marido e da esposa sobre as probabilidades dos indivíduos da nossa amostra estarem ativos. Ou seja, calculamos a probabilidade de participação predita de cada indivíduo com seu prêmio e o prêmio do seu cônjuge (homem ou mulher), bem como a probabilidade predita caso ambos os prêmios fossem iguais a zero. Tais valores estão, respectivamente, nas colunas 1 e 2 das Tabelas 4 e 5 abaixo.25 25 É importante ressaltar que essas análises do efeito da diminuição dos prêmios salariais são significativas para a participação das esposas e também dos maridos no mercado de trabalho. Isso porque, diferente das figuras anteriores, estamos considerando dois efeitos: a redução do prêmio salarial de sexo da esposa e também do marido (e não apenas um deles), daí a divergência em relação aos resultados não significativos para os homens como mostramos anteriormente. Conforme citado, as condições sociais de divisão de trabalho entre os membros de um casal ainda privilegiam a participação dos homens no mercado de trabalho e, com isso, a escolha por parte deles é pouco influenciada pelas escolhas potenciais e individuais de suas esposas. Como mostra a Tabela 4, estima-se um ganho de cerca de 3,2 p.p. de probabilidade de participação de mulheres em casais com renda familiar per capita abaixo da mediana, ao lado de um ganho de 1,4 p.p. para os homens. Percebemos que os maiores ganhos de participação entre as mulheres se dão nos brancos: aproximadamente 5,4 p.p.; já para os homens, o maior ganho é de cerca de 2,5 p.p., também entre os casais brancos.

Tabela 4
Efeitos do prêmio salarial de sexo sobre a probabilidade de estar ativo para casais abaixo da mediana de RFPC

Conjuntamente, estima-se um ganho de taxa de participação dos casais de 3 p.p.; novamente, os maiores ganhos são para os casais brancos: cerca de 4,8 p.p. de aumento.

Já a Tabela 5 revela que, segundo nossas estimativas, as mulheres de renda mais alta aumentariam sua taxa de participação em cerca de 4,5 p.p., na média, ao se eliminar os prêmios salariais de sexo delas e dos maridos, resultado 1,3 p.p. maior do que aquele observado para mulheres de baixa renda. Neste caso, observamos que os maiores ganhos são para as mulheres estão nos casais com marido negro e esposa branca: 5,8 p.p. aproximadamente.

Para homens, estimamos uma redução da taxa de participação em cerca de 0,2 p.p., com as maiores perdas entre os homens em casais brancos: 0,6 p.p., aproximadamente. Conjuntamente, espera-se um ganho de participação dos casais com renda familiar per capita acima da mediana de cerca de 4,1 p.p.; novamente, os maiores aumentos se dão em casais com marido negro e esposa branca: 5,7 p.p. na média.

Tabela 5
Efeitos do prêmio salarial de sexo sobre a probabilidade de estar ativo para casais acima da mediana de RFPC

5. Conclusão

Este artigo buscou estudar os impactos da discriminação de sexo, medida pelo prêmio salarial de sexo, sobre a empregabilidade e a taxa de participação das mulheres nos estados brasileiros. Utilizando dados das PNADs Contínuas de 2012.I a 2018.IV, estimamos o prêmio salarial de sexo pela metodologia de Oaxaca-Blinder (ver Oaxaca 1973Oaxaca, R. 1973. “Male-female wage differentials in urban labor markets”. International Economic Review 14, no.3: 693-709., e Blinder 1973), incorporando o tratamento de resíduos introduzido por Juhn, Murphy e Pierce (ver Juhn, Murphy e Pierce 1993Juhn, C., K. M. Murphy, and B. Pierce. 1993. “Wage inequality and the rise in returns to skill”. Journal of Political Economy 101, no.3: 410-442.) e corrigindo o viés de seleção via correção de Heckman (ver Heckman 1979Heckman, J. J. 1979. “Sample selection bias as a specification error”. Econometrica 47, no.1: 153-161.). Em seguida, com o uso de um probit bivariado, estimamos os efeitos da discriminação de sexo sobre a inserção de homens e mulheres no mercado de trabalho.

Em face aos nossos resultados, é possível chegar a ilações interessantes sobre a dinâmica da diferença salarial contra as mulheres e seus impactos sobre o mercado de trabalho no Brasil. Em geral, obtivemos evidências de que a penalidade salarial de sexo da esposa parece ter impactos negativos sobre a probabilidade marginal das esposas estarem ativas, com resultados na maioria das vezes nulos sobre a probabilidade de participação dos maridos. Já o prêmio salarial de sexo do marido tem efeitos mistos, a depender de qual grupo étnico e de renda se observa: para os mais pobres, aumentos do prêmio salarial de sexo do marido parecem ter efeitos nulos sobre a probabilidade marginal das esposas estarem ativas; por outro lado, para todos os casais de renda alta, observou-se impacto negativo do prêmio salarial de sexo do marido sobre a decisão de participação das esposas.

Por sua vez, os efeitos líquidos sobre a taxa de participação total, levando em conta também o impacto da diferença de remuneração entre homens e mulheres sobre a participação dos homens, bem como o comportamento conjunto da taxa de participação de homens e mulheres, parecem apontar para um ganho em termos de participação no mercado de trabalho caso a discriminação de sexo seja reduzida, especialmente aquela contra as mulheres. Por outro lado, encontramos que, caso a diferença salarial a favor dos homens fosse reduzida, haveria ganhos de participação conjunta apenas de casais de alta renda.

Argumentamos que as diferentes reações dos casais às variações do prêmio salarial podem estar relacionadas às diferenças nas características desses casais. Casais que mais reagem a variações da diferença salarial são, em geral, mais velhos, mais instruídos e têm menos filhos. Também se pode dizer que, nesses casais, as esposas podem se permitir afetar pelo prêmio salarial de sexo do marido, por não haver tanta necessidade financeira de que tenha que trabalhar, reduzindo sua taxa de participação, como encontrado.

Realizamos estimativas para a variação da taxa de participação de homens e mulheres da nossa amostra caso fossem eliminados os prêmios salariais de sexo dos maridos e das esposas. Encontramos que, em tal cenário, haveria ganhos de cerca de 4,5 p.p. de taxa de participação de mulheres ricas, junto a ganhos de 3 p.p. de taxa de participação de mulheres pobres, com os maiores ganhos se dando entre mulheres em casais mais ricos nos quais o marido é negro e a esposa é branca, tal como em casais brancos mais pobres. Entre os homens, estimamos um ganho de 1,4 p.p. para os mais pobres, e uma modesta perda de 0,2 p.p. para os mais ricos, com as maiores perdas se dando entre homens em casais brancos mais ricos e os maiores ganhos também entre homens em casais branco, mas pobres.

Finalmente, espera-se ganhos de cerca de 4,1 p.p. de participação conjunta entre casais ricos, aliados a um aumento de 3 p.p. de participação entre casais mais pobres. Outra vez, os maiores aumentos são observados entre os casais nos quais o marido é negro e a esposa é branca. Considerando que, na nossa amostra final, cerca de 35% dos casais mais pobres e 74,4% dos casais mais ricos participavam conjuntamente da força de trabalho, os ganhos de participação conjunta aqui estimados gerariam aumentos de 8,5% de participação para casais pobres e 5,5% para casais ricos, um resultado considerável.

Conduzimos as mesmas análises para indivíduos solteiros, onde encontramos um impacto negativo do prêmio salarial de sexo sobre a probabilidade de participação para brancos (homens e mulheres) pobres, bem como para mulheres brancas ricas. Nossa análise de política sugere pequenos ganhos de participação para homens (0,6 p.p.) e mulheres (0,3 p.p.) pobres, um ganho de 1 p.p. para mulheres ricas e uma perda de 0,4 p.p. para homens ricos, com ganhos mais expressivos entre brancos (homens e mulheres) pobres e perdas mais sensíveis entre mulheres negras pobres.

Ao analisarmos indivíduos sem filhos, observamos impactos negativos do prêmio salarial para mulheres em casais brancos e negros, mas não para mulheres em casais inter-raciais, resultados semelhantes, inclusive em magnitude, aos encontrados para mulheres pobres, sugerindo que a presença filhos, embora possa ajudar a explicar diferenças de taxa de participação, não exaure completamente tais justificativas.

Tais achados estão em linha com a hipótese de Ferber, Blau e Winkler (2013Blau, F. D., Ferber, M. A., & Winkler, A. E. 2013. The economics of women, men and work. Pearson Higher Ed.), de que a diferença salarial entre os sexos tem um efeito promotor sobre a taxa de participação das mulheres; particularmente interessante é que o efeito dissuasório do aumento do prêmio salarial de sexo dos maridos se dê apenas entre os grupos de baixa renda.

O argumento fulcral aqui é que, à medida que uma mulher percebe que suas expectativas de ganhos são significativamente inferiores à de sua contraparte masculina, ela se sente desestimulada a inserir-se no mercado de trabalho, de forma que os custos desse desestímulo podem vir a ser extremamente suntuosos.

A principal contribuição à literatura é trazer evidências de que as diferenças salariais entre os sexos diminuem os incentivos ao trabalho, principalmente por parte das mulheres, e podem representar custos expressivos em termos de bem-estar para a sociedade. Ademais, catalogamos o nível e a evolução da diferença salarial entre sexos no Brasil entre 2012 e 2018, bem como as diversas variáveis que explicam tal diferencial.

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  • O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
  • JEL Classification

    J16. J22. J31.
  • 1
    Tais mudanças incluíam, principalmente, programas para conciliar a família com o trabalho, além de creches e outras localidades para cuidado das crianças.
  • 2
    O autor destaca que algumas dessas mudanças beneficiaram os maridos, ao passo que outras beneficiaram as esposas. As primeiras, segundo ele, reduziram a taxa de participação das mulheres, enquanto as segundas a elevaram.
  • 3
    Mais sobre a influência dos papeis de gênero na escolha das mulheres com relação à participação no mercado de trabalho em Bertrand (2019), Ferber (1982) e Fortin (2015).
  • 4
    Em particular, um emprego full-time e formal. Eckstein e Wolpin (1989) também apontam sobre a endogeneidade da experiência de trabalho prévio na participação de mulheres casadas no mercado de trabalho, mesmo com a presença de filhos.
  • 5
    Para o caso brasileiro, ver Madalozzo (2010). Para documentação do efeito de diferenças salariais entre homens e mulheres para países específicos, ver Cook et al (2018), Waldfogel (1998) e Kleven, Landais e Sogaard (2018).
  • 6
    Por sugestão de um parecerista e como um teste de robustez de nossos resultados, estimamos todos os modelos para pessoas solteiras e para casais sem filhos. Os resultados se encontram nos Anexo I a IV e são consonantes com os resultados principais do artigo.
  • 7
    Os autores, ainda, observaram que, por parte do avaliador, tal viés existe tanto para avaliadores homens, quanto mulheres.
  • 8
    Mesmas ocupações dentro das mesmas firmas.
  • 9
    Conforme alertado na nota de rodapé número 4, concentraremos nossa análise e interpretação para casais. Entretanto, estatísticas e resultados para indivíduos solteiros, bem como especificamente para casais sem filhos, estão no Anexo I.
  • 10
    Exponenciamos as estimativas e subtraímos 1 para termos a medida em % exata.
  • 11
    Embora tenhamos incluído análises sobre casais sem filhos e indivíduos - de ambos os sexos - solteiros no Anexo I, neste artigo não usamos como amostra os casais homossexuais. Eles exigiriam uma análise à parte - devido a características do ponto de vista de normas sociais, inclusive - que tornariam ainda mais extenso este artigo. Entretanto, acreditamos que a análise futura desses casais pode ser de substancial interesse para a pesquisa acadêmica. Estudos como Badgett e Folbre (2003), Ash e Badgett (2006), Badgett, Nezhad, Waaldijk e Meulen (2014) são excelentes fontes para a melhor compreensão das diferentes (e semelhantes) dinâmicas entre casais homossexuais e heterossexuais.
  • 12
    A pesquisa acompanha os indivíduos por apenas cinco trimestres, uma janela muito curta; desse modo, não observaríamos muitas variações na grande maioria das nossas covariadas (e, para algumas, como etnia, por exemplo, não observaríamos variação alguma), de forma que não seria possível estimar os coeficientes para tais covariadas. Sendo assim, optamos por não utilizar a estrutura em painel da PNAD Contínua, e mantivemos apenas a última entrevista de cada indivíduo na amostra.
  • 13
    Foi necessária a imputação de valores para os casos em que homens e/ou mulheres não estavam recebendo salário (seja por não participarem do mercado de trabalho ou por estarem desocupados no período da entrevista). Essas pessoas não tinham um valor de remuneração para calcularmos o prêmio salarial. Entretanto, elas são vitais para nosso objetivo de inferir a relação entre prêmio salarial e participação no mercado de trabalho.
  • 14
    Todas as tabelas de regressão estão disponíveis sob solicitação.
  • 15
    Como estamos trabalhando com casais, as variáveis para os homens são apenas um “espelho” dos valores das mulheres. Logo, optamos por apresentar apenas as tabelas para os homens.
  • 16
    As variáveis “salário por hora como homem” e “salário por hora como mulher” são definidas como na Equação (12). Já variáveis “próprias” e “do cônjuge” indicam o valor de tal variável para o marido e para sua esposa, respectivamente.
  • 17
    Lembrando, parte desses valores foram imputados para considerarmos em nossa amostra pessoas - homens e mulheres - inativos (não participando da força de trabalho ou não empregados no momento da entrevista).
  • 18
    Essas variáveis são as mesmas utilizadas no probit bivariado.
  • 19
    Na Tabela 3, usamos os pesos amostrais da PNAD-C e optamos por utilizar a decomposição pooled.
  • 20
    e0,45 - 1.
  • 21
    e0,37 - 1.
  • 22
    e0,21 - 1.
  • 23
    Utilizamos o intervalo de -40% a +40% no prêmio salarial para ser homem de forma a nos aproximarmos dos dados evidenciados na literatura. Scorzafave e Pazello (2007) estimaram uma diferença salarial média entre homens e mulheres de 47% na década de 80 e paulatinamente decrescendo até a casa dos 20% no início dos anos 2000. Entretanto, de acordo com Madalozzo e Mauriz (2012), a diferença salarial para os quantis mais elevados de salário no Brasil - ao considerarmos pessoas com ensino superior completo - pode ultrapassar 50%. Esses dados são similares aos divulgados pelo Ministério do Trabalho - usando dados da RAIS 2016 - a respeito de um aumento na desigualdade salarial entre homens e mulheres com o incremento educacional. Enquanto homens e mulheres analfabetos tinham uma diferença salarial média de 16%, esse percentual subia para 36% quando comparávamos os salários de homens e mulheres com ensino superior ou mais. Dessa forma, para conseguirmos ter um panorama mais claro do potencial desincentivo à participação das mulheres no mercado de trabalho, optamos por ampliar nosso intervalo de análise de forma que abrangesse as diferenças salariais para diferentes grupos demográficos.
  • 24
    Com a finalidade de checarmos a robustez dos resultados, também estimamos a resposta ao prêmio salarial de sexo do marido. Entretanto, suprimimos a apresentação desses resultados para manter o texto em um tamanho apropriado. Os autores disponibilizarão esses resultados sob demanda.
  • 25
    É importante ressaltar que essas análises do efeito da diminuição dos prêmios salariais são significativas para a participação das esposas e também dos maridos no mercado de trabalho. Isso porque, diferente das figuras anteriores, estamos considerando dois efeitos: a redução do prêmio salarial de sexo da esposa e também do marido (e não apenas um deles), daí a divergência em relação aos resultados não significativos para os homens como mostramos anteriormente. Conforme citado, as condições sociais de divisão de trabalho entre os membros de um casal ainda privilegiam a participação dos homens no mercado de trabalho e, com isso, a escolha por parte deles é pouco influenciada pelas escolhas potenciais e individuais de suas esposas.
  • 26
    e 0,46 − 1
  • 27
    e 0,40 − 1
  • 28
    e 0,37 − 1
  • 29
    e 0,31 − 1

Anexo I

A Tabela A1 mostra as estatísticas descritivas para homens e mulheres solteiros, situação de atividade. Vemos que, na média, os solteiros são mais novos do que os casados (informações da Tabela 2), têm renda familiar per capita menor e têm menos crianças, particularmente crianças com idade entre 6 e 12 anos. O padrão de anos de educação também é bem parecido: os ativos têm mais anos de educação do que os inativos, com destaque para as mulheres ativas, com mais de 10 anos de educação.

Tabela A1
Estatísticas descritivas para solteiros, por sexo e situação de atividade

Anexo II

Também realizamos uma para homens e mulheres com e sem filhos, cujos resultados estão na TabelaA2. Observamos que a diferença salarial de sexo é maior para indivíduos com filhos: cerca de 58,4%26 26 e 0,46 − 1 , em 2012, e reduzindo-se para 49,2%27 27 e 0,40 − 1 , em 2018. Já para os indivíduos sem filhos, estimou-se um prêmio salarial de cerca de 44,8%28 28 e 0,37 − 1 , reduzindo-se para 36,3%29 29 e 0,31 − 1 em 2018, sugerindo que, embora importante (e isso está em linha com Kleven 2018), a presença de filhos não explica totalmente a diferença salarial.

Poder-se-ia perguntar por que não incluímos as variáveis de filhos nas regressões principais, já que, pelo exercício da Tabela A2, mostraram-se importantes para entender o prêmio salarial. A explicação é que, caso o fizéssemos, estaríamos, justamente, “explicando” a diferença salarial através de um atributo não produtivo.

Tabela A2
Diferença salarial de sexo ajustada pelo viés de seleção (Em pontos de log)

Anexo III

Resultados para solteiros de baixa renda

A Figura A3.1 traz a probabilidade de indivíduos solteiros de baixa renda estarem ativos, de acordo com o prêmio salarial de sexo estimado. Veja como se estima uma queda de probabilidade de participação para homens brancos, de 75,7% para 71%, bem como uma redução de 74,2% para 67,9% para mulheres brancas, ao passo que os resultados para negros não apresentaram variações estatisticamente significativas.

Figura A3.1
Probabilidades marginais de solteiros estarem ativos - Indivíduos com renda abaixo da mediana de RFPC (Em porcentagem, de acordo com o prêmio salarial de sexo)

Resultados para solteiros de alta renda

Figura A3.2
Probabilidades marginais de solteiros estarem ativos - Indivíduos com renda acima da mediana de RFPC (Em porcentagem, de acordo com o prêmio salarial de sexo)

A Figura A3.2 ilustra os resultados para indivíduos solteiros de alta renda. Veja como a probabilidade de estar ativo parece ser insensível às mudanças no prêmio salarial de sexo, excetuando as mulheres brancas, cuja probabilidade cai de 94% para 92,3%, resultado diferente do que encontramos para indivíduos casados de alta renda.

Anexo IV

A seguir, realizamos uma análise das probabilidades apenas para mulheres sem filhos, a fim de averiguar se a presença de crianças constitui mudança importante na reação das mulheres ao prêmio (ou penalidade) salarial de sexo.

Resultados para mulheres sem filhos casadas

Ao analisarmos a resposta da participação das esposas a aumentos do prêmio salarial de sexo próprio, resultados ilustrados na Figura A4.1, observamos que os resultados são significantes apenas para mulheres em casais brancos, que observam sua probabilidade cair de 78,8% para 70,2%, e para mulheres em casais negros, nos quais a probabilidade cai de 69,9% para 65,3%, padrão semelhante àquele que encontramos quando analisamos todas as mulheres conjuntamente, especialmente as mais pobres.

Figura A4.1
Probabilidades marginais de esposas estarem ativas - Casais sem filhos (Em porcentagem, de acordo com o prêmio salarial de sexo da esposa)

Resultados para mulheres sem filhos solteiras

Os resultados para mulheres solteiras sem filhos sugerem que apenas as mulheres brancas reagem de forma significativa às mudanças do prêmio salarial, com a probabilidade se reduzindo de 72% para 64%, como mostra a Figura A4.2.

Figura A4.2
Probabilidades marginais de solteiras estarem ativos - Mulheres sem filhos (Em porcentagem, de acordo com o prêmio salarial de sexo)

A seguir, trazemos os resultados da análise de política para os solteiros. Pela Tabela A4.1, observamos um ganho médio de participação de 0,3 p.p. para mulheres pobres e 0,6 p.p. para homens pobres, com os brancos aumentando sua participação e os negros reduzindo. Vale destacar o aumento estimado de 2,5 p.p. da participação de mulheres brancas, bem como a redução de 0,9 p.p. da participação das mulheres negras.

Tabela A4.1
Efeitos do prêmio salarial de sexo sobre a probabilidade de estar ativo para solteiros

Finalmente, para os solteiros ricos, vemos na Tabela A4.2 que se estimou um ganho médio de 1p.p. para mulheres ricas, puxado pelo ganho de 1,3 p.p. para mulheres brancas, e uma perda de 0,4 p.p. para homens ricos, igual para brancos e negros.

Tabela A4.2
Efeitos do prêmio salarial de sexo sobre a probabilidade de estar ativo para solteiros acima da mediana de RFPC

Editor responsável:

Marcos Yamada Nakaguma

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2021

Histórico

  • Recebido
    07 Out 2019
  • Aceito
    08 Nov 2020
Departamento de Economia; Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP) Av. Prof. Luciano Gualberto, 908 - FEA 01 - Cid. Universitária, CEP: 05508-010 - São Paulo/SP - Brasil, Tel.: (55 11) 3091-5803/5947 - São Paulo - SP - Brazil
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