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Tigela, café e xícara: diversidade formal e dinâmicas de consumo na produção das louças brancas da cidade de São Paulo no começo do século XX

Bowl, coffee and cup: morphlogical variability and dynamics of consumption and production of refined earthenwares at early 20th century São Paulo

Resumos

Este artigo apresenta algumas reflexões em torno das formas e volumes das louças em faiança fina produzidas, e consumidas, na cidade de São Paulo, durante o período de 1913 e 1937, relacionando-as a alguns hábitos levados a cabo na Paulicéia, como o crescente costume do "cafezinho". Para tal, parte-se das análises do acervo gerado pelo resgate do sítio arqueológico Petybon, localizado na zona metropolitana da cidade, no bairro da Lapa, região da Água Branca/Vila Romana. Aponta-se que a diversidade de formas das louças dialoga com os projetos de modernidade pensados para São Paulo e as demandas dos consumidores cujas diversas práticas culturais influenciaram na produção das faianças finas pela Fábrica de Louças Santa Catharina e Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo.

Arqueologia Histórica; Faiança fina; Louças; Fábricas; São Paulo


This article aims to present ideas about the forms and volumes of the refined earthenwares produced, and consumed, in São Paulo city, during 1913 and 1937. For such, we analyze the Petybon archaeological collection, recovered from an urban archaeological site at the neighborhood of Lapa, Água Branca/Vila Romana region. We assume that the diversity of the refined earthenwares forms dialogue with the modernity projects thought to São Paulo, and the consumers demand whose many cultural practices had influenced the ceramic production by the Santa Catharina Pottery Factory and Matarazzo Factories United Industries.

Historical Archaeology; Refined earthenware; Factories; São Paulo


ESTUDOS DE CULTURA MATERIAL MATERIAL CULTURE STUDIES

Tigela, café e xícara: diversidade formal e dinâmicas de consumo na produção das louças brancas da cidade de São Paulo no começo do século XX

Rafael de Abreu e Souza

Arqueólogo, mestre em Arqueologia pelo Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, doutorando em Ambiente e Sociedade pela Universidade Estadual de Campinas. E- mail: <rafaelabsouza@yahoo.com.br>.

RESUMO

Este artigo apresenta algumas reflexões em torno das formas e volumes das louças em faiança fina produzidas, e consumidas, na cidade de São Paulo, durante o período de 1913 e 1937, relacionando-as a alguns hábitos levados a cabo na Paulicéia, como o crescente costume do "cafezinho". Para tal, parte-se das análises do acervo gerado pelo resgate do sítio arqueológico Petybon, localizado na zona metropolitana da cidade, no bairro da Lapa, região da Água Branca/Vila Romana. Aponta-se que a diversidade de formas das louças dialoga com os projetos de modernidade pensados para São Paulo e as demandas dos consumidores cujas diversas práticas culturais influenciaram na produção das faianças finas pela Fábrica de Louças Santa Catharina e Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo.

Palavras-Chave: Arqueologia Histórica. Faiança fina. Louças. Fábricas. São Paulo.

ABSTRACT

This article aims to present ideas about the forms and volumes of the refined earthenwares produced, and consumed, in São Paulo city, during 1913 and 1937. For such, we analyze the Petybon archaeological collection, recovered from an urban archaeological site at the neighborhood of Lapa, Água Branca/Vila Romana region. We assume that the diversity of the refined earthenwares forms dialogue with the modernity projects thought to São Paulo, and the consumers demand whose many cultural practices had influenced the ceramic production by the Santa Catharina Pottery Factory and Matarazzo Factories United Industries.

Keywords: Historical Archaeology. Refined earthenware. Factories. São Paulo.

A mamãe levantava cedinho, acendia o fogão a lenha, depois vinha acordar a gente: "vamos meus filhos, vamos tomar café!"

(...) Ela servia tigelas grandes, punha o pão, jogava o leite e o café e fazia uma papinha1 1 . Senhor Ariosto, nascido na Avenida Paulista em 1900 em entrevista a Ecléa Bosi (1994, p. 161).

Chá! Que asneira! Chá é água morna!2 2 . Aluísio de Azevedo, 1992, p. 97.

Este artigo apresenta algumas reflexões em torno das formas das louças brancas encontradas no sítio arqueológico Petybon, sítio que corresponde a partedo local ocupado pela antiga Fábrica de Louças Santa Catharina e IRFM (Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo) – São Paulo, com período de funcionamento entre 1913 e 1937. A Santa Catharina foi a primeira grande fábrica a produzir, em moldes industriais, louças em faiança fina3 3 . "Faiança fina" é uma categoria cerâmica utilizada pela Arqueologia Brasileira que indica um tipo de pasta de louça branca. Segundo Paulo Zanettini (1986, p. 122) "os produtos em faiança fina apresentam pasta dura e opaca branca, infusível ao fogo de porcelana (...). Sua pasta é produto de vários ingredientes, conforme a fábrica que os aplica; é compacta e de forma geral esbranquiçada dispensando o engobo". Esta pasta, necessariamente, deve ter mais de 30% de caulim, para que não ocorram formulações excessivamente fundentes, e menos de 70%, para não permitir a formulação de massas refratárias, cf.: Silva, Souza, Silva & Hotza (2009, p. 28). Invenção inglesa do século XVIII, "representa o esforço dos oleiros ingleses na busca de novos processos para substituir a faiança clássica e alcançar a porcelana no Ocidente", cf.: Brancante (1981, p. 129). Para Pileggi (1958, p. 195), a faiança fina é uma categoria intermediária entre a faiança e a porcelana, descoberta durante a manipulação do grès, cf. Brancante,(1981, p. 129). , originalmente fruto da sociedade estabelecida entre a família Fagundes, aristocratas do café, e o imigrante italiano Romeo Ranzini, um químico especializado em produção cerâmica (Figura 1). Os Matarazzo aparecem como agentes da fábrica já em 19184 4 . Ver Couto (2004). , mas foi apenas com a morte de Euclydes Fagundes, sócio majoritário, que Adélia, sua esposa, não querendo mais a fábrica, vende-a, finalmente, às IRFM5 5 . Ver Souza (2010). .


Após o que, por alguns anos, Ranzini foi obrigado a permanecer contratualmente ali para que a nova fábrica, conhecida na região como Fábrica da Água Branca6 6 . Idem. , produzisse louças semelhantes às anteriores. Isto fica claro no contrato, que compõe a Coleção Ranzini no Acervo do Museu Paulista, firmado em 5 de Março de 1932, entre Ranzini e o novo técnico responsável, cujo objetivo foi "instruir o Engº Pari de Marchezi sobre a fabricação de Louça". Com exceção do fim dos florais pintados a mão livre, a adoção de técnicas produtivas bastante estandardizadas (ainda com motivos florais), como a aplicação de decorações com estêncil, e o clareamento do vidrado, as louças ainda são bastante semelhantes.

Análises tecnológicas realizadas por Souza, a partir de uma ampla gama de atributos relacionados às diferentes etapas da cadeia operatória, compostas por um gestual específico, permitiram diferenciar estas louças nacionais de suas correspondentes estrangeiras, mesmo que, às vezes, muitos dos componentes da cadeia não tivessem apelo no produto final7 7 . Idem. . As louças da fábrica Santa Catharina possuem padrões decorativos bastante próprios, assim como o estilo das pinceladas (grossas e aquareladas), o usos das cores (de diversas tonalidades) e a distribuição da decoração na superfície do suporte (muitas com esquemas iconográficos em "guirlanda") diferente das louças inglesas do século XIX. Apesar disso, o fato de optar pela produção de pastas de "louça inglesa" e adtorar certas técnicas indica, sim, inspirações e diálogos com fábricas europeias e olarias nacionais (Figuras 2, 3, 4 e 5). Estes diálogos e estas inspirações podem ser observados na continuidade da produção nacional de padrões estrangeiros, como o Trigal8 8 . O Trigal é um padrão decorativo em superfície modificada (alto relevo) caracterizado por decorações com motivos trigais, compostas no sítio Petybon por, pelo menos, duas variantes: uma representando o trigo propriamente dito, predominante em pratos, travessas e saladeiras, e outra que associa o trigo ao lúpulo (Humulus lupulus L.), por vezes com alças que imitam galhos, predominante em terrinas (tanto na tampa quanto na terrina). "Trigal" é uma nomen­clatura brasileira para o padrão decorativo "Ceres Shape" ou "Wheat Pattern", resultante da leitura arqueológica (ético) e dos produtores de língua inglesa (êmico) sobre a decoração, cf. Sussman (1985). , cuja demanda de consumo adentrou o começo do século XX, e na utilização de roletes de argila em alguns procedimentos da cadeia produtiva9 9 . Ver Souza (2010). .





Em sua fase inicial, Ranzini mandou trazer, da Itália, um corpo de técnicos em decoração, com função de especializar os trabalhadores brasileiros ou aqueles que não conheciam a técnica de produção da faiança fina. Segundo o Memorial do Sindicato da Louça Sindicato da Indústria da Louça Pós de Pedra, da Porcelana e da Louça de Barro no Estado de São Paulo, de 1948, muitos dos operários italianos que vieram trabalhar nas fábricas de louça no Brasil eram precedentes da região milaneza e de centros oleiros como Laveno-Mombello. O catálogo da Exposição Universal de 1918 indica que, dentre os 800 operários empregados no momento, alguns também japoneses10 10 . Ver Piccarolo e Linocchi (1918). . Contava-se ainda com trabalhadores brasileiros, provavelmente oleiros da própria Lapa, com conhecimentos prévios ao trato com a argila11 11 . Ver Souza (2010). . Esta somatória de conhecimentos particulariza a produção da louça na fábrica.

Neste primeiro momento de instalação das fábricas de faiança fina no país, o trânsito de pessoas entre-fábricas de cerâmica/louça foi intenso. Isto fez com que a Santa Catharina se caracterizasse como uma enorme árvore cujos frutos germinaram, ao longo da primeira metade do século XX em São Paulo, disseminando estabelecimentos industriais congêneres em outros bairros da capital e outros municípios12 12 . Ver Pereira (2007) e Souza (2010). . Por exemplo, o próprio Romeo Ranzini fundou, anos mais tarde, na Lapa, a Fábrica de Louças Romeo Ranzini, e, nos anos 1940, uma Fábrica de Louças em Osasco. José Zappi, técnico trazido da Itália para trabalhar na Santa Catharina, fundou, a Indústria de Louças Zappi S/A, na Vila Prudente, em 1918, unindo-se em sociedade, nos anos 1940, a Aristides Pileggi. Os mesmos Matarazzo que compram a Fábrica em 1927, mandam vir da Itália um técnico para resolver alguns problemas da produção de louças da Fábrica Grande, em São Bernardo13 13 . Idem. . Não podemos esquecer que as IRFM, em 1935, quando a fábrica na Água Branca estava para encerrar as atividades, inauguram, ainda, a Fábrica de Louças Cláudia / IRFM – São Caetano.

Os técnicos contratados por Ranzini, vindos do núcleo oleiro de Laveno-Mombello, Rogério Manetti, Giuseppe Pedotti e Luigi Torrighelli, levaram sua experiência para a montagem de uma nova indústria, quando do término dos compromissos assumidos com a Santa Catharina, em 1916, fundando, por volta de 1918, a firma Manetti, Pedotti & Cia., que deu origem a Fábrica de Louças Paulista, em Mauá. O filho de José Zappi, Mário, foi técnico da Fábrica de Louças Adelinas, em São Caetano14 14 . Questionário preenchido por Romeu Ranzini. Coleção Ranzini Museu Paulista; Pileggi (1958). .

Estes operários, sempre em circulação, acumularam experiência em diferentes contextos produtivos, conformando um repertório comum de tecnologias adotadas na produção, assim como de formas e padrões decorativos das louças em faiança fina15 15 . Ver Pereira (2007) e Souza (2010). . As fábricas de louça no Estado teriam, assim, traços semelhantes por "terem sido fundadas e orientadas nos primeiros anos de existência por técnicos e operários... que sorveram os seus conhecimentos na mesma fonte" como indica o Memorial do Sindicato da Indústria da Louça Pós de Pedra, da Porcelana e da Louça de Barro no Estado de São Paulo; daí semelhanças nos processos de preparação de massas, vidrados, formas, decorações, etc. Estes, saberes, com a Santa Catharina, ganharam, sem dúvida, novas proporções e são eles que, em parte, configuram a cadeia operatória observada nos artefatos do sítio Petybon.

A escavação do sítio, em 2003, trouxe à tona problemáticas relacionadas ao consumo-produção da louça branca em faiança fina nacional, tema pouco explorada no âmbito da Arqueologia Histórica brasileira. A coleção de quase 30 mil peças, algumas fragmentadas, mas a maioria inteira, fruto das pesquisas em moldes preventivos no sítio, dialoga com assertivas correntes na Arqueologia Histórica do país segundo as quais a frequência de tigelas diminui ao longo do século XIX devido a adoção de padrões "burgueses" de comportamento16 16 . Ver Symanski (1998). ; por outro lado, debruçar-se sobre o sítio Petybon faz-se necessário tendo em vista a baixa quantidade de estudos que ampliem o conhecimento em torno da dinâmica de uso das louças brancas para além de contextos normativos e elitistas, uma vez que as louças da Santa Catharina foram consumidas também por grupos pobres e médios da Paulicéia, os quais puderam, no século XX, adquirir um produto agora mais barateado com a produção nacional.

Tigelas, xícaras e pratos: multifuncionalidade e diversidade de práticas de uso

Focamo-nos, aqui, na relação entre três formas específicas que compõem a coleção gerada pelas escavações no sítio arqueológico Petybon — tigelas, pratos e xícaras -, a fim de definir, ou inferir, alguns "padrões de conteúdo"17 17 . Ver Majewski e O'brien (1987, p. 174) e Symanski (2008a, p. 76). . Sua produção e consumo estão associados ao papel da Fábrica como mediadora entre os discursos e planos das elites para São Paulo e as práticas e táticas dos consumidores na cidade, tanto aqueles de grupos de elite como médios e pobres. Pressupõe-se, como sugere Shackel e Lucas, que o incremento na capacidade de produção com a criação da Fábrica Santa Catharina em São Paulo é resultado tanto de um crescimento na capacidade de produzir estes itens pelos oleiros e proprietários, como indica uma mudança no universo do comportamento de consumo18 18 . Ver Lucas e Schakel (1994, p. 29). .

Na relação entre as diferentes formas, e suas variantes volumétricas, estão arraigados discursos de poder e identidade, concepções de temporalidades de projetos de modernidades elitistas e ações e resistências pautadas em práticas e tradições. Pressupondo o consumo como uma forma de construção de identidades fluidas, plurais, a manipulação das louças nacionais em faiança fina, em São Paulo, estabeleceu toda uma política (politiké) e uma economia (oikonomía) entre, e dentre, os variados grupos sociais a partir da cultura material.

A análise do acervo do sítio arqueológico Petybon apontou claro predomínio de xícaras e tigelas. É preciso notar, aqui, que as xícaras não foram diferenciadas entre "xícaras de chá" e "xícaras de café" e preferiu-se utilizar termos mais genéricos como "xícaras" ou "malgas/tigelas", porque estas terminologias, mais específicas, tendem a induzir função particular à forma sem que se tenham claras indicações de que este foi seu uso pretendido ou real19 19 . Ver Rice (1987, p. 211). . Isto se agrava no contexto com o qual lidamos, de um universo produtivo, onde, teoricamente, as louças ainda não foram consumidas.

Neste artigo utilizamos, por vezes, a terminologia "malga" por já estar consagrada na Arqueologia Histórica brasileira. No entanto, temos claro que este é um termo pouquíssimo utilizado no Brasil do século XX, aparecendo em poucas referências históricas e de quase nula compreensão oral. Por isso, acrescentamos, ao mesmo, o termo "tigela" que, apesar de bastante genérico, é a designação atribuída, emicamente, à forma, eticamente, conhecida como "malga".

Abordar apenas estas três formas – tigela, prato e xícara – é um recorte arbitrário, já que o sítio apresentou muitas outras formas, as quais não serão englobadas aqui. É importante ressaltar que apesar da grande quantidade artefatual, a variedade de formas encontradas neste contexto produtivo, que é o sítio arqueológico Petybon, é quase aquela mesma encontrada, em menor proporção, em unidades domésticas. Isto porque existe, ao menos para a louça, uma relação de maior rigidez das formas existentes e produzidas ao longo de diversas fábricas ao redor do mundo (se compararmos com a variabilidade da cerâmica de produção local/regional ou, mais recentemente, do plástico). Produzida num local específico, é claro, a louça alcança distâncias geográficas muito maiores do que a cerâmica de produção local/regional20 20 . Ver Zanettini (2005). , e, sendo um produto exportado ou importado, está no cerne das questões entre o global e o regional em Arqueologia Histórica. Tigela, bowl e cuenco, ao redor, ao menos, do mundo ocidental, indicam formas semelhantes, destarte variações no design e enormes possibilidades práticas de uso.

A produção de louça gira em torno da fabricação de formas, com shapes e designs, relativamente tradicionais ou já conhecidos; em geral, para as faianças finas, apesar da gama de produtos, há pouca variação formal. Se pensarmos em uma escarradeira, por exemplo, forma não produzida pela Fábrica Santa Catharina e pela IRFM, ela simplesmente deixou de ser usada; não existe uma forma diferenciada para a mesma função, pelo menos não no âmbito dos usos pretendidos pensados pela produção. O mesmo pode ser dito das leiteiras, totalmente ausentes no registro arqueológico do sítio; tal ausência talvez tenha sido acarretada por razões semelhantes a das elites urbanas cariocas, do século XIX, para as quais Lima percebeu que as leiteiras "aparecem em números muito baixos, o que sugere que a mistura de leite ou creme à infusão [de chá] não era muito apreciada, sendo adotadas por poucos"21 21 . Ver Lima (1997, p. 112). . Büchler sugere que a indústria brasileira de louças de mesa sempre investiu pouco na diferenciação formal das peças, resultando em baixas variedades de desenho de produto22 22 . Ver Büchler (2004, p. IX). . No campo que a teoria do design chama ligações formais, ou seja, modelo, shapes e decorações, há uma grande variabilidade de expressões decorativas nas louças fabricadas por localidade, conjugada a uma grande semelhança formal, cujas particularidades estarão na frequência e na popularidade do consumo de cada forma específica.

Há que se levar em conta que, para uma indústria de louças, mudanças no design de um produto são, de longe, o mais caro processo a se alterar em uma cadeia, e os fabricantes do setor, em geral, tendem a exaurir as inovações em outros campos, como o decorativo, antes de enveredar por este caminho. Tardiamente, a indústria brasileira investiu em design de produto; a indústria, especialmente pós anos 1970 (já em período tardio para as fábricas de faiança fina), percebeu que "produtos, muito parecidos com os seus, podem ser produzidos por outros, a menor custo, em outras partes do mundo. Diferenciar-se através do design fornece uma alternativa preferível e uma que pode agregar valor aos produtos"23 23 . Idem, p. 10. .

No âmbito da sociedade disciplinar que se estabeleceu na São Paulo do período, com inúmeras formas da dominação proliferando-se no cotidiano da vida social24 24 . Ver Rago (1997). , a louça branca competiu, muitas vezes, com a cerâmica de produção local/regional quanto à funcionalidade, em especial em recipientes para servir ou consumir. Mas apesar da cerâmica estar em processo de mercantilização e fabricação já para um mercado consumidor, sua produção continuou sendo menos standard que a da louça. Assim, a louça nacional possibilitou, com a continuidade da produção (por colagem25 25 . Colagem é o processo de verter a barbotina (pasta de argila, caulim, feldspato e quartzo em suspensão aquosa) nos moldes de gesso que contém a forma, em negativo, das futuras louças. O trabalhado derrama a barbotina no interior do molde e a pasta deposita-se em suas paredes; a espessura da louça dependerá do tempo que o trabalhador deixa a barbotina no interior dos moldes. ) e consumo de certas formas, associadas a características como a assepsia26 26 . Ver Souza (2010). , a fabricação de produtos muito mais industrializados, mais semelhantes entre si, mais estandardizados, normatizados.

O chamado "Convênio da Louça"27 27 . Idem. é fruto deste movimento, gerando documento que tentou promover a unificação das denominações para a estandardização das dimensões. A ata de instalação da nova sede do sindicato dos fabricantes de Louça Branca, narrando a situação dos produtores nos anos de 1935 e 1936, afirma que, às vésperas da Segunda Guerra Mundial, as fábricas de louça branca do estado de São Paulo reuniram-se no "Convênio da Louça", o qual obrigava todos os fabricantes a enviar ao escritório pedidos para registro, passando a estarem sujeitos a controle de preços e autorizações para as respectivas execuções das fabricações. O Convênio promoveu unificação das denominações e estandardização das dimensões dos produtos de louça branca, assim como montou uma tabela de preços, sob justificativa de que seria medida vantajosa para os produtores, impedindo a "concorrência ruinosa"28 28 . Idem, p. 284. .

A fixidez de uma forma, no campo discursivo e ideológico, limitaria práticas que não aquelas pensadas pelos produtores: o uso pretendido seria o uso real29 29 . Ver Skibo (1992). no contexto de projetos de modernidade disciplinadores que estão tentando ser emplacados para São Paulo, nos quais os indivíduos transitavam entre espaços fechados (escola, família, fábrica, hospitais, prisões) e cujas políticas normalizadoras adentraram o cotidiano de inúmeros grupos sociais da cidade, como mulheres, crianças, imigrantes, operários, caipiras, etc.30 30 . Ver Rago (1997) e Pinto (1999, 2002). .

Muitos projetos modernizadores pautaram-se em transformar a cidade diversa em um todo homogêneo, normatizando hábitos, como afirma Sevcenko31 31 . Ver Sevcenko (1992). . A política de controle, de mudanças de hábitos e de disciplinarização da população, de uma "eugenia pública"32 32 . Ver Ciscati (2001, p. 49). , espalhou-se em todas as esferas do cotidiano, seja no trabalho, onde os operários da Fábrica de louças teriam contato com a rigidez das formas, seja no cotidiano doméstico, no qual teriam de consumir estas formas. A ata de instalação da nova sede do sindicato traz a relação constante na Figura 633 33 . Ver Souza (2010, p. 283). .


Se fixar é tornar imutável a dimensão das formas de louça, estatuí-las como regra e norma, é interessante pensar como pode ser paradoxal a existência de tigelas num mundo onde também se fabricam pratos. Se os mesmos têm apenas uma dimensão estipulada, as tigelas da Fábrica Santa Catharina/IRFM – São Paulo têm, pelo menos, 18 diferentes. Dentro da própria lógica prescritiva da produção de cunho taylorista da Fábrica, foi possível, portanto, burlar a normativa para alcançar diferentes consumidores (não apenas quanto às formas, como às decorações). Isto fez com que, apesar de pensada sobre bases prescritivas no que concerne ao discurso que organiza a produção, a Fábrica, elo entre consumo e produção, tenha se tornado um ente performativo, assimilando-se a algumas circunstâncias e interagindo com os sistemas simbólicos dos grupos sociais da sociedade na qual estava inserida34 34 . Ver Sahlins (2003). .

Com base nestas afirmações, o gráfico abaixo mostra que a projeção dos diâmetros de boca das tigelas, segundo a tabela do documento acima e com base nas formas encontradas no sítio Petybon, são bastante parecidas (Figura 7).


Por outro lado, enquanto os pratos do sítio Petybon variam entre 20 e 24 cm, o documento os estipula com 22 ½ cm de diâmetro (aliás, quase exatamente a média dos valores), isto é, uma oscilação sutil se comparados às tigelas.

A constância na forma das louças também tem a ver com a teia de relações que se criou com o estabelecimento da Fábrica Santa Catharina em São Paulo e a proveniência de técnicos e operários de um mesmo centro produtor, do aprendizado em iguais fábricas. A distribuição deste conhecimento, através da migração destes trabalhadores para outras fábricas de louça, colaborou para a manutenção das formas produzidas, somadas às demandas e consumos já estabelecidos, com pequenas variações em design e estilos dos produtos. A Fábrica Santa Catharina como um microcosmo, segundo a concepção bourdieana de teoria da ação, refrataria e dispersaria, como num prisma35 35 . Ver Bourdieu (2008, p. 61). , estes conhecimentos de produção acumulados.

No sítio arqueológico Petybon, as tigelas ocupam 62% do total das peças passíveis de reconhecimento da forma, seguidas das xícaras (21%) e dos pratos (7%); as tigelas, sendo, portanto, e sem dúvida, a forma predominante encontrada. Demais formas, em geral aquelas para servir, como travessas, saladeiras e outras peças maiores, têm expressão mínima no acervo, reflexo da relação entre formas para servir e formas para consumo individual, na qual, em geral, as primeiras são menos frequentes que as segundas no registro arqueológico36 36 . Ver Lima (1997). .

Tigelas, pratos e xícaras encontram-se em diferentes etapas do processo produtivo (no biscoito37 37 . "Biscoito" é o nome que se dá ao resultado da primeira queima da pasta da faiança fina, porosa, não esmaltada. , no biscoito com esmalte cru, no biscoito com esmalte cru e pintura, no biscoito com pintura, esmaltadas já já submetidas a segunda queima, decoradas ou não). Deve-se ressaltar que a aplicação da decoração e de outros processos não interfere no fato de que as formas continuariam as mesmas produzidas originalmente após a colagem, para uma demanda/consumo. Em diferentes etapas da cadeia operatória, as louças do sítio Petybon já estão em sua forma final.

Parêntese seja aberto para o fato de que os artefatos foram analisados, igualmente, quanto a defeitos de fabricação, razão do descarte de algumas peças, mas não de todas. Certamente a enorme quantidade de tigelas no refugo da fábrica indica, em algum momento, um baixo índice de vendas, porém pressupõe-se aqui, pautando-se na variabilidade artefatual encontrada em sítios arqueológicos domésticos paulistanos contemporâneos38 38 . Ver Carvalho (1999) e Zanettini Arqueologia (2011). e na observação de fábricas de louça artesanais atuais39 39 . Ver Souza (2010). , que a fábrica descartou mais aquilo que mais produziu. Além disso, a maior parte das peças não remetia a episódios de descartes diferentes, mas a deposição de louças provavelmente armazenadas na fabrica, uma vez que estavam até mesmo encaixadas no aterro que caracteriza o registro arqueológico.

Fechado o parêntese, ressaltemos a existência, aqui, de uma variante bastante importante: o volume. Para as tigelas, a capacidade volumétrica configurou 14 tipos, dentre os quais as capacidades de cinco configuraram recipientes cujo tamanho já denota funções de serviço ou consumo coletivo. Esta é uma característica especial da tigela, não ocorrendo em xícaras, por exemplo, que mantêm sua funcionalidade para consumo individual. No gráfico abaixo, as colunas de cor cinza correspondem a formas de tigelas possivelmente destinadas e utilizadas para consumo coletivo ou para atos de servir à mesa e, as de cor preta, individual (Figura 8).


A forma conhecida como "tigela" ou "malga", cujo design é o da semiesfera, ou meia calota, tem uma longa história de consumo, e uma tradição de produção e demanda, arraigada à própria história da formação da cidade de São Paulo, já que é a forma predominante dos acervos arqueológicos dos sítios coloniais paulistanos. Segundo Büchler, "a tigela, materialização da mão que contém, retém, é concebida para ser confortável, aninhando-se quando empunhada"40 40 . Ver Büchler (2004 p. 44). . A malga é a expressão "perfeita" do formato básico mais satisfatório para os artigos de louça, o globo, estruturalmente a forma mais forte que uma peça oca de argila pode assumir, na qual as linhas de tensão estão o mais próximo de um estado de equilíbrio41 41 . Idem, p. 145. .

Segundo Symanski, a tigela era comumente utilizada para o consumo de ensopados e alimentos pastosos, como cremes, geralmente sem o auxílio de talheres, como os pratos, o alimento servido diretamente nelas42 42 . Ver Symanski (1998, p. 207). . Câmara Cascudo associa seu uso ao gesto, colonial, de sorver as sopas e caldos, enchidas mergulhadas numa terrina ou panela ou através de colheres ou conchas: "pegava-se a malga e era só emborcar na boca, aos sorvos sonoros de proclamado sabor"43 43 . Ver Cascudo (1968, p. 318). .

No que concerne à xícara, a forma manteve-se constante ao longo de muitos séculos, apesar de pequenas variedades no tamanho, ora próximo da tigela ora da caneca. Esta "bipolaridade formal", explicada ora pela constância ora pela variedade, seria resultado do diálogo com preferências de consumo, produção e demandas em diferentes épocas44 44 . Ver Büchler (2004, p. 30). . A proximidade da xícara em relação a algumas das variantes volumétricas da tigela engloba ambas em universos semelhantes em termos de funcionalidade, uso e práticas de consumo. Se formas diferentes podem atingir propósitos semelhantes, um mesmo propósito, ou função, pode ser dado por diferentes formas45 45 . Ver Shepard (1985, p. 224). .

O que as diferencia, talvez, sejam as maneiras de usar, as razões e os significados do consumo, e todo o aparato gestual da prática de utilização destas formas, associadas, ao menos para São Paulo, ao momento de consolidação dos projetos de modernidade da Belle Époque paulistana46 46 . Ver Sevcenko (1992), Koguruma (1999), Pinto (1999), De Luca (1999) e Carvalho (2008). , com a xícara, e à tradição, com a tigela. A presença da alça na xícara, assim como asas e cabos em outros recipientes, colabora para um distanciamento entre corpo humano e objeto, além de acarretar menos derramamentos dos alimentos neles contidos. Afastar o corpo, a mão, do objeto, é isolá-lo do alimento, e a forma específica da xícara atinge o objetivo com maior eficácia que a tigela. No período de discursos de hábitos pautados em teses higienistas47 47 . Ver De Luca (1999). , a xícara vem de encontro, perfeitamente aos projetos de modernidade e a revisão de alguns comportamentos em São Paulo.

Com isso, queremos dizer que a forma da tigela exerce também um efeito nas pessoas através de sua agência, seu poder social e sua eficácia48 48 . Ver Gosden (2005, p. 194). . A forma específica canalizaria algumas ações humanas; talvez por isso, arqueologicamente, assista-se a uma redução na frequência da tigela em certos contextos de unidades domésticas em São Paulo a partir do final da primeira metade do século XX. É possível afirmar que algumas posturas quisessem banir a forma da tigela, em seus planos e projetos de modernidade, pois só assim extirpariam o hábito colonial de sorver? Impossibilitados de mudar a agência do objeto49 49 . Ver Neto (2006) e Gosden e Marshall (1999). , cuja materialidade o posicionava como sujeito em uma rede de trocas materiais e imateriais que engendraram a produção de pessoas e relações50 50 . Ver Macedo (2006, p. 823). , preferiu-se uma campanha contra ele? Não estamos, de modo algum, sugerindo que o uso da tigela fosse um só ou fosse normativo; queremos, mais do que sublinhar para quê foram feitos os objetos, ressaltar "what they can be made to became"51 51 . Ver Gosden (2005, p. 208). . A "coerência formal"52 52 . Ver Aun (2000, p. 92). das tigelas, com a variabilidade da capacidade volumétrica dos tipos muito mais ampla do que os de tipos de xícaras, pontua uma forma cujo design possibilita usos diversos, tendo em vista o pressuposto de Schiffer e Skibo de que diferenças no volume estão associadas à diversificação de hábitos, e, portanto, de comportamentos53 53 . Ver Schiffer e Skibo (1997). . As tigelas, com seus 13 tipos com volumes calculáveis, sobrepõem-se às possibilidades de usos das xícaras, como se pode perceber no gráfico a seguir. Se xícaras e tigelas dialogam com tradição e modernidade, talvez seja possível afirmar que, para a Fábrica, a produção das xícaras relacionava-se a discursos da elite, e dos próprios proprietários das fábricas, para incutir mudanças tidas como mais "europeias" ou "modernas", nos hábitos da população. A xícara não só implicaria um comportamento de consumo, como, teoricamente, normatizaria o gestual da maneira de consumir líquidos, além de ser uma forma que, em si, possui menos volubilidade no que concerne a possíveis funções, longe daquelas pensadas pelos produtores (seus usos pretendidos), com sua constância e pouca amplitude na capacidade volumétrica de seus tipos, corroborando políticas disciplinares que se tentavam impor sobre a população da cidade de São Paulo54 54 . Ver De Luca (1999) e Rago (1997). .

Diferença clara em relação às tigelas, com ampla variação no volume, mostrando que a Fábrica Santa Catharina percebeu que a mudança nos hábitos não poderia ser efetuada de modo brusco, já que o consumo de tigelas ainda era bastante alto, para gerar esta demanda e esta produção, e, relacionada a esfera capitalista, a Fábrica precisou pensar em seus lucros e na venda de seus produtos. Isto acarretava fabricar tigelas para uma população que, tradicionalmente, as consumia, e alinhavar-se a demandas já consolidadas. Daí a coexistência destas duas formas, dividindo funções, no século XX. Pode-se dizer o mesmo das canecas; todavia, apesar da capacidade volumétrica, relativamente constante, as canecas são formas novas que estão sendo produzidas em larga escala pela Fábrica e para a cidade, configurando mais uma possibilidade de ação dentro da tentativa de controle do cotidiano dos indivíduos da cidade.

Percebe-se, também, pela figura abaixo (Figura 9) que, se as xícaras e as canecas mantêm-se na linha do consumo individual, a tigela ultrapassa este limite; apesar disso, existe uma relação inversamente proporcional entre volume e quantidade de tipos para esta forma, pois se mantém a mínima variabilidade dos tipos, quanto maior a capacidade volumétrica. As formas para servir ou para consumo coletivo apresentam-se em menor quantidade do que aquelas para consumo individual, relação semelhante àquelas que aparecem no registro arqueológico de unidades domésticas.


Novas e velhas formas de louça para a Pauliceia

A produção das tigelas pela Fábrica indica, portanto, uma demanda crescente pela forma, mas não só. No que concerne a introdução da tigela em louça branca, em faiança fina particularmente, ainda no século XIX, e depois no século XX com a continuidade pela produção brasileira, acreditamos ter ocorrido um processo de stimulus difusion, segundo Lévi-Strauss, no qual um costume importado funciona como um catalisador, mesmo num contexto de absoluto desconhecimento do mesmo, provocando com sua presença o surgimento de um uso semelhante potencialmente presente, tendo em vista seu papel em satisfazer uma exigência estética e exprimir uma disposição afetiva pressuposta55 55 . Ver Lévi-Strauss (2008, p. 16, 17). . Ocorre então, com a importação das tigelas no século XIX e XX, e o início e fundamentação da produção brasileira no século XX, o que Ana Cristina Sousa chamou "adequação de comportamentos" no sentido de "incorporação associada à possibilidades de releituras de códigos e comportamentos, tendo na cultura material o elemento mediador"56 56 . Ver Sousa (1998). .

Mesmo o uso de tigelas importadas deve ter sido incorporado como parte do já existente uso das formas, relacionando-se à suas correspondentes regionais de preparo e consumo de alimentos, talvez causando o mesmo efeito sensorial e emocional57 57 . Ver Gosden (2005, p. 208). que as tigelas cerâmicas produzidas em São Paulo. É importante ressaltar que muitos objetos de procedência estrangeira, não são assim considerados ou encarados pelas pessoas; a batata não é européia, era e é importada, e ainda sim, é inglesa, como o chá. Mesmo as tigelas inglesas podem ter sido consideradas itens locais de consumo58 58 . Idem, p. 209. ao invés de forâneos, dada a receptividade e popularidade da forma. Diferente das xícaras, cujo design, pouco conhecido, quiçá, de imediato, não tenha acarretado o processo que fez com que fossem mais ressaltadas nas fontes escritas por viajantes, do que as tigelas. Ponto de vista similar é sugerido por Miller em relação ao consumo de Coca Cola em Trinidad59 59 . Ver Miller (2002). . Como afirmou Sérgio Buarque, muitas vezes é o novo hábito ou são as novas aquisições que se modificam até o ponto de se integrarem na estrutura tradicional60 60 . Ver Holanda (2001, p. 55). .

Deste modo, a entrada das malgas em louça branca relaciona-se estritamente ao uso de tigelas cerâmicas, na cidade, há séculos, demanda que, apesar de ter sofrido certa diminuição a partir do final do século XIX, em contextos elitistas61 61 . Ver Carvalho (1999) e Symanski (1998). , ou completa desaparição como em alguns contextos no início do século XX62 62 . Ver Costa (2003). , como mostram alguns trabalhos, cresceu nas primeiras décadas do século XX paulistano, talvez devido às mudanças nos padrões de consumo acarretados pela leva imigrante e pela abolição. Quando a Fábrica produziu as malgas, fora para uma demanda crescente pelo produto, para consumidores que não necessariamente compartilhavam um mesmo background e certamente usadas em contextos não pensados pela produção. Isto, portanto, só foi possível porque existia uma demanda pela forma e pelas possibilidades dadas pela própria forma, cujo design permitia milhares de usos diferenciados, fazendo com que a mesma circulasse entre os universos da alimentação, da higiene pessoal e da decoração, característica acentuada pelas variantes volumétricas encontradas.

A produção e o consumo da malga no período estudado indicam a permanência de práticas associadas a uma forma tão tradicional (como Monika Therrien concebe o termo tradição para as cerâmicas históricas63 63 . Ver Therrien (2004). ) como a tigela. Seu consumo e a demanda por ele dialogam com a grande maioria da população da cidade de São Paulo, composta de backgrounds bastante rurais: ousamos dizer que, num movimento de ruralização da cidade, com a migração maciça de populações do campo, imigrantes, camponeses, mamelucos, ex-escravos e seus descendentes, o consumo da tigela ganhou outras proporções no período. Nas primeiras décadas do século XX, acontece significativo êxodo rural em função da constituição das indústrias, momento em que milhares de imigrantes se envolvem com o ambiente urbano trazendo novos hábitos e adquirindo outros64 64 . Ver Francisco (2004, p. 40). . Esta formação leva ao estabelecimento do que Marins65 65 . Ver Marins (2004, p. 137). chamou "paladar multiétnico", quando práticas alimentares novas se estabeleceram, criando novas necessidades por velhas formas, como a cuia/tigela/malga. Florestan Fernandes já chamava atenção para a origem rural de grande parte da população urbana em São Paulo, mostrando que a cidade e o "estilo de vida urbano" na realidade, disponibilizavam condições favoráveis à adaptação a um universo social estranho, permitindo a "sobrevivência" de elementos culturais tradicionais, cuja inegável importância adaptativa dava estabilidade emocional e moral à personalidade deste novo morador da urbs66 66 . Ver Fernandes (1961, p. 26). .

Mas podemos ir além. Somados ao dinamismo imanente da tradição67 67 . Ver Therrien et al. (2003, p. 141). , os hábitos de consumo das tigelas tanto no campo como na cidade, reacenderam ou engrossaram a prática na urbs, criando um novo corpo coerente de costumes que passou a influenciar, em suas várias relações de poder, o cotidiano da cidade. Se para alguns essa tradição criou sensações de continuidade provendo melhor estabelecimento na (nova) vida na metrópole, para outros possibilitou, de forma mais explícita, que ações assegurassem identidades individuais e reproduzissem uma ordem e uma diferenciação social68 68 . Idem (2003, p. 141, 156). . A produção de tigelas pela Fábrica e seu consumo pela população local permitiu a "renovação de tradições antigas, reforçando e construindo novos laços de solidariedade e ajuda mútua", possibilitando, por exemplo, aos populares, "sobreviver à ânsia demolidora – e acumuladora de capital – da grande burguesia comercial"69 69 . Ver Chalhoub (2006, p. 148). .

Novas formas de morar e viver não eliminaram, de modo algum, as marcas tidas como rurais ou semirrurais paulistanas, apesar desta rica diversidade cultural não estar no centro das representações hegemônicas sobre a cidade, nas quais prevaleceu o desejo de moldar a vida na cidade segundo um modelo do que se supunha ser uma vida europeia70 70 . Ver Érnica (2004, p. 180). . Na verdade, estas novas formas de viver eram justamente somatórias e rearranjos de hábitos e práticas pré-existentes, e a presença das malgas indica, talvez, um componente rural identificável na cultura material71 71 . Ver Cheek e Friedlander (1990, p. 55). . As tigelas, neste contexto, construíram a ponte entre "as medidas normativas, centralizadoras do Estado e as iniciativas espontâneas, improvisadas e imprevisíveis das camadas populares"72 72 . Ver Pinto (1999, p. 889). . Elas estão no cerne da relação entre os projetos de modernização desenhados pelas elites urbanas a partir das últimas décadas do século XIX (as reformas urbanísticas, as teorias higienistas, os discursos médico-psiquiátricos e jurídicos) com objetivos de impor uma nova ordem social, e a pluralidade das respostas que os diversos grupos sociais articulavam na tentativa de resistir a essas imposições73 73 . Ver Cunha et al. (2001, p. 10). .

Se, por um lado, havia pressão para disciplinar, normatizar, e discursos que tentavam imputar nos moradores da cidade outros hábitos, integrar alguns grupos sociais ao "universo dos valores burgueses"74 74 . Ver Rago (1997). , através da fabricação nacional da louça branca concomitante aos projetos de modernidade para São Paulo, por outro, lembramos Edward Said quando diz que "as pessoas não desistem se são expulsas. Elas na verdade agüentam firme, até com mais resolução e obstinação"75 75 . Ver Said e Barsamian (2006, p. 22). . Quão efetivos foram os projetos de modernidade ou a modernidade como projeto? Se, por um lado, fabricar louças brancas ao invés de cerâmicas pode ser interpretado como parte destes discursos normativos, por outro, a fabricação de formas já conhecidas como as tigelas indica a existência de antigos e presentes hábitos. Pode-se considerar ainda que, se, como pontua Symanski76 76 . Ver Symanski (1998). , as malgas tenderam a cair em taxa de consumo para o final do século XIX, as políticas das elites urbanas no âmbito de uma "modernidade à europeia" podem ter despertado um senso identitário novo, como aquele proposto por Arendt77 77 . Ver Arendt (1989). , no qual as tigelas foram símbolo da manutenção de alguns hábitos. A Fábrica, apesar de estruturada segundo os discursos modernizadores das elites compostas pelos industriais ascendentes e pela aristocracia do café, seguiu a tendência crescente da demanda por estas formas, causando um novo pico de consumo e produção de tigelas no século XX. É o arsenal da resistência cultural, a cultura como uma forma de memória contra a aniquilação78 78 . Ver Said e Barsamian (2006, p. 158). .

Os projetos de modernidade da República, com uma política disciplinar que acompanhou a urbanização, previam pressões drásticas a elementos culturais que perpetuavam o "estado de ignorância e incultura, herdados do passado e da mestiçagem do povo brasileiro"79 79 . Ver Wissenbach (2004, p. 18). , num combate ao que era considerado colonial, tradicional, ultrapassado, baseado em uma visão estereotipada de hábitos europeus associados à modernidade. Projetos de modernidade como aqueles nos quais se inseriam autores como Alcântara Machado, mostram a resistência, posta ao moderno, da persistência de costumes arcaicos meio à cidade que se modernizava, gerando o que Maria Inez Machado Pinto chamou "modernidade de fachada", na qual, destarte o discurso de alguns, as transformações objetivadas por grupos de elite não se estabeleceram ou não foram meramente interiorizadas, mantendo uma dicotomia arcaico-moderno80 80 . Ver Pinto (1999, p. 886). .

Segundo Rago, os padrões considerados "civilizados" de comportamento e convívio social, progressivamente adotados no universo da elite cafeicultora e industrial emergentes, foram exportados para toda a cidade gerando conflitos, tensões e resistências e "embora a cidade tenha se formado a partir do encontro de várias nacionalidades entre os milhares de imigrantes europeus, migrantes rurais que aqui aportaram, negros ex-escravos e livres que aqui viviam, as elites dominantes procuraram impor autoritariamente seu novo modo de vida, percebido como moderno, tentando eliminar as diferenças culturais existentes, erradicar hábitos populares vistos como atrasados ou perigosos"81 81 . Ver Rago (2004, p. 389). .

No entanto, se a produção de tigelas era uma verdade, já efetivamente produzidas pela Fábrica Santa Catharina, pode-se sugerir que, se num primeiro momento isto não dialogava com planos modernizadores das elites (como aqueles muito bem apontados por Lima para as elites cariocas no século XIX82 82 . Ver Lima (1993, 1997). ), pelo menos até os anos 1920, uma nova política estabeleceu-se: a de, realmente, incentivar sua produção dentro de um plano que se utilizou das concepções de "tempo colonial", gerado no âmago dos processos de colonialismo e modernização, para objetivar o conceito de tradição e enraizar traços culturais num passado distante e num lugar remoto83 83 . Ver Wilk (1994, p. 102). . Para São Paulo, tanto no contexto metropolitano como no interior do estado, é claro o predomínio das tigelas, ou sua equivalência, em relação às xícaras em refugos associados a colonos, trabalhadores rurais e operários do final do século XIX e começos do século XX84 84 . Ver Zanettini Arqueologia (2011). . Por outro lado, em refugos teoricamente associados a elites, como no sítio arqueológico Florêncio de Abreu e no Solar da Marquesa, há a preponderância de xícaras85 85 . Ver Carvalho (1999). . A recorrência destas proporções em ocupações de grupos de elite é citada por Lima para o Rio de Janeiro e por Symanski para o Solar Lopo Gonçalves no Rio Grande do Sul, em que sugere que as tigelas tiveram queda acentuada em direção ao final do século XIX inversamente proporcionais a frequência de xícaras86 86 . Ver Lima (1997) e Symanski (1998). .

Como os objetos têm papel ativo na construção de temporalidades, as tigelas podem ter sido manejadas com o intuito de criar polaridades que conformaram parte de um discurso de poder pautado em noções de tempo, corroborando, no plano ideológico, que o hábito de usar tigelas, tradicional, antigo, justificava a ação "colonial", que traria progresso87 87 . Ver Wilk (1994, p. 98-102). . Sendo assim, após o fim da era Ranzini-Fagundes na Fábrica (de 1913 a 1926), as Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo, liderada pelos Matarazzo, acharam inadmissível, dentro de suas perspectivas, a continuidade da produção de tigelas que, aos poucos, somadas às mudanças em práticas de consumo provavelmente a partir dos anos 1920, foram sendo acumuladas nos armazéns por não terem, ou para não terem, mais saída no mercado. Deste modo, as elites também se apropriaram do discurso de um hábito de usar tigelas, de grande parte da população paulistana, especialmente aquela fora dos círculos elitistas, para sustentar um discurso de dominação alocrônico88 88 . Ver Symanski (2008b). .

Esta relação de tempo ainda foi sustentada pelos motivos e padrões decorativos das louças produzidas pela Fábrica, uma vez que nas tigelas há presença maciça de padrões florais, pintados à mão livre, mais artesanais, associados a temas do bucólico e do campo, enquanto que em formas como os pratos, a decoração é moldada, standard e industrializada, fruto do "progresso" e da suposta modernização em técnicas de fabricação de louça branca. Falta ressalvar, no entanto, que este é um discurso da elite e que pode nem mesmo ter sido sentido, diretamente, por aqueles que consumiam as tigelas, cujos backgrounds e visões de mundo eram totalmente alheios aos signos, códigos e sistemas de referências da cultura do consumo do capitalismo industrial e financeiro89 89 . Idem, (2008a). , e pode ter acontecido, muitas vezes, que esse discurso simplesmente, e para usar uma expressão bem brasileira, "tenha dado com os burros n'água".

Ao mesmo tempo em que dialogam com as xícaras, as tigelas competem também com os pratos e com outras formas, como as terrinas, as jarras e as sopeiras, com maior capacidade volumétrica e com papel de serviço ou consumo coletivo. Neste sentido, ao mesmo tempo em que a Fábrica Santa Catharina produzia formas que apontavam para uma complexificação da refeição, associada à variabilidade formal, produziu tigelas, que possibilitavam competição com qualquer uma das formas, fazendo com que um aparelho inteiro de jantar pudesse ser composto apenas por elas. A grande variedade de formas e tamanhos de louças produzidas pela Fábrica refletiu, e foi reflexo de uma nova etiqueta que se pretendia estabelecer e uma segmentação crescente da mesa que servia tanto como um campo de treinamento para a nova ordem do capitalismo industrial, como reforço e reafirmação do mesmo90 90 . Ver Lucas e Shackel (1994, p. 29). .

A variabilidade dos tipos e formas de cerâmicas fabricadas apontaria para um crescimento na preocupação da especialização funcional dos serviços de mesa, segmentando e compartimentando práticas, além de reforçar um comportamento estandardizado e rígido91 91 . Idem, p. 33. . A introdução, e produção, destas formas (pratos, saladeiras, sopeiras, xícaras, etc.), destes objetos, na sociedade disciplinar, pode estar associada ao ordenamento de comportamentos que não se queriam para São Paulo92 92 . Ver Rago (1997), ver Pinto (1999) e ver Carvalho (2008). ; como mostra Mark Leone, as técnicas, ou disciplinas, associadas a estes objetos, definiam um "comportamento normal" como o resultado da internalização da disciplina, aprendida pelo uso da cultura material pautada na rotina93 93 . Ver Leone (1995, p. 260). .

A persistência de formas associadas a consumos tradicionais, como as tigelas, artefato que em maior abundância foi produzido pela Fábrica, com tal amplitude de volumes e, conseqüentemente, possibilidades de uso, pode ser vista, portanto, como uma persistência (uma resistência?) de um hábito já bastante arraigado, bastante tradicional.

Se as novas formas produzidas pela Fábrica, desconhecidas por grande parte dos consumidores da cidade, fazia parte de planos de adequação de comportamentos, então se pode pensar em tigelas como formas tradicionais que resistiam, ou reagiam, às novas políticas normativas da sociedade disciplinar, pressupondo para São Paulo punições, como a própria marginalização, a partir da transgressão de normas. Vemos, aqui, a cidade como palco de luta onde as elites e seus "projetos disciplinadores" tentaram criar mecanismos de controle não apenas sobre o espaço urbano, mas sobre as pessoas que nele viviam94 94 . Ver Cunha et al. (2001, p. 32). . Primeiramente, é a Fábrica percebendo que produzir formas pelas quais não há demanda é uma contradição da qual o próprio capital não daria conta; além disso, são consumidores reagindo, pela demanda, às tentativas de normatização de comportamentos através da cultura material produzida pela Fábrica, que se inseria em projetos de modernidade de uma parte das elites dominantes. Quando a Coca Cola mudou sua embalagem, o consumo nos EUA caiu tanto, perdendo para a Pepsi, que a empresa voltou atrás95 95 . Ver Miller (2002). .

A disponibilidade de abastecimento de bens é importante para criar novas práticas no cotidiano, mas também é necessário para criar uma demanda por estes bens; como apontou Shackel, abastecimento não cria demanda, mas, sim, uma nova ideologia em relação ao consumo e uma compartimentalização do cotidiano para que se estabeleça uma mudança nas práticas do consumidor96 96 . Ver Shakel (1996, p. 123). . Despejando no mercado milhares de louças com novas formas, acompanhadas das velhas formas ainda utilizadas, a Fábrica Santa Catharina arquitetava os planos de mudança de práticas tidas como menos "civilizadas" ou "modernas", resguardando suas características enquanto centro produtor que visa um lucro que é pautado, todavia, nas necessidades e nas demandas pré-existentes dos consumidores da cidade.

Do mesmo modo, quando a literatura, seja de historiadores ou antropólogos, mostra que estes projetos de modernidade previam mudanças nos hábitos e nos comportamentos, eles não necessariamente indicam como estas mudanças e estas práticas dialogam com a cultura material, e que cultura material seria esta. A retenção de artefatos fora de "moda" e a continuidade do uso de antigas tradições culturais podem ser vistos como uma norma cultural standard encontrada entre aqueles que não aceitaram, ou não aceitariam, as novas normas modernas que se queriam impor97 97 . Idem, p. 138. . Assim, ao mesmo tempo em que as tigelas podem ser vistas como a persistência de hábitos coloniais ou mais rurais na cidade cosmopolita, enquanto habitus98 98 . Ver Bourdieu (2008). , elas também poderiam ser vistas como fazendo parte destes próprios hábitos cosmopolitas e modernos, ao invés de serem consideradas "intrusivas" ou "anacrônicas". Somente analisando e escavando mais contextos deste tipo, estaremos aptos a descrever a cultura material dos hábitos que se estabelecem no começo do século XX. Dados arqueológicos podem ajudar a revelar os índices de aceitação de novos bens de consumo e novas ideias99 99 . Ver Shackel (1996, p. 133). .

Note-se, ainda, que, se os discursos sobre estes novos hábitos e os estímulos a mudanças nas práticas de consumo planejavam uma disciplinarização dos comportamentos, é preciso saber se ocorreu, realmente, uma mudança nestas práticas ou se existiram resistências, persistências, etc. A relação entre os pratos e as tigelas é interessante neste sentido. Para a teoria do design industrial, "é provável que o prato – especialmente aquele com borda chata característico da civilização moderna – tenha tido sua origem em culturas que comem sobre mesas, pois é preciso mantê-lo estável e firme durante o uso"100 100 . Ver Büchler (2004, p. 43). . Todos os pratos do sítio arqueológico Petybon, a exceção dos pratos de sobremesa (e dos pires), contém aba com ombro (inflexão), visto que se adaptariam melhor "aos nossos costumes alimentares, devido aos instrumentos de que dispomos para comer, os talheres. A aba sustenta os talheres, mantendo-os posicionados, impedindo que deslizem para o centro do prato, 'sujando' com a comida o cabo que seguramos"101 101 . Ver Aun (2000, p. 77). .

Os 17 tipos de prato produzidos pela Fábrica Santa Catharina, com tamanhos variados, indicam uma popularidade da forma e crescimento da segmentação dos serviços à mesa; os pratos implicam em consumo individual, de um prato por pessoa, indicando etiqueta que reforça a segmentação102 102 . Ver Shackel (1993, p. 5, 130). . Segundo Shackel, para a classe média americana do século XIX, no processo de ritualização das refeições, o prato passa a ser um veículo para apresentar as refeições, tornando-se símbolo físico manipulado como parte de um ritual103 103 . Ver Shackel (1996, p. 174). . Para o autor, os pratos eram vistos como itens disciplinares e, no contexto de Cheasepeake, artefatos que refletiam mudanças sociais entre os grupos mais ricos e um modo das elites de se diferenciarem daqueles e de outros grupos em períodos de instabilidade social104 104 . Ver Shackel (1993, p. 85). . No caso da elite carioca no século XIX, o jantar passou a ser considerado um importante dever social, regido ritualisticamente por regras quase imperceptíveis105 105 . Ver Lima (1995, p. 138). . Para Huddleston e Poplin, os pratos seriam reflexo de novos conceitos de individualismo e privacidade no cotidiano106 106 . Ver Huddleston e Poplin (2003, p. 2). , mas pensar nas apropriações e usos dos pratos, por exemplo, por famílias operárias de São Paulo, nas quais o conceito de individualismo estava quase que fundido ao conceito de coletivo, de comunidade, mostraria a relação que se desenrolou neste contexto específico entre o habitus e a cultura material. Com o século XX, excetuando as horas da "cachaça social no botequim da vizinhança", o jantar e o convidar os amigos para jantar popularizou-se como forma de cumprir os deveres cotidianos de solidariedade107 107 . Ver Chalhoub (2006, p. 229). , também como tática de sobrevivência dos "grupos populares".

Os pratos, portanto, e teoricamente, indicariam um comportamento: o do uso da mesa para as refeições, assim como do uso dos talheres. Na França, a disseminação dos pratos rasos deu-se apenas no século XIX, assim como o uso dos talheres, vistos como sinal de civilidade108 108 . Ver Lima (1995). ou parte de um processo civilizador109 109 . Ver Elias (1994). . No entanto, sabe-se que os talheres eram algo caro, pouco populares no Brasil (como são ainda hoje em algumas regiões). Logo, não podemos pressupor a relação direta talheres-pratos. Análises de marcas de uso vêm de encontro a estas problemáticas; Griffiths demonstrou como muitas das marcas que se imaginava serem de garfos seriam colheres, rompendo, portanto, com normas que implicariam apenas no uso de garfos para refeições sólidas110 110 . Ver Griffiths (1978). . Há que se ter em vista, assim, a diferença entre os discursos e as práticas, o êmico e o ético, a palavra e as coisas111 111 . Ver Foucault (2007). , nos modos de utilização da louça: as invenções e reinvenções dos agentes sociais no cotidiano a partir do habitus enquanto princípio gerador de práticas distintas e distintivas, como afirmou Bourdieu112 112 . Ver Bourdieu (2008, p. 22). .

Koguruma apontou, por exemplo, a existência de inúmeros ritmos sociais sobrepostos a experiências de um cosmopolitismo conflituosos na metrópole, e que é necessário perceber as especificidades retóricas dos discursos de modernidade da cidade entre o final do século XIX e o começo do XX. Para o autor, subjaziam sob a aparência de "aburguesamento" da urbe paulistana, ritmos marcados por outras clivagens e outros fluxos que a documentação oficial abafa. Quando usamos conceitos como "europeização", temos que ter em mente que, pautada nos discursos de cronistas e memorialistas, isto não eliminou certos aspectos da cidade que já existiam desde o período escravocrata113 113 . Ver Koguruma (1999, p. 83, 87). . As boiadas continuam passando, assim como os leiteiros em domicílio, ainda nos anos 1950.

A existência de práticas "ruralizadas" e "urbanas", se é que assim podem ser tipologizadas, coexistia na urbe paulistana114 114 . Idem, p. 91. , conformando experiências vividas por todos os habitantes da cidade, com maior pertencimento nos setores menos favorecidos, mas não só. Estamos falando das criações de animais nos palacetes da Avenida Paulista, por exemplo, porcos e galinhas que deixavam vislumbrar um ambiente que, por vezes, sedento por mascarar o que considerava "colonial", construía discursos que não tinham fundamentação no mundo empírico. Se havia um investimento em xícaras para aqueles momentos cerimoniais públicos, a casa de elite poderia, no dia a dia, ainda estar sorvendo caldos em tigelas, utilizando os pratos com a mesma frequência que estas. O triunfo de uma aparência para a cidade, forjada muitas vezes pelo comércio e pela propaganda115 115 . Ver Pinto (1999, p. 66). , fez com que se esquecesse da relação entre o que é dito e o que é feito116 116 . O exemplo mais clássico em arqueologia histórica que mostra esta intrínseca relação é a pesquisa do Garbage Project de William Rathje. .

Algumas imagens tornam-se, deste modo, interessante no presente âmbito. A fotografia que acompanha a capa do livro Os Italianos, de Fábio Bertonha117 117 >. Ver Bertonha (2005). , que aborda a história da imigração italiana para o Brasil, ilustra bem, para além das "margens de manobra"118 118 . Ver De Certeau (2007). , o papel do habitus como senso prático articulado entre os agentes, os "sujeitos" e as estruturas cognitivas duradouras e esquemas de ação119 119 . Ver Bourdieu (2008, p. 42). : caminhos alternativos de ação, idéias e valores articulados numa história acumulada120 120 . Ver Said (2005, p. 35, 45). . Nela, uma família, composta pela mãe e aparentemente seus três filhos, fazem uma refeição. A cena que se desenrola mostra não apenas estas pessoas comendo de pé, mas segurando os pratos com uma mão e com a outra, pegando o alimento – não existe mesa ou talher, um uso que, com certeza, não foi, de forma alguma, aquele pretendido121 121 . Ver Souza (2010). . Não deixamos de pensar que marcas de uso seriam encontradas nestes pratos; se não encontrarmos nenhuma, assumiremos, imediatamente, que ele não foi usado?

Para Norbert Elias, as problemáticas em torno do uso do garfo vão muito além da explicação "racional" de que comer com a própria mão, ou tirar do próprio prato o alimento com a mão, seria anti-higiênico; segundo o autor, estudando nossos sentimentos em relação ao ritual do garfo, este tipo de talher nada mais seria que "a corporificação de um padrão específico de emoções e um nível específico de nojo"122 122 . Ver Elias (1994, p. 133). . Para a São Paulo da época, comer com os dedos, ainda que praticado pela maior parte da população, deveria "chocar" alguns, devido a uma série de tabus que se foram criando, por uma pequena parte das elites, institucionalizando o desagrado, a partir de um dado ritual, e normatizando formas de conduta. Associado à formas tradicionais de comer, este hábito foi, e é, cada vez mais, considerado "bizarro", apesar do paradoxo de ainda comermos bolos e pizzas com as mãos...

Uma das fotografias que compõem o acervo de Vicenzo Pastore, o fotógrafo dos "tipos humanos" da cidade123 123 . Ver Rezende (2002, p. 3). , recorrente em diversas obras124 124 . Ver Fausto (1998) e Souza (2010). , mostra um vendedor de galinhas, na rua 25 de março (ainda considerada o "mercado caipira"), durante os anos 1920, comendo numa tigela, com forma muitíssimo semelhante a produzida pela Santa Catharina, sentado num pequeno banco improvisado. Nela, nota-se que ele segura algum pedaço de alimento mais sólido, que provavelmente era mergulhado na pequena tigela.

Por fim, existe uma fotografia, dos anos 1910, tirada nos arredores do centro da cidade, na ainda São Paulo rural, de um almoço no campo. Ao que a imagem permite inferir, o ritual caracterizava-se por pessoas dispostas em círculo, agachadas, segurando os pratos com a mão, distante da "moderna etiqueta" ou dos usos pretendidos que se pensava para os pratos125 125 . Ver Reconstituição da memória estatística da Grande São Paulo (1983) e Souza (2010). A fotografia, no entanto, mostra mais. Ela aponta como o repouso, enquanto arma contra o cansaço, no período de parada do trabalho, tem dimensões psicológicas, biológicas e sociológicas como afirma Bastide126 126 . Ver Bastide (1983, p. 88). . Já que as técnicas de repouso não são "naturais", mas adquiridas desde a infância, agachar para almoçar ou para repousar indica que comer sentado foi uma imposição do abandono de uma posição "natural" na criança, por exemplo. Mauss chega a distinguir a humanidade entre os sentados (em assentos) e os agachados127 127 . Idem, p. 100. . Se comer em pé ou comer agachado estava sendo visto, em São Paulo, como uma prática a ser combatida, eminentemente rural ou não "civilizada", é porque uma prática cultural passou a ser imposta inclusive sobre a fisiologia de certos grupos sociais da cidade, coagindo-os, através de todo um aparato disciplinar, a aceitar a determinada visão de mundo de um grupo específico (o discurso modernizador das elites paulistanas), indo fundo numa biopolítica de "domesticação dos corpos", como disse Foucault128 128 . Ver Foucault (1984). .

Visto que a variabilidade artefatual pode, sim, ser relacionada a diferentes utilizações de uma mesma forma, também no cotidiano de camadas médias e pobres da cidade que não necessariamente seguiam regras e normatizações de hábitos como as elites paulistanas, fica difícil relacionar os fragmentos de louças brancas a determinados rituais de forma demasiadamente direta. Algo que apenas se complica ao percebermos que muitas das formas que compunham parte da parafernália para tomar chá poderiam ser utilizadas para o consumo de outra bebida que veio ganhando cada vez mais força ao longo do novecentos: o café. Será possível questionar as abordagens do "ritual do chá", cujas perspectivas foram, para a Arqueologia Brasileira, aplicadas a partir dos imprescindíveis e inquestionavelmente relevantes trabalhos de Tania Andrade Lima129 129 . Ver Lima (1993). ? Recorre-se, aqui, para dialogar como a cultura material, a algumas fontes contemporâneas, como a literatura.

O ritual do cafezinho: hábito de sociabilidade com xícaras e tigelas

A frequência de xícaras e tigelas no registro arqueológico do sitio Petybon, assim como de inúmeros sítios relacionados ao contexto dos séculos XIX e XX, levanta questionamentos quanto a utilização destes recipientes por consumidores em seus cotidianos. Para quê serviriam as xícaras e as tigelas? Que uso ganhariam? O que seria nelas colocado? As possibilidades, para a República Velha, são grandes quando nos deparamos com ele, o café.

O consumo do café como bebida, e o hábito de tomá-lo nas e entre as refeições, está associado, fulcralmente, à expansão ultramarina europeia, uma vez que a prática data do século XV islâmico. O café se propagou do Oriente ao Ocidente prestando-se às demandas mercantilistas do capitalismo e acompanhando revoluções científicas e financeiras que presidiram a sociedade moderna, figurando como um de seus motores130 130 . Ver Martins (2008, p. 10). . Diferente do chá, resultante do fascínio pelo extremo Oriente, o café é fruto do mundo árabe. O hábito de tomar café como bebida prazerosa, e o nascimento do ritual, em caráter doméstico ou coletivo, deslanchou a partir de 1450. Coube, no entanto, à Turquia o pioneirismo do "hábito do café" como bebida popularizada e ritual de sociabilidade131 131 . Idem, p. 21-22. . O modelo da primeira cafeteria do mundo, a Kiva Ham em Constantinopla, espalhar-se-ia como ponto de encontro e lugar de convívio social, atestando a ampla difusão da bebida e sua função celebrativa advinda de seu teor estimulante. De bebida a lugar, a propagação dos Cafés carregava, em si, o caráter "agregador, estimulante à troca de idéias", liberador da "comunicação entre os homens, que passaram a consumi-lo em lugares públicos"132 132 . Idem, p. 28. .

A Inglaterra foi o primeiro lugar a cultivar os cafés públicos, ainda no século XVI; no entanto, já no século XVIII, o chá tornara-se forte concorrente, um poderoso instrumento de sociabilidade no país. Avançando mais e mais como demanda do mercado interno inglês, o equipamento que envolvia o consumo do chá foi se especializando na Inglaterra, com a substituição das malgas "por xícaras com asas e seus indissociados pires..., em decorrências das tigelinhas serem consideradas extremamente desconfortáveis". Diferente do que ocorreu no Brasil, lá, a partir de 1820, as xícaras com alças substituíram de vez as pequenas malgas que, segundo Lima, deixaram de ser fabricadas, para consumo europeu, em meados do século. Junto do chá, foi introduzido, na Inglaterra, todo o equipamento utilizado na China para seu consumo133 133 . Ver Lima (1997, p. 97, 99, 95). . Entretanto, devido à existência de outras bebidas quentes, como o próprio café, e o chocolate, vindo das Américas, o equipamento de chá chinês, em princípio os bules, as tigelas e as xícaras, se adaptou bem também ao consumo destas últimas, passando a compartilhar, com elas, as mesmas funções. Tem-se aí o crescimento das demandas por faianças finas e porcelanas134 134 . Arqueologicamente, a porcelana é um tipo de louça branca composta de argila, caulim e mais altos teores de feldpsato e quartzo (podendo conter outros materiais semelhantes) queimada em temperaturas mais altas que a faiança fina, em geral opacas, mais vitrificadas e impermeáveis, cf. Pileggi (1958) e Zanettini (1986). , à medida que se expandia o consumo destas bebidas quentes, concomitantes ao florescimento das fábricas de cerâmica branca em toda a Europa durante o século XVIII.

A parafernália que deu suporte ao hábito de tomar café, e ao ritual do cafezinho (pires opcionais, formas fundas [caneca, xícara, tigela], bule, açucareiro e objeto que correspondesse a "colherinha", caso adoçado), composta por formas similares às utilizadas pelo chá–havendo especialidade em termos de tamanho e volumetria (o que teria originado os termos, por vezes obsoletos, "xícara de chá" e "xícara de café"), cujas fronteiras se esfumaçam ao longo do novecentos –, teve maior expressividade no Brasil do que, por exemplo, nos locais onde teria primeiramente se estabelecido, como na Europa. Ademais, arqueologicamente fica difícil inserir xícaras e tigelas, ao menos para o século XX, em um ou outro ritual de modo muito claro. Isto mostra que nem sempre a intensidade de um fenômeno é maior em sua área nuclear, tendo visto que o Brasil tornou-se, posteriormente, um dos maiores consumidores, e produtores, de café do mundo. Hoje, no planeta, ele é a bebida mais consumida depois da água, com 400 bilhões de "xícaras"/ano135 135 . Ver Bastos (2009, p. 24). . Foram, assim, proliferando-se novas volumetrias de xícaras e de tigelas, como aquelas encontradas no sítio arqueológico Petybon, e o consumo e uso de práticas relacionadas às louças e às bebidas quentes só fez crescer a demanda por cerâmica branca, acarretando na abertura de tantas outras fábricas de faiança fina na cidade, neste período, que fabricavam outras tantas formas semelhantes.

O acervo do sítio Petybon mostra, por exemplo, a entrada maciça das canecas na aparelhagem, representadas por seis variantes volumétricas. Data dos tempos da belle époque, portanto, o nascimento do costume, hoje já bastante consolidado, de tomar café, e outros estimulantes, também em canecas. Este é um exemplo de que a complexificação de rituais nem sempre está associada à maior variabilidade de formas específicas, mas pode estar associada à maior variabilidade de tipos de formas e de volumes, permitindo maior gama de ações que o consumidor pode efetuar dentro de um ritual. É preciso estar atento a isto no registro arqueológico também das unidades domésticas; do contrário, cair-se-á numa simplificação da análise estética e formal do material arqueológico, e da cultura material dos usuários de determinada ocupação, inferindo que uma menor variabilidade de formas "simplificou" o ritual.

O material do sítio Petybon traz, ainda, outra relação percentual no que concerne a estas formas, uma vez que as tigelas são maioria, seguidas das xícaras, enquanto os pires têm uma expressão bastante módica no registro arqueológico (aproximadamente apenas 2% do total do acervo), sugerindo que não haveria uma relação rígida entre a presença de xícaras e o uso dos pires. Mesmo porque, e até hoje, os pires vão perdendo importância; são eles, geralmente, aquelas formas que ficam guardadas nos armários, pouco frequentes em alguns registros arqueológicos do século XX devido a baixa frequência de uso, diferente das xícaras. Lima (1997: 111) classifica os pires também enquanto formas para sorver, assim como malgas e xícaras. Sua ausência parece indicar, portanto, a pouca expressividade do hábito de usá-los com esta função nesta primeira metade do século XX paulistano.

Com o crescimento das culturas de chá nas colônias britânicas, o século XIX teria assistido, na Inglaterra, a um declínio das casas de café (coffee houses) substituídas pelas casas de chá (tea gardens)136 136 . Ver Lima (1997, p. 95). . Os britânicos consumiam 700g de chá per capita em 1840 e 2,6kg nos anos 1890. "Enquanto os britânicos abandonavam as poucas xícaras de café que bebiam, para encher seus bules com chá da Índia e do Ceilão (Sri Lanka), os americanos e alemães importavam café em quantidades cada vez espetaculares, notadamente da América Latina"137 137 . Ver Hobsbawm (2007, p. 97). . Isto não significa o fim da relação dos ingleses com o café, uma fez que cada vez mais, no Brasil, estreitou-se a relação entre a Inglaterra, os banqueiros ingleses, a escravidão, as ferrovias e a cafeicultura; mas coube, desta vez, à França, eternizar o modelo com os cafés parisienses que chegaram à casa dos milhares138 138 . Ver Martins (2008, p. 33). . Esse crescimento na demanda europeia fez com que o plantio de café fosse desenvolvido em colônias na África, chegando ao Novo Mundo, ainda no século XVIII, no Suriname, Cuba, Santo Domingo, Porto Rico e Guiana 139 . Ver Morelli (2009). 139 139 . Ver Morelli (2009). . Com o século XX e a invenção da cafeteira, o café passou a estar cada vez mais ligado ao mundo da fábrica, do trabalho, da racionalização do tempo; é o mínimo tempo de repor as forças no mundo capitalista que se estabelece tanto nos centros urbanos como no campo. José de Alencar, no romance Lucíola, referindo-se a uma moça pobre, dizia que "Já não dormia; sustentava-me com uma xícara de café"140 140 . Ver Alencar (1998: 172). .

O café entra no Brasil ainda no começo do século XVIII através da introdução das primeiras sementes no Pará, mas no final do século XIX, ainda era pouco popularizado e pouco comercializado, sendo o hábito de bebê-lo tido como sofisticado, oferecido como droga exótica e de luxo para mesas elegantes141 141 . Ver Martins (2008, p. 44). . Mas não é preciso dizer que com o século XIX o café, bem adaptado ao clima do país, começou a ser plantado em extensas lavouras, especialmente no Rio de Janeiro, pautado no crescente mercado consumidor americano e europeu pelo produto. Associado à mão-de-obra escravista e aos grandes latifúndios, o café foi centro de um capítulo da história do país bastante importante e conhecido, com inúmeros estudos, sem necessidade de nos aprofundarmos aqui. Em São Paulo, o café entrou timidamente nas práticas de cultivo em meados do século XIX, mas a intensificação do plantio deu-se apenas após a abertura dos portos e o fim do bloqueio continental. No final do século XIX, o Brasil já era conhecido como a "República do Café".

Segundo Martins, nas crônicas sobre São Paulo colonial, o café era ainda referenciado apenas como plantio e não como bebida; com o final do século XIX, o hábito de tomar café começou a popularizar-se, seja aquele acompanhado de pinhão ou milho verde, como narram viajantes, seja a partir dos quiosques e quitandeiras nas ruas142 142 . Idem, p. 181. . Já no século XX, o café, nos Cafés, fazia parte da "média com pão quente" cujo equipamento compunha-se simplesmente de uma xícara, para o café, e um prato de louça, para o pão143 143 . Idem, p. 183. . A combinação rendeu o poema Trem de Ferro, de Manuel Bandeira, de 1936, que chama atenção para o hábito, mas também, pautado na sonoridade, para o ritmo e a velocidade, do trem e do trabalho, que se firmavam na cidade, ao que estava associado o café e o ato de consumi-lo. Reproduzimos um trecho:

Café com pão

Café com pão

Café com pão

Virgem Maria que foi isto maquinista?

Agora sim

Café com pão

Agora sim

Café com pão

Voa, fumaça

Corre, cerca

Ai seu foguista

Bota fogo

Na fornalha

Que eu preciso

Muita força

Muita força

Muita força144 144 . Ver Bandeira (2005).

Ao que parece, no começo do século XIX, quando a bebida ainda não se tornara hábito, porque o grão era caro, com produção restritiva, a elite rural, e a elite urbana que se formava, utilizou-se do ritual do café, com algumas normas já estipuladas em manuais de civilidade, para o estabelecimento de uma etiqueta social fundamentada em códigos diferenciadores em termos de status social e hierarquia, uma vez que a população, em geral, ainda dava preferência ao chá, bem mais barato, importado diretamente da Ásia ou produzido nas terras da antiga fazenda de Arouche Toledo Rondon, onde, atualmente, se localiza o Viaduto do Chá145 145 . Ver Martins (2008, p. 181). . Segundo Cascudo, o café passou a ser consumido depois das refeições, acompanhado de tortas e bolos146 146 . Ver Cascudo (1968). .

Para Sevcenko, nos anos 1920, a infusão estimulante mais tradicional ainda era o chá, muito associado "ao desjejum e ao relaxamento pós-atividade, segundo cerimônias morosas, típicas de um mundo pré-industrial e de menos densidade urbana"147 147 . Ver Sevcenko (1992, p. 83). . Já o café desde cedo foi associado ao ritmo do trabalho, à vida moderna e à cidade e, para o autor, a associação da São Paulo com o café alcançou amplitude simbólica poderosa. Das últimas décadas do século XIX até os anos 1920, o Estado de São Paulo controlava quase 70% de todo o mercado mundial do grão; e o café tornava-se cada vez mais a bebida republicana por excelência148 148 . Idem (2000, p. 56). . O hábito de tomar café conheceu novo impulso quando o ritmo ditado pela produção das fábricas, pelo horário do trem, pela racionalização do tempo, passou a estruturar a sociedade, com função, e sensação, de repor as energias149 149 . Ver Martins (2008, p. 33). .

O final do século XIX e, em especial, o século XX, assistiu a associação do café com um imaginário alimentado em torno do moderno: o cinematógrafo, os teatros, a eletricidade, os bondes, o telefone e o automóvel150 150 . Ver Doin et al. (2007, p. 94). , opondo o "tomar café", fruto do progresso, da modernidade, da nova metrópole que se estabelecia e de sua pujança material, ao "tomar chá", cada vez mais considerado "colonial" e "tradicional" de forma a ser "ultrapassado" pelos novos tempos. A bebida moderna estaria também sendo consumida, como indica a coleção estudada, em formas tradicionais, como as tigelas, mas em nova matéria-prima, a faiança fina. Rudyard Kipling não deixou de perceber a associação do ato de beber café, de aceitar o café como sinal de sociabilização em residência que visitava, e da velocidade do ritual, na São Paulo de 1927, quando anota que "não se podia obter muita informação durante uma visita por uma xícara de café"151 151 . Ver Kipling (2006, p. 86). .

O café, no entanto, não parece ter feito distinção entre os diferentes grupos sociais da cidade. Joaquim Floriano de Godoy, senador do Império, em 1875, ressaltou "o café no uso doméstico da classe menos abastada e até da proletária; hoje se pode considerar este gênero como artigo de alimentação necessário para os habitantes de ambos os hemisférios"152 152 . Ver Martins (2008, p. 79). . O suíço Tschudi (1953: 47), em viagem ao Brasil entre 1857 e 1866, dizia que "o consumo do café dentro do próprio país é considerável, pois todo o mundo saboreia várias vezes por dia essa bebida nacional, seja rico ou pobre, moço ou velho, patrão ou empregado". Koseritz, em passeio pela Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, em 1883, registra, em seu relato de viagem, que "antes de entrar na barca, a audaciosa tentativa de tomar café no botequim do trapiche, o que conseguimos mais ou menos, apesar de que o produto era horrível, para uma região onde de mesmo os pobres bebem excelente café"153 153 . Ver Koseritz (1972, p. 25). .

Para Sevcenko, a industrialização na Europa e nos EUA, e a revolução científico-tecnológica ocorrida nos anos 1870, transformaram o mercado de produtos primários, gerando uma demanda crescente por estimulantes de origem tropical, "indispensáveis à adaptação das populações urbanas aos novos ritmos mecanizados. Eis como um produto obscuro, de escasso reconhecimento e pouco consumido como o café, de repente se tornou gênero indispensável às condições da vida moderna" 154 . Ver Sevcenko (2000, p. 77). 154 154 . Ver Sevcenko (2000, p. 77). . Não foi sem razão que Joseph Love fez a associação da cidade com a bebida em A locomotiva155 155 . Ver Love (1982). . Ocorreram mudanças nas práticas alimentares afetadas pelas transformações econômicas e populacionais geradas pela cafeicultura e a mais óbvia delas foi a substituição da bebida cotidiana: "iniciava-se o reinado do café nas xícaras, copos, canecas e cuia dos paulistas"156 156 . Ver Marins (2004, p. 133). .

Na São Paulo que se configurou com uma construção avessa aos velhos cenários e aos velhos costumes do Brasil oitocentista e rural157 157 . Ver Pinto (1999, p. 62). , o combate e a ênfase no consumo, e nas práticas arraigadas a eles, do café em detrimento do chá, teve reflexo nas formas produzidas pelas fábricas de louça em todo país. No entanto, a substituição do chá pelo café no Brasil não chegou propriamente a ser uma disputa, visto ter ganhado o café uma amplitude que o chá nunca alcançou, criando um mercado consumidor e práticas de consumo inimagináveis para uma bebida exótica pouco conhecida até o século XIX. No entanto, algumas tensões foram, sim, geradas.

Quando João do Rio narra o episódio abaixo:

– Vamos tomar café?

– Oh! Filho, não é civilizado! Vamos antes ao chá!158 158 . Ver Rio (1909, p. 84).

refere-se a um episódio bastante paradigmático, segundo O'Donnell: a rejeição do café e a sugestão pelo chá, no período no qual o café era o baluarte da economia nacional, "nos remete a uma tentativa de substituição mecânica de uma tradição nativa pela outra alheia ao sistema simbólico nacional, mas em sintonia com a cartilha de civilidade (...) O brasileiro, acostumado à informalidade do café, defrontava-se com a pompa das louças e biscoitos finos que, ..., impunham a criação de um novo espaço social"159 159 . Ver O'Donnel (2009). .

No século XX, os Cafés da Paulicéia tornaram-se os espaços de sociabilidade por excelência, a exemplo do Café Guarany, ponto de encontro da intelectualidade paulistana, de distribuição de periódicos160 160 . Ver Martins (2008, p. 182-183). , e mesmo de fechamento de negócios, pois foi nele, lembra-se, que o contrato entre os Ranzini e os Fagundes foi fechado para inauguração da Fábrica de Louças Santa Catharina em 1913161 161 . Ver Alteração do contrato social, p. 2. e Questionário preenchido por Romeu Ranzini. . O documento "Alteração do contrato social", de 1913, em sua segunda página indica que "constituiram com o capital de trezentos contos de réis, (Rs. 300:000$000) já integralmente realizado, uma sociedade commercial e industrial em commandita, denominada 'Santa Catharina', com sua séde nesta Capital e sob firma Fagundes, Ranzini & Companhia".

Tensões, igualmente, surgiram entre o café e a cachaça, uma vez que o café era encarado como a bebida da sobriedade, que desperta para o trabalho, para o estado de vigília e vence o sono, em contrapartida às bebidas alcoólicas como a aguardente e a própria cachaça. As transformações e guinadas de velocidade do século XIX, pediam drogas potentes e baratas: se, por um lado, a maximização do efeito, a aceleração e o preço baixo da cachaça criaram novas qualidades de embriaguez, por outro, o café criou novas formas de sobriedade162 162 . Ver Camargo (2009, p. 6, 7). . Segundo Daisy Ciscati, na cidade de São Paulo foram configurando-se os lugares de "sociabilidade sóbria", os Cafés, e os de "sociabilidade efusiva", as tabernas, seguidas das tentativas variadas de combates a estes estabelecimentos pelo poder público, vistos como locais de "diversões perniciosas". Consolidava-se cada vez mais a imagem do paulistano ao café e ambos ao trabalho, como uma característica inata que se opunha, por exemplo, ao malandro carioca163 163 . Ver Ciscati (2001, p. 52, 81). .

Atento ao papel da gastronomia como universo de conflitos, tensões, disputas, não foi sem intenção que Michel Onfray, no final do século XIX, descrevendo a cozinha, a associou a presença do que chama "líquidos de guerra", a cozinha dos deuses, considerando o chá como a bebida da imortalidade, o café como a bebida sublime e o chocolate como a bebida do guerreiro. Se o chá era de origem budista e o café de origem muçulmana, já o chocolate seria o emblema de uma civilização pagã, Maia e Asteca, então considerada uma bebida de guerreiro, tomada por aqueles que iriam aos combates. Para Onfray, se o chá e o café exacerbavam as capacidades espirituais e cerebrais, o chocolate avivava o erotismo, por isso muitas vezes alvo de críticas, especialmente por parte da Igreja164 164 . Ver Santos (2007). .

Câmara Cascudo, por outro lado, afirma que, apesar de sinônimos funcionais em termos de pretextos para recebimento social, no Brasil, o chá não chegou ao uso popular, e quem tomava chá era porque estava doente, "bebida de gente ilustre"165 165 . Ver Cascudo (1968, p. 342). . O café, o chá e o chocolate eram recomendados, no Brasil colônia, para o combate às doenças venéreas, e o café, sem açúcar, era dado aos escravos como fortificante166 166 . Ver Leal (2005, p. 45). . Em Atrás da Catedral de Ruão, conto de Mário de Andrade, a personagem Alba "vivia resfriada na exigência das blusas brancas. Chegava afrosa, nariz vermelho, pingando. Lúcia lhe propunha logo um chá, mas com bastante rum 'pour avoir des réves'"167 167 . Ver Andrade (1993, p. 50). .

No período do século XX abordado aqui, sem dúvida era o café a bebida de bares, a bebida consumida em casa, em tigelas e xícaras. Conformava-se como a bebida nacional, por excelência, no âmbito da construção das identidades no Brasil República. A presença do café no cotidiano brasileiro só se tornou mais intensa com o decorrer do século XX, a ponto de, a partir da segunda metade, mesmo o copo de vidro ter entrado como parte da cultura material e dos equipamentos utilizados para o consumo do café, coisa que foi praticamente nula na primeira metade do século. A caneca de louça também adquiriu significado, e sua associação à bebida é tamanha que nos últimos anos do século XX fortaleceram-se termos como "caneca de café". A utilização da caneca nos rituais e práticas de beber café mostra, na verdade, quase que uma fusão de formas, já que, pautada num movimento que culminou nos anos 1990 com as estratégias das fábricas de louças brasileiras para não sucumbir à (nova) concorrência chinesa, a caneca e a xícara se confundem. Existe um limite tênue que atualmente foi rompido entre estas duas formas e que acarretou na criação de formas cujos designs têm um pouco das duas.

"Tomar um cafezinho"' tornou-se frase corriqueira e sinônimo de uma ritualística de sociabilidade que indica um bom anfitrião, no Brasil. Para além do consumo do produto em si, o ritual do cafezinho visa "estabelecer um contato social ou mesmo fazer uma pausa nos afazeres domésticos, profissionais ou pessoais"168 168 . Ver Fonseca et al. (2005, p. 24, 25). . Cada vez mais o hábito de tomar café foi arraigando-se aos costumes nacionais, em geral tomado após as refeições. Debret, na primeira metade do século XIX, registra que "Quanto ao jantar em si, ..., para um homem abastado [...] Os vinhos de Madeira e do Porto são servidos em cálices [...] além disso um enorme copo, que os criados têm o cuidado de manter sempre cheio de água pura e fresca, serve a todos os convivas para beberem à vontade. A refeição termina com o café"169 169 . Ver Debret (1940, p. 138). .

Os manuais de civilidade, veículos de poder e urbanidade, divulgados no universo das elites, desde o século XIX, já trazem preocupações com os modos da beberagem do café. O manual de José Inácio Roquete chama atenção para o ato de beber o café depois do jantar e a realização da cerimônia para seu consumo: "... voltam para a sala do mesmo modo que vieram, onde já está pronto o café e os licores; porque somente se toma café à mesa nos jantares sem cerimônia". Critica também o hábito, deveras popular, de beber o café fervendo, no pires, e ir bebericando aos poucos; o café deveria ser bebido "pela chávena, e ninguém o deita no pires"170 170 . Ver Roquete e Schwarcz (1997, p. 232, 193). .

Na literatura, inúmeros são os exemplos da presença do café, em variados contextos, tomado em variados recipientes. Utilizamos a liteartura na medida em que fornece dados preciosos para uma melhor compreensão de algumas terminologias utilizadas, assim como de usos às formas associados, na literatura de língua portuguesa. Adota-se aqui a fórmula consagrada nos artigos de Tania Andrade Lima ao arrolar fontes literárias para a análise da cultura material dos vestígios associados à elite carioca171 171 . Ver Lima (1993; 1997). .

Concordamos com Monks172 172 . Ver Monks (1999). quando afirma que a relação entre xícaras e tigelas, no registro arqueológico, não pode ser arbitrária e intrinsecamente associada a um comportamento mais ou menos "burguês", uma vez que chá, café e chocolate, os alimentos pretextos para recebimento social, como fala Cascudo, seriam consumidos tanto numa como noutra forma173 173 . Ver Cascudo (1968, p. 342). . Na cuia, tigela, o café, com rapadura, entrava na alimentação escrava como estimulante para o trabalho, substituído pela cachaça em dias frios174 174 . Ver Martins (2008, p. 114). .

A obra de Eça de Queirós oferece algumas pistas em relação a terminologia utilizada para as formas aqui analisadas e usos que delas foram feitos. Em O primo Basílio, de 1878, por exemplo, "Sorri com os seus dentes amarelados. O caldo que Joana deitava na malga branca com um vapor cheiroso, cheio de hortaliça dava-lhe uma alegria gulosa"; em seu conto, No moinho, de 1880, "havia sobre as cômodas alguma garrafa de botica, alguma malga com papas de linhaça". N'A relíquia, de 1887, "ao lado erguia-se uma tenda, com um tapete na relva coberto de uvas e de malgas de leite", "bebendo numa malga de ferro, que um negro ia enchendo com o odre suspenso aos ombros". N'A cidade e as serras, de 1901, "a malga de barro, atestada de azeitonas pretas, contentaria Diógenes" e "Ele enrolava numa mortalha tabaco picado, tabaco grosso, guardado numa malga vidrada"175 175 . Eça de Queiroz (2009, p. 44), Eça de Queiroz (2010), Eça de Queiroz (2000, p. 129), Eça de Queiroz (2008, p. 155), grifos meus. .

Atesta-se, na obra do escritor português, primeiramente a popularidade do termo, pouco usado no Brasil, em especial no século XX, e a associação da palavra com a forma, e não necessariamente com a matéria prima que a compunha, uma vez que as malgas são de barro, de cerâmica vidrada, de ferro e de louça branca, usadas para as mais diferenciadas atividades.

No Brasil, Júlio Ribeiro, por exemplo, em A carne, romance de 1888, ao mesmo tempo em que mostra a multifuncionalidade da xícara, pontua que o café estava sendo bebido em tigelas, nos trechos: "Barbosa mandou vir um caldo de frango, suculento, grosso, fê-la tomar uma xícara dele" e "– Comeu ela ou bebeu alguma coisa? – Ela almoçou, há de fazer duas horas. – Não bebeu nada? Bebeu café, uma meia tigela"176 176 . Ribeiro (1996, p. 59), grifos meus. .

N'O missionário, de Inglês de Souza, 1891, lê-se "Pensei que era o café de João Pinheiro! Exclamou quando a mulata apareceu à porta da sala, trazendo na mão uma grande xícara de louça azul, que saía um fumo tênue e um odor forte a café quente". Também se lê "engolir, a ferver, uma tigela de chá de folhas de cafeeiro adoçado com rapadura"177 177 . Souza (1992, p. 6), grifos meus. . Em O cortiço, de Aluísio de Azevedo, 1891, "Só com o cheiro! Reforçou a mulata, apresentando o café ao doente. Beba, ande! (...) Piedade chegou-se então para o cavouqueiro, que já tinha sobre as pernas o cobertor oferecido pela Rita, e, ajudando-o a levar a tigela à boca"178 178 . Azevedo (1992, p. 99), grifos meus. . Em A conquista, de 1899, de Coelho Neto, "Também eu tenho saudade do meu sertão, mas que poderia eu fazer se lá vivesse? Estava em plena natureza, nos campos gordos, vendo o gado e vendo as culturas, trabalhando como um campônio. Há esta hora, junto do alpendre da casa, o cavalo de sela, escarvando a terra e eu, com uma malga de café no bucho, o rebenque enfiado no punho, pronto para partir a galope, pelos campos"179 179 . Coelho Neto (1931, p. 127), grifo meus. . No conto de Coelho Neto e Olavo Bilac, O tesouro, nos Contos Pátrios, de 1931, "a preta saía com uma grande malga para ordenhar as vacas". Em, conto de Mário de Andrade publicado nos anos 1940, lê-se o seguinte: "Na porta da casa, a italiana triunfante distribuía o café. Um momento hesitou, olhando o guarda do outro lado da rua. Mas nisto fagulhou uma risadinha em todos lá no grupo, decerto alguma piada sem vergonha, não! Não dava o café ao guarda. Pensou na última xícara, atravessou teatralmente a rua olhando o guarda, ele ainda imaginou que a xícara era para ele..."180 180 . Ver Andrade (1993, p. 37), grifos meus. .

Tigelas/malgas e xícaras, como sugerem os exemplos acima, compartilham funções e as possibilidades de uso das formas estão não apenas relacionadas às táticas "inventivas"181 181 . Ver De Certeau (2007). que os consumidores podem adotar no dia-a-dia, mas também a variabilidade volumétrica dos recipientes como mostra a coleção do sítio Petybon. Os exemplos nos romances mostram como a xícara estava associada também ao café e a tigela também ao chá, durante o final do século XIX e ao longo do século XX, como propõe Monks182 182 . Ver Monks (1999). . Apesar disso, as fontes escritas não dão noção da gama de tamanhos e designs, e de seus significados, que essas formas podem alcançar.

Além dos romances, outro tipo de fonte permite tecer algumas ilações em torno das formas em louças brancas aqui analisadas. Nas propagandas de periódicos, elaboradas na maior parte das vezes a partir de discursos elitistas pautados na construção e na divulgação dos hábitos considerados modernos183 183 . Ver Padilha (2001). , percebe-se a associação da xícara a novos comportamentos, ao moderno, o moderno, sendo, em muitos casos, o consumo do café. As publicidades abaixo (Figura 10, 11 e 12) mostram não apenas xícaras, tradicionalmente classificadas como "xícaras de chá", contendo café, mas também produtos com novos designs, especialmente relacionados à alça.




O contraste entre o líquido negro e a peça branca também é ressaltado no detalhe da pequena inclinação no ângulo do observador que consegue, vendo a xícara inteira, vislumbrar o conteúdo da mesma, sempre bastante escuro. O recurso gráfico das linhas onduladas partindo perpendicularmente da boca do recipiente, lembra que a bebida é quente, e o desenho das xícaras, em geral, de perfil, ressaltando o contorno da alça, mostra que a forma estava perfeitamente associada, em termos de design e shape, ao consumo da bebida.

Considerações finais: louças nacionais e hábitos paulistanos

Este artigo buscou, a partir da abordagem da cultura material oferecida pela Arqueologia Histórica, tecer reflexões em torno do acervo do sítio arqueológico Petyon, parte do que foi a antiga Fábrica de Louças Santa Catharina e IRFM-São Paulo, que estivessem relacionadas ao contexto de consumo/demanda da sociedade paulistana por louças brancas. Esta relação colaborou para a instalação de uma das primeiras fábricas de faiança fina do país, que produziu formas específicas que dialogavam com a conjuntura da emergência de diversos projetos de modernidade da elite paulistana para a cidade. Em um segundo momento, buscou-se também tecer ilações sobre práticas de sociabilidade e novos hábitos emergentes em uma sociedade em transformação, dentro dos quais as louças estavam circulando.

Diferentemente das teses arqueológicas que propõem uma desaparição das tigelas para o final do século XIX, tendo em vista a adoção de hábitos "burgueses" de comportamento, e dialogando com a ausência de fontes escritas que precisem de modo mais claro a cultura material utilizada pelos habitantes da cidade de São Paulo no período da belle époque (uma vez que o que se lê em documentos é bastante diferente do que se encontra nos refugos que compõe os registros arqueológicos da cidade, como mostrou Souza184 184 . Ver Souza (2010). ), este artigo procurou relacionar a demanda por tigelas ainda no século XX com a manutenção de hábitos mais tradicionais (dado ser a tigela a forma que recua com frequência e constância em sítios arqueológicos paulistanos dos séculos XVI a XIX, e não a xícara185 185 . Ver Zanettini (2005). ).

Xícara e tigela disputaram espaço, ao longo do século XX, enquanto suportes para o hábito, crescente, de beber o "cafezinho", dialogando com uma população bastante diversa, multiétnica e em ebulição na capital paulista. A Fábrica Santa Catharina e posterior IRFM-São Paulo organizou sua produção de modo a fazer a ponte entre um plano de modernidade que tinha na introdução de novas formas como as xícaras, barateadas pela produção nacional, uma ferramenta de normatização de hábitos para a cidade, e um mundo de consumidores com backgrounds culturais bastante diversos, que utilizariam as louças brancas de modos diversos, sem necessariamente estar aceitando um comportamento normativo burguês, argumento frequente na interpretação de sítios arqueológicos do século XIX.

As transformações pelas quais passou o café e o hábito de tomá-lo, até os dias de hoje, estão representadas no papel desta cultura material na aparelhagem que o acompanha e nos milhares de fragmentos e recipientes inteiros de louças que são localizados nos sítios arqueológicos históricos brasileiros. Se, hoje, são as pequenas xícaras de porcelana brasileira, os copos americanos, as canecas e os copos descartáveis de poliestireno, o aparato que acompanha o café, o processo continua a mudar, a se complexificar, dialogando com as conjunturas pelas quais perpassa, sem, no entanto, deixar de ser configurado pelas velhas maneiras, pautadas em toda a carga da tradição que temos em beber um cafezinho, configuradas durante o Brasil República, para isto tendo sido fundamental a produção brasileira de faianças finas. A Fábrica Santa Catharina nasce no período de transformação do café, de tira-gosto em commodity, como afirmou Bastos186 186 . Ver Bastos (2009, p. 24). . Nada como louças nacionais para uma bebida nacional.

REFERÊNCIAS

FONTES MANUSCRITAS

PERIÓDICOS

Arquivo Público do Estado de São Paulo.

O Estado de São Paulo, 12 de Novembro de 1933.

O Estado de São Paulo, 07 de Novembro de 1935.

OBRAS LITERÁRIAS

LIVROS, ARTIGOS E TESES

Artigo apresentado em 06/12/2011

Aprovado em 14/05/2012

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  • ZANETTINI, Paulo Eduardo. Pequeno roteiro para a classificação de louças obtidas em pesquisas arqueológicas de sítios históricos. Arqueologia, Curitiba, v. 5, p. 117-130, 1986.
  • ZANETTINI, Paulo Eduardo. Maloqueiros e seus palácios de barro: o cotidiano doméstico da casa bandeirista Tese (doutorado), Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.
  • 1
    . Senhor Ariosto, nascido na Avenida Paulista em 1900 em entrevista a Ecléa Bosi (1994, p. 161).
  • 2
    . Aluísio de Azevedo, 1992, p. 97.
  • 3
    . "Faiança fina" é uma categoria cerâmica utilizada pela Arqueologia Brasileira que indica um tipo de pasta de louça branca. Segundo Paulo Zanettini (1986, p. 122) "os produtos em faiança fina apresentam pasta dura e opaca branca, infusível ao fogo de porcelana (...). Sua pasta é produto de vários ingredientes, conforme a fábrica que os aplica; é compacta e de forma geral esbranquiçada dispensando o engobo". Esta pasta, necessariamente, deve ter mais de 30% de caulim, para que não ocorram formulações excessivamente fundentes, e menos de 70%, para não permitir a formulação de massas refratárias, cf.: Silva, Souza, Silva & Hotza (2009, p. 28). Invenção inglesa do século XVIII, "representa o esforço dos oleiros ingleses na busca de novos processos para substituir a faiança clássica e alcançar a porcelana no Ocidente", cf.: Brancante (1981, p. 129). Para Pileggi (1958, p. 195), a faiança fina é uma categoria intermediária entre a faiança e a porcelana, descoberta durante a manipulação do grès, cf. Brancante,(1981, p. 129).
  • 4
    . Ver Couto (2004).
  • 5
    . Ver Souza (2010).
  • 6
    . Idem.
  • 7
    . Idem.
  • 8
    . O Trigal é um padrão decorativo em superfície modificada (alto relevo) caracterizado por decorações com motivos trigais, compostas no sítio Petybon por, pelo menos, duas variantes: uma representando o trigo propriamente dito, predominante em pratos, travessas e saladeiras, e outra que associa o trigo ao lúpulo (Humulus lupulus L.), por vezes com alças que imitam galhos, predominante em terrinas (tanto na tampa quanto na terrina). "Trigal" é uma nomen­clatura brasileira para o padrão decorativo "Ceres Shape" ou "Wheat Pattern", resultante da leitura arqueológica (ético) e dos produtores de língua inglesa (êmico) sobre a decoração, cf. Sussman (1985).
  • 9
    . Ver Souza (2010).
  • 10
    . Ver Piccarolo e Linocchi (1918).
  • 11
    . Ver Souza (2010).
  • 12
    . Ver Pereira (2007) e Souza (2010).
  • 13
    . Idem.
  • 14
    . Questionário preenchido por Romeu Ranzini. Coleção Ranzini Museu Paulista; Pileggi (1958).
  • 15
    . Ver Pereira (2007) e Souza (2010).
  • 16
    . Ver Symanski (1998).
  • 17
    . Ver Majewski e O'brien (1987, p. 174) e Symanski (2008a, p. 76).
  • 18
    . Ver Lucas e Schakel (1994, p. 29).
  • 19
    . Ver Rice (1987, p. 211).
  • 20
    . Ver Zanettini (2005).
  • 21
    . Ver Lima (1997, p. 112).
  • 22
    . Ver Büchler (2004, p. IX).
  • 23
    . Idem, p. 10.
  • 24
    . Ver Rago (1997).
  • 25
    . Colagem é o processo de verter a barbotina (pasta de argila, caulim, feldspato e quartzo em suspensão aquosa) nos moldes de gesso que contém a forma, em negativo, das futuras louças. O trabalhado derrama a barbotina no interior do molde e a pasta deposita-se em suas paredes; a espessura da louça dependerá do tempo que o trabalhador deixa a barbotina no interior dos moldes.
  • 26
    . Ver Souza (2010).
  • 27
    . Idem.
  • 28
    . Idem, p. 284.
  • 29
    . Ver Skibo (1992).
  • 30
    . Ver Rago (1997) e Pinto (1999, 2002).
  • 31
    . Ver Sevcenko (1992).
  • 32
    . Ver Ciscati (2001, p. 49).
  • 33
    . Ver Souza (2010, p. 283).
  • 34
    . Ver Sahlins (2003).
  • 35
    . Ver Bourdieu (2008, p. 61).
  • 36
    . Ver Lima (1997).
  • 37
    . "Biscoito" é o nome que se dá ao resultado da primeira queima da pasta da faiança fina, porosa, não esmaltada.
  • 38
    . Ver Carvalho (1999) e Zanettini Arqueologia (2011).
  • 39
    . Ver Souza (2010).
  • 40
    . Ver Büchler (2004 p. 44).
  • 41
    . Idem, p. 145.
  • 42
    . Ver Symanski (1998, p. 207).
  • 43
    . Ver Cascudo (1968, p. 318).
  • 44
    . Ver Büchler (2004, p. 30).
  • 45
    . Ver Shepard (1985, p. 224).
  • 46
    . Ver Sevcenko (1992), Koguruma (1999), Pinto (1999), De Luca (1999) e Carvalho (2008).
  • 47
    . Ver De Luca (1999).
  • 48
    . Ver Gosden (2005, p. 194).
  • 49
    . Ver Neto (2006) e Gosden e Marshall (1999).
  • 50
    . Ver Macedo (2006, p. 823).
  • 51
    . Ver Gosden (2005, p. 208).
  • 52
    . Ver Aun (2000, p. 92).
  • 53
    . Ver Schiffer e Skibo (1997).
  • 54
    . Ver De Luca (1999) e Rago (1997).
  • 55
    . Ver Lévi-Strauss (2008, p. 16, 17).
  • 56
    . Ver Sousa (1998).
  • 57
    . Ver Gosden (2005, p. 208).
  • 58
    . Idem, p. 209.
  • 59
    . Ver Miller (2002).
  • 60
    . Ver Holanda (2001, p. 55).
  • 61
    . Ver Carvalho (1999) e Symanski (1998).
  • 62
    . Ver Costa (2003).
  • 63
    . Ver Therrien (2004).
  • 64
    . Ver Francisco (2004, p. 40).
  • 65
    . Ver Marins (2004, p. 137).
  • 66
    . Ver Fernandes (1961, p. 26).
  • 67
    . Ver Therrien et al. (2003, p. 141).
  • 68
    . Idem (2003, p. 141, 156).
  • 69
    . Ver Chalhoub (2006, p. 148).
  • 70
    . Ver Érnica (2004, p. 180).
  • 71
    . Ver Cheek e Friedlander (1990, p. 55).
  • 72
    . Ver Pinto (1999, p. 889).
  • 73
    . Ver Cunha et al. (2001, p. 10).
  • 74
    . Ver Rago (1997).
  • 75
    . Ver Said e Barsamian (2006, p. 22).
  • 76
    . Ver Symanski (1998).
  • 77
    . Ver Arendt (1989).
  • 78
    . Ver Said e Barsamian (2006, p. 158).
  • 79
    . Ver Wissenbach (2004, p. 18).
  • 80
    . Ver Pinto (1999, p. 886).
  • 81
    . Ver Rago (2004, p. 389).
  • 82
    . Ver Lima (1993, 1997).
  • 83
    . Ver Wilk (1994, p. 102).
  • 84
    . Ver Zanettini Arqueologia (2011).
  • 85
    . Ver Carvalho (1999).
  • 86
    . Ver Lima (1997) e Symanski (1998).
  • 87
    . Ver Wilk (1994, p. 98-102).
  • 88
    . Ver Symanski (2008b).
  • 89
    . Idem, (2008a).
  • 90
    . Ver Lucas e Shackel (1994, p. 29).
  • 91
    . Idem, p. 33.
  • 92
    . Ver Rago (1997), ver Pinto (1999) e ver Carvalho (2008).
  • 93
    . Ver Leone (1995, p. 260).
  • 94
    . Ver Cunha et al. (2001, p. 32).
  • 95
    . Ver Miller (2002).
  • 96
    . Ver Shakel (1996, p. 123).
  • 97
    . Idem, p. 138.
  • 98
    . Ver Bourdieu (2008).
  • 99
    . Ver Shackel (1996, p. 133).
  • 100
    . Ver Büchler (2004, p. 43).
  • 101
    . Ver Aun (2000, p. 77).
  • 102
    . Ver Shackel (1993, p. 5, 130).
  • 103
    . Ver Shackel (1996, p. 174).
  • 104
    . Ver Shackel (1993, p. 85).
  • 105
    . Ver Lima (1995, p. 138).
  • 106
    . Ver Huddleston e Poplin (2003, p. 2).
  • 107
    . Ver Chalhoub (2006, p. 229).
  • 108
    . Ver Lima (1995).
  • 109
    . Ver Elias (1994).
  • 110
    . Ver Griffiths (1978).
  • 111
    . Ver Foucault (2007).
  • 112
    . Ver Bourdieu (2008, p. 22).
  • 113
    . Ver Koguruma (1999, p. 83, 87).
  • 114
    . Idem, p. 91.
  • 115
    . Ver Pinto (1999, p. 66).
  • 116
    . O exemplo mais clássico em arqueologia histórica que mostra esta intrínseca relação é a pesquisa do Garbage Project de William Rathje.
  • 117
    >. Ver Bertonha (2005).
  • 118
    . Ver De Certeau (2007).
  • 119
    . Ver Bourdieu (2008, p. 42).
  • 120
    . Ver Said (2005, p. 35, 45).
  • 121
    . Ver Souza (2010).
  • 122
    . Ver Elias (1994, p. 133).
  • 123
    . Ver Rezende (2002, p. 3).
  • 124
    . Ver Fausto (1998) e Souza (2010).
  • 125
    . Ver Reconstituição da memória estatística da Grande São Paulo (1983) e Souza (2010).
  • 126
    . Ver Bastide (1983, p. 88).
  • 127
    . Idem, p. 100.
  • 128
    . Ver Foucault (1984).
  • 129
    . Ver Lima (1993).
  • 130
    . Ver Martins (2008, p. 10).
  • 131
    . Idem, p. 21-22.
  • 132
    . Idem, p. 28.
  • 133
    . Ver Lima (1997, p. 97, 99, 95).
  • 134
    . Arqueologicamente, a porcelana é um tipo de louça branca composta de argila, caulim e mais altos teores de feldpsato e quartzo (podendo conter outros materiais semelhantes) queimada em temperaturas mais altas que a faiança fina, em geral opacas, mais vitrificadas e impermeáveis, cf. Pileggi (1958) e Zanettini (1986).
  • 135
    . Ver Bastos (2009, p. 24).
  • 136
    . Ver Lima (1997, p. 95).
  • 137
    . Ver Hobsbawm (2007, p. 97).
  • 138
    . Ver Martins (2008, p. 33).
  • 139
    . Ver Morelli (2009).
  • 140
    . Ver Alencar (1998: 172).
  • 141
    . Ver Martins (2008, p. 44).
  • 142
    . Idem, p. 181.
  • 143
    . Idem, p. 183.
  • 144
    . Ver Bandeira (2005).
  • 145
    . Ver Martins (2008, p. 181).
  • 146
    . Ver Cascudo (1968).
  • 147
    . Ver Sevcenko (1992, p. 83).
  • 148
    . Idem (2000, p. 56).
  • 149
    . Ver Martins (2008, p. 33).
  • 150
    . Ver Doin et al. (2007, p. 94).
  • 151
    . Ver Kipling (2006, p. 86).
  • 152
    . Ver Martins (2008, p. 79).
  • 153
    . Ver Koseritz (1972, p. 25).
  • 154
    . Ver Sevcenko (2000, p. 77).
  • 155
    . Ver Love (1982).
  • 156
    . Ver Marins (2004, p. 133).
  • 157
    . Ver Pinto (1999, p. 62).
  • 158
    . Ver Rio (1909, p. 84).
  • 159
    . Ver O'Donnel (2009).
  • 160
    . Ver Martins (2008, p. 182-183).
  • 161
    . Ver Alteração do contrato social, p. 2. e Questionário preenchido por Romeu Ranzini.
  • 162
    . Ver Camargo (2009, p. 6, 7).
  • 163
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  • 164
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  • 165
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  • 166
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  • 167
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  • 170
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  • 171
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  • 172
    . Ver Monks (1999).
  • 173
    . Ver Cascudo (1968, p. 342).
  • 174
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  • 175
    . Eça de Queiroz (2009, p. 44), Eça de Queiroz (2010), Eça de Queiroz (2000, p. 129), Eça de Queiroz (2008, p. 155), grifos meus.
  • 176
    . Ribeiro (1996, p. 59), grifos meus.
  • 177
    . Souza (1992, p. 6), grifos meus.
  • 178
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  • 179
    . Coelho Neto (1931, p. 127), grifo meus.
  • 180
    . Ver Andrade (1993, p. 37), grifos meus.
  • 181
    . Ver De Certeau (2007).
  • 182
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  • 183
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  • 186
    . Ver Bastos (2009, p. 24).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      06 Dez 2011
    • Aceito
      14 Maio 2012
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