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De Plenderleith a Al Gore: o ideário vigente na conservação de bens culturais móveis no século XXI

Resumos

O texto discute idéias predominantes, hoje, nas práticas de conservação de bens culturais móveis no Ocidente. São apontadas, também, algumas tendências de pensamento em diferentes contextos de trabalho, identificando-se eventuais mudanças e semelhanças entre as idéias anteriormente vigentes e aquelas que muito provavelmente sejam, já, um legado para este novo século.

Conservação; Bens culturais móveis; Plenderleith; Museus; Patrimônio cultural


This article discusses the prevailing concepts referring to the conservation of cultural heritage collections. Some trends such as some lines of thought are also indicated, identifying occasional changes and similarities among the ideas previously in force and those that, probably, are already a legacy for this new century.

Conservation; Collections; Plenderleith; Museums; Cultural Heritage


CONSERVAÇÃO E RESTAURAÇÃO

De Plenderleith a Al Gore

O ideário vigente na conservação de bens culturais móveis no século XXI

Teresa Cristina Toledo de Paula

Conservadora doutora de têxteis do Museu Paulista da Universidade de São Paulo. E-mail: <tcpaula@usp.br>

RESUMO

O texto discute idéias predominantes, hoje, nas práticas de conservação de bens culturais móveis no Ocidente. São apontadas, também, algumas tendências de pensamento em diferentes contextos de trabalho, identificando-se eventuais mudanças e semelhanças entre as idéias anteriormente vigentes e aquelas que muito provavelmente sejam, já, um legado para este novo século.

Palavras-chave: Conservação. Bens culturais móveis. Plenderleith. Museus. Patrimônio cultural.

ABSTRACT

This article discusses the prevailing concepts referring to the conservation of cultural heritage collections. Some trends such as some lines of thought are also indicated, identifying occasional changes and similarities among the ideas previously in force and those that, probably, are already a legacy for this new century.

Keywords: Conservation. Collections. Plenderleith. Museums. Cultural Heritage.

Escrever ou discutir sobre conservação de bens culturais, quase sempre, significa repetir as idéias que, já na década de 1950, H. J. Plenderleith apresentava em trabalho pioneiro1 1 . Ver H. J. Plenderleith (1956). . De lá até hoje – em uma primeira consideração –, diríamos que cada matiz (seja do conceito seja da atividade profissional) já foi discutido e reafirmado dezenas de vezes e em vários idiomas.

Podemos afirmar que, neste início de milênio, a atividade de conservação encontra-se segura de suas metas e ciente de seus desafios. Se outros momentos históricos foram caracterizados pela expectativa de conhecimento e/ou tecnologia futuros que trouxessem melhores opções de trabalho, este nosso tempo apresenta-se como aquele do usufruto de tais condições: dispomos, hoje, de segurança, conhecimento e tecnologia para trabalhar. E talvez apenas por estarmos vivendo um momento assim tão favorável é que tenha podido retornar uma antiga questão: será que tudo isso importa?

As críticas que encontramos ao trabalho museológico, aqui ou no estrangeiro, de modo geral, advêm quase sempre de pessoas externas ao meio profissional imediato ou, mesmo, de não-simpatizantes à instituição museu. Em qualquer uma das áreas museológicas – e, especialmente, na de conservação – é incomum encontrarmos uma literatura crítica consistente. Tradicionalmente, os profissionais de conservação ocuparam-se mais em discutir, com competência, os critérios, meios, técnicas e problemas físico-estruturais que se lhe foram apresentados, do que em pensar/repensar a natureza de sua atividade e a extensão, num contexto social mais amplo, do sentido dessa mesma atividade.

A intenção deste ensaio não é inovar o conceito de conservação, mas explicitá-lo, localizando-o no tempo e no espaço. Se quisermos, ao menos, produzir um pensamento novo ou diferenciado, antes precisamos bem compreender o ideário que se assume e postula como correto e/ou conveniente ao mundo e às pessoas deste mundo2 2 . Esta é uma tendência do momento atual. Vários personagens do mundo da conservação/restauração têm produzido textos com estas preocupações; é o caso de Paul Philippot, diretor do ICCROM (International Centre for the Study of the Preservation and the Restoration of Cultural Property), que, em texto recente, apresentou as seguintes considerações: "When one examines the evolution of the concept of restoration in the professional literature and colloquia, one sees that interest in this type of question has grown in recent years. Simultaneously, the nature of these concerns has been clarified appreciably, to the point that today we may speak unequivocally of conservation as a discipline that is based on method, whereas formerly it was a profession resting on no more than empirical knowledge. In the context of such a change, the relationships that have arisen between two components of modern conservation – that which is relevant to the humanities and that which is relevant to technique and the exact sciences – merit very special attention". PHILIPPOT, Paul. "Restoration from the Perspective of the Humanities". Apud Nicholas Stanley Price (1995, p. 216). .

Preservar o planeta, preservar o verde, preservar os animais, preservar o patrimônio! Nunca antes, por certo, as idéias de preservação e extinção estiveram tão presentes em nosso cotidiano. Estamos iniciando o milênio imersos em uma ética cuja crença é que o nosso mundo – tal como o pensamos e o queremos – não sobreviverá, ou não valerá a pena que sobreviva, sem as coisas e idéias que consideramos essenciais. Acerca deste momento histórico, também podemos pensar como sendo aquele de um viajante que precisa planejar e escolher aquilo que levará consigo na bagagem: objetos, idéias e sentimentos, um pouco de tudo que o represente, que o identifique, que o localize no tempo e no espaço. Algo que contenha o seu gosto, seu modo de viver e ilustre seu projeto de felicidade.

Muito já se escreveu a respeito da necessidade humana de construir uma cultura, uma memória e do querer preservá-las. E muito, também, já se viu e ouviu do contrário. O que se teria modificado, todavia, em cada momento histórico e em cada sociedade, seria o grau de adesão, o número de pessoas que compunham um ou outro grupo. Ontem não se pensava como agora, e tudo indica que amanhã se pensará de outra forma. Nesse rumo, parece mais sábio e mais justo pensarmos nosso tempo atual como um momento dessa discussão.

A idéia de preservação traz com ela, necessariamente, dois tempos distintos, senão três: um tempo passado, um tempo presente e um tempo futuro ou, ao menos, presente e futuro: hoje, preservamos alguma coisa – de hoje ou de ontem –, para alguém hoje e amanhã. Se concordamos que preservar é proteger, pôr ao abrigo de algum mal, dano ou perigo futuros, é defender e resguardar, concordamos, também, que só o fazemos porque o fazemos para alguém, ou seja: nós, hoje, julgamos que isto ou aquilo deve permanecer, deve continuar existindo porque é importante e, assim, agimos no sentido de preservá-lo para alguém, agora e depois.

Os anos 1990 trouxeram consigo novas idéias e propostas para o fim do milênio. A ecologia, o politicamente correto, o respeito ao "diferente" e ao natural, influenciaram as idéias de preservação tal qual o fizeram com tudo o mais no mundo. A idéia "menos é mais"3 3 . A expressão original é "less is more". passou a permear o discurso de preservação nos museus mundo afora. Um novo ideário – baseado em atitudes de preservação menos intervencionistas, pouco químicas – passou a predominar nas práticas de trabalho e nos modos da preservação. Podemos afirmar que os modos da preservação são diversos. A rigor, toda atividade que contribua ou resulte na preservação de um bem cultural pode ser pensada enquanto um modo da preservação. Este texto, entretanto, limitar-se-á a discutir apenas um desses modos: a conservação.

Muitos autores, de diferentes épocas, nacionalidades e culturas, já definiram e redefiniram os termos conservação e restauração. Acredito, mesmo, que quase tudo já tenha sido dito e pensado sobre esses termos. Aqui neste texto, portanto, estaremos adotando – dentre as muitas possíveis –, uma determinada idéia de conservação e restauração, idéia esta que afirma o seguinte: "a conservação tem como objetivo manter a integridade física e visual de um objeto, removendo-lhe e/ou acrescendo-lhe o mínimo de material. A restauração tem uma ordem diferente de prioridades: o aspecto visual ou funcional é predominante. Seu objetivo é recriar (no objeto), a aparência visual e física que se acredita tenha ele originalmente exibido"4 4 . Ver Mary Brooks et al. (1994, p. 236). . A diferença básica entre os dois modos de preservação, percebe-se, está no objetivo da ação:5 5 . "Parece conveniente estabelecer uma distinção entre conservação e restauração, o primeiro destinado à interrupção dos processos de degradação, e o segundo, aos casos em que couber um trabalho de maior interferência no original, ressalvando-se sempre o princípio da inalterabilidade da obra." Ver Lenora Lerrer Rosenfield (1997, p.10). tratemos de compreender, portanto, o que se entende ou se imagina, hoje, por conservação de bens culturais.

A conservação de bens culturais apresenta-se, atualmente, como uma atividade científica, e não, como uma ciência. As novas tecnologias, a pesquisa dos diferentes materiais, a melhor compreensão dos processos de degradação, aliados a uma ética e a uma visão de mundo do profissional conservador e da instituição que ele representa6 6 . Apesar de sabermos que hoje, cada vez mais, cresce o número de profissionais conservadores privados, ou seja, que não trabalham dentro de uma instituição determinada, estaremos pensando, neste texto, nos profissionais de museus e naqueles que trabalham com museus. , juntas, é que formam a atividade de conservação7 7 . Esta idéia, de uso corrente, aparece definida por Konstanze Bachmann (1992, introdução). . A atividade encontra-se organizada, internacionalmente, desde 1930, quando se realizou, em Roma, a primeira conferência internacional de conservação8 8 . Idem, p. 1. Segundo afirma a autora, seguiram-se a este encontro, do ponto de vista formal, o ICOM (International Council of Museums), fundado em 1946, na França; o IIC (International Institute of Conservation), em 1950, em Londres; e o AIC (American Institute for Conservation), formado em 1973. . Atualmente as principais idéias e experiências em trabalho de conservação – mais no exterior do que no Brasil – refletem as discussões surgidas nos congressos e/ou encontros promovidos pelas principais organizações internacionais de conservação: ICOM-CC (Comite de Conservação do ICOM)9 9 . O Comitê de Conservação encontra-se subdividido em vinte três grupos de trabalho, dotados de jornais específicos, que promovem simpósios temáticos. Nos últimos anos novos grupos foram criados e outros fundidos ou novamente arranjados. Em 2008 são eles: 1. Conservação preventiva; 2. Formação em conservação/restauração; 3. Teoria e história da restauração; 4. Pesquisa Científica; 5. Documentação; 6. Pintura I: conservação e restauração de pinturas; 7.Pesquisa em tecnologia aplicada às artes; 8. Escultura. Policromia e decoração arquitetônica; 9. Pinturas murais, mosaicos e arte rupestre; 10. Documentos gráficos; 11. Materiais fotográficos; 12. Coleções etnográficas; 13. Materiais orgânicos e arqueológicos úmidos; 14. Têxteis; 15. Couro e materiais afins; 16. Coleções de história natural; 17. Rochas; 18. Vidro e cerâmica; 19. Metais; 20. Madeira, mobiliário e materiais laqueados; 21. Legislação e Conservação; 22. Conservação e engajamento público; 23. Materiais Modernos e arte contemporãnea. ICOM, ICCROM (Centro Internacional para Preservação e Restauração de Bens Culturais), IIC (Instituto Internacional de Conservação), AIC (Instituto Americano de Conservação), UKIC (Instituto de Conservação do Reino Unido), e SSCR (Sociedade Escocesa para Conservação e Restauração). Além dessas organizações, merecem especial destaque as atividades e publicações desenvolvidas pelo Canadian Conservation Institute, sediado em Ottawa, e pelo The Getty Conservation Institute, sediado em Marina Del Rey, Estados Unidos. Também há, em vários museus, equipes de conservadores cuja opinião acaba, sempre, por influenciar toda a coletividade da conservação. São exemplos, na Inglaterra, as equipes da National Gallery, do British Museum e do Victoria & Albert Museum; nos Estados Unidos, as dos Museus da Smithsonian; e, na França, as do Laboratoire de recherche des musées de France.

Podemos afirmar que, no lado ocidental do mundo, hoje, a atividade de conservação ainda se encontra embasada nas seguintes idéias: A. O fim do mito da reversibilidade; B. O respeito ao objeto, e interferência mínima; C. A necessidade de uma ética nos trabalhos; D. A importância da conservação preventiva10 10 . É importante termos em mente que as idéias discutidas aqui são válidas particularmente no nosso lado do mundo. Na área museológica, as especificidades culturais são determinantes. Um mesmo objeto, por exemplo, poderá ser analisado de forma bastante diferenciada por um profissional brasileiro, por um profissional indiano ou por um profissional neozelandês. .

A. O fim do mito da reversibilidade. Durante muito tempo, até a década de 1980, aproximadamente, toda a atividade de conservação e restauração pautou-se na idéia da reversibilidade. Segundo essa idéia, todo trabalho de intervenção realizado sobre um objeto, quer de conservação quer de restauração, deveria ser reversível, ou seja: tudo aquilo que fosse realizado por um profissional, hoje, teria de poder ser removido por outro profissional amanhã. Por exemplo: suponhamos que um museu tivesse em seu acervo uma mesa do século XIX, sem uma das pernas. No local da perna faltante, apenas resíduos do adesivo utilizado. O trabalho de intervenção na mesa – nesse caso a feitura e colocação de uma nova perna – deveria ser reversível, ou seja: deveria ser exaustivamente documentado e passível de ser removido caso, no futuro, a nova perna colocada fosse considerada inadequada por alguma razão.

Durante décadas, esse tipo de atitude profissional foi entendida como a mais adequada, a mais ética e, mesmo, como a única tolerada nas instituições museológicas e órgãos de preservação. Mas, na década de 1980, entretanto, essa idéia começou a ser questionada e foi substituída pela afirmação de que nada é reversível, ou seja, não há modo de voltar atrás; o que foi modificado, modificado está. Com esta mudança radical no pensamento das atividades da área, todos os procedimentos de trabalho passaram a ser questionados e/ou reformulados e, a partir dessa premissa, podemos dizer, surgiram outras, que discutiremos a seguir11 11 . Aqui cabe um esclarecimento: a reversibilidade ainda é um critério utilizado e válido na conservação/restauração. O que terminou, por assim dizer, foi a crença de que era possível voltar-se atrás 100% numa intervenção sobre um objeto qualquer. .

B. O respeito ao objeto, e interferência mínima. O fim da crença no princípio da reversibilidade colocou novas questões a curadores, museólogos e/ou conservadores de museus. Há muito já se pensava um objeto como testemunho material de alguma coisa ou idéia, mas, sem dúvida, foi na década de 1980 que surgiram vários textos comentando o assunto12 12 . Um dos principais porta-vozes desse comportamento criterioso por parte do profissional conservador foi Hanna Jedrzejewska, profissional polonesa, que tem vários ensaios publicados sobre o assunto. Para ela, "o conceito básico fundamental é que os objetos antigos, a despeito de seu tipo, idade, dimensões e valor, são antes e acima de tudo, documentos do passado. E que sua maior importância é o fato de fornecerem informações sobre a história e o desenvolvimento do homem.(...) Todos os tipos de evidência, sejam primários ou secundários podem fornecer informações sobre materiais usados, técnicas de produção, tipos de design e suas formas artísticas e tantos outros detalhes únicos que caracterizam cada objeto. (...) Nos objetos antigos, essa evidência pode estar presente apenas de forma fragmentária. Às vezes, apenas alguns traços seus podem ser encontrados, e o conservador tem que se fazer quase de detetive para localizá-los. Aqui é importante frisar o seguinte: um documento somente se conservará como tal enquanto mantiver sua autenticidade. Um documento precisa ser autentico. Esta é sua definição essencial. Nos objetos antigos, autenticidade significa a existência de características originais, primárias, não só em relação aos materiais brutos de que são feitos, mas também em face das características humanas já citadas. Somente essa espécie de evidência terá importância enquanto assunto de estudos futuros. A questão é que o tratamento de conservação significa uma interferência direta na "essência" do objeto, e isso pode significar que características importantes correm o risco de perder-se.". Ver Hanna Jedrzewska (1980). Este texto foi traduzido por nós em 1994, do original em inglês, para integrar a apostila do nosso primeiro curso de difusão ministrado no Museu Paulista: Introdução à Conservação e Restauração de Têxteis Históricos. . A idéia de que cada objeto é único trouxe à discussão, também, as noções de cópia, imitação, falsificação e autenticidade. Afinal, passou-se a perguntar, o que diferencia um objeto restaurado de uma falsificação? A diferença estaria no processo de trabalho ou na maneira como o resultado é apresentado ao público, depois de pronto?13 13 . Idéia de Mary Brooks et al. (1995, p. 236). Os profissionais – que até então atuavam sobre os objetos com a segurança de estarem apenas contribuindo para a sua preservação – deram-se conta de que, assim, por muitas vezes, mesmo sem o desejarem, estavam removendo, daqueles objetos, uma série de informações que nunca mais seriam recuperadas. Desse modo, tornou-se consenso, hoje em dia, a idéia do "menos é mais", da interferência mínima.

C. A necessidade de uma ética nos trabalhos. Vejamos as seguintes afirmações: "os objetos, por definição, são diferentes e cada caso é um caso" e "cada cultura tende a interpretar seus acervos segundo critérios próprios". Baseada nessas idéias e no que foi colocado até aqui, surge, inevitavelmente, a pergunta: como podemos, então, garantir que todos os profissionais de museus trabalhem sob as mesmas idéias e normas de conduta? A resposta é simples: não podemos. E, se não podemos, como determinar, então, o que é certo, o que é ético? Afinal, nos últimos anos, todos falam em ética, seja em conservação seja em sociedade, política ou esporte. Falar em ética virou moda!14 14 . Mais uma vez verificamos que as idéias de preservação, vigentes agora, estão em sintonia direta com o que acontece mundo afora Mas o que significa trabalho ético em conservação?

As diversas associações e organizações de conservação já citadas, desenvolveram ou aprimoraram, nos últimos anos, códigos de ética e sugestões de procedimentos de trabalho para seus membros. A intenção nunca foi a de vigiar ou punir nenhum profissional, mas, sim, garantir uma uniformidade na abordagem dos mesmos problemas. A maior parte dos códigos, apesar de algumas diferenças regionais, considera ético o trabalho de conservação realizado sob os seguintes princípios básicos: 1. priorização dos valores documentais do objeto; 2. pesquisa prévia e documentação exaustiva de qualquer intervenção; 3. ação de modo a fazer apenas o necessário; 4. uso de todo o conhecimento disponível sobre o assunto; 5. uso, apenas, de materiais de qualidade comprovada; 6. habilitação técnica e intelectual para desenvolver o trabalho que se pretende, não correndo riscos de nenhuma natureza.

Esses princípios básicos norteadores, contudo, costumam ser interpretados de maneira diferente segundo as necessidades e os problemas específicos de cada tipologia de objeto. Isto significa que o conceito de mínimo necessário, por exemplo, será muito diferente se aplicado a um trem, a um vestido ou a um lustre15 15 . No caso dos objetos têxteis, por exemplo, há uma série de especificidades que precisam ser consideradas: as manchas, os padrões de cores, a própria idéia de "sujeira", a manutenção de costuras etc. . Acima de qualquer outra idéia, o trabalho ético pressupõe seriedade profissional, informação atualizada e bom senso.

D. A importância da conservação preventiva. Todas essas discussões aqui apontadas vieram reforçar uma proposta que não era nova ou inédita: a conservação preventiva. Embora já presente há muito na literatura de conservação, essa idéia passou a ser defendida mais acirradamente, todavia, a partir da década de 1980, podendo ser considerada a idéia-chave da conservação nos anos 199016 16 . H. J. Plenderleith (1956) foi um dos primeiros teóricos da área a introduzir a discussão sobre a importância do trabalho de conservação preventiva. . Prevenir, planejar, evitar; pensar na conservação não somente de um ou outro objeto, mas desenvolver estratégias de preservação para as coleções e acervos como um todo. Assim poderíamos, quem sabe, definir o que geralmente se pensa quando se fala, hoje, em conservação preventiva. Vejamos o que disse sobre o assunto Kathleen Dardes, Coordenadora do Programa de Treinamento Avançado (Senior Training Program Coordinator) do The Getty Conservation Institute, tempos atrás, durante o VII Seminário da Abracor (Associação Brasileira de Conservadores e Restauradores de Bens Culturais):

A noção tradicional de conservação tem-se transformado nos últimos anos. Não faz tanto tempo assim que conservação significava costurar um rasgo, colar uma rachadura ou preencher uma área perdida. Conservadores e Restauradores ainda executam essas tarefas e sempre o farão, mas nosso pensamento e nossa forma de abordar estas questões, sem dúvida, evoluiu, expandiu-se. Prevenir o dano ao invés de remediar o dano, é vista hoje, mais e mais, como a principal meta da conservação. Esta mudança da ênfase – do reparo e da restauração para a prevenção –, nos obriga, enquanto conservadores, a modificar nossa visão em vários aspectos. Nós, agora, devemos adotar uma abordagem mais ampla e pensarmos no bem-estar de coleções inteiras, ao invés de pensarmos na restauração de objetos individuais que já sofreram dano. Isto requer de nós, também, uma visão de preservação das coleções a longo prazo quando formos considerar como e onde usaremos nossos recursos [ ] É significativo que, nos últimos anos, tenha sido realizada uma série de conferências e seminários internacionais sobre conservação preventiva, permitindo, assim, que todos os que trabalham na área se beneficiem das experiências de seus colegas. Este é um momento importante e entusiasmante no desenvolvimento da nossa profissão17 17 . Ver Kathleen Dardes (1994, p. 46). .

Retomando o que já dissemos, a conservação de bens culturais, hoje, se apresenta como uma disciplina científica. É preciso que saibamos distinguir – nela e a respeito dela – aquilo que se apresenta como evento e aquilo que é a interpretação que uma época ou uma cultura determinada tiveram desse evento: a deterioração dos materiais é um evento; o modo como ela ocorre (constância, ritmo, intensidade) em ambientes com altos índices de umidade relativa e temperatura, por exemplo, é interpretação. Portanto, o que importa deixar claro, aqui, é que existem fatores constantes dos quais depende a preservação dos bens culturais, fatores determinantes sobre os quais todos os profissionais envolvidos na salvaguarda das coleções precisam atuar.

Todos os fatores determinantes na conservação de bens culturais poderiam ser resumidos em uma só idéia: segurança física18 18 . Os fatores tradicionalmente lembrados são: 1. segurança: proteção contra roubo, vandalismo, acidentes, desastres naturais, intervenções inadequadas; 2. acesso (exposição e armazenagem): critérios e materiais para manuseio, embalagem, exposição e guarda; 3. questões ambientais: luz, temperatura, umidade relativa, poluição atmosférica; 4. ação de organismos vegetais e de animais. . Este é o princípio norteador da conservação. No contexto museológico, institucional, uma série de atividades está em jogo: a comunicação, a educação, a documentação, a pesquisa. Cada uma dessas atividades relaciona-se, no museu, de modo a desenvolver suas atribuições da melhor forma possível; cada qual estabelece sua prioridade, seu princípio norteador. Façamos um exercício de imaginação e pensemos como cada uma dessas atividades do museu trabalharia, separadamente, o mesmo objeto em exposição. Aqueles responsáveis pela comunicação, ou museografia, tratariam de encontrar a melhor forma de expô-lo: o melhor mobiliário, os melhores materiais, a melhor iluminação, do ponto de vista visual, estético. Os responsáveis pela documentação tratariam de prover o objeto com uma etiqueta detalhada, na qual estariam contidas todas as informações disponíveis sobre aquela peça. Já os responsáveis pela educação estariam preocupados com o resultado pedagógico da comunicação: talvez preferissem, por exemplo, que os visitantes tocassem o objeto, que o segurassem entre as mãos. E o conservador? O conservador, muito provavelmente, optaria por não trabalhar com o objeto; e pensaria em expor uma fotografia. Mas o trabalho do profissional de museu, por definição, não deveria ser uma atividade integrada, uma fusão de todas estas preocupações?

Idealmente a prática museológica de trabalho deveria integrar equilibradamente todas as áreas acima citadas. Todas deveriam ser encaminhadas com a mesma competência e atenção. Entretanto sabemos que, na prática da maioria das instituições brasileiras, por uma série de fatores, isso acaba não acontecendo e uma ou outra dessas atividades – que deveriam, sempre, caminhar paralelas – acaba por sobrepor-se às demais. Ou seja: a maioria das instituições, mesmo sem o desejar, acaba enfatizando algumas áreas do trabalho museológico em detrimento de outras tantas. Alguns agem desta forma por opção; outros por negligência ou ignorância.

Somos fruto do nosso tempo e o nosso tempo acredita na conservação preventiva. Não se trata de insinuar que a conservação preventiva seja uma idéia inadequada: ela é uma idéia importada como tantas outras e a expressão do ideário politicamente correto, acreditamos, nas práticas de conservação de bens culturais19 19 . Um bom exemplo de importação e adoção equivocada de parâmetros internacionais pode ser tirado da adesão incondicional que sempre fizemos, no Brasil, às recomendações internacionais em relação aos índices de umidade relativa e temperatura dos locais que abrigam bens culturais móveis. A recomendação estrangeira de determinados índices ambientais favoráveis à boa conservação de acervos culturais foi, sempre, pautada na realidade climática do hemisfério norte para atender às especificidades do hemisfério norte. Tais índices, hoje bastante disseminados, nada mais são do que convenções que aliam situações climáticas favoráveis à conservação da maioria dos materiais, orgânicos e inorgânicos, a índices igualmente toleráveis e confortáveis às pessoas. .

No Brasil, a importação de tendências tem sido uma característica determinante nas últimas décadas. O pequeno número de cursos de conservação e restauração no país e, principalmente, a ausência de uma reflexão consistente acerca de nossa realidade patrimonial têm contribuído para que se instalassem entre nós uma série de idéias estrangeiras, com endereços e filosofias diversas, muitas vezes contraditórias. Não há o que fazer sobre o assunto, é uma decorrência destes dias: vários profissionais brasileiros têm deixado o Brasil para especializar-se em diferentes países, em escolas que trazem, naturalmente, abordagens e práticas de trabalho diferenciadas. Ao retornar, nada mais natural que reproduzam, apliquem, divulguem e ensinem aquilo que aprenderam no estrangeiro. Isto é comum em todas as áreas do conhecimento em que não existe maturidade profissional, não sendo exclusividade, portanto, da área de conservação/restauração.

Outra idéia importada por nós foi a valoração, maior ou menor, atribuída às nossas coleções e, conseqüentemente, à conservação de nossos acervos. Historicamente, ao menos no Brasil, os museus acompanharam as tendências do mercado de arte, ou seja, aquilo que tem mais valor financeiro-comercial acaba "valendo mais" também dentro do museu. Assim foi que as pinturas de cavalete e esculturas, os acervos em papel e o mobiliário, na maioria dos museus, sempre foram pensados como núcleos principais de coleções. O restante das tipologias – dos veículos à plumária, dos instrumentos musicais às rendas e brinquedos – ocupou, freqüentemente, um segundo plano; ou mesmo um terceiro. E esta valoração de mercado, endossada pelos museus, influenciou muito nos trabalhos de conservação das coleções como um todo. Tal valoração, internamente, tratou de priorizar determinados grupos de acervo em detrimento de outros. Do mesmo modo, laboratórios de conservação foram criados, sempre, para atender às mesmas categorias de bens culturais. Basta pensarmos, por alguns minutos, em nossos poucos cursos de formação – e, mesmo, na quantidade de profissionais atuando nesta ou naquela modalidade da conservação – para concluirmos que, estranhamente, é o mercado de arte que ainda determina as diretrizes da preservação de bens culturais no Brasil. Parece uma afirmação estranha de se fazer; mais estranho, todavia, é não termos no país instituições museológicas – universitárias ou não –, dotadas de laboratórios com profissionais especializados na conservação de metais, de veículos, de couros e peles, de instrumentos musicais, de objetos com mecanismo, de plumária, de plásticos e materiais modernos, e tantas outras possibilidades. Ainda causa estranheza a simples idéia de desenvolvermos tais atividades dentro dos museus, soa como novidade, tal é a forma pela qual nos encontramos habituados a pensar, hierárquica e tradicionalmente, nosso patrimônio20 20 . Curiosamente novas hierarquias estão sendo criadas. De dez anos para cá presenciamos um "boom" na conservação de imagens fotográficas, o que, como fato museológico, poderia ser bastante positivo, caso não trouxesse consigo uma nova onda hierárquica, um novo modismo: o imagético. .

Nos últimos anos, a conservação, de um modo geral, passou a ser mais enfatizada dentro dos museus. Provavelmente, isso possa ser explicado, mais uma vez, por aqueles fatores "fim de século" – mencionados no início deste texto –, mas também pela necessidade, real, que décadas de negligência acabaram por impor às instituições, hoje. E, talvez, esse "passado negligente" possa explicar uma tendência que se apresenta em nossos dias: a do exagero conservativo. O exagero conservativo é a prática da conservação pela conservação. É a ênfase exagerada na atividade de conservação; é a adesão à crença de que ela, conservação, representa a meta principal, contemporânea, do trabalho museológico.

Em 1997, no Textile Symposium, em Ottawa, Canadá, Linda Hillyer e Jonathan Ashley-Smith21 21 . Respectivamente, chefe do Departamento de Conservação de Têxteis e chefe da Conservação. , do Victoria & Albert Museum, Londres, apresentaram comunicação questionando o trabalho desenvolvido pelo museu e que nos serve, neste momento, para ilustar o exagero do qual falamos:

In the real dynamic system in which objects decay, treatments do not last forever and the museum continously interacts with its audience, the calculation of the apparent backlog for textiles objects at the V&A increases from 40 to 150 years. At the end of 40 years, even though some 40,000 treatments have taken place, the 'backlog' remains at about 150 years. If it is true that conservation treatments only last for a limited period of time, say a few decades, then it is obvious that the work can never be completed. All the objects that are treated eventually revert to the category of objects awaiting treatment."22 22 . Jonathan Ashley-Smith & Lynda Hillyer (1957, p. 8).

Nunca se investiu tanto em conservação. Os grandes museus estrangeiros criam, a cada dia, recursos cada vez mais sofisticados para proteger seus objetos. Aparelhos sensores, vidros de vitrine que deterioram , reservas técnicas especiais para a preservação de objetos de chocolate e açúcar, sistemas de iluminação por fibra ótica; são apenas alguns exemplos do que se pode encontrar. Os museus andam exagerados; a idéia de preservação anda exagerada e a atividade de conservação, também.

Estamos vivendo um tempo de mudanças radicais em tudo e para tudo. A globalização, o fim das geografias tradicionais, transformou rapidamente algumas atividades museológicas e, talvez, como um todo, a museologia não se tenha dado conta disto. De qualquer modo o exagero está presente e é preciso enxergá-lo. Sabemos que nunca teremos tempo, espaço e condição de estudar, exibir e conservar todos os objetos que estão sendo coletados. Então cabe sempre perguntar: por que fazemos isso?23 23 . Dentre as coleções pessoalmente visitadas nos últimos anos, contabilizamos um número que ultrapassa os dez bilhões de objetos (apenas no British Museum, Victoria & Albert Museum, Merseyside Museums, Metropolitan, Smithsonian, Louvre ) sem calcular, aqui, livros e coleções cartográficas. Ignoramos, com certeza, quantos humanos somos, hoje. Mas pensemos que a população do planeta seja algo ao redor de cinco bilhões. Pensemos, ainda, que cada um desses objetos custe mensalmente, ao seu depositário legal, entre 50 e 100 dólares: teremos cifras e somatórias assustadoras. Esta contabilidade mundial dos acervos parece-nos um tema bastante interessante para um trabalho futuro. Desconheço qualquer publicação que se tenha ocupado em calcular quantos objetos, hoje, estão sendo preservados em museus.

Não poderemos salvaguardar tudo. Teremos de optar, sempre, pela conservação daquilo que mais importa. Só que aquilo que mais importa não pode ser determinado, apenas, pelo mercado de arte, por um modismo de ocasião ou pela ignorância profissional. A conservação do importante é ampla por definição: pressupõe abrangência, eqüidade e, sobretudo, critérios.

A filosofia do "less is more": a conservação politicamente correta24 24 . Na década de 1990 a expressão "less is more" foi apropriada por cursos de formação em conservação, como os do Courtauld Institute of Arts, em Londres, e passou a ser utilizada por professores e alunos como referência à nova postura profissional que se recomendava. Sua utilização, desde então, passou a ser freqüente na exposição de trabalhos e estudos de caso em encontros internacionais como os do ICOMICOM-CC, por exemplo, através do planeta.

"Dirt can be defined as a material which is in the wrong place, rather as a weed is thought as a plant growing in the wrong place."25 25 . The Conservation Unit (1992, p. 13).

A sutil definição de sujeira – surgida na Inglaterra ainda na década de 198026 26 . A primeira edição de Science for Conservators, em 3 volumes ( Introduction to materials; Cleaning; e Adhesives, respectivamente), data de 1982. Todos eles, hoje essenciais às atividades de conservação/restauração, foram produzidos por Jonathan Ashley-Smith, do Victoria & Albert Museum, Londres. pode ser considerada um marco (ou um forte indício) das mudanças de mentalidade e práticas de trabalho que passariam a ocorrer nas diversas áreas da conservação nos anos subseqüentes27 27 . Toda a vez que aqui mencionamos a expressão "áreas da conservação" estamos nos referindo às atividades e teorias praticadas pelas diversas modalidades de materialidade: têxtil, metal, materiais modernos, plumária etc. e não necessariamente à divisão formal de grupos de interesse estabelecidos pelos comitês internacionais, como os mencionados no primeiro capítulo. . Novas idéias – em um discurso novo e diferente – passaram a sugerir e a induzir, pouco a pouco, prática e atitude profissionais novas. O politicamente correto alcançava o pensamento preservacionista e atribuía-lhe novos qualificativos: necessário, indispensável, transigente28 28 . Transigente, aqui, surge como tradução para compromised. , ético, passaram a ser os novos adjetivos utilizados na equação de projetos de intervenção e investigação29 29 . Na área de conservação, um "projeto de intervenção e investigação" significa o mesmo que um "tratamento" – modo como freqüentemente se conhece e denomina, fora da Universidade, o planejamento e desenvolvimento de um processo de conservação de um objeto. . Tais mudanças, aparentemente, foram ocorrendo nas diferentes áreas em ritmos e volumes bastante diferenciados: as áreas de tipologias "tradicionais" – com "Escola", como a pintura (mural e de cavalete), arquitetura, mobiliário e escultura – muitas vezes relutaram (e ainda hoje relutam) em repensar antigas noções. Já aquelas das artes "decorativas", materiais modernos e outras, como a área têxtil – estruturadas mais recentemente (após 1950) –, parecem ter-se comportado, sempre, de modo mais receptivo30 30 . É interessante notarmos uma outra possibilidade de leitura da adesão dessas diferentes áreas às novas propostas. De um modo geral, as áreas consideradas mais conservadoras em conservação/restauração parecem corresponder àquelas dos objetos que precisam "ficar em pé", ou seja, daqueles cujo sentido de existência (de preservação) é unívoco em sua proposta estrutural. Ou seja – diferentemente de um fragmento de cerâmica ou de parte de um vestido –, um mural, uma cadeira ou uma pintura de cavalete podem ser apresentados só no exercício de sua função, desconsideradas aqui, é claro, as releituras e propostas das artes moderna e contemporânea. . Ao analisarmos a bibliografia mais recente dos diversos grupos, veremos que os aqui chamados "tradicionais" se encontram bastante próximos, ainda, das idéias de Cesare Brandi em seu Teoria del Restauro, marco na historiografia31 31 . Ver Cesare Brandi (1977). .

Também a idéia de intervenção tal qual a entendemos hoje é recente. Ao pontuarmos as considerações de H. J. Plenderleith, já no prefácio de The Conservation of Antiquities and Works of Art (1956), notaremos que uma série de ações sobre os objetos (hoje consideradas já o próprio trabalho de intervenção) eram concebidas somente como medidas preliminares ao trabalho conservativo propriamente dito:

As collectors know only too well, the acquisition of objects is but the first step towards their incorporation in the collection. In order to be able to appreciate and study the objects, it is usually necessary to clean, restore and always maintain a suitable environment which will ensure their stability whether in storage or on exhibition. In the following chapters simple instructions are given for cleaning and preservation, and the collector with a practical mind who desires to carry out for himself the methods described can do so without any special technical training32 32 . Ver Prefácio, em H. J. Plenderleith (1956, p. vii). .

Cesare Brandi e H. J. Plenderleith podem ser considerados – como William Morris e Alois Riegl o foram até meados do século XX33 33 . William Morris (1834-1896), inglês, fundador da Society for the Protection of Ancient Buildings, em 1877 (para a qual escreveu seu Manifesto). Aloïs Riegl (1858-1905), professor da Universidade de Viena e presidente da Comissão dos Monumentos Históricos austríacos, autor de Le culte moderne des monuments, foi pioneiro na reflexão a respeito do conceito de monumento, de suas significações não explícitas e dos diferentes valores a eles atribuídos. Considero de referência a edição francesa: Le culte moderne des monuments: son essence et sa genese. Paris: Éditions du Seuil, 1984, 128 p. A primeira parte do texto foi traduzida para o português por Heloisa Barbuy e a autora, para o primeiro número da Revista de Museologia, em 1989. – os polarizadores do pensamento e da geografia em que, desde o pós-guerra, desenvolveram-se não só a idéia de conservação/restauração como também os principais trabalhos na área. Teoria e prática, respectivamente, explicitaram as posturas profissionais, indagações e propostas que vigiram aproximadamente até a década de 1980, época em que a reversibilidade deixou de ser paradigma e ganharam força outras idéias até então menos consideradas, como já apresentamos34 34 . O trabalho de Plenderleith pode ser considerado a primeira tentativa de sistematização científica de procedimentos técnico-práticos da conservação/restauração. O autor, cientista do Laboratório de Pesquisa do British Museum, reconhecia a necessidade de orientar e informar curadores e profissionais de conservação não só a respeito das áreas aqui chamadas tradicionais, mas, igualmente, de todas as outras tipologias de objeto. . As mudanças verificadas daqueles para estes dias são, sobretudo, de forma e grau: hoje, os procedimentos propriamente ditos, quando confrontados, são bastante semelhantes aos praticados nos anos 1950, excluindo-se desta afirmação, obviamente, os aprimoramentos advindos das novas condições mercado-tecnológicas.

Em todas as áreas onde se faziam necessários reparos e restauração, sabe-se que o pós-guerra trouxe à Europa, principalmente, o sentimento de "é preciso fazer"35 35 . A imagem de Rosie, the Riveter, arregaçando as mangas sob os dizeres "We can do it", apesar de anterior, parece bem ilustrar este sentimento de "mãos à obra". . Também não podemos esquecer o imenso trabalho dos museus durante, e após, a Segunda Guerra (Louvre, British, Victoria & Albert), quando a quase totalidade das coleções, como medida de proteção, foi transferida e escondida em subterrâneos e/ou fora das capitais36 36 . Plenderleith (1956, p. 4), no capítulo dedicado ao estudo das condições ambientais, chega a citar os danos ocorridos às coleções devido às mudanças para as cavermas de Bath: "Before the Second World War a technician was employed for eight months in the year to deal with such defects in pictures at the National Gallery where the atmosphere was not conditioned. On the other hand, in the repository which housed the same pictures during the war and where the air was conditioned to 58 per cent. R.H. at 63 F. the work of the technician was reduced to approximately one month during the first year, progressively less in the following years, and finally after five years his visits became a mere formality as there was no longer anything for him to do. The significance of the relative humidity factor in the conservation of pictures was further emphasized by the fact that, when the pictures were returned to London, they behaved in the same way as before the war, the paint flaking off as badly as ever in rooms that were not air-conditioned. Similarly, in a large repository used during the war to house the British Museum and Victoria and Albert Museum collections (antiquities, books, textiles, prints, drawings, furnitures, &c.), the air was controlled at the constant figures 60 per cent.RH.at 60 F., and not a single case of deterioration was recorded in this repository." Plenderleith, op.cit., p. 4. . Havia muito trabalho a ser feito, mas poucos profissionais habilitados. Em Plenderleith (1956), fica evidente a preocupação do autor em ser claro, em facilitar o acesso à informação e à execução de trabalhos. Naquele contexto de mundo, os especialistas eram raros – e as preocupações, outras, portanto –, acreditava-se na reversibilidade e na positividade da conservação/restauração, ou seja, toda e qualquer iniciativa acerca de um objeto era interpretada como um ganho, um passo em direção à sua preservação.

Tais trabalhos encontraram em Cesare Brandi (1977) o suporte teórico necessário às intervenções pretendidas. Todos os conceitos e princípios básicos apresentados acabaram por influenciar e determinar as abordagens metodológicas das outras tipologias materiais. Brandi retoma as discussões do século XIX, relativas a restauração ou não-restauração, ampliando as idéias de ruína37 37 . "A ruin is anything that is a witness to human history. Its appearance, however, is so different from the one it originally had that it becomes almost unrecognizable [ ] Consequently, the preservation of a work of art that is reduced to a state of ruin depends to a great extent on the historical significance that is assigned to it [ ] When dealing with ruins, restoration can only be a consolidation and preservation of the status quo." Theory of Restoration, apud Nicholas Stanley Price (1995, p. 233). , autenticidade e intervenção38 38 . "If we thus come back to the alternatives of conservation or removal from a visual, historical perspective, we will consider it appropriate, whenever possible, to return a monument to that state of imperfection in which it had been left by the historical process and which ill-considered restorations have instead completed. However we should always respect the new unity that, independently of the foolishness of restorations, was established within the work of art through a new fusion, the more this fusion affects the work of art is also a real source of historical material and testimony. One can point out, nonetheless, that even the worst reconstruction does, in fact, document human activity, albeit an erroneous one, and that it is still part of human history. Thus it should not be removed - at the most it can be isolated. This position would seem to be historically unassailable if it did not, in fact, lead to a conviction for the entire work of art. Such a conviction would lead us to question the very veracity of the monument as a historical monument: this cannot be allowed at the level of philological critique. Furthermore, a similar requirement to completely conserve all phases through which the work of art has passed must not contradict the aesthetic requirement." Ibidem p. 235. .

Plenderleith, diferentemente, teve como principal preocupação arrolar os procedimentos práticos necessários aos trabalhos de intervenção. E, neste contexto, interessa-nos, sobretudo, o modo como isso se deu. Vejamos os seguintes trechos do capítulo que o autor dedicou aos têxteis:

1. Before begining restoration work on textiles the first step is to carry out an examination [ ] It may be impossible to record all particulars until the textiles have been washed, but is important to get as much information as possible in the first place in case any evidence should be lost during treatment. The preliminary examination will decide what are the safest methods to adopt for cleaning and restoration39 39 . Plenderleith, (1956, p. 94). .

2. There are three general ways of protecting textiles from insects. The first is to isolate the textile- to parcel it up so that insects cannot get at it. The second is to use insecticides, and the third is to use an inhibitor that is either so disasteful to the insect or so toxic that protection is assured. This last method involves the use of a proofing reagent that can be permanently fixed on the textile fibre. This necessitates the use of special apparatus and is a technique that can only be applied to new material in the course of manufacture40 40 . Idem, p. 114. .

3. Apart from vacuum fumigation that can be applied on a large scale to protect costumes or ethnographical material in bulk, the most effective protection is given by the presence of a volatile insecticide such as dichlorobenzene, which, though perhaps a trifle too volatile, is otherwise satisfactory and efficient41 41 . Idem, p. 115. .

Talvez seja difícil para leitores externos à área de conservação entender o quão estranhas, radicais e mesmo inadmissíveis soam hoje, ao profissional contemporâneo, as recomendações fornecidas pelo autor. Tomemos alguns pontos para discussão. A primeira observação que pode ser feita, por exemplo, diz respeito à quantidade de ações propostas, no sentido antes mencionado: lavar, limpar, aplicar (ou seja: fazer, executar, agir). A nossa filosofia politicamente correta do "less is more", hoje em dia, praticamente nos impossibilita de compreender ou considerar sério um trabalho que mencione explicitamente um agir contundente e/ou um risco de percurso, como o apontado na citação 1, ou, ainda, a pouco preocupada recomendação para o uso de produtos químicos como o diclorobenzeno, na 3.

O "less is more" impôs aos profissionais, sobretudo, uma postura de observação. Antes de qualquer ação, é preciso observar, observar muito, exaustivamente, exageradamente. Nos museus de história e etnografia tudo pode ser considerado importante, preservável, documento. Um simples fio de cabelo depositado sobre um paletó pode ser encarado como um documento valioso42 42 . Em 1998, foi encontrado um fio de cabelo em um smoking que pertenceu a Santos Dumont. O procedimento por nós adotado foi o de identificá-lo e encaminhá-lo ao setor responsável pela documentação. Hoje, um simples fio de cabelo, se submetido a um exame de DNA, por exemplo, talvez possa trazer uma série de informações sobre o personagem e esclarecer melhor seu envelhecimento e morte prematuros. . O comportamento profissional mudou da ação para a observação. Agir somente quando necessário: é melhor prevenir do que remediar, afirma o discurso profissional vigente, politicamente correto. Tal abordagem da cultura material, acreditamos, encontrou na conservação preventiva43 43 . Aqui entendida como uma série de práticas que objetivam proteger os objetos e retardar seu processo de degradação. o modo de reintroduzir o discurso da anti-restauração, tão propagado por John Ruskin no século XIX44 44 . "Do not let us talk of restoration. The thing is a lie from begining to end....But , it is said, there may come a necessity for restoration! Granted. look the necessity full in face, and understand it on its own terms. It is a necessity for destruction. Accept it as such, pull the building down, throw its stones into neglectd corners, make a ballast of them or mortar, if you will; but do it honestly, and do not set up a Lie in their place. And look that necessity in the face before it comes, and you may prevent it... Take proper care of your monuments, and you will not need to restore them." Cf. John Ruskin (1819-1900), na obra The Seven Lamps of Architecture (1849). APUD: Nicholas Stanley Price et alli (1995, p. 322). . No momento atual, nada parece justificar uma ação radical, definitiva, que gere arrependimento.

Tratando-se da conservação de objetos provenientes de culturas outras que não a dos profissionais do museu depositário, por exemplo, há ainda um forte apelo antropológico e/ou etnográfico, no sentido do respeito às diferenças culturais, às diferentes formas de enxergar e interpretar o mundo. Textos como os das autoras americanas Kahlemberg (1986) e Orlofsky & Trupin (1993) enfatizam suas análises na demonstração de limites (da interpretação) durante o estudo e conservação dos objetos45 45 . Kahlenberg, ao narrar a trajetória de um Pua – tecido cerimonial produzido em Bornéu –, sugere que os profissionais de museus conheçam melhor o histórico dos objetos com os quais lidam, antes de abordá-los e/ou submetê-los a algum tratamento de conservação e/ou modo expositivo. Mesmo afirmando que todo objeto de museu é necessariamente re-semantizado, a autora sugere uma nova atitude por parte dos profissionais de museu. Ver Mary Hunt Kahlenberg (1986, p. 54-57). No mesmo sentido escrevem Orlofsky Trupin, enfatizando que o background do profissional vai definir o encaminhamento e/ou direcionamento dos trabalhos de conservação a serem executados. Cf. Patsy Orlofsky e Deborah Lee Trupin (1993). .

Talvez seja este o momento de introduzirmos uma observação. As considerações gerais que vêm sendo feitas, e boa parte das que serão feitas neste ensaio, têm como objeto de discussão as atividades desenvolvidas em determinados grupos de países: os americanos, os euro-ocidentais, e mais Austrália e Nova Zelândia. Não estão sendo considerados aqui, portanto, países como Japão, Índia e Irã, dentre outros, que apresentam modo diverso de pensar as questões preservacionistas.

Em 1993, o Departamento de Conservação do British Museum, Londres, organizou o seminário Restoration: Is it acceptable?, cujas discussões, posteriormente publicadas, apontaram o entendimento que as diversas áreas da conservação vêm tendo a respeito de seus procedimentos de trabalho46 46 . British Museum (1994). . As dezenove comunicações apresentadas – de tipologias bastante diferenciadas (relógios, instrumentos musicais, murais, madeiras, tapetes, tecidos, armaduras, veículos, computadores, mosaicos) – evidenciaram as preocupações do momento: intervenção mínima, trabalho ético, limites de ação. O trecho abaixo, de autoria do organizador do encontro, é um bom exemplo do modo atual, politicamente correto, como vêm sendo discutidas as temáticas da conservação:

Cleaning is generally understood as the revelation of detail by the removal of surface dirt and concretion. But it is always right (ethically acceptable) to remove surface dirt? What if it relates to the use to which the object was put? What if it has accumulated while the object was in use, but is incidental to the actual use? And what if the deposit is actually derived from the object itself?

Deposits relating to the original use of the object are usually known as "ethnografical dirt" and may consist of food remains in vessels, wax or oil in lamps, traces of religious offerings on altars or images, or simply traces of animal secretions on horse harness for instance. A classic example is the blood stain on the shirt which president Lincoln was wearing when he was assassinated. In the past, all these stains and deposits would have been removed without question. Today, none of them would be47 47 . Andrew Oddy (1994, p. 3). .

O politicamente correto, em sua origem – se é que podemos falar assim –, apresentou-se, exatamente, como uma filosofia legisladora, autolimpante, do mundo dos exageros. Era preciso podar arestas, evitar abusos, promover a sutileza de práticas e discursos. Mas ironicamente, pondera-se, o politicamente correto transformou-se em uma moral não de sutileza, mas de exagero. Todas as instâncias da vida social passaram a ser observadas e patrulhadas por uma ética ranheta e tola em seus excessos. Fumantes passaram a ser perseguidos, crianças estão sendo condenadas por "assediarem" sexualmente outras crianças e há indícios de que, brevemente, o chocolate será taxado como droga. Tudo em nome do bem, do que é certo e verdadeiro. Velhos não podem mais ser chamados de velhos, crianças transformaram-se em pré-adolescentes, e assim por diante. A noção ultrapassada da construção de uma sociedade em nome da fé e da moral, foi substituída pelo discurso ético, moralizante.

Seguindo os novos tempos e a sensibilidade atual, a conservação de bens culturais não tardou em fazer-se politicamente correta, elaborando um discurso e uma prática que alternam, o tempo todo, sutileza e exagero. O "less is more" passou a reger o trabalho dos museus formadores da opinião mundial e, portanto, da maioria dos museus mundo afora, inclusive no Brasil e na Universidade de São Paulo. Inclusive no Museu Paulista.

Revisão e continuidade: alguns bons momentos na literatura recente de conservação

"We were looking for a place for the British Museum collections and we thought of the caves at Bath [ ] The RH was about 100% and the temperature was pretty high too [ ] The Ministry asked me what I wanted and I said something [ ] easy to access [ ] I just mentioned 60:60 [ ] much safer than perhaps getting it wrong the other way "48 48 . Plenderleith (2001).

Este depoimento gostoso, risível, de Plenderleith, o teórico pioneiro da conservação/restauração, ilustra a melhor dentre as tendências ou correntes verificadas na bibliografia específica editada nesses últimos anos: a de estudar e registrar o histórico das práticas e os principais parâmetros ainda vigentes na área de preservação de bens culturais, os chamados, hoje, mantras da conservação.

Ao discutir os depoimentos de Plenderleith, Andrew Oddy (chefe da restauração do The British Museum até 2001 e responsável pela edição de Past Practice, Future Prospects, uma publicação-documento) vai buscar as possíveis bases científicas, além do mero acaso, que teriam levado Plenderleith a decidir-se por aqueles índices: 60/6049 49 . "The 60/60 rule" significa os índices considerados ainda hoje como ideais para a conservação dos materiais: 60% de umidade relativa do ar, em 20°C (aproximadamente 60° F). . Em seu depoimento, Plenderleith conta que o momento político era grave, a guerra uma certeza, e que ele fora incumbido pelo governo de buscar um lugar seguro e grande o suficiente para armazenar todas as coleções britânicas. Visitando as cavernas de Bath, concluiu que, se a umidade relativa do local, superior a 90%, pudesse ser controlada, o local seria apropriado para armazenar os acervos dos grandes museus por um período indeterminado, mas longo. E foi assim que, conta ele, no temor de que o Ministro da Guerra se confundisse com os números e causasse um desastre ainda maior, apontou 60/60, números iguais, fáceis de recordar, como sendo o padrão desejável, ideal, a ser atingido artificialmente nas cavernas de Bath. Terminada a guerra, o bom estado geral das coleções tratou de difundir os números 60/60 como índices adequados à preservação dos materiais. Ciência e acaso. Acaso e, então, ciência50 50 . Talvez seja, necessariamente, sempre assim. Oliver Sachs dedicou boa parte de seu livro Tio Tungstênio: memória de uma infância química à discussão entre ciência e acaso. . Entre as cinco publicações aqui discutidas, duas delas – Past and Practice, e os Preprints 2002, do ICOM-CC – ilustram essa forte tendência de demonstrar velhas técnicas de trabalho, enaltecendo qualidades e perdoando eventuais equívocos de conservadores e cientistas de tempos atrás. Entre os museus mais antigos, nota-se uma concorrência para detectar iniciativas pioneiras de conservação.

Tudo indica que a maior dificuldade da conservação, hoje, seja determinar o que deve, na verdade, ser conservado: a estrutura geral? a imagem geral? os materiais? A idéia? Essas questões, quase sempre atribuídas somente às artes contemporâneas, são comuns a todos os acervos preservados – como veículos e instrumentos musicais, por exemplo, atualmente reduzidos, nos museus, apenas a formas e matérias no espaço ou seja: esculturas. O conservador, no museu, começa a assumir seu papel de editor do passado e não mais de um intérprete, isento, distante, como se imaginara nos anos 1960. Hoje a conservação de atributos materiais originais não é uma busca objetiva e exata nem mesmo no contexto da Arquitetura. Buscar uma existência material anterior quase sempre é quimera, fetiche curatorial.

Todo processo de conservação implica em perda – a frase de van Wegen é, hoje, repetida quase consensualmente. Desde sempre a atividade de conservação de acervos culturais – teoria e prática –, parece ter-se estruturado sobre essa idéia (mesmo, e principalmente, nos longos períodos em que buscou refutá-la). A necessidade de refletir sobre os possíveis significados e finalidades do trabalho de conservação/restauração deveria ser consenso em nosso meio profissional já que tal reflexão trata, sempre, de uma questão de valores e esses, cotidianamente, estão se modificando. Por exemplo, Robert Baker, professor de cerâmicas no Royal College of Art, em outro tempo (nem tão distante assim), afirmava que a repintura era uma forma de vaidade, uma atitude, que se assumia capaz de entender a intenção original de um artista que trabalhou em tempos remotos51 51 . Cf. Ann Ballantyne (2001, p. 3.). .

Sabe-se que idéias e ensaios – e diferenças enormes de interpretação – povoam a história da conservação/restauração (principalmente dos grandes museus europeus e dos primeiros museus americanos) e foram, já, bastante discutidas52 52 . Por exemplo, em seminários temáticos como Restoration is it acceptable ? e Fake, the Art of deception, ambos iniciativas do Museu Britânico. . Por isso se afirma que eventuais mudanças em nossas práticas devem ser entendidas como uma resposta às transformações dos valores e das necessidades das sociedades em que atuamos. Neste mesmo raciocínio, nossa falta de consenso (tanto teórico quanto prático) também precisaria ser compreendida em função das diferenças e desigualdades não só em nossa formação, mas também em nosso referencial teórico e em nosso endereço de atuação profissional. O endereço de atuação profissional é sempre determinante, seja positiva ou negativamente. É sob a influência dessas questões que, dia após dia, exercemos nossa análise ou julgamento profissional. Mas e as questões de hoje, quais seriam, surgiram novidades? Aqui, vamos procurar apontar algumas tendências em diferentes contextos, identificando eventuais mudanças, e semelhanças, entre idéias anteriormente vigentes e aquelas que já são, muito provavelmente, um legado para esse novo século.

As duas publicações resultantes dos dois principais eventos da área no período 2000-2003, Past Practice, Future Prospects e os Preprints 2002, do COM-CC realizado no Rio de Janeiro, como já afirmamos, apresentam bons indicativos de rumos e tendências futuras53 53 . O encontro Past Practice, Future Prospects foi realizado no The British Museum de 12 a 15 de setembro de 2001. O atentado de 11 de setembro praticamente o inviabilizou: vários autores não conseguiram chegar, muitos não quiseram falar, enfim, ninguém, inclusive eu, via sentido em falar de preservação depois do que ocorrera. O encontro trienal do ICOM-CC aconteceu no Rio de Janeiro, em setembro de 2002. . As dezenas de textos ali publicados, de autores de diferentes geografias, agrupam-se espontaneamente (em nosso entender) em torno de alguns interesses-chave.

I. Às idéias de intervenção mínima, reversibilidade e estado original ("true nature"), presentes em toda a literatura específica de conservação da década de 1990, foi acrescida, muito provavelmente em caráter definitivo, a idéia de sustentabilidade, importada, como sempre, de discussões em outros campos do conhecimento. A novidade da idéia causa estranhamento, reações. Para alguns profissionais, essas novas idéias globalizadas ameaçam as interpretações locais e nacionais: Beate Federspiel afirma que a introdução da idéia de sustentabilidade como condição decisiva para o desenvolvimento, gerou uma nova forma de pensar nosso ambiente e, conseqüentemente, nossas políticas culturais e projetos de restauração54 54 . Cf. Beate Federspiel (2001, p. 75). No ano seguinte, a expressão surge em um outro trabalho, apresentado no Rio de Janeiro; ver Peter Homulus (2002). .

Ainda no campo dos acréscimos temos a expressão conservação publica, significando participação popular, aparecendo na bibliografia como algo novo;55 55 . Cf. Glenn Wharton (2002). e, como objeto de estudo inédito, os problemas de conservação de edifícios históricos na Antártica56 56 . Cf. Janet Hughes, George King e Wayne Ganther (2002). .

II. A história das práticas institucionais de conservação e restauração, como já afirmamos, é tema recorrente e, segundo textos recentes, tem sido tradicionalmente apenas uma história de números, contábil, escrita geralmente a partir de relatórios de gastos e recibos de compra de materiais. Na tentativa de mudar esse quadro e mostrar, ou demonstrar, outros percursos institucionais, estaria surgindo, então, dentre aqueles museus mais antigos e/ou detentores das maiores coleções ocidentais de acervos, a tendência de desenvolver projetos de história oral, por exemplo, com antigos profissionais de conservação e curadores. Segundo esses autores, os primeiros laboratórios científicos criados exclusivamente para conduzir pesquisas em conservação surgiram já no final do século XIX, geralmente associados aos museus nacionais da Alemanha, Inglaterra, França e Países Baixos, sendo dirigidos, quase sempre, por profissionais italianos. Baseados em entrevistas e antigos depoimentos de conservadores, textos como o de Stoner e o de Hoenigswald apontam para a influência técnica exercida pelos restauradores imigrados, na formação das primeiras coleções museológicas dos Estados Unidos:

Pichetto was considered a conoisseur as well as a restorer and was respected for combining these talents [ ] [he] approved donor plaques, catalogues and titles of paintings, attributions, dates, iconographic sources, provenance, and so on57 57 . Ver Ann Hoenigswald et al. (2001, p. 124). .

Já a história das atividades de conservação na Alemanha de Hitler continua a mesma, pouco conhecida, não apresentando nenhuma avaliação ou comentários sobre as prováveis destruições causadas pelos ataques aliados ou por imposições dos nazistas:

The Dusseldorf art collections were closed on 26 August 1939, six days before the outbreak of war and the most important items were temporarily stored in the museum basement [ ] Incidents incurred during the final phase of the war and the first period of occupation, including losses recorded from 1946 onwards, have still not been completely clarified58 58 . Cf. Cornelia Weyer (2001, p. 201-207). .

III. Outra tendência seria o surgimento, agora em maior número e intensidade, de textos de conteúdo político explícito. Na maioria dos casos, as influências externas à área de conservação integram um movimento global de "reparação política", em que determinados grupos tentam compensar outros grupos, pelas injustiças cometidas no passado. Um exemplo é o texto da canadense Miriam Clavir, da Universidade de British Columbia, ao considerar o futuro da conservação de acervos etnográficos

Segundo Clavir, esse futuro está intimamente ligado ao futuro dos museus que as abrigam: a conservação dessa tipologia de acervo, afirma-se, está intimamente ligada aos valores éticos que governam tais museus e às suas relações com as comunidades (às quais servem ou deveriam servir). Essa é uma área politizada da conservação, que geralmente varia de país para país. A autora pondera que o próprio termo conservação etnográfica, em um futuro próximo, deverá ser considerado insatisfatório59 59 . Chamar um objeto de etnográfico caracterizaria um tempo quando muitos museus expunham seus objetos em dioramas dramáticos que, romanticamente, tentavam mostrar algum estilo de vida tradicional de um determinado grupo. .

Na mesma linha de raciocínio, Elizabeth Pye, em seu artigo sobre a conservação de restos humanos acrescenta: "aos nossos parâmetros de conservação já estabelecidos, precisamos, hoje, acrescentar: sensibilidade à visão do outro; comunicação eficaz e negociação"60 60 . Cf. Elizabeth Pye (2001, p. 175). .

Fry e Martin, ao discutirem os problemas e dificuldades de conservação das cruzes em pedra – monumentos católicos espalhados por todo o território norte irlandês –, são os únicos autores a trazerem a discussão da conservação de bens culturais em áreas de conflito e/ou guerra. O Oriente Médio, o Extremo Oriente, e os países europeus ou africanos em conflito não publicam, não discutem, não polemizam. No caso das cruzes, comentam os autores, qualquer ação, mudança ou proposta de preservação assume outro caráter, gera descontentamento e reação de certas parcelas da população:

Sometimes, though, the most responsible attitude towards caring for something is one that amounts to choosing the lesser of several evils, in the hope that if few are really pleased, then at the same time fewer will be seriously offended61 61 . Ver Malcolm F. Fry e Alan Martin (1994, p.85). .

Finalmente o texto de Federspiel, já citado, inova pela reflexão que traz sobre o papel dos conservadores no século XXI, reafirmando uma impressão pessoal de que os Países Baixos começam a divulgar, agora, em inglês, seu pensamento diferenciado também na área de conservação:

Perhaps it is too early to suggest that conservation should take on hermeneutic responsabilities in terms of interpreting meaning of culture and objects of culture in a wider sense as reflections of the human experience. But our contribution as conservators with first hand access to the raw material of culture could very well be about the fundamental current concerns, the human rights issue and the issues of human and social development62 62 . Cf. Beate Federspiel (1994, p. 78). .

IV. Nos fóruns da área de conservação, começa a ganhar espaço de discussão outra tendência, embora tímida: aquela com propostas e relatos de experiências diferenciadas no gerenciamento de coleções museológicas. Nos dois casos que merecem destaque, o endereço dos conservadores-autores fez diferença. Cane, em seu texto Opening the Box, relata sua experiência com o projeto do Collections Centre, em Manchester, Inglaterra, planejado e construído para que o público tenha acesso direto (manuseio) à maioria das coleções. Segundo o autor, todos nós que trabalhamos com acervos sabemos que as pessoas têm muito mais prazer em visitar locais de acesso restrito, ou proibido, do que visitar as exposições "públicas". Não se trata de uma pequena sala dentro de um museu, mas de grandes instalações, construídas especialmente para essa finalidade: reservas técnicas abertas à visitação. Talvez um caminho, um exemplo a ser copiado.

The project described here has been developed in response to a brief that had people and objects as its focus. Our lives are shaped by the things that we make, so it does not seem logical or desirable to separate them in our museums. It is the job of conservators and curators to bring people and objects together, not keep them apart63 63 . Cf. Simon Cane (2002, p. 26). .

O outro texto, teórico, propõe uma metodologia diferenciada para a conservação de acervos industriais. Rolland-Villemot propõe quatro tipos de abordagem para os objetos industriais: conservação arqueológica; conservação técnica; restauração funcional e conservação etnológica. A autora propõe uma "moratória" institucional para os objetos seriados afirmando que esses, muitas vezes, possuem interesse apenas museográfico e não patrimonial:

Il faut distinguer la collection de réference qui correspond au projet scientifique du musée des autres objets utilisés dans un but pédagogique ou muséographique. Mais dans le cas d'objets industriels, domaine oú l'on sait que la disparition est extrêmement rapide, ne faut-il pas constituer des collections d'etude et proposer un moratoire, cést-à-dire un temps pour les étudier avant leur inscription sur l'inventaire d'un musée?64 64 . Ver Benedicte Rolland-Villemot (2002, p. 189).

A contribuição teórica dos materiais modernos, Modern art: who cares65 65 . Ver Ijsbrand Hummelen e Dionne Sille (1999).

No final do ano de 1999, idéias ainda pouco consideradas, acerca da conservação das artes contemporâneas e de seus materiais modernos, receberam uma publicação nova, um grande livro, denso, importante, que representa, em nosso entender, o que de maior qualidade surgiu na área de conservação nas últimas décadas. A obra Modern Art: who cares apresenta os resultados das discussões, pesquisas e tratamentos de conservação em dez estudos de caso, apresentados em simpósio homônimo, realizado em Amsterdã de 8 a 10 de setembro de 1997. A primeira parte da publicação é dedicada aos estudos de caso: cada um deles é apresentado ou analisado por um curador e, em seguida, por um conservador. Em vários momentos da publicação, foram acrescentados depoimentos e entrevistas com artistas, cientistas, conservadores e filósofos que, juntos, abordaram problemas conceituais e técnicos trazidos pela deterioração, propondo procedimentos diferenciados de conservação para cada caso. A segunda parte da publicação traz vários textos e propostas de documentação de acervos diferenciados. Dentre as ricas idéias registradas no livro, destacaremos, aqui, aquelas que sintetizam, em nossa compreensão, o conteúdo inovador apresentado.

I. A primeira dessas idéias é a que seu autor denominou: O drama de Agamêmnon. Conservar ou não conservar, intervir ou não intervir: não importa qual a opção escolhida, segundo a autor, ela sempre será trágica aos profissionais envolvidos. Renée van de Vall narra "o drama de Agamêmnon" esclarecendo que ele se viu obrigado a optar entre ou trair seu Deus ou sacrificar sua filha66 66 . Ver Renée Van De Vall (1999). .

II. Uma segunda idéia, a ser explorada por todos os profissionais de museus, é: O fetiche curatorial. Segundo D. H. van Wegen67 67 . Cf. D. H. van Wegen (1999). , seu autor, os modos de preservação sempre foram suscetíveis às interpretações e, devido a isso, a idéia de retorno a um estado original – ainda hoje amplamente defendida pelos teóricos da restauração – não passa de pura ficção. O autor retoma a definição de Kunstwollen (querer artístico / vouloir artistique), de Alois Riegl, e, historiando os diversos momentos teóricos da preservação, argumenta que sempre houve e haverá perdas nos processos curatoriais, sejam elas perdas materiais, conceituais ou afetuais.

Para van Wegen, qualquer manifestação material é fonte de informação contínua e direta, não importando se diferenciada (ou não) nos sucessivos momentos históricos. Qualquer trabalho ou busca em outra direção, afirma ele, é puro fetiche, técnico ou teórico. Comparando os procedimentos das artes visuais contemporâneas com os do teatro e da arqueologia, o autor insiste na importância da interpretação nas atividades curatoriais: "o aspecto interpretativo – um tabu indesejável e constantemente negado nos procedimentos de conservação adotados para um objeto – pode ter seu papel explicitado. A matéria-prima original pode ser preservada como fonte e referência para cada nova interpretação".

III. Uma terceira idéia discutida na publicação e complementar à anterior, é: O medo do simulacro. Esta questão, já resolvida técnica e teoricamente em outras tipologias de museu, assusta os museus de arte contemporânea. O autor argumenta que, em um museu de história natural, ninguém se choca nem ao ver lá imagens barrocas sacras, nem ao ver "arte indígena", nem ao ver esqueletos de animais. Mas o mundo da arte contemporânea certamente vai ficar chocado, argumenta, se objetos, performances e outras produções visuais acontecerem "fora de contexto". Desde quando o museu é o contexto natural da arte? Qual a grande dificuldade em se trabalhar com a idéia de simulacro? Pergunta-se: seria a idéia de "originalidade" – dos materiais, do gesto, do conceito – a origem do desconforto de curadores e demais profissionais? "The interpretative aspect – a taboo, undesirable and thus often denied in relation to conservation procedures carried out on the object itself – can have its own explicit place. The original material piece can then be preserved as an objective of its kunstwollen and also as a score for each new execution."68 68 . Idem, p. 204.

Mas, em termos práticos, como atuar? A idéia de intervenção mínima, por exemplo, o que significa? Mínima para se conseguir o quê? Stephan Michalski, conservador-cientista canadense avança na discussão e acusa a conservação moderna e científica de, ingenuamente, reivindicar uma pureza no mundo dos materiais e acusa as atividades de curadoria de, também ingenuamente, reivindicar uma pureza no mundo do conhecimento69 69 . Ver Stefan Michalski (1999). .

No longo prazo, essas idéias deverão influenciar outras áreas da conservação. A tradição ou hábito em pensar diferentemente cada uma das subáreas da conservação ou, caso prefiram, cada tipologia de acervo ou material, poderá mudar, transformar-se, basta que curadores e conservadores se disponham a editar suas práticas antigas e exercitar outras possibilidades, outros pensamentos.

Um pouco de tudo: as antigas teorias atualizadas

A ser citada neste texto, uma última referência importante em densidade e qualidade de conteúdo é Conservation Skills, obra publicada na Inglaterra em 2000 e ainda desapercebida no Brasil. O livro atualiza a teoria da conservação, tendo como assunto central de sua discussão o percurso intelectual de interpretação, análise, julgamento e decisão no que toca aos conservadores70 70 . Cf.Chris Caple (2000). . A autora Chris Caple relembra que, desde sempre, a tentativa de definir uma ética para a conservação utilizou-se de um grande número de termos e expressões, tais como, intervenção mínima, reversibilidade, estado original etc., e que a dificuldade maior de teóricos e praticantes foi, sempre, avaliar a extensão em que, em uma situação determinada, cada um desses termos poderia ser aplicado. Afirmando que os objetivos e princípios da conservação dependem, necessariamente, do conceito de conservação adotado pelo profissional, a autora, em seguida, dedica-se a analisar o processo de julgamento segundo o conservador71 71 . Chris Caple define julgamento como sendo o peso do conhecimento levando a uma tomada de decisão que incluiria, entre outros fatores, as considerações éticas; o melhor modo de atingir os objetivos materiais da conservação; as necessidades de limpeza e reintegração; os prazos e verbas disponíveis; as solicitações de curadores; a saúde e segurança do conservador; as considerações estéticas. .

Caple tenta avançar a discussão desenvolvendo um método, ou técnica, que organize esse ato de julgar. Ela o denomina "rip balance": revelação, investigação e preservação, que consiste numa série de etapas e/ou requisitos a serem respondidos pelo conservador72 72 . No original em inglês: "( ) intended use of the object, context, conservation ethics, condition of the object, evidence and information, aesthetic entity; informative activity; conservation resources, conservator's competence, object of belief; living artist, stolen or looted object . O método assemelha-se ao questionário desenvolvido anos atrás pelo Victoria & Albert Museum e já mencionado neste texto. Um avanço, sem dúvida, mas as variáveis continuam infinitas, como a autora mesma admite. Por exemplo: objetos idênticos, oriundos de diferentes contextos, receberiam tratamentos iguais de conservação? E acrescentaríamos: um mesmo objeto, se analisado por dois conservadores, receberia uma mesma avaliação?

A novidade do trabalho, acreditamos, está em compilar e trazer, para um texto de conservação, idéias já correntes na bibliografia a respeito de atividades curatoriais desde o início da década de 1990 e ainda distantes das práticas cotidianas dos museus brasileiros:

Every generation reinterprets the collections of previous generations and interprets the previous generations through their collecting (Ames 1994; Kavanagh 1990). Thus objects are constantly re-examined and new information and meaning ascribed to them. A process which seems unlikely to even end. Heritage, as distinct from history, is whatever you determine it to be. This pessimistic view suggests that archaeologists and historians are merely engaged in 'self projection onto an essentially unknowable past' (Bintliff 1988). This emphasizes the need for conservators to carefully distinguish between the facts about an object, a history to which they can constructively add, and the selective subjectivity of interpretation which, though necessary to aid understanding, is, like all heritage, always subject to revision73 73 . Idem, p 19. .

Sob tal perspectiva, entretanto, como atuar em conservação hoje? Se aquilo que já foi está apenas em mim, acompanha-me em qualquer julgamento, se a edição do passado sempre me pertence, qual a necessidade em se forjar uma lembrança coletiva? Talvez já seja bom o bastante apenas conhecer e compreender as idéias vigentes hoje, internacionalmente, na área de conservação, assim como duvidar dos antigos parâmetros, quase todos emprestados da conservação de bens imóveis.

"Become carbon neutral": do politicamente correto à verdade inconveniente de Al Gore

Em tempo: enquanto no Brasil o texto de Cesari Brandi, um clássico do século XX finalmente se populariza (o mesmo ainda não aconteceu com a obra de Alois Riegl), o planeta como um todo assiste atento à propaganda preservacionista do americano Al Gore e, estupefato, posiciona-se contra as contínuas emissões de dióxido de carbono que cada um de nós, mesmo apenas respirando, lança no ambiente.

O documentário Uma verdade inconveniente (2006) – de Davis Guggenheim, sobre a militância política de Al Gore – é, sem dúvida, a grande aula de conservação deste início de século XXI, e sua mensagem principal – "become carbon neutral" – já se coloca como um novo paradigma planetário. Afinal, quem vai querer ser comparado àquele sapo bocó que o filme apresenta? Didático e convincente, o filme premiado com dois Oscar já rendeu a seu protagonista o Prêmio Nobel da Paz em 2007. Muito além do politicamente correto, o Império Americano contra-ataca revigorado por um novo discurso salvador. O planeta todo discutindo preservação, temperatura! Pensemos no possível impacto que tal discurso poderá trazer ao ideário da conservação de bens culturais ainda nesta década.

Futuramente, talvez, a história das idéias e práticas da preservação patrimonial possa apontar dois momentos de ruptura e equivalência significativas a partir dos anos 1950: um primeiro deles, na segunda metade do século passado (1950-1980), de ruptura entre as práticas e idéias de Plenderleith no pós-guerras, por um lado, e, por outro, o ideário politicamente correto do "menos é mais" do final do século XX; e, dentre esse ideário fim de século, um segundo momento (1980-2020) de incursão recente, esse do "carbon neutral", que começa a se instalar entre nós.

Sabe-se que, a partir dos anos 1980 – quando se intensificou a troca de informações entre cientistas da conservação e demais cientistas –, também se intensificaram os boatos sobre eventuais manipulações de índices ideais e padrões seguros para a conservação de objetos em museus, principalmente nos Estados Unidos. Vários profissionais, mundo afora, acusaram de manipulação de índices a renomados pesquisadores e centros de pesquisa, visando à redução de custos exigida pelo governo, por exemplo, com os sistemas de ar-condicionado.

Imaginemos, neste espaço fictício do texto, o impacto que o "carbon neutral", se governo, traria aos museus. Desativação de milhares de sistemas sofisticados de ar-condicionado; revisão dos índices de temperatura e umidade relativa considerados seguros aos objetos; revisão dos índices e fontes de iluminação; revisão dos materiais plásticos utilizados para acondicionamento. Enfim, tudo.

O "museu carbon neutral" será um outro museu, totalmente repensado, e, como sempre, a conservação buscará alternativas de adaptação à nova realidade de então. Afinal, preservar o planeta, a grande embalagem que nos conserva a todos e com tudo dentro, é uma idéia irrefutável e aparentemente irreversível. Fair to see.

Artigo apresentado em 3/2008. Aprovado em 4/2008.

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  • 1
    . Ver H. J. Plenderleith (1956).
  • 2
    . Esta é uma tendência do momento atual. Vários personagens do mundo da conservação/restauração têm produzido textos com estas preocupações; é o caso de Paul Philippot, diretor do ICCROM (International Centre for the Study of the Preservation and the Restoration of Cultural Property), que, em texto recente, apresentou as seguintes considerações: "When one examines the evolution of the concept of restoration in the professional literature and colloquia, one sees that interest in this type of question has grown in recent years. Simultaneously, the nature of these concerns has been clarified appreciably, to the point that today we may speak unequivocally of conservation as a discipline that is based on method, whereas formerly it was a profession resting on no more than empirical knowledge. In the context of such a change, the relationships that have arisen between two components of modern conservation – that which is relevant to the humanities and that which is relevant to technique and the exact sciences – merit very special attention". PHILIPPOT, Paul. "Restoration from the Perspective of the Humanities". Apud Nicholas Stanley Price (1995, p. 216).
  • 3
    . A expressão original é "less is more".
  • 4
    . Ver Mary Brooks et al. (1994, p. 236).
  • 5
    . "Parece conveniente estabelecer uma distinção entre conservação e restauração, o primeiro destinado à interrupção dos processos de degradação, e o segundo, aos casos em que couber um trabalho de maior interferência no original, ressalvando-se sempre o princípio da inalterabilidade da obra." Ver Lenora Lerrer Rosenfield (1997, p.10).
  • 6
    . Apesar de sabermos que hoje, cada vez mais, cresce o número de profissionais conservadores privados, ou seja, que não trabalham dentro de uma instituição determinada, estaremos pensando, neste texto, nos profissionais de museus e naqueles que trabalham com museus.
  • 7
    . Esta idéia, de uso corrente, aparece definida por Konstanze Bachmann (1992, introdução).
  • 8
    . Idem, p. 1. Segundo afirma a autora, seguiram-se a este encontro, do ponto de vista formal, o ICOM (International Council of Museums), fundado em 1946, na França; o IIC (International Institute of Conservation), em 1950, em Londres; e o AIC (American Institute for Conservation), formado em 1973.
  • 9
    . O Comitê de Conservação encontra-se subdividido em vinte três grupos de trabalho, dotados de jornais específicos, que promovem simpósios temáticos. Nos últimos anos novos grupos foram criados e outros fundidos ou novamente arranjados. Em 2008 são eles: 1. Conservação preventiva; 2. Formação em conservação/restauração; 3. Teoria e história da restauração; 4. Pesquisa Científica; 5. Documentação; 6. Pintura I: conservação e restauração de pinturas; 7.Pesquisa em tecnologia aplicada às artes; 8. Escultura. Policromia e decoração arquitetônica; 9. Pinturas murais, mosaicos e arte rupestre; 10. Documentos gráficos; 11. Materiais fotográficos; 12. Coleções etnográficas; 13. Materiais orgânicos e arqueológicos úmidos; 14. Têxteis; 15. Couro e materiais afins; 16. Coleções de história natural; 17. Rochas; 18. Vidro e cerâmica; 19. Metais; 20. Madeira, mobiliário e materiais laqueados; 21. Legislação e Conservação; 22. Conservação e engajamento público; 23. Materiais Modernos e arte contemporãnea.
  • 10
    . É importante termos em mente que as idéias discutidas aqui são válidas particularmente no nosso lado do mundo. Na área museológica, as especificidades culturais são determinantes. Um mesmo objeto, por exemplo, poderá ser analisado de forma bastante diferenciada por um profissional brasileiro, por um profissional indiano ou por um profissional neozelandês.
  • 11
    . Aqui cabe um esclarecimento: a reversibilidade ainda é um critério utilizado e válido na conservação/restauração. O que terminou, por assim dizer, foi a crença de que era possível voltar-se atrás 100% numa intervenção sobre um objeto qualquer.
  • 12
    . Um dos principais porta-vozes desse comportamento criterioso por parte do profissional conservador foi Hanna Jedrzejewska, profissional polonesa, que tem vários ensaios publicados sobre o assunto. Para ela, "o conceito básico fundamental é que os objetos antigos, a despeito de seu tipo, idade, dimensões e valor, são antes e acima de tudo, documentos do passado. E que sua maior importância é o fato de fornecerem informações sobre a história e o desenvolvimento do homem.(...) Todos os tipos de evidência, sejam primários ou secundários podem fornecer informações sobre materiais usados, técnicas de produção, tipos de design e suas formas artísticas e tantos outros detalhes únicos que caracterizam cada objeto. (...) Nos objetos antigos, essa evidência pode estar presente apenas de forma fragmentária. Às vezes, apenas alguns traços seus podem ser encontrados, e o conservador tem que se fazer quase de detetive para localizá-los. Aqui é importante frisar o seguinte: um documento somente se conservará como tal enquanto mantiver sua autenticidade. Um documento precisa ser autentico. Esta é sua definição essencial. Nos objetos antigos, autenticidade significa a existência de características originais, primárias, não só em relação aos materiais brutos de que são feitos, mas também em face das características humanas já citadas. Somente essa espécie de evidência terá importância enquanto assunto de estudos futuros. A questão é que o tratamento de conservação significa uma interferência direta na "essência" do objeto, e isso pode significar que características importantes correm o risco de perder-se.". Ver Hanna Jedrzewska (1980). Este texto foi traduzido por nós em 1994, do original em inglês, para integrar a apostila do nosso primeiro curso de difusão ministrado no Museu Paulista: Introdução à Conservação e Restauração de Têxteis Históricos.
  • 13
    . Idéia de Mary Brooks et al. (1995, p. 236).
  • 14
    . Mais uma vez verificamos que as idéias de preservação, vigentes agora, estão em sintonia direta com o que acontece mundo afora
  • 15
    . No caso dos objetos têxteis, por exemplo, há uma série de especificidades que precisam ser consideradas: as manchas, os padrões de cores, a própria idéia de "sujeira", a manutenção de costuras etc.
  • 16
    . H. J. Plenderleith (1956) foi um dos primeiros teóricos da área a introduzir a discussão sobre a importância do trabalho de conservação preventiva.
  • 17
    . Ver Kathleen Dardes (1994, p. 46).
  • 18
    . Os fatores tradicionalmente lembrados são: 1. segurança: proteção contra roubo, vandalismo, acidentes, desastres naturais, intervenções inadequadas; 2. acesso (exposição e armazenagem): critérios e materiais para manuseio, embalagem, exposição e guarda; 3. questões ambientais: luz, temperatura, umidade relativa, poluição atmosférica; 4. ação de organismos vegetais e de animais.
  • 19
    . Um bom exemplo de importação e adoção equivocada de parâmetros internacionais pode ser tirado da adesão incondicional que sempre fizemos, no Brasil, às recomendações internacionais em relação aos índices de umidade relativa e temperatura dos locais que abrigam bens culturais móveis. A recomendação estrangeira de determinados índices ambientais favoráveis à boa conservação de acervos culturais foi, sempre, pautada na realidade climática do hemisfério norte para atender às especificidades do hemisfério norte. Tais índices, hoje bastante disseminados, nada mais são do que convenções que aliam situações climáticas favoráveis à conservação da maioria dos materiais, orgânicos e inorgânicos, a índices igualmente toleráveis e confortáveis às pessoas.
  • 20
    . Curiosamente novas hierarquias estão sendo criadas. De dez anos para cá presenciamos um "boom" na conservação de imagens fotográficas, o que, como fato museológico, poderia ser bastante positivo, caso não trouxesse consigo uma nova onda hierárquica, um novo modismo: o imagético.
  • 21
    . Respectivamente, chefe do Departamento de Conservação de Têxteis e chefe da Conservação.
  • 22
    . Jonathan Ashley-Smith & Lynda Hillyer (1957, p. 8).
  • 23
    . Dentre as coleções pessoalmente visitadas nos últimos anos, contabilizamos um número que ultrapassa os dez bilhões de objetos (apenas no British Museum, Victoria & Albert Museum, Merseyside Museums, Metropolitan, Smithsonian, Louvre ) sem calcular, aqui, livros e coleções cartográficas. Ignoramos, com certeza, quantos humanos somos, hoje. Mas pensemos que a população do planeta seja algo ao redor de cinco bilhões. Pensemos, ainda, que cada um desses objetos custe mensalmente, ao seu depositário legal, entre 50 e 100 dólares: teremos cifras e somatórias assustadoras. Esta contabilidade mundial dos acervos parece-nos um tema bastante interessante para um trabalho futuro. Desconheço qualquer publicação que se tenha ocupado em calcular quantos objetos, hoje, estão sendo preservados em museus.
  • 24
    . Na década de 1990 a expressão "less is more" foi apropriada por cursos de formação em conservação, como os do Courtauld Institute of Arts, em Londres, e passou a ser utilizada por professores e alunos como referência à nova postura profissional que se recomendava. Sua utilização, desde então, passou a ser freqüente na exposição de trabalhos e estudos de caso em encontros internacionais como os do ICOMICOM-CC, por exemplo, através do planeta.
  • 25
    . The Conservation Unit (1992, p. 13).
  • 26
    . A primeira edição de
    Science for Conservators, em 3 volumes (
    Introduction to materials;
    Cleaning; e
    Adhesives, respectivamente), data de 1982. Todos eles, hoje essenciais às atividades de conservação/restauração, foram produzidos por Jonathan Ashley-Smith, do Victoria & Albert Museum, Londres.
  • 27
    . Toda a vez que aqui mencionamos a expressão "áreas da conservação" estamos nos referindo às atividades e teorias praticadas pelas diversas modalidades de materialidade: têxtil, metal, materiais modernos, plumária etc. e não necessariamente à divisão formal de grupos de interesse estabelecidos pelos comitês internacionais, como os mencionados no primeiro capítulo.
  • 28
    . Transigente, aqui, surge como tradução para
    compromised.
  • 29
    . Na área de conservação, um "projeto de intervenção e investigação" significa o mesmo que um "tratamento" – modo como freqüentemente se conhece e denomina, fora da Universidade, o planejamento e desenvolvimento de um processo de conservação de um objeto.
  • 30
    . É interessante notarmos uma outra possibilidade de leitura da adesão dessas diferentes áreas às novas propostas. De um modo geral, as áreas consideradas mais conservadoras em conservação/restauração parecem corresponder àquelas dos objetos que precisam "ficar em pé", ou seja, daqueles cujo sentido de existência (de preservação) é unívoco em sua proposta estrutural. Ou seja – diferentemente de um fragmento de cerâmica ou de parte de um vestido –, um mural, uma cadeira ou uma pintura de cavalete podem ser apresentados só no exercício de sua função, desconsideradas aqui, é claro, as releituras e propostas das artes moderna e contemporânea.
  • 31
    . Ver Cesare Brandi (1977).
  • 32
    . Ver Prefácio, em H. J. Plenderleith (1956, p. vii).
  • 33
    . William Morris (1834-1896), inglês, fundador da Society for the Protection of Ancient Buildings, em 1877 (para a qual escreveu seu Manifesto). Aloïs Riegl (1858-1905), professor da Universidade de Viena e presidente da Comissão dos Monumentos Históricos austríacos, autor de
    Le culte moderne des monuments, foi pioneiro na reflexão a respeito do conceito de monumento, de suas significações não explícitas e dos diferentes valores a eles atribuídos. Considero de referência a edição francesa:
    Le culte moderne des monuments: son essence et sa genese. Paris: Éditions du Seuil, 1984, 128 p. A primeira parte do texto foi traduzida para o português por Heloisa Barbuy e a autora, para o primeiro número da
    Revista de Museologia, em 1989.
  • 34
    . O trabalho de Plenderleith pode ser considerado a primeira tentativa de sistematização científica de procedimentos técnico-práticos da conservação/restauração. O autor, cientista do Laboratório de Pesquisa do British Museum, reconhecia a necessidade de orientar e informar curadores e profissionais de conservação não só a respeito das áreas aqui chamadas tradicionais, mas, igualmente, de todas as outras tipologias de objeto.
  • 35
    . A imagem de Rosie, the Riveter, arregaçando as mangas sob os dizeres "We can do it", apesar de anterior, parece bem ilustrar este sentimento de "mãos à obra".
  • 36
    . Plenderleith (1956, p. 4), no capítulo dedicado ao estudo das condições ambientais, chega a citar os danos ocorridos às coleções devido às mudanças para as cavermas de Bath: "Before the Second World War a technician was employed for eight months in the year to deal with such defects in pictures at the National Gallery where the atmosphere was not conditioned. On the other hand, in the repository which housed the same pictures during the war and where the air was conditioned to 58 per cent. R.H. at 63 F. the work of the technician was reduced to approximately one month during the first year, progressively less in the following years, and finally after five years his visits became a mere formality as there was no longer anything for him to do. The significance of the relative humidity factor in the conservation of pictures was further emphasized by the fact that, when the pictures were returned to London, they behaved in the same way as before the war, the paint flaking off as badly as ever in rooms that were not air-conditioned. Similarly, in a large repository used during the war to house the British Museum and Victoria and Albert Museum collections (antiquities, books, textiles, prints, drawings, furnitures, &c.), the air was controlled at the constant figures 60 per cent.RH.at 60 F., and not a single case of deterioration was recorded in this repository." Plenderleith, op.cit., p. 4.
  • 37
    .
    "A ruin is anything that is a witness to human history. Its appearance, however, is so different from the one it originally had that it becomes almost unrecognizable [ ] Consequently, the preservation of a work of art that is reduced to a state of ruin depends to a great extent on the historical significance that is assigned to it [ ] When dealing with ruins, restoration can only be a consolidation and preservation of the status quo."
    Theory of Restoration, apud Nicholas Stanley Price (1995, p. 233).
  • 38
    . "If we thus come back to the alternatives of conservation or removal from a visual, historical perspective, we will consider it appropriate, whenever possible, to return a monument to that state of imperfection in which it had been left by the historical process and which ill-considered restorations have instead completed. However we should always respect the new unity that, independently of the foolishness of restorations, was established within the work of art through a new fusion, the more this fusion affects the work of art is also a real source of historical material and testimony. One can point out, nonetheless, that even the worst reconstruction does, in fact, document human activity, albeit an erroneous one, and that it is still part of human history. Thus it should not be removed - at the most it can be isolated. This position would seem to be historically unassailable if it did not, in fact, lead to a conviction for the entire work of art. Such a conviction would lead us to question the very veracity of the monument as a historical monument: this cannot be allowed at the level of philological critique. Furthermore, a similar requirement to completely conserve all phases through which the work of art has passed must not contradict the aesthetic requirement." Ibidem p. 235.
  • 39
    . Plenderleith, (1956, p. 94).
  • 40
    . Idem, p. 114.
  • 41
    . Idem, p. 115.
  • 42
    . Em 1998, foi encontrado um fio de cabelo em um
    smoking que pertenceu a Santos Dumont. O procedimento por nós adotado foi o de identificá-lo e encaminhá-lo ao setor responsável pela documentação. Hoje, um simples fio de cabelo, se submetido a um exame de DNA, por exemplo, talvez possa trazer uma série de informações sobre o personagem e esclarecer melhor seu envelhecimento e morte prematuros.
  • 43
    . Aqui entendida como uma série de práticas que objetivam proteger os objetos e retardar seu processo de degradação.
  • 44
    . "Do not let us talk of restoration. The thing is a lie from begining to end....But , it is said, there may come a necessity for restoration! Granted. look the necessity full in face, and understand it on its own terms. It is a necessity for destruction. Accept it as such, pull the building down, throw its stones into neglectd corners, make a ballast of them or mortar, if you will; but do it honestly, and do not set up a Lie in their place. And look that necessity in the face before it comes, and you may prevent it... Take proper care of your monuments, and you will not need to restore them." Cf. John Ruskin (1819-1900), na obra
    The Seven Lamps of Architecture (1849). APUD: Nicholas Stanley Price et alli (1995, p. 322).
  • 45
    . Kahlenberg, ao narrar a trajetória de um Pua – tecido cerimonial produzido em Bornéu –, sugere que os profissionais de museus conheçam melhor o histórico dos objetos com os quais lidam, antes de abordá-los e/ou submetê-los a algum tratamento de conservação e/ou modo expositivo. Mesmo afirmando que todo objeto de museu é necessariamente re-semantizado, a autora sugere uma nova atitude por parte dos profissionais de museu. Ver Mary Hunt Kahlenberg (1986, p. 54-57). No mesmo sentido escrevem Orlofsky Trupin, enfatizando que o
    background do profissional vai definir o encaminhamento e/ou direcionamento dos trabalhos de conservação a serem executados. Cf. Patsy Orlofsky e Deborah Lee Trupin (1993).
  • 46
    . British Museum (1994).
  • 47
    . Andrew Oddy (1994, p. 3).
  • 48
    . Plenderleith (2001).
  • 49
    . "The 60/60 rule" significa os índices considerados ainda hoje como ideais para a conservação dos materiais: 60% de umidade relativa do ar, em 20°C (aproximadamente 60° F).
  • 50
    . Talvez seja, necessariamente, sempre assim. Oliver Sachs dedicou boa parte de seu livro
    Tio Tungstênio: memória de uma infância química à discussão entre ciência e acaso.
  • 51
    . Cf. Ann Ballantyne (2001, p. 3.).
  • 52
    . Por exemplo, em seminários temáticos como
    Restoration is it acceptable ? e
    Fake, the Art of deception, ambos iniciativas do Museu Britânico.
  • 53
    . O encontro
    Past Practice, Future Prospects foi realizado no The British Museum de 12 a 15 de setembro de 2001. O atentado de 11 de setembro praticamente o inviabilizou: vários autores não conseguiram chegar, muitos não quiseram falar, enfim, ninguém, inclusive eu, via sentido em falar de preservação depois do que ocorrera. O encontro trienal do ICOM-CC aconteceu no Rio de Janeiro, em setembro de 2002.
  • 54
    . Cf. Beate Federspiel (2001, p. 75). No ano seguinte, a expressão surge em um outro trabalho, apresentado no Rio de Janeiro; ver Peter Homulus (2002).
  • 55
    . Cf. Glenn Wharton (2002).
  • 56
    . Cf. Janet Hughes, George King e Wayne Ganther (2002).
  • 57
    . Ver Ann Hoenigswald et al. (2001, p. 124).
  • 58
    . Cf. Cornelia Weyer (2001, p. 201-207).
  • 59
    . Chamar um objeto de
    etnográfico caracterizaria um tempo quando muitos museus expunham seus objetos em dioramas dramáticos que, romanticamente, tentavam mostrar algum estilo de vida tradicional de um determinado grupo.
  • 60
    . Cf. Elizabeth Pye (2001, p. 175).
  • 61
    . Ver Malcolm F. Fry e Alan Martin (1994, p.85).
  • 62
    . Cf. Beate Federspiel (1994, p. 78).
  • 63
    . Cf. Simon Cane (2002, p. 26).
  • 64
    . Ver Benedicte Rolland-Villemot (2002, p. 189).
  • 65
    . Ver Ijsbrand Hummelen e Dionne Sille (1999).
  • 66
    . Ver Renée Van De Vall (1999).
  • 67
    . Cf. D. H. van Wegen (1999).
  • 68
    . Idem, p. 204.
  • 69
    . Ver Stefan Michalski (1999).
  • 70
    . Cf.Chris Caple (2000).
  • 71
    . Chris Caple define julgamento como sendo o peso do conhecimento levando a uma tomada de decisão que incluiria, entre outros fatores, as considerações éticas; o melhor modo de atingir os objetivos materiais da conservação; as necessidades de limpeza e reintegração; os prazos e verbas disponíveis; as solicitações de curadores; a saúde e segurança do conservador; as considerações estéticas.
  • 72
    . No original em inglês: "( )
    intended use of the object, context, conservation ethics, condition of the object, evidence and information, aesthetic entity; informative activity; conservation resources, conservator's competence, object of belief; living artist, stolen or looted object
  • 73
    . Idem, p 19.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Recebido
      Mar 2008
    • Aceito
      Abr 2008
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