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A armadilha da sobreeducação no primeiro emprego: evidências para o Brasil

Resumo

Este estudo centra-se na análise das condições sobre as quais trabalhadores brasileiros têm sido identificados como sobreeducados em seus primeiros empregos, bem como na probabilidade de permanecerem com esse status nos anos de 2006 e 2015. Busca-se também investigar os diferenciais de efeitos entre trabalhadores inicialmente sobreeducados, mas que foram primeiramente engajados em empresas com capacidade produtivas diferenciadas. São considerados sobreeducados os trabalhadores que desempenham funções que exigem abaixo de seu nível de escolaridade. Informações provenientes da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) e da Classificação Brasileira das Ocupações (CBO) de 2002 alimentaram um modelo probit bivariado recursivo que permitiu a realização empírica do estudo. Os resultados mostram que o status de sobreeducação no primeiro emprego em 2006 aumenta em 43,6% a probabilidade de o trabalhador repetir a mesma incompatibilidade no emprego em 2015. Além disso, trabalhadores sobreeducados aceleram suas transições para empregos condizentes ao engajarem o primeiro emprego em empresas de grande porte.

Palavras-chave:
Sobreeducação; Trabalhadores Brasileiros; Primeiro Emprego

Abstract

This study focuses on analyzing the conditions under which Brazilian workers have been identified as overeducated in their first job, as well as the probability of remaining with this status (Overeducated) in the years 2006 and 2015. It also seeks to investigate the differentials in effects between workers who are initially overeducated but who were first engaged in firms with differentiated productive capacity. Overeducated workers are those who perform jobs that require less than their level of education. Information from the Annual Social Information Report (RAIS) and the 2002 Brazilian Classification of Occupations (CBO) fed a recursive bivariate probit model that allowed the empirical conduct of the study. The results show that overeducated status in the first job in 2006 increases by 43.6% the probability that the worker repeats the same mismatch in the job in 2015. Moreover, overeducated workers accelerate their transitions to matching jobs by engaging their first job in large firms.

Keywords:
Over-education; Brazilian workers; First job

1. Introdução

Muitas são as dificuldades enfrentadas por aqueles que buscam a primeira oportunidade de emprego, e a falta de experiência parece ser um dos principais obstáculos presentes nesse processo de inserção. De acordo com Monte, Araújo e Lima (2007Monte, P. A., T. P. Araújo e R. A. Lima. 2007. “Primeiro Emprego e Reemprego: Análise de Inserção Ocupacional e Duração do Desemprego no Brasil Metropolitano”. Economia e Desenvolvimento 7, no. 1: 139-177.), mesmo com maiores níveis de escolaridade, os jovens que estão à procura do primeiro emprego têm menos chance de serem empregados quando comparados aos que buscam o reemprego. Frente a esses desafios, a possibilidade desses aceitarem a primeira atividade laboral em ocupações que exigem abaixo de suas qualificações aumenta, criando um ambiente propício ao surgimento de trabalhadores sobreeducados.

Os trabalhadores que apresentam escolaridade além daquela considerada necessária para o desempenho adequado de suas funções, em uma dada ocupação, serão sobreeducados. Os profissionais que se encontram nessa situação normalmente auferem menores salários (Annegues e Souza 2020Annegues, A. C. e W.P.S.F. Souza. 2020. “Retorno Salarial do Overeducation: Viés de Seleção ou Penalização ao Excesso de Escolaridade?” Revista Brasileira de Economia 74, no. 2: 119-138., Reis 2015Reis, M. 2015. “Overeducation, undereducation and labor earnings in Brazil: a panel data analysis”, Rede de Economia Aplicada, Working Paper 87., Allen e Van der Velden 2001Allen, J. e Van der Velden, R. 2001. “Educational mismatches versus skill mismatches: Effects on wages, job satisfaction, and on-the-job search”. Oxford Economic Papers 3: 434-452., Duncan e Hoffman 1981Duncan, G. e S.D. Hoffman. 1981. “The Incidence and Wage Effects of Overeducation”. Economics of Education Review 1, no. 1: 75-86.), são menos produtivos (Tsang 1987Tsang, M. C. 1987. “The Impact of Underutilization of Education on Productivity: A Case Study of the U.S. Bell Companies”. Economics of Education Review 6, no.3: 239-254.), menos satisfeitos com o trabalho e mais propensos a procurar por novas oportunidades de emprego (Allen e Van der Velden 2001), quando comparados aos que se encontram adequadamente alocados no mercado de trabalho, ou seja, engajados em empregos coerentes com a sua formação.

Sob a perspectiva da hipótese de mobilidade de carreira, os trabalhadores podem experimentar status de sobreeducação nos estágios iniciais de sua carreira profissional com o intuito de adquirir treinamentos e novas habilidades, muitas vezes transferíveis a ocupações que exigem maiores qualificações, e então migram para um emprego de melhor correspondência (Robst 1995Robst, J. 1995. “College quality and overeducation”. Economics of Education Review 14, no.3: 221-228., Sicherman 1991Sicherman, N. 1991. “Overeducation” in the Labour Market. Journal of Labour Economics 9, no.2: 101-122.). Nesse sentido, o excesso de educação seria apenas um problema de curto prazo, podendo ser eliminado via mobilidade ocupacional. Todavia, pesquisas recentes revelam que a experiência de sobreeducação no início da vida profissional poderá prejudicar a qualidade das correspondências de emprego futuras (Acosta-Ballesteros et al. 2018Acosta-Ballesteros J., M. P. Osorno-del Rosal e O. M. Rodríguez-Rodríguez. 2018. “Overeducation of Young Workers in Spain: How Much Does the First Job Matter?”. Social Indicators Research 138: 109-139. https://doi.org/10.1007/s11205-017-1643-z.
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, Meroni e Vera-Toscano 2017Meroni, E. C. e E. Vera-Toscano. 2017. “The persistence of overeducation among recente graduates”. Labour Economics 48: 120-143., Baert, Cockx e Verhaest 2013Baert, S., B. Cockx e D. Verhaest. 2013. “Overeducation at the start of the career: stepping stone or trap?”. Labour Economics 25: 123-140.).

Como enfatizado por Allen e Van der Velden (2001Allen, J. e Van der Velden, R. 2001. “Educational mismatches versus skill mismatches: Effects on wages, job satisfaction, and on-the-job search”. Oxford Economic Papers 3: 434-452.), o status de sobreeducação pode gerar uma subutilização da capacidade produtiva dos trabalhadores, impondo-lhes um limite sobre a aplicação de suas habilidades. Nesse sentido, se os sobreeducados não colocarem em prática as habilidades adquiridas ao longo de sua formação, eles podem não ser capazes de mantê-las e muito menos de aperfeiçoá-las com o tempo, estando sujeito à deterioração de seu capital humano. Se o capital humano não utilizado pelos trabalhadores sobreeducados no emprego se depreciar com o não uso, é possível que o processo de transição para o emprego condizente seja prejudicado.

Torna-se evidente que a carreira profissional dos indivíduos pode ser afetada pelas decisões tomadas quando jovens, no início da carreira, uma vez que uma má correspondência entre a educação adquirida por estes e a que é requerida pela ocupação, poderá reduzir as chances de se conseguir melhores posições de emprego nos anos seguintes. Além disso, vale destacar que, além de perdas individuais geradas pelo baixo retorno à educação, essa incompatibilidade educacional poderá resultar em custos à sociedade, não somente por conta da baixa produtividade de trabalhadores subempregados (Tsang 1987Tsang, M. C. 1987. “The Impact of Underutilization of Education on Productivity: A Case Study of the U.S. Bell Companies”. Economics of Education Review 6, no.3: 239-254.), mas também devido à necessidade de financiar uma parcela significativa da qualificação desses profissionais por meio de recursos públicos. Assim, uma maior atenção deve ser dada não somente à inserção e permanência do jovem no mercado de trabalho, mas, principalmente, à qualidade dessa entrada, pois uma melhor alocação inicial da mão de obra poderá melhorar as alocações futuras, além de proporcionar maiores retornos à produtividade econômica em virtude da melhor utilização do estoque de capital humano.

No Brasil, a partir de 2002, houve um crescimento significativo no número de instituições de ensino superior (IES), decorrente do desenvolvimento e implantação de programas educacionais com ênfase na expansão do ensino universitário. De acordo com informações do Censo da Educação Superior, a quantidade de IES no Brasil aumentou de 2.165, no ano de 2005, para 2.364, em 2015, o que corresponde a um crescimento de 9,2%. Também foi verificado um incremento de 60,2% no número de concluintes de cursos de graduação durante esse mesmo período.

Pesquisas mostram que além de melhorar a escolaridade média da população de trabalhadores brasileiros, o processo de expansão do ensino superior também contribuiu para o aumento do nível de renda, do salário e das taxas ocupacionais (Rocha et al. 2017Rocha, R. H., N. Menezes Filho, A. P. Oliveira e B.K. Komatsu. 2017. “A relação entre o ensino superior público e privado e a renda e emprego nos municípios brasileiros”. Pesquisa e Planejamento Econômico 47, no. 3: 39-69.). Apesar desses avanços, a demanda por esses profissionais de maior qualificação parece não ter crescido no mesmo ritmo de sua oferta (Pauli, Nakabashi e Sampaio2012Pauli, R. C., L. Nakabashi e A.V. Sampaio. 2012. “Mudança estrutural e mercado de trabalho no Brasil”. Revista de Economia Política 32, no.3: 459-478.), gerando-se, assim, um ambiente propício ao surgimento de trabalhadores com excesso de escolaridade.

Com o aumento da oferta de trabalhadores com formação universitária sem o acompanhamento da demanda por esses profissionais de maior qualificação pelo mercado de trabalho, os graduados poderão aceitar vagas de emprego que deveriam ser ocupadas por trabalhadores menos qualificados, podendo contribuir para o aumento da participação de pessoas sobreeducadas na força de trabalho brasileira. Com isso, este trabalho considera como sobreeducado apenas os indivíduos com ensino superior que atuam em ocupações que exigem abaixo desse nível de escolaridade.

Diante do exposto, este estudo tem como objetivo analisar o efeito do graduado aceitar o primeiro emprego sobreeducado, no ano de 2006, sobre a probabilidade de este repetir a mesma incompatibilidade educacional no emprego de 2015. Para isso, será utilizado um modelo probit bivariado recursivo, o qual permite capturar o efeito da correspondência de emprego incial na qualidade das correspondências posteriores, levando em consideração a natureza endógena da incidência de sobreeducação no primeiro emprego.

Tendo em vista que, além da mobilidade entre firmas, a escolaridade excessiva também pode ser eliminada por meio da promoção no trabalho (Groeneveld e Hartog 2004Groeneveld, S. e J. Hartog. 2004. “Overeducation, wages and promotions within the firm”. Labour Economics 11: 701-714.), busca-se também averiguar se o efeito de aceitar uma primeira incompatibilidade educacional difere ente os trabalhadores inicialmente sobreeducados que tiveram início de carreira em empresas de diferentes tamanhos, até então não investigado pela literatura. Como enfatizado por Morano (2014Morano, C. P. 2014. “The determinants of overeducation: Evidence from the Italian labour Market”. Investigaciones de Economía de la Educación 9: 681-698.), as empresas de maior porte possuem maior disponibilidade de cargos que permite realocar internamente, com mais facilidade, os trabalhadores cujo capital humano está sendo subutilizado. Assim, é possível que as chances de promoção sejam maiores em empresas de grande porte do que em empresas menores. Nesse sentido, espera-se que a probabilidade de sair do estado de sobreeducação seja mais elevada para os trabalhadores que aceitaram o primeiro emprego em empresas de maior porte.

Visando atingir os objetivos propostos, será utilizada uma base de dados longitudinal, extraída da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), identificada para os anos de 2006 e 2015, que permite acompanhar o trabalhador durante esse período, após ingressar pela primeira vez no mercado de trabalho formal, até então não observada em outros trabalhos no Brasil sobre o tema. Informações provenientes da Classificação Brasileira das Ocupações (CBO) de 2002 também serão consideradas a fim de identificar as ocupações que exigem o ensino superior e as que demandam abaixo desse nível, para então construir o indicador de incompatibilidade de educação.

Além dessa introdução, este estudo é formado por mais quatro capítulos. No segundo, será realizada uma revisão dos estudos empíricos que versam sobre esta temática. No terceiro, será apresentada a estratégia econométrica, fonte de dados utilizada na pesquisa, além das variáveis consideradas na análise empírica. Os resultados descritivos e econométricos estão presentes no quarto capítulo, seguido pelas considerações finais do trabalho.

2. Revisão de Literatura

As primeiras investigações empíricas a respeito da incompatibilidade entre a educação atingida e a que é requerida pela ocupação surgem na década de 1970 nos Estados Unidos, com as contribuições de Freeman (1976Freeman, R. 1976. The overeducated American. Cambridge: Academic Press.) e Smith e Welch (1978Smith, J. P. e F. Welch. “The Overeducated American? A Review Article”. 1978.), motivadas inicialmente pela preocupação com o crescimento da oferta de trabalhadores qualificados seguido por queda nos retornos à educação de nível superior.

Nas últimas décadas, diversos pesquisadores dedicaram esforços para compreender as causas e consequências da escolaridade excedente no mercado de trabalho. Em termos gerais, as pesquisas científicas apontam que a probabilidade do indivíduo aceitar trabalho em ocupações que exigem abaixo de suas qualificações pode ser influenciada tanto por características individuais e ocupacionais quanto por fatores macroeconômicos (Liu, Salvanes e Sørensen 2016Liu, K., K. G. Salvanes, G e E. Ø. Sørensen. 2016. “Good skills in bad times: Cyclical skill mismatch and the long-term effects of graduating in a recession”. European Economic Review 84: 3-17., Morano 2014Morano, C. P. 2014. “The determinants of overeducation: Evidence from the Italian labour Market”. Investigaciones de Economía de la Educación 9: 681-698., Vianna e Oliveira 2010Vianna, C. H. e A. M. H. C. Oliveira. 2010. “Sobre-escolarização nas ocupações brasileiras: uma análise dos efeitos de idade, período e coorte”. In: Anais do Encontro Nacional de Economia. Salvador, 2010.).

Morano (2014Morano, C. P. 2014. “The determinants of overeducation: Evidence from the Italian labour Market”. Investigaciones de Economía de la Educación 9: 681-698.), por exemplo, em um estudo para o mercado de trabalho da Itália, mostra que a qualidade da correspondência do emprego cresce com a idade, sugerindo que os trabalhadores mais jovens, bem como os de primeiro emprego, são mais propensos a serem excessivamente educados. Como destacado pelo autor, é possível que a incidência de sobreeducação seja mais forte em trabalhadores jovens porque os recrutadores podem muito bem compensar sua baixa experiência de trabalho com escolaridade adicional. Ainda em relação aos fatores individuais, seus resultados indicam que os trabalhadores do sexo masculino, casados, que desempenham suas funções em empresas de pequeno porte, ou que obtiveram diploma em áreas menos específicas, assumem maiores riscos de terem um perfil de educação além do requerido pelo emprego. Também encontra evidências de uma relação positiva entre desemprego e excesso de escolaridade para trabalhadores com menos de 25 anos.

Liu, Salvanes e Sørensen (2016Liu, K., K. G. Salvanes, G e E. Ø. Sørensen. 2016. “Good skills in bad times: Cyclical skill mismatch and the long-term effects of graduating in a recession”. European Economic Review 84: 3-17.) também encontram evidências de que as condições cíclicas do mercado afetam as trajetórias de carreira dos indivíduos. A partir de informações longitudinais de graduados noruegueses, os autores descobrem que o aumento de um ponto percentual na taxa de desemprego aumenta a probabilidade de sobreeducação em 3,4%. De fato, o mau desempenho do mercado de trabalho poderá limitar as oportunidades de emprego, fazendo com que alguns trabalhadores aceitem trabalho em ocupações não condizentes com os seus níveis de escolarização ou permaneçam desempregados por um período de tempo mais elevado.

Pesquisadores também apontam a baixa qualidade da educação recebida como determinante da experiência de sobreeducação no mercado ocupacional. Robst (1995Robst, J. 1995. “College quality and overeducation”. Economics of Education Review 14, no.3: 221-228.), a partir de informações extraídas do Panel Study of Income Dynamics (PSID), e da análise de regressão probit multinomial, encontra uma relação negativa entre qualidade do ensino e riscos de sobreeducação nos Estados Unidos, sugerindo que as chances de se conseguir uma melhor correspondência de emprego são maiores para os graduados que receberam uma educação de melhor qualidade.

Em estudo recente para o Brasil, Reis (2020Reis, M. C. Os Ensinos público e privado no Brasil e a incidência de sobre-educação no mercado de trabalho. Brasília: Ipea, 2020 (Texto para Discussão, n. 2558).) também chega à mesma conclusão. Explorando as diferenças de qualidade ente as instituições pública e particular, o autor analisa, a partir de dados do suplemento sobre educação da PNAD Contínua de 2016, como essas redes de ensino influenciam a probabilidade de excesso de educação. Considerando os indivíduos com ensino médio completo, seus resultados revelam que os egressos de escolas privadas, que geralmente apresentam um ensino de melhor qualidade nesse nível educacional, são menos propensos a serem empregados em ocupações que exigem aquém de suas escolaridades quando comparados aos que concluíram o ensino médio em escolas públicas. Já para os trabalhadores com formação superior, o contrário se verifica. Os que se formaram em universidades públicas, em média, melhores que as privadas, assumem menor probabilidade de serem sobreeducados.

As consequências desse fenômeno sobre os rendimentos salariais (Annegues e Souza 2020Annegues, A. C. e W.P.S.F. Souza. 2020. “Retorno Salarial do Overeducation: Viés de Seleção ou Penalização ao Excesso de Escolaridade?” Revista Brasileira de Economia 74, no. 2: 119-138., Reis 2018Reis, M. 2018. “Measuring the mismatch between field of study and occupation using a task-based approach”. Journal for Labour Market Research 52, no. 1: 1-15. https://doi.org/10.1186/s12651-018-0243-y.
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, Reis 2015, Allen e Van der Velden 2001Allen, J. e Van der Velden, R. 2001. “Educational mismatches versus skill mismatches: Effects on wages, job satisfaction, and on-the-job search”. Oxford Economic Papers 3: 434-452., Duncan e Hoffman 1981Duncan, G. e S.D. Hoffman. 1981. “The Incidence and Wage Effects of Overeducation”. Economics of Education Review 1, no. 1: 75-86.), as trajetórias de carreira (Acosta-Ballesteros et al. 2018Acosta-Ballesteros J., M. P. Osorno-del Rosal e O. M. Rodríguez-Rodríguez. 2018. “Overeducation of Young Workers in Spain: How Much Does the First Job Matter?”. Social Indicators Research 138: 109-139. https://doi.org/10.1007/s11205-017-1643-z.
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, Pérez 2018Pérez, A.B. 2018. “The Importance of a First Job Mismatch on the Current Job: Evidence from Spain”. Dissertation of Master’s in Economics, Universidad del País Vasco/Euskal Herriko Unibertsitatea., Meroni e Vera-Toscano 2017Meroni, E. C. e E. Vera-Toscano. 2017. “The persistence of overeducation among recente graduates”. Labour Economics 48: 120-143., Rubb 2006Rubb, S. 2006. “Educational mismatches and earnings: Extensions of occupational mobility theory and evidence of human capital depreciation”. Education Economics 14, no. 2: 135-154., Groeneveld e Hartog 2004Groeneveld, S. e J. Hartog. 2004. “Overeducation, wages and promotions within the firm”. Labour Economics 11: 701-714., Sicherman 1991Sicherman, N. 1991. “Overeducation” in the Labour Market. Journal of Labour Economics 9, no.2: 101-122.), os resultados de produtividade (Tsang 1987Tsang, M. C. 1987. “The Impact of Underutilization of Education on Productivity: A Case Study of the U.S. Bell Companies”. Economics of Education Review 6, no.3: 239-254.) e satisfação com o emprego dos trabalhadores (Allen e Van der Velden 2001), também têm sido tradicionalmente investigadas pela literatura.

Um corpo crescente de pesquisas aponta para existência de uma penalização ao excesso de educação (Annegues e Souza 2020Annegues, A. C. e W.P.S.F. Souza. 2020. “Retorno Salarial do Overeducation: Viés de Seleção ou Penalização ao Excesso de Escolaridade?” Revista Brasileira de Economia 74, no. 2: 119-138., Marioni 2018Marioni, L. S. “Overeducation in the Labour Market: Evidence from Brazil”. Royal Economic Society Annual Conference, University of Sussex, Brighton, United Kingdom, 2018., Reis 2015Reis, M. 2015. “Overeducation, undereducation and labor earnings in Brazil: a panel data analysis”, Rede de Economia Aplicada, Working Paper 87., Robst 2007Robst, J. 2007. “Education and job match: The relatedness of college major and work”. Economics of Education Review 26, no.4: 397-407., Duncan e Hoffman 1981Duncan, G. e S.D. Hoffman. 1981. “The Incidence and Wage Effects of Overeducation”. Economics of Education Review 1, no. 1: 75-86.), sendo mais forte para trabalhadores que se encontram mais distantes do emprego condizente com o seu grau de instrução (Reis 2018). Duncan e Hoffman (1981) foram os primeiros a relacionar a quantidade de escolaridade requerida com os rendimentos do trabalho. A partir de um modelo de determinação de salário, os autores distinguiram entre o nível de escolaridade possuída pelo trabalhador e a quantidade de educação efetivamente requerida para o desempenho adequado de suas funções. Como resultado encontram evidências de que os retornos de um ano a mais de escolaridade requerida são duas vezes maiores que os de um ano adicional de escolaridade excedente.

Em relação aos efeitos desse fenômeno sobre a carreira profissional, os resultados ainda não são conclusivos. Alguns pesquisadores acreditam no fenômeno de sobreeducação como um problema de curta duração, podendo ser eliminado via mobilidade ocupacional, visto que as habilidades e experiências acumuladas no trabalho anterior podem ser parcialmente transferidas para empregos que exigem maiores níveis de qualificação (Rubb 2006Rubb, S. 2006. “Educational mismatches and earnings: Extensions of occupational mobility theory and evidence of human capital depreciation”. Education Economics 14, no. 2: 135-154., Groeneveld e Hartog 2004Groeneveld, S. e J. Hartog. 2004. “Overeducation, wages and promotions within the firm”. Labour Economics 11: 701-714., Robst 1995Robst, J. 1995. “College quality and overeducation”. Economics of Education Review 14, no.3: 221-228., Sicherman 1991Sicherman, N. 1991. “Overeducation” in the Labour Market. Journal of Labour Economics 9, no.2: 101-122.).

Em um estudo para a economia americana, Sicherman (1991Sicherman, N. 1991. “Overeducation” in the Labour Market. Journal of Labour Economics 9, no.2: 101-122.), utilizando-se de informações provenientes do Panel Study of Income Dynamics (PSID) e análise de regressão logística de efeitos fixos, encontra evidências de que trabalhadores sobreeducados possuem maior probabilidade de mobilidade ascendente quando comparados aos que se encontram engajados em empregos condizentes com o seu grau de instrução, ou em ocupações que exigem além de suas qualificações. Com isso, o autor defende a ideia de que os trabalhadores aceitam empregos para os quais são sobreeducados com o objetivo de adquirir experiência e novas habilidades, e então migram para atividades capazes de absorver sua escolaridade excedente.

Centrando a análise em informações de uma grande empresa holandesa de energia e telecomunicação, Groeneveld e Hartog (2004Groeneveld, S. e J. Hartog. 2004. “Overeducation, wages and promotions within the firm”. Labour Economics 11: 701-714.) acompanharam a carreira profissional de trabalhadores sobreeducados dentro da própria empresa. Os trabalhadores foram divididos em dois mercados específicos: interno, referente às seções de energia, e externo, relacionado às seções comerciais da empresa as quais possuem maior sensibilidade às condições externas do mercado. Os autores chegaram à conclusão de que os trabalhadores sobreeducados possuem maiores chances de serem promovidos em ambos os mercados, e que esses efeitos diminuem com a idade, indicando que os jovens têm maior capacidade de melhorar suas correspondências de emprego por meio da promoção no trabalho.

Dessa forma, é possível que os jovens, mesmo ao aceitarem emprego com baixas qualificações no início da carreira, saiam do estado de sobreeducação dentro da própria empresa a uma velocidade maior que os trabalhadores mais velhos. No entanto, as chances de promoção são heterogêneas entre instituições de capacidade distinta. Como enfatizado por Morano (2014Morano, C. P. 2014. “The determinants of overeducation: Evidence from the Italian labour Market”. Investigaciones de Economía de la Educación 9: 681-698.), as empresas maiores possuem maior disponibilidade de cargos que permitem realocar internamente, com mais facilidade, os trabalhadores cujo capital humano está sendo subutilizado. Com isso, é possível que as possibilidades de promoção sejam maiores em empresas de grande porte do que em estabelecimentos menores. Assim, espera-se que as chances de saída do estado de sobreeducação sejam mais elevadas para os que aceitaram o primeiro emprego em empresas de maior porte. Esta é uma das principais hipóteses a serem testadas neste estudo.

Em contraste com essas pesquisas, estudos recentes percebem o fenômeno de sobreeducação como uma armadilha (Acosta-Ballesteros et al. 2018Acosta-Ballesteros J., M. P. Osorno-del Rosal e O. M. Rodríguez-Rodríguez. 2018. “Overeducation of Young Workers in Spain: How Much Does the First Job Matter?”. Social Indicators Research 138: 109-139. https://doi.org/10.1007/s11205-017-1643-z.
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, Pérez 2018Pérez, A.B. 2018. “The Importance of a First Job Mismatch on the Current Job: Evidence from Spain”. Dissertation of Master’s in Economics, Universidad del País Vasco/Euskal Herriko Unibertsitatea., Meroni e Vera-Toscano 2017Meroni, E. C. e E. Vera-Toscano. 2017. “The persistence of overeducation among recente graduates”. Labour Economics 48: 120-143., Baert, Cockx e Verhaest 2013Baert, S., B. Cockx e D. Verhaest. 2013. “Overeducation at the start of the career: stepping stone or trap?”. Labour Economics 25: 123-140.). Estes apontam que o início de carreira em ocupações que requerem um grau de instrução inferior ao adquirido pelos trabalhadores dificulta o processo de transição para o emprego condizente, havendo até mesmo a possibilidade de o trabalhador não sair dessa situação, enfrentando, portanto, um estado de aprisionamento.

Baert, Cockx e Verhaest (2013Baert, S., B. Cockx e D. Verhaest. 2013. “Overeducation at the start of the career: stepping stone or trap?”. Labour Economics 25: 123-140.) investigaram a duração do período no qual trabalhadores jovens permanecem em empregos para os quais são sobreeducados no mercado de trabalho Belga. A partir da análise de dados de sobrevivência e da abordagem de Timing of Events, os autores descobrem que a educação excessiva é uma armadilha, uma vez que as taxas de transição para o emprego condizente são reduzidas em mais de 50% quando os trabalhadores aceitam empregos que exigem abaixo de seu nível educacional. Esses resultados sustentam a hipótese de que o fenômeno de sobreeducação é um problema de longa duração, já que o excesso de educação retarda fortemente a transição para o emprego adequado.

Acosta-Ballesteros et al. (2018Acosta-Ballesteros J., M. P. Osorno-del Rosal e O. M. Rodríguez-Rodríguez. 2018. “Overeducation of Young Workers in Spain: How Much Does the First Job Matter?”. Social Indicators Research 138: 109-139. https://doi.org/10.1007/s11205-017-1643-z.
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), analisaram os efeitos de uma primeira incompatibilidade educacional nas correspondências de emprego posteriores de jovens espanhóis, recentemente graduados. A partir de um modelo probit bivariado recursivo, os autores encontram evidências de que a experiência de sobreeducação no primeiro emprego aumenta as chances de repetir a mesma incompatibilidade educacional no emprego corrente em aproximadamente 40,2%, sugerindo, portanto, que as chances de se conseguir melhores correspondências de emprego em anos posteriores são menores para os que aceitam o primeiro emprego em ocupações que exigem abaixo de suas qualificações, em relação aos que foram adequadamente alocados no início da carreira. Ao decompor o efeito total nos efeitos puro e de características, por meio da decomposição de Oaxaca, os autores chegam à conclusão de que o primeiro possui maior relevância. Fazendo uso das mesmas ferramentas econométricas, porém também levando em consideração uma abordagem subjetiva1 1 Diferentemente da medida objetiva, onde o indicador de sobreeducação é construído a partir do nível de escolaridade formal efetivamente exigido pela ocupação, a medida subjetiva inclui informações sobre a incompatibilidade de habilidades, obtidas a partir de autorrelatos dos trabalhadores que afirmam se suas habilidades são suficientes ou não para a realização de seu ofício. para medir o status de sobreeducação, Pérez (2018Pérez, A.B. 2018. “The Importance of a First Job Mismatch on the Current Job: Evidence from Spain”. Dissertation of Master’s in Economics, Universidad del País Vasco/Euskal Herriko Unibertsitatea.) também encontra uma forte persistência desse fenômeno ao longo da trajetória ocupacional dos graduados, comprovando que uma má correspondência no início da carreira persiste por longos períodos, tornando-se uma armadilha.

Os parágrafos anteriores sugerem que a experiência de sobreeducação no início da carreira profissional é uma armadilha para os que a vivenciam. Com isso, busca-se também testar para o Brasil a hipótese de que a escolaridade excessiva é um problema de longa duração. Mais especificamente, pretende-se testar a hipótese de que os graduados que aceitaram o primeiro emprego em ocupações que exigem abaixo do ensino superior são mais propensos a serem sobreeducados futuramente do que seus pares que foram primeiramente engajados em empregos condizentes.

No Brasil, estudos sobre esta temática ainda são bastante escassos. Muitas das contribuições empíricas se concentraram nos determinantes dessa incompatibilidade (Reis 2020Reis, M. C. Os Ensinos público e privado no Brasil e a incidência de sobre-educação no mercado de trabalho. Brasília: Ipea, 2020 (Texto para Discussão, n. 2558)., Oliveira, Mariano e Araújo, Annegues et al. 2018Annegues, A. C., C. Oliveira, E. Figueiredo e S.P. Júnior. “Overeducation e Área de formação: evidências para os egressos da UFPB”. In: Anais do 46° Encontro Nacional de Economia. Rio de Janeiro, 2018.) e seus efeitos sobre os salários (Annegues e Souza 2020, Marioni 2018Marioni, L. S. “Overeducation in the Labour Market: Evidence from Brazil”. Royal Economic Society Annual Conference, University of Sussex, Brighton, United Kingdom, 2018., Reis 2015).

Annegues et al. (2018Annegues, A. C., C. Oliveira, E. Figueiredo e S.P. Júnior. “Overeducation e Área de formação: evidências para os egressos da UFPB”. In: Anais do 46° Encontro Nacional de Economia. Rio de Janeiro, 2018.), por exemplo, analisaram as condições sobre as quais trabalhadores têm sido identificados como sobreeducados no mercado de trabalho brasileiro. Para isso, usaram dados de egressos da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) juntamente com suas informações referentes ao mercado de trabalho formal, as quais foram extraídas da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). Seus resultados evidenciam que os trabalhadores graduados nas áreas de Humanidades, Artes e Ciências Sociais Aplicadas não são apenas mais propensos a serem sobreeducados, mas também permanecem nessa situação por um período de tempo mais elevado.

Oliveira, Mariano e Araújo (2019Oliveira, C., F. Z. Mariano e J.A. Araújo. 2019. “A qualidade e expansão do ensino superior contribui para o overeducation? Evidências para o Ceará”. In XXIV Encontro Regional de Economia, Fortaleza, CE.), em um estudo para o Ceará, também encontram evidências de uma forte associação entre campo de estudo e riscos de incompatibilidade educacional. Suas estimativas apontam que os profissionais formados nas áreas de Ciências, Matemática e Computação, Humanidade e Artes, Agricultura e Veterinária e Serviços, da rede pública de ensino, assim como em cursos referentes aos campos de Ciências Sociais, Negócio e Direito, ofertados por instituições da rede privada, são mais propensos a aceitarem empregos que exigem abaixo de suas qualificações. Os autores também mostram que a expansão de vagas no ensino superior fora de Fortaleza, capital do Ceará, aumenta as chances do formando ser sobreeducado.

Ao contrário dessas pesquisas, Machado e Oliveira (2013Machado, L. e A. M. H. C. Oliveira. 2013. “Mobilidade Ocupacional e Incompatibilidade Educacional no Brasil Metropolitano”. Pesquisa e Planejamento Econômico 43, no. 2: 279-307.) buscaram relacionar o status de sobreescolarização à mobilidade ocupacional. A partir de informações provenientes da Pesquisa Mensal do Emprego (PME) para o período de 2002 a 2008 e da construção de um pseudopainel no nível de coortes de nascimento e de modelos de mobilidade sócio-ocupacional, os autores chegam à conclusão de que os trabalhadores sobreeducados apresentam maior mobilidade quando o mercado de trabalho se mostra mais favorável às condições de emprego, e que os jovens com excesso de educação são mais propensos a migrar para cargos que exigem maiores qualificações se comparados aos mais velhos. Também encontram evidências de uma vantagem das mulheres sobre os homens. Quando na condição de sobreeducação, aquelas, em média, apresentam maiores chances de mobilidade ascendente e menores transições decrescentes, quando ocupadas em atividades que exigem abaixo de suas qualificações, do que estes.

Como destacado anteriormente, investigações sobre o tema ainda são escassas no Brasil, principalmente no que diz respeito às consequências desse fenômeno sobre a carreira profissional de jovens trabalhadores. Com o intuito de acrescentar a essa literatura, esta pesquisa busca analisar como o status de sobreeducação no primeiro emprego influencia a qualidade das correspondências de emprego posteriores no mercado de trabalho formal brasileiro.

3. Metodologia

3.1. Metodologia Econométrica

Conforme discutido e apresentado na seção anterior, esta pesquisa busca testar as seguintes hipóteses:

  • Hipótese 1: Os graduados que aceitaram o primeiro emprego em ocupações que exigem abaixo do ensino superior são mais propensos a serem sobreeducados futuramente do que seus pares que foram primeiramente engajados em empregos condizentes.

  • Hipótese 2: A probabilidade de sair do estado de sobreeducação é maior para os graduados que aceitaram o primeiro emprego em empresas de maior porte.

Para isso, serão realizados dois exercícios empíricos. No primeiro, a Hipótese 1 é testada a partir da estimação de um modelo probit bivariado recursivo, proposto por Greene (2012Greene, W. Econometric analysis. 2012. 7.ed. New Jersey: Pearson Prentice Hall.), descrito pelas seguintes equações:

S o b r e e d u c 1 * = x ´ 1 β 1 + S o b r e e d u c 2 δ + ε 1 (1)

S o b r e e d u c 2 * = x ´ 2 β 2 + ε 2 (2)

( ε 1 ε 2 | x 1 , x 2 ) ~ N [ ( 0 0 ) , ( 1 ρ ρ 1 ) ]

A motivação pela escolha do método está no fato deste permitir estimar a determinação conjunta da incompatibilidade educacional no primeiro e atual emprego a partir de uma estrutura de equações aparentemente não relacionadas, permitindo, assim, estimar a probabilidade de sobreeducação no emprego atual condicionado ao fato de o trabalhador ter sido sobreeducado no primeiro emprego, levando em consideração a possível endogeneidade associada a esse status no início da carreira. O parâmetro ρ, correspondente à associação entre os termos de erro ε1 e ε2 que, por hipótese, possuem distribuição normal bivariada, pode refletir essa endogeneidade na primeira equação. Em virtude desta, os parâmetros relacionados à primeira equação podem não ser estimados de forma consistente devido à correlação entre Sobreeduc2 e ε1, induzida pela associação entre os termos de erro da primeira e segunda equação. No entanto, de acordo com Greene (2012Greene, W. Econometric analysis. 2012. 7.ed. New Jersey: Pearson Prentice Hall.), essa natureza endógena pode ser ignorada ao se construir uma função log-verossimilhança para a primeira equação, permitindo que seus parâmetros sejam estimados de forma consistente.

As variáveis Sobreeduc1*e Sobreeduc2* medem a qualidade da correspondência de emprego obtida pelo indivíduo no emprego atual e no primeiro emprego, respectivamente. No entanto, como não é possível medir o quão distante o trabalhador se encontra do emprego considerado adequado para o seu nível de escolaridade, a partir dos dados aqui considerados, o valor exato dessa correspondência não será observado. Por outro lado, podem-se observar, a partir dos dados, as variáveis Sobreeduc1 e Sobreeduc2 as quais assumem valor um caso o graduado seja sobreeducado no emprego corrente (Sobreeduc1*>0) ou tenha sido sobreeducado no primeiro emprego (Sobreeduc2*>0), respectivamente, e zero caso contrário. Os vetores x1 e x2 representam o conjunto de variáveis que explicam, respectivamente, a sobreescolarização na atividade atual e no primeiro emprego; β1, δ e β2 são vetores de parâmetros a serem estimados. Como há pelo menos um dos regressores distintos entre as equações anteriores, os parâmetros do modelo aqui proposto serão identificados (Wilde 2000Wilde, J. 2000. “Identification of multiple equation probit models with endogenous dummy regressors”. Economic Letters 69, no. 3: 309-312.).

Uma vez que os coeficientes estimados no modelo não fornecem informações a respeito da mudança na probabilidade em resposta de uma variação na variável independente de interesse, os efeitos marginais das variáveis explicativas serão calculados. A influência marginal das variáveis independentes sobre a incidência de sobreeducação no início da carreira pode ser obtida a partir da função média condicional da qualidade da correspondência no primeiro emprego, E(Sobreeduc2|x2)= Φ(x´2β2), onde Φ representa a função de distribuição normal univariada. Para o emprego corrente, esse efeito será calculado com base no valor esperado do trabalhador ser sobreeducado no emprego corrente condicionado às variáveis explicativas,

E ( S o b r e e d u c 1 | x 1 , x 2 ) = Pr o b ( S o b r e e d u c 2 = 1 ) E ( S o b r e e d u c 1 | S o b r e e d u c 2 = 1, x 1 , x 2 ) + Pr o b ( S o b r e e d u c 2 = 0 ) E ( S o b r e e d u c 1 | S o b r e e d u c 2 = 0, x 1 , x 2 ) (3)

E ( S o b r e e d u c 1 | x 1 , x 2 ) = Φ 2 ( x ´ 1 β 1 + δ , x ´ 2 β 2 , ρ ) + Φ 2 ( x ´ 1 β 1 , x ´ 2 β 2 , ρ ) (4)

onde Φ2 representa a função de distribuição normal bivariada. Assim, o efeito marginal médio total da mudança em uma variável explicativa contínua w(x1x2) de interesse, sobre a probabilidade de o trabalhador ser sobreeducado no trabalho atual, pode ser obtido pela soma dos efeitos direto, dado pelo primeiro termo do lado direito da equação (5), e indireto, segundo termo:

E ( S o b r e e d u c 1 | x 1 , x 2 ) w = { ( x ´ 1 β 1 + δ ) Φ ( x ´ 2 β 2 ρ ( x ´ 1 β 1 + δ ) 1 ρ 2 ) + ( x ´ 1 β 1 ) Φ ( x ´ 2 β 2 + ρ ( x ´ 1 β 1 ) 1 ρ 2 ) } β 1 w + { ( x ´ 2 β 2 ) Φ ( x ´ 1 β 1 + δ ρ x ´ 2 β 2 1 ρ 2 ) ( x ´ 2 β 2 ) Φ ( x ´ 1 β 1 ρ x ´ 2 β 2 1 ρ 2 ) } β 2 w (5)

onde corresponde à função densidade normal univariada. Caso a variável w pertença apenas à primeira equação do modelo, o efeito total será representado apenas pelo efeito direto, primeiro termo da equação acima. Por outro lado, se a variável de interesse estiver inserida somente na segunda, apenas o efeito indireto será capturado. Nota-se, portanto, que as contribuições marginais das variáveis consideradas no modelo sobre a probabilidade de sobreeducação no emprego corrente, podem carregar consigo influências indiretas de características intrínsecas ao primeiro emprego. Assim, o modelo utilizado na análise empírica permite capturar efeitos indiretos de regressores considerados apenas na equação de primeiro emprego.

Por fim, como o status de sobreeducação no primeiro emprego é uma variável dicotômica, então o efeito médio do graduado aceitar o primeiro emprego em atividades que exigem abaixo do nível superior sobre a probabilidade de permanecer na mesma situação no atual emprego é dado pela seguinte expressão:

θ = E { S o b r e e d u c 1 | S o b r e e d u c 2 = 1, x 1 , x 2 } E { S o b r e e d u c 1 | S o b r e e d u c 2 = 0, x 1 , x 2 } (6)

No segundo exercício, a hipótese de que o início de carreira em empresas de maior porte acelera a transição para o emprego condizente (Hipótese 2) será testada a partir da estimação de um modelo probit bivariado, descrito pelo seguinte sistema de equações aparentemente não relacionadas:

S o b r e e d u c 1 * = x ´ 1 β 1 + ε 1 (7)

S o b r e e d u c 2 * = x ´ 2 β 2 + ε 2 (8)

( ε 1 ε 2 | x 1 , x 2 ) ~ N [ ( 0 0 ) , ( 1 ρ ρ 1 ) ]

Observe que este modelo difere do anterior apenas por não incluir na Equação (7) a variável Sobreeduc2* como explicativa.

Após a estimação do modelo, será calculado o efeito marginal das variáveis explicativas sobre a probabilidade condicionada do indivíduo ser escolarizado em excesso no emprego atual, em 2015, dado que este foi sobreeducado no primeiro emprego, em 2006. Considerando o caso específico de uma variável explicativa contínua w(x1x2), por exemplo, esse efeito pode ser capturado pela seguinte expressão:

E ( S o b r e e d u c 1 | S o b r e e d u c 2 = 1, x 1 , x 2 ) w = [ ( x ´ 1 β 1 ) Φ ( x ´ 2 β 2 ) Φ ( x ´ 2 β 2 ρ x ´ 1 β 1 1 ρ 2 ) ] β 1 w + [ Φ ( x ´ 1 β 1 ρ x ´ 2 β 2 1 ρ 2 ) Φ 2 ( x ´ 1 β 1 , x ´ 2 β 2 , ρ ) Φ ( x ´ 2 β 2 ) ] ( x ´ 2 β 2 ) Φ ( x ´ 2 β 2 ) β 2 w (9)

3.2. Variáveis e Base de Dados

As bases de dados disponíveis no Brasil contam com importantes limitações para analisar a dinâmica e o acompanhamento dos trabalhadores no mercado de trabalho. Uma das principais pesquisas sobre emprego e desemprego é a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE. Embora essa pesquisa levantasse uma variedade ampla de informações sobre o mercado de trabalho nacional, o acompanhamento do indivíduo ao longo de um determinado período de tempo não é possível, e a coleta dos seus dados era feita somente em seis regiões metropolitanas (RMs), a saber, Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Recife.

A Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD) e a PNAD Contínua apresentam informações tanto sobre os trabalhadores formais quanto sobre as demais modalidades de ocupação, como trabalhadores informais, empregadores, conta própria e autônomos, além de informações para as pessoas que não estão no mercado de trabalho. Dessa forma, seria possível fazer correção da seletividade em relação à participação no mercado de trabalho, porém, seus dados, todavia, não permitem acompanhar os trabalhadores ao longo do tempo, dificultando assim, a implementação dessa pesquisa através destas bases.

Por outro lado, os dados identificados fornecidos pelo Caged e pela RAIS abrangem todos os municípios brasileiros e possuem a vantagem de acompanhar longitudinalmente os trabalhadores do mercado de trabalho. Porém, sua principal limitação reside em fornecer informações apenas para população formalmente ocupada.

Esse trabalho se deparou com os seguintes entraves de qual base de dados utilizar: i) trabalhar com a PNAD contínua, que permitiria considerar o setor formal e informal e resolver o problema da seletividade da participação no mercado de trabalho, porém o acompanhamento dos indivíduos seria restrito a quatro trimestres, o que inviabilizaria este estudo; ii) utilizar os dados da RAIS identificada, os quais permitem o acompanhamento longitudinal do trabalhador (quesito fundamental para este estudo), embora incorra-se na limitação em termos de fontes de seletividades referente ao mercado de trabalho formal.

Com isso, dada às bases de dados referentes ao mercado de trabalho disponível no Brasil e considerando o objetivo deste trabalho, optou-se por trabalhar com a RAIS identificada, reconhecendo, portanto, a limitação deste trabalho, o qual a análise se refere apenas ao setor formal.

Além disso, fez-se necessário escolher um período de tempo para o acompanhamento dos trabalhadores. Ao analisar os dados da RAIS, observou-se incompatibilidade de informações referentes às classificações do grau de instrução para anos anteriores a 2006, assim, o ponto inicial considerado foi este ano, o qual permitiu identificar os jovens que ingressaram pela primeira vez no mercado de trabalho formal em 2006. Para evitar que a análise se torne muito complexa devido à dinâmica de entradas e saídas de diferentes jovens no mercado de trabalho formal em diferentes períodos de tempo e inviabilize a interpretação dos resultados, optou-se por trabalhar com apenas dois pontos no tempo e considerar como ponto para o emprego atual o ano de 2015.

Cabe ressaltar que, a estratégia aqui adotada, embora apresente limitações referentes à seletividade relacionada aos dois períodos no tempo, também apresenta algumas vantagens comparadas aos estudos na literatura: i) o período aqui analisado foi superior ao estudo de Pérez (2018Pérez, A.B. 2018. “The Importance of a First Job Mismatch on the Current Job: Evidence from Spain”. Dissertation of Master’s in Economics, Universidad del País Vasco/Euskal Herriko Unibertsitatea.), o qual considerou um horizonte de tempo entre o primeiro e atual emprego de no máximo cinco anos; ii) considerar na análise variáveis que podem sofrer alterações ao longo do tempo, tais como, escolaridade, mudanças de empresa, setor do trabalho, região, dentre outras, ao contrário de Acosta-Ballesteros et al. (2018Acosta-Ballesteros J., M. P. Osorno-del Rosal e O. M. Rodríguez-Rodríguez. 2018. “Overeducation of Young Workers in Spain: How Much Does the First Job Matter?”. Social Indicators Research 138: 109-139. https://doi.org/10.1007/s11205-017-1643-z.
https://doi.org/10.1007/s11205-017-1643-...
) que utilizam informações retrospectivas através de apenas uma base para o ano de 2009, não considerando assim, tais variáveis.

Dessa forma, o presente trabalho utiliza dados da RAIS, identificados para os anos de 2006 e 2015, os quais contemplam informações sobre as características dos trabalhadores formalmente ocupados, de sua ocupação e empresa para a qual prestam serviços, construídas com base nas declarações dos próprios empregadores. Foram selecionados trabalhadores jovens2 2 A Política Nacional da Juventude (PNJ) no país considera jovens todos aqueles com idade entre 15 e 29 anos, inclusive. com pelo menos o ensino superior completo e idade entre 24 e 29 anos, ao ingressar pela primeira vez no mercado de trabalho formal em 2006, e que estavam presentes na RAIS de 20153 3 Devido à ausência de informações na base de dados da RAIS a respeito daqueles indivíduos que não estavam presentes no mercado de trabalho formal durante o período investigado, a correção do possível viés de seletividade amostral se mostrou inviável. , formando uma amostra final de 19.800 indivíduos.

As variáveis consideradas na análise empírica são reportadas no Quadro 1. Aquelas contidas no grupo Primeiro emprego e atual serão utilizadas em ambas as equações dos modelos apresentados na subseção anterior, a fim de explicar tanto a probabilidade de sobreeducação no primeiro emprego quanto no atual. Em Emprego Atual estão as variáveis consideradas apenas na primeira equação, e explicam a probabilidade de sobreeducação no emprego de 2015. As demais serão inseridas apenas na segunda equação para explicar a probabilidade de incidência de incompatibilidade educacional no início da carreira.

Quadro 1:
Descrição das Variáveis

As principais formas de medir a variável de sobreeducação, Realized Matches, Self-Assessment e Job Analysis, diferem apenas no método usado para determinar a quantidade de escolaridade requerida pela ocupação. A primeira, bastante utilizada em estudos para o Brasil (Machado e Oliveira 2013Machado, L. e A. M. H. C. Oliveira. 2013. “Mobilidade Ocupacional e Incompatibilidade Educacional no Brasil Metropolitano”. Pesquisa e Planejamento Econômico 43, no. 2: 279-307., Diaz e Machado 2008Diaz, M. D. M. e L. Machado. 2008. “Overeducation e Undereducation no Brasil: Incidência e Retornos”. Estudos Econômicos (São Paulo) 38, no. 3: 431-460.), define essa quantidade a partir da média e desvio-padrão do nível de escolaridade dos trabalhadores presentes em cada ocupação. A segunda baseia-se na autoavaliação do trabalhador, o qual declara diretamente se a sua formação é suficiente ou mais que suficiente para a realização de suas tarefas. Na última, bastante empregada em estudos recentes para o Brasil (Annegues e Souza 2020Annegues, A. C. e W.P.S.F. Souza. 2020. “Retorno Salarial do Overeducation: Viés de Seleção ou Penalização ao Excesso de Escolaridade?” Revista Brasileira de Economia 74, no. 2: 119-138., Oliveira, Mariano e Araújo 2019, Annegues et al. 2018, Marioni 2018Marioni, L. S. “Overeducation in the Labour Market: Evidence from Brazil”. Royal Economic Society Annual Conference, University of Sussex, Brighton, United Kingdom, 2018.), o grau de escolarização requerido é definido por analistas de trabalho.

Dada a disponibilidade de informações na base de dados empregada neste estudo, optou-se pela abordagem Job-Analysis. O indicador de sobreeducação foi construído a partir do código da CBO 2002, variável disponível no banco de dados da RAIS. O nível mais agregado da CBO 2002 são os grandes grupos ocupacionais formados por dez conjuntos, conforme ilustrado no Quadro 2. Os trabalhadores são divididos nesses grupos a partir da similaridade de suas funções e de suas competências, classificadas desde as mais baixas, relacionadas a trabalhadores não qualificados (Nível 1), até as mais altas, que exigem maiores níveis de escolaridade (Nível 4). Assim, os graduados cuja ocupação na CBO tenha escolaridade exigida menor que o ensino superior serão considerados sobreeducados. Vale destacar que os militares, dirigentes do poder público e caciques, não foram considerados na amostra, pois estes grupos ocupacionais não exigem um nível de educação formal específico para o desempenho de suas atividades.

Quadro 2:
Classificação dos grandes grupos ocupacionais

Tendo em vista que o tamanho do estabelecimento também pode influenciar a probabilidade de sobreeducação no mercado de trabalho (Morano 2014Morano, C. P. 2014. “The determinants of overeducation: Evidence from the Italian labour Market”. Investigaciones de Economía de la Educación 9: 681-698.), variáveis referentes ao tamanho da firma também serão consideradas. Com base em informações do SEBRAE de 2013, as empresas foram classificadas em micro, pequena, média e de grande porte, a partir da quantidade de funcionários que compõem a sua força de trabalho, conforme reportado no Quadro 3.

Quadro 3:
Tamanho da empresa

4. Resultados

4.1. Análise Descritiva dos Dados

As estatísticas descritivas das variáveis utilizadas na análise empírica, condicionadas ou não à correspondência de emprego obtida pelo indivíduo no início da vida profissional, bem como na atividade atual, são reportadas na Tabela 1.

Os resultados fornecem indícios que sustentam a hipótese de que o fenômeno de sobreeducação é um problema de longa duração. Pouco mais de 70% dos graduados que foram sobreeducados no primeiro emprego repetiram a mesma incompatibilidade no emprego atual, havendo, portanto, uma forte persistência do fenômeno de sobreeducação no Brasil. Resultados que sustentam essa tese também foram encontrados em outros países. No Reino Unido, por exemplo, Dolton e Vignoles (2000Dolton, P. e A. Vignoles. 2000. “The incidence and effects of overeducation in the UK graduate labour market”. Economics of education review 19, no. 2: 179-198.) descobriram que quase um terço (30%) dos graduados permaneceram sobreeducados seis anos após a graduação. No Canadá, Frenette (2004Frenette, M. 2004. “The overqualified Canadian graduate: the role of the academic program in the incidence, persistence, and economic returns to overqualification”. Economics of Education Review 23, no. 1: 29-45.) observa que 74% dos profissionais sobreeducados, dois anos após a formatura, continuaram nesse estado cinco anos após a conclusão do curso.

Em relação às características pessoais, verifica-se a existência de uma maior participação das mulheres na amostra (51,7%), e isso é verificado tanto no grupo de trabalhadores sobreeducados quanto no de trabalhadores adequadamente alocados no primeiro e atual emprego. Importante destacar que esse resultado se deve, em grande parte, a restrição imposta aos dados utilizados na pesquisa, ao considerar apenas os indivíduos com pelo menos o ensino superior completo, sendo essa parcela da população majoritariamente composta por mulheres, as quais, em média, são mais escolarizadas que os homens.

As estatísticas descritivas também apontam para um maior percentual de trabalhadores brancos e não deficientes em empregos que exigem maiores níveis de qualificação, havendo, portanto, uma maior representatividade destes em atividades cuja escolaridade mínima requerida é o ensino superior completo.

Tabela 1:
Estatísticas Descritivas - Média e Desvio Padrão

Quanto à educação, verifica-se que 6% dos indivíduos elevaram seus níveis de escolaridade durante o período de análise. Condicionando esse resultado a correspondência de emprego obtida no ano de 2015, observa-se um maior percentual de graduados que continuaram seus investimentos em capital humano no grupo de trabalhadores adequadamente alocados (7,3%) se comparado ao de sobreeducados (2,7% apenas). Assim, é possível que a demanda por níveis mais elevados de educação ajude os graduados a conseguirem empregos condizentes com a sua formação no mercado de trabalho, principalmente aqueles que receberam um ensino de menor qualidade os quais, geralmente, enfrentam maior probabilidade de sobreeducação (Robst 1995Robst, J. 1995. “College quality and overeducation”. Economics of Education Review 14, no.3: 221-228.).

Em relação à distribuição geográfica, os resultados indicam que a região Sudeste concentra a maior parcela dos contratos formais (42,3%), seguida pelas regiões Nordeste (20,8%), Sul (13,4%), Centro-Oeste (16,1%) e Norte (7,3%). Diferenças significativas na incidência de sobreeducação entre as grandes regiões do país também são verificadas, as quais podem estar associadas à existência de desigualdades nos fatores de oferta e demanda em seus mercados regionais (Cavalcanti, Campos e Neto 2010Cavalcanti, M. F. A., F. M. Campos e R. M. S. Neto. 2010. “Mismatch nos Mercados de Trabalho Regionais Brasileiros: O que Explica as Diferenças Regionais?” Revista Econômica do Nordeste 41, no. 3: 493-518.). Nota-se, por exemplo, que o maior percentual de jovens com escolaridade excedente no primeiro emprego pertence à região Sudeste (44,6%), enquanto a menor parcela dessa população reside no Norte do país, com 8,12% do total.

Referente às características ocupacionais, mais da metade dos jovens graduados engajaram o primeiro emprego em empresas de grande porte (67,6%) e pouco mais de 10% do total ingressaram em empresas de médio e pequeno porte. As estatísticas descritivas, quando condicionadas à qualidade da correspondência de emprego obtida no primeiro e atual emprego, apontam para uma maior participação de graduados empregados em empresas de grande porte no grupo de trabalhadores adequadamente alocados do que no de trabalhadores escolarizados em excesso (sobreeducados). Tal resultado pode estar associado ao fato de as empresas maiores contarem com uma maior disponibilidade de cargos e técnicas de recrutamento mais eficazes e capazes de melhorar o processo de alocação da mão de obra qualificada em atividades condizentes com esse perfil (Morano 2014Morano, C. P. 2014. “The determinants of overeducation: Evidence from the Italian labour Market”. Investigaciones de Economía de la Educación 9: 681-698.).

Em relação aos rendimentos, verifica-se que a grande maioria dos indivíduos presentes em ambas as categorias, sobreeducados e adequadamente alocados, encontra-se em estratos de renda mais elevados, com maior percentual observado para o grupo de trabalhadores com escolaridade condizente. Esses resultados se justificam tanto pelo fato de se considerar na amostra somente os profissionais com pelo menos o ensino superior completo, quanto pelo fato de os trabalhadores adequadamente alocados receberem um salário acima daquele obtido por seus pares com excesso de escolaridade.

Quanto à mobilidade ocupacional, os resultados não condicionais revelam que metade dos trabalhadores mudou de firma entre o primeiro e atual emprego. Quando condicionados à qualidade do ajuste entre educação adquirida e exigida, a proporção de graduados que migraram para uma nova empresa é maior no grupo de trabalhadores adequadamente alocados (53%) que no grupo de indivíduos sobreeducados (45,5%). Em relação às possíveis transições entre os setores público e privado, os resultados apontam para uma baixa mobilidade dos trabalhadores entre esses setores, principalmente quando ocorre do primeiro para o segundo, visto que apenas 1,2% dos graduados migraram para a iniciativa privada. Esse resultado já era esperado, pois, além de terem maior segurança e estabilidade no emprego, os trabalhadores do setor público também contam, em média, com melhores salários (Costa et al. 2020Costa, J. S., F. G. Silveira, B. S. Azevedo, S. S. Carvalho e A. L. N. H. Barbosa. 2020. “Heterogeneidade do diferencial salarial público-privado”. Boletim Mercado de Trabalho, n. 68, Brasília: Ipea., Barbosa et al. 2013Barbosa, A. L. N. H., F. H. B. Filho e J. R. F. Lima. 2013. “Diferencial de salários e determinantes na escolha de trabalho entre os setores público e privado no Brasil”. Pesquisa e Planejamento Econômico 43, no.1: 89-118.).

Diferenças na participação dos trabalhadores nos principais setores de atividade econômica do país também são constatadas. A maior representatividade da mão de obra é verificada no setor de serviços (82,3%), seguido pelo comércio (6,4%), indústria (7,9%), construção civil (1,8%) e setor agropecuário e de pesca (0,5%). As estatísticas condicionadas ao status de sobreeducação, tanto para o primeiro emprego quanto para o atual, também sustentam essas disparidades, havendo, portanto, diferenças na incidência de incompatibilidade de educação entre os setores da economia, também verificadas em outros países (Morano 2014Morano, C. P. 2014. “The determinants of overeducation: Evidence from the Italian labour Market”. Investigaciones de Economía de la Educación 9: 681-698., Blázquez e Mora 2010Blázquez, M. e T. Mora. 2010. “Overeducation and job mobility: Evidence from young recent graduates in Catalonia”. Revista de Economía Laboral 7, no. 1: 64-84.).

4.2. Resultados Econométricos

Os resultados do primeiro exercício são reportados na Tabela 2. Nesta, são apresentados os efeitos marginais das variáveis explicativas sobre a probabilidade de sobreeducação no primeiro emprego, bem como no atual, obtidos a partir da estimação de um modelo probit bivariado recursivo, descrito anteriormente na seção 3.

No segundo exercício, foi realizado um estudo de probabilidade condicional a fim de testar a hipótese da vantagem de os graduados inicialmente sobreeducados aceitarem o primeiro emprego em grandes empresas, além de identificar possíveis caminhos através dos quais a escolarização em excesso pode ser eliminada. Para isso, foi estimado um modelo probit bivariado. Em seguida, foram calculados os efeitos marginais de um conjunto de características individuais e ocupacionais dos trabalhadores sobre a probabilidade destes experimentarem excesso de escolaridade no emprego de 2015, condicionado ao fato de terem sido sobreeducados no primeiro emprego, em 2006, conforme ilustrado na Equação (9) presente na seção 3. Tais resultados são apresentados na Tabela 3.

O valor do parâmetro ρ nas duas análises foi estatisticamente diferente de zero. Isso significa que a hipótese nula de que as equações que descrevem a probabilidade de sobreeducação no primeiro emprego e no atual não são correlacionadas é rejeitada a menos de 5% e 1% de significância, no modelo considerado no primeiro e segundo exercício, respectivamente. Logo, ambas as equações, descritas na seção referente à estratégia metodológica, são determinadas em conjunto, o que justifica a escolha do método usado nesta pesquisa.

4.2.1. Sobreeducação no primeiro emprego

A segunda coluna da Tabela 2 mostra os efeitos marginais médios das variáveis explicativas sobre a probabilidade do graduado ser sobreeducado no primeiro emprego. As estimativas indicam que os riscos de uma incompatibilidade inicial não são estatisticamente influenciados pelo gênero e nacionalidade dos trabalhadores, o que corrobora os achados de Acosta-Ballesteros et al. (2018Acosta-Ballesteros J., M. P. Osorno-del Rosal e O. M. Rodríguez-Rodríguez. 2018. “Overeducation of Young Workers in Spain: How Much Does the First Job Matter?”. Social Indicators Research 138: 109-139. https://doi.org/10.1007/s11205-017-1643-z.
https://doi.org/10.1007/s11205-017-1643-...
). Por outro lado, os profissionais que se declararam brancos e os não deficientes são menos propensos a terem escolaridade além da efetivamente requerida pela ocupação.

Tabela 2:
Efeitos Marginais

Diferenças regionais nos riscos de escolarização em excesso no início da carreira são claramente verificadas no Brasil. A probabilidade do graduado aceitar a sua primeira atividade laboral em ocupações que exigem abaixo de seu nível educacional é significativamente menor no Nordeste e maior no Sudeste do país. Os riscos de sobreeducação no Sudeste superam os da região Nordeste em 17%, aproximadamente.

Esses resultados podem estar associados à existência de desigualdades nos fatores de oferta e demanda em seus mercados regionais. De acordo com Cavalcanti, Campos e Neto (2010Cavalcanti, M. F. A., F. M. Campos e R. M. S. Neto. 2010. “Mismatch nos Mercados de Trabalho Regionais Brasileiros: O que Explica as Diferenças Regionais?” Revista Econômica do Nordeste 41, no. 3: 493-518.), diferenças nas características dos trabalhadores, na distribuição de setores de atividade, ou no grau de formalização da economia, ajudam a explicar essas disparidades. Ao decompor as diferenças na probabilidade de excesso de escolaridade entre essas regiões, os autores mostram que a incidência de sobreeducação no Sudeste supera a que é verificada no Nordeste em até 16,3%, e que os fatores de oferta de trabalho (escolaridade, principalmente) explicam a grande parcela desse diferencial (86%).

Em relação às características ocupacionais, as estimativas indicam que as chances dos jovens graduados iniciarem suas atividades formais em ocupações que exigem abaixo de suas qualificações reduzem com o tamanho do estabelecimento. De acordo com Morano (2014Morano, C. P. 2014. “The determinants of overeducation: Evidence from the Italian labour Market”. Investigaciones de Economía de la Educación 9: 681-698.), esses resultados podem estar associados ao fato de as empresas maiores contarem com técnicas de recrutamento mais precisas e capazes de reduzir o risco de contratação de perfis de trabalhadores que não atendam aos requisitos educacionais associados à vaga.

Os que aceitaram o primeiro emprego na iniciativa privada têm menos chance de assumir ofícios não condizentes com suas qualificações quando comparados aos que iniciaram suas atividades no setor público. Estima-se, por exemplo, que o início de carreira em empresas privadas reduz a probabilidade de sobreeducação em 6,5%. Além de contarem com uma maior segurança e estabilidade no emprego, os trabalhadores no setor público brasileiro também recebem, em média, melhores salários que seus pares da iniciativa privada (Costa et al. 2020Costa, J. S., F. G. Silveira, B. S. Azevedo, S. S. Carvalho e A. L. N. H. Barbosa. 2020. “Heterogeneidade do diferencial salarial público-privado”. Boletim Mercado de Trabalho, n. 68, Brasília: Ipea., Barbosa et al. 2013Barbosa, A. L. N. H., F. H. B. Filho e J. R. F. Lima. 2013. “Diferencial de salários e determinantes na escolha de trabalho entre os setores público e privado no Brasil”. Pesquisa e Planejamento Econômico 43, no.1: 89-118.). Nesse sentido, é possível que alguns trabalhadores tenham interesse de ingressar no setor público mesmo em empregos que exigem abaixo de sua formação, pois parte da penalização sofrida, devido ao status de sobreeducação, poderia ser compensada pela maior segurança, estabilidade e melhores remunerações oferecidas por este setor.

Salários mais elevados estão associados a menores riscos de início de carreira em empregos não coerentes com a escolaridade atingida. Tais resultados podem estar associados ao fato de os trabalhadores com educação condizente, em relação aos que são escolarizados em excesso, receberem maiores rendimentos (Annegues e Souza 2020Annegues, A. C. e W.P.S.F. Souza. 2020. “Retorno Salarial do Overeducation: Viés de Seleção ou Penalização ao Excesso de Escolaridade?” Revista Brasileira de Economia 74, no. 2: 119-138., Marioni 2018Marioni, L. S. “Overeducation in the Labour Market: Evidence from Brazil”. Royal Economic Society Annual Conference, University of Sussex, Brighton, United Kingdom, 2018., Reis 2015Reis, M. 2015. “Overeducation, undereducation and labor earnings in Brazil: a panel data analysis”, Rede de Economia Aplicada, Working Paper 87., Robst 2007Robst, J. 2007. “Education and job match: The relatedness of college major and work”. Economics of Education Review 26, no.4: 397-407., Duncan e Hoffman 1981Duncan, G. e S.D. Hoffman. 1981. “The Incidence and Wage Effects of Overeducation”. Economics of Education Review 1, no. 1: 75-86.). Além disso, os ofícios que proporcionam salários mais altos exigem níveis de qualificação mais elevados, podendo, dessa forma, reduzir as chances de sobreeducação nesse grupo.

Os resultados também sugerem que os riscos de uma primeira incompatibilidade educacional no mercado de trabalho formal são significativamente menores nos setores de construção civil e de serviços, se comparados aos da indústria (categoria de referência). Diferenças na probabilidade de sobreeducação entre as diferentes atividades econômicas também foram evidenciadas pela literatura. Morano (2014Morano, C. P. 2014. “The determinants of overeducation: Evidence from the Italian labour Market”. Investigaciones de Economía de la Educación 9: 681-698.), por exemplo, em um estudo para o mercado de trabalho da Itália, constatou que a probabilidade dos trabalhadores serem escolarizados em excesso é significativamente menor no setor de serviços do que na indústria ou setores agrícolas. Segundo o autor, esses resultados podem estar associados à natureza distinta dos empregos nestes setores, e a natureza relativamente menos qualificada dos empregos relacionados à agricultura.

4.2.2. Sobreeducação no emprego corrente

As estimativas dos efeitos marginais das variáveis explicativas sobre a probabilidade de sobreeducação no emprego atual são apresentadas na quarta coluna da Tabela 2. Os resultados apoiam a hipótese levantada anteriormente de que a experiência de uma primeira incompatibilidade inicial prejudica a qualidade das futuras correspondências de emprego no mercado de trabalho, estando em conformidade com os achados recentes dessa literatura (Acosta-Ballesteros et al. 2018Acosta-Ballesteros J., M. P. Osorno-del Rosal e O. M. Rodríguez-Rodríguez. 2018. “Overeducation of Young Workers in Spain: How Much Does the First Job Matter?”. Social Indicators Research 138: 109-139. https://doi.org/10.1007/s11205-017-1643-z.
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, Pérez 2018Pérez, A.B. 2018. “The Importance of a First Job Mismatch on the Current Job: Evidence from Spain”. Dissertation of Master’s in Economics, Universidad del País Vasco/Euskal Herriko Unibertsitatea., Meroni e Vera-Toscano 2017Meroni, E. C. e E. Vera-Toscano. 2017. “The persistence of overeducation among recente graduates”. Labour Economics 48: 120-143., Baert, Cockx e Verhaest 2013Baert, S., B. Cockx e D. Verhaest. 2013. “Overeducation at the start of the career: stepping stone or trap?”. Labour Economics 25: 123-140.). Os graduados que foram sobreeducados no primeiro emprego são 43,6% mais propensos a estarem nessa mesma situação no emprego atual do que aqueles que foram primeiramente engajados em empregos condizentes com os seus níveis de escolaridade. Confirma-se, portanto, a existência de uma forte persistência do fenômeno de sobreeducação no mercado de trabalho brasileiro, visto que, os graduados que aceitaram sua primeira experiência de emprego formal em ocupações que exigem abaixo do nível superior estão fortemente inclinados a permanecerem nessa situação em futuros contratos de emprego. Assim, uma boa correspondência ocupacional no início da carreira torna-se indispensável para a conquista de melhores posições de emprego nos anos seguintes.

Esses resultados apontam para a necessidade de políticas públicas voltadas não somente para a inserção e permanência dos jovens graduados no mercado de trabalho, mas principalmente para a qualidade dos empregos obtidos no início da carreira. Aumentar a participação destes no mercado de trabalho sem a garantia de que eles sejam empregados em atividades capazes de aperfeiçoar e utilizar plenamente suas habilidades, adquiridas ao longo de sua formação, pode resultar em uma alocação subótima da mão de obra qualificada, além de não produzir automaticamente os retornos que seriam esperados de uma população altamente qualificada (Congregado et al. 2016Congregado, E., J. Iglesias, J. M. Millán e C. Román. 2016. “Incidence, effects, dynamics and routes out of overqualification in Europe: A comprehensive analysis distinguishing by employment status”. Applied Economics 48, no. 5: 411-445.).

A importância da continuidade do investimento em capital humano para a redução dos riscos de sobreeducação no emprego atual também é verificada. Os que aumentaram seus níveis de escolarização entre o primeiro e atual emprego têm 8,6% a menos de probabilidade de serem sobreeducados do que seus pares que permaneceram com o mesmo nível educacional. É possível que os graduados que adquiriram um ensino de menor qualidade tenham um maior incentivo de adquirir mais educação com o objetivo de suprir seu déficit de habilidade e se tornarem efetivamente qualificados para a sua ocupação (Robst 1995Robst, J. 1995. “College quality and overeducation”. Economics of Education Review 14, no.3: 221-228.), reduzindo-se, portanto, os riscos de sobreeducação.

Os trabalhadores que mudaram de firma durante o período de análise, assumem menor probabilidade de serem escolarizados em excesso no emprego atual. Blázquez e Mora (2010Blázquez, M. e T. Mora. 2010. “Overeducation and job mobility: Evidence from young recent graduates in Catalonia”. Revista de Economía Laboral 7, no. 1: 64-84.), em uma pesquisa para a Catalunha, na Espanha, também encontram essa relação. No entanto, os autores evidenciam que a mobilidade profissional pode reduzir a probabilidade de sobreeducação apenas quando os trabalhadores deixam voluntariamente seu emprego em busca de melhores oportunidades.

Com o intuito de explorar outros mecanismos de busca que podem ser usados pelos trabalhadores para melhorar suas correspondências de emprego, as mobilidades entre os setores público e privado também foram consideradas.

De acordo com os resultados reportados na Tabela 2, não existem diferenças significativas nas chances de excesso de educação entre os que continuaram como servidores públicos (categoria de referência) e os que migraram para este setor no emprego corrente em 2015. No entanto, a transição do setor público para a iniciativa privada, assim como a permanência em empregos privados, pode reduzir os riscos de sobreeducação no mercado de trabalho em até 11% e 3,3%, respectivamente.

As condições do mercado de trabalho também determinam a incidência de incompatibilidade educacional. As estimativas apontam para uma relação positiva entre taxa de desemprego e riscos de sobreeducação no mercado ocupacional, indicando que as dificuldades de se conseguir melhores correspondências de emprego aumentam diante de taxas de desemprego mais elevadas. Esses resultados corroboram os achados recentes dessa literatura (Acosta-Ballesteros et al. 2018Acosta-Ballesteros J., M. P. Osorno-del Rosal e O. M. Rodríguez-Rodríguez. 2018. “Overeducation of Young Workers in Spain: How Much Does the First Job Matter?”. Social Indicators Research 138: 109-139. https://doi.org/10.1007/s11205-017-1643-z.
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, Liu, Salvanes e Sørensen 2016Liu, K., K. G. Salvanes, G e E. Ø. Sørensen. 2016. “Good skills in bad times: Cyclical skill mismatch and the long-term effects of graduating in a recession”. European Economic Review 84: 3-17., Morano 2014Morano, C. P. 2014. “The determinants of overeducation: Evidence from the Italian labour Market”. Investigaciones de Economía de la Educación 9: 681-698.), e podem ser justificados pelo fato de o mau desempenho do mercado de trabalho limitar as oportunidades de emprego dos trabalhadores, levando-os a aceitar empregos não condizentes com os seus níveis de escolarização.

4.2.3. Análise da probabilidade condicionada ao status de sobreeducação no primeiro emprego

Visando identificar quais variáveis apresentam maiores efeitos sobre a probabilidade de o trabalhador ser sobreeducado no emprego atual, dado que o foi no primeiro emprego, e a fim de testar a hipótese de que as chances de transição para o emprego condizente são mais elevadas para os que foram primeiramente engajados em empresas maiores, realizou-se um estudo de probabilidade condicional a partir da estimação de um modelo probit bivariado de equações aparentemente não relacionadas, conforme discutido na seção 3. Os efeitos marginais das variáveis explicativas sobre a probabilidade dos graduados serem sobreeducados no emprego de 2015, condicionada ao status de sobreeducação no primeiro emprego, são apresentados na Tabela 3.

Os resultados confirmam a segunda hipótese levantada por esta pesquisa, de que existe vantagem em engajar o primeiro emprego em empresas maiores. Os graduados que aceitaram a sua primeira atividade laboral em ocupações que demandam abaixo de suas qualificações, mas que o fizeram em empresas de grande porte, são 9,3% e 5,3% menos propensos a repetirem a mesma incompatibilidade no emprego atual do que seus pares que foram primeiramente engajados em empresas micro e de pequeno porte, respectivamente. Além de técnicas de recrutamento mais precisas e capazes de reduzir os riscos de subutilização da capacidade produtiva de seus funcionários, as grandes empresas também podem apresentar uma mobilidade interna mais elevada em razão da maior disponibilidade de cargos que permite realocar internamente os trabalhadores cujo capital humano está sendo subutilizado (Morano 2014Morano, C. P. 2014. “The determinants of overeducation: Evidence from the Italian labour Market”. Investigaciones de Economía de la Educación 9: 681-698.).

Assim, os indivíduos que ingressaram no primeiro emprego em estabelecimentos maiores podem apresentar uma mobilidade ascendente mais rápida se comparados aos que iniciaram suas atividades em empresas menores, acelerando, portanto, sua transição para empregos condizentes.

Tabela 3:
Probabilidade Condicionada ao Status de Sobreeducação - Efeitos Marginais

Em relação ao processo de mobilidade entre os setores público e privado, não foram encontradas diferenças significativas na probabilidade de saída do estado de sobreeducação entre os trabalhadores que continuaram como servidores públicos e os que migraram para este setor durante o período de análise. No entanto, a permanência em empregos privados e a transição dos servidores públicos para a iniciativa privada, podem reduzir a probabilidade de repetir o mesmo status de sobreeducação vivenciado no primeiro emprego. Congregado et al. (2016Congregado, E., J. Iglesias, J. M. Millán e C. Román. 2016. “Incidence, effects, dynamics and routes out of overqualification in Europe: A comprehensive analysis distinguishing by employment status”. Applied Economics 48, no. 5: 411-445.), em uma pesquisa para a Europa, também encontram resultados semelhantes. Os autores mostram que os funcionários públicos têm mais chance de resolver suas incompatibilidades fora de seu status de emprego do que os funcionários do setor privado que mudam para o setor público, e que os trabalhadores da iniciativa privada são mais propensos a eliminar suas habilidades excedentes dentro do próprio setor do que os funcionários públicos.

A probabilidade de transição para o emprego adequado também pode ser afetada pela taxa de desemprego. As chances dos trabalhadores resolverem seus excessos de qualificação são maiores quando as condições do mercado de trabalho são mais favoráveis, pois um cenário de desemprego mais elevado poderá limitar as oportunidades de emprego no mercado de trabalho e, consequentemente, reduzir as chances de saída do estado de sobreeducação.

5. Considerações Finais

Este estudo teve como objetivo quantificar o efeito que o status de sobreeducação no primeiro emprego exerce sobre a qualidade das correspondências de emprego posteriores no mercado de trabalho formal brasileiro. Tendo em vista que, além da mobilidade entre firmas, a escolaridade excessiva também pode ser eliminada por meio da promoção no trabalho (Groeneveld e Hartog 2004Groeneveld, S. e J. Hartog. 2004. “Overeducation, wages and promotions within the firm”. Labour Economics 11: 701-714.), buscou-se também analisar se os trabalhadores acelaram sua transição para empregos condizentes quando inciam suas atividades laborais em grandes empresas, as quais possuem maior disponibilidade de cargos que permite realocar internamente, com mais facilidade, os trabalhadores cujo capital humano está sendo subutilizado (Morano 2014Morano, C. P. 2014. “The determinants of overeducation: Evidence from the Italian labour Market”. Investigaciones de Economía de la Educación 9: 681-698.).

Visando atingir esses objetivos, foram realizados dois exercícios empíricos. No primeiro exercício, testou-se a hipótese de que o excesso de escolaridade no primeiro emprego aumenta a probabilidade de repetir a mesma incompatibilidade no emprego atual a partir da estimação de um modelo probit bivariado recursivo. No segundo, foi realizado um estudo de probabilidade condicional a fim de verificar se existe vantagem em ingressar no mercado de trabalho em empresas maiores, além de identificar possíveis caminhos através dos quais a escolaridade excedente pode ser eliminada. Além disso, esta pesquisa contou com uma base de dados longitudinal, extraída da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), identificada para os anos de 2006 e 2015, além de informações provenientes da Classificação Brasileira das Ocupações (CBO) de 2002.

Os resultados desta pesquisa apontam para uma forte persistência do fenômeno de sobreeducação no mercado de trabalho brasileiro. Estima-se que a probabilidade dos graduados serem sobreeducados no emprego atual aumenta em 43,6% quando estes aceitam o primeiro emprego em ocupações que exigem abaixo de seu nível de escolaridade. Esses resultados sugerem que a experiência de uma incompatibilidade inicial é uma armadilha para carreira profissional dos indivíduos, uma vez que esta poderá prejudicar a qualidade das correspondências de emprego em anos posteriores. Torna-se evidente que as políticas públicas devem ser voltadas não apenas para inserção e permanência dos jovens graduados no mercado de trabalho, mas também para a qualidade do emprego obtido no início da carreira, visto que uma melhor alocação inicial da mão de obra poderá melhorar as alocações futuras, além de proporcionar maiores retornos à produtividade econômica em virtude da melhor utilização do estoque de capital humano.

Apesar da forte persistência do excesso de escolaridade, existem caminhos através dos quais as chances de reincidência podem ser reduzidas. De acordo com os resultados desta pesquisa, a probabilidade dos graduados repetirem a mesma incompatibilidade educacional vivenciada no primeiro emprego diminui quando estes iniciam suas atividades em empresas de grande porte, ao invés de ingressar em empresas de micro e pequeno porte. Também foi verificado que as chances de transição para o emprego condizente aumentam com a continuidade do investimento em capital humano e com a mobilidade ocupacional entre firmas. Ademais, os resultados também apontam para diferenças na probabilidade de saída do estado de sobreeducação entre os setores público e privado. Os trabalhadores que permaneceram no setor privado, ou deixaram o setor público pela iniciativa privada, são menos propensos a repetirem o mesmo status de incompatibilidade no emprego atual do que seus pares que continuaram como funcionários públicos.

Muitos outros fatores podem estar associados à incidência de sobreescolarização no mercado de trabalho. Dentre eles, destacam-se as características familiares (Capsada-Munsech 2020Capsada-Munsech, Q. 2020. “Overeducation, skills and social background: the influence of parental education on overeducation in Spain”. Compare: A Journal of Comparative and International Education 50, no. 2: 216-236.) e a qualidade do ensino (Reis 2020Reis, M. C. Os Ensinos público e privado no Brasil e a incidência de sobre-educação no mercado de trabalho. Brasília: Ipea, 2020 (Texto para Discussão, n. 2558)., Robst 1995Robst, J. 1995. “College quality and overeducation”. Economics of Education Review 14, no.3: 221-228.). Parte das habilidades não observadas dos trabalhadores poderia ser controlada por esta última, a qual seria de grande relevância para este estudo, pois o fato de os trabalhadores serem sobreeducados, isto é, com escolaridade além da exigida pela ocupação, não necessariamente implica que eles também tenham habilidades além daquela considerada adequada para o desempenho de suas funções. Logo, é possível que a forte persistência do status de sobreeducação para alguns tenha sido influenciada pela qualidade da educação recebida. A falta dessas informações no banco de dados da RAIS consiste na principal limitação desta pesquisa. No entanto, a vantagem de se utilizar essa fonte de dados está na possibilidade de conduzir pesquisas no rico formato longitudinal, até então, bastante escassa na literatura brasileira.

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  • JEL Classification

    I21, I23, J24
  • 1
    Diferentemente da medida objetiva, onde o indicador de sobreeducação é construído a partir do nível de escolaridade formal efetivamente exigido pela ocupação, a medida subjetiva inclui informações sobre a incompatibilidade de habilidades, obtidas a partir de autorrelatos dos trabalhadores que afirmam se suas habilidades são suficientes ou não para a realização de seu ofício.
  • 2
    A Política Nacional da Juventude (PNJ) no país considera jovens todos aqueles com idade entre 15 e 29 anos, inclusive.
  • 3
    Devido à ausência de informações na base de dados da RAIS a respeito daqueles indivíduos que não estavam presentes no mercado de trabalho formal durante o período investigado, a correção do possível viés de seletividade amostral se mostrou inviável.

Editor Resposável:

Dante Mendes Aldrighi

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2020
  • Aceito
    26 Fev 2021
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