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A cidade-jardim: os conjuntos residenciais de fábricas (Brasil, 1918-1953)

The planning of the garden city and the company town (Brazil, 1918-1953)

Resumos

Este artigo analisa um conjunto de planos de vilas operárias e núcleos fabris concebidos no Brasil, seguindo - de forma mais ou menos fiel - postulados e ferramentas de projeto difundidos no âmbito do urbanismo das cidades-jardim. Mostra como o urbanismo das cidades-jardim encontrou campo de aplicação em projetos desta natureza no país na primeira metade do século XX, sobretudo nas décadas de 1920, 1930 e 1940. A abordagem destaca três questões: o número significativo de projetos produzidos, suas características e suas referências projetuais. Nesse sentido, o trabalho aborda como se deu a apropriação e reelaboração das cidades-jardim em 14 empreendimentos ligados a fábricas, projetados por profissionais - sobretudo engenheiros e arquitetos - como Ângelo Bruhns, Lincoln Continentino, Ângelo Murgel, Attilio Correa Lima, Francisco Baptista de Oliveira, Abelardo Soares Caiuby e Romeu Duffles. Assinala como estratégias e procedimentos projetuais vinculados aos modelos espaciais das cidades-jardim foram, na maioria das vezes, aplicados de forma parcial e restrita, postura associada aos requisitos de economia que regem os empreendimentos industriais e à urgência como alguns destes conjuntos foram erguidos, exigindo - em alguns casos - que o plano se moldasse ao já construído ou em construção. Destaca o uso, em algumas dessas ocorrências, de fundamentos e ferramentas de projeto empregados e propostos por urbanistas como Barry Parker e Raymond Unwin, bem como as qualidades excepcionais do projeto da vila operária da Companhia Commercio e Navegação, localizada em Niterói (RJ), pela utilização abrangente desse método de projeto, integrando urbanismo, arquitetura e paisagem.

Cidade-jardim; Pitoresco; Vila operária; Núcleo fabril; Indústria; Brasil


The paper analyzes a group of plans of mill villages and company towns designed in Brazil, following - more or less anchored - postulates and design tools disseminated within the planning of garden cities. Shows how the garden cities planning found scope in projects of this nature in the country in the first half of the twentieth century, especially in the 1920s, 1930s and 1940s. The approach highlights three issues: the significant number of projects produced, their characteristics and their projective references. In this sense, the work discusses how was the appropriation and reworking of garden cities in 14 developments related to factories, designed by professionals - especially engineers and architects - as Angelo Bruhns, Lincoln Continentino, Angelo Murgel, Attilio Correa Lima, Francisco Baptista de Oliveira, Abelardo Soares Caiuby e Romeo Duffles. Signalizes as strategies and procedures related to the spatial model of garden cities were most often applied in a partial and limited way, associated with the requirements of economy that govern industrial developments and with the urgency as some of these sets were erected, requiring - in some cases - that the plan needed to adjust to the already built or under construction. The paper lay emphasis on the application in some of these projects of principles and design tools used and proposed by planners as Barry Parker and Raymond Unwin, as well as the exceptional qualities of the design of the Commercio and Navigation Company housing development for comprehensive utilization of this method of design, integrating urbanism, architecture and landscape.

Garden City; Picturesque; Mill Village, Company Town; Industry; Brazil


A cidade-jardim e a fábrica

Entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do XX, as cidades brasileiras redefiniram algumas das relações essenciais à sua forma urbana: aquelas entre público e privado e entre cidade e natureza. Tais mudanças operaram profundas alterações na sua paisagem, vinculadas e acompanhadas por outras como o intenso crescimento urbano, a introdução de novas tipologias construtivas, a imposição de novos instrumentos de ordenação do espaço e das atividades e a implantação de redes de infraestrutura urbana.

Nesse novo cenário urbano, a estética do pitoresco encontrou amplo campo de manifestação. Expressões arquitetônicas desta estética foram os chalés, bangalôs e cottages, tipologias inspiradas em modelos campestres de habitação, que naquele momento eram transpostos para os subúrbios urbanos que se expandiam. Coerente com a origem destas tipologias, as construções a elas vinculadas incorporam com frequência um vocabulário formal vinculado à arquitetura vernacular europeia, com fortes apelos ao rústico e ao bucólico. O complemento dessa arquitetura é a vegetação profusa compondo, muitas vezes com alto grau de rigor e esmero, o cenário "natural" que lhe serve de moldura. Referindo-se a São Paulo nas décadas finais do século XIX, Eudes Campos mostra como "ao criar um paisagismo apropriado aos chalés, os jardineiros de então mantinham viva a tradição dos velhos jardins pitorescos, com canteiros irregulares, tanquinhos, repuxos, grutas de embrechados e pontilhões, agora ladeados de guarda-corpos feitos de troncos falsos de cimento"2 2 . Ver Eudes Campos (2008). . Dos jardins de casas e prédios de uso coletivo, a vegetação avança para vias arborizadas e ajardinadas e, eventualmente, para parques e praças. Tal tendência logo buscaria expressão no conjunto do espaço de um bairro, núcleo residencial ou cidade.

Na Europa e nos Estados Unidos, esse movimento encontrou expressão urbanística a partir da segunda metade do século XIX em subúrbios burgueses desde Riverside em Chicago, em núcleos fabris desde Bromborough Pool na Inglaterra, na proposta de Cidade Linear concebida por Soria, no projeto de Cidade Industrial de Garnier e, sobretudo, no modelo de cidade-jardim. O último, pensado em seus aspectos organizacionais por Ebeneser Howard, foi traduzido espacialmente por arquitetos como Barry Parker e Raymond Unwin, entre outros.

A partir de Letchwork, fundada em 1903, segundo projeto de Parker e Unwin, a forma espacial da cidade-jardim começa a se consolidar, associando alguns dos preceitos defendidos por Howard como a proibição de comércio em áreas residenciais; população limitada; cinturão verde; farta presença de vegetação, com jardins, parques e allotments e eventual traçado sinuoso de vias; expressões arquitetônicas vinculadas à estética do pitoresco, como cottages, chalés, bangalôs; e formulações e métodos de projeto definidos por urbanistas, entre os quais é relevante a ação de Raymond Unwin. Em seus planos e reflexões teóricas, Unwin elabora procedimentos para projetos de urbanismo baseados em fundamentos flexíveis e orgânicos3 3 . Ver Raymond Unwin (1984 [1909]). , contribuindo de forma essencial para o que se entende por urbanismo de viés cidade-jardim.

Nessa perspectiva, entende-se neste artigo por urbanismo de viés cidade-jardim, aquele baseado em um conjunto de fundamentos, métodos e ferramentas de projeto, utilizado no agenciamento de áreas residenciais fabris implantadas no Brasil, objeto deste trabalho. Tais agenciamentos ocorreram sob inspiração de modelos europeus, de forma fragmentária, incorporando e reelaborando soluções como farta presença de vegetação em lotes e em áreas de uso coletivo, traçado de vias e quadras flexível e solidário com a topografia, tipologias habitacionais unifamiliares vinculadas à estética do pitoresco e controle do uso do solo de modo a evitar aqueles julgados conflitantes com o residencial. São essas as características básicas de um conjunto de projetos urbanísticos elaborados na primeira metade do século XX no território brasileiro, que foram referidos por seus autores e reconhecidos por eles como sendo de cunho cidades-jardim. Tal vinculação pede, de imediato, algumas considerações necessárias à problematização do uso do conceito de cidade-jardim, visando alargar o alcance de sua aplicação para além dos modelos mais conhecidos, sistematizados pelo pensamento de Ebenezer Howard ou dele derivados.

A utilização de padrões urbanísticos associados ao modelo cidade-jardim tem longa tradição na história dos núcleos residenciais criados por fábricas e empresas de mineração britânicas, com exemplos que antecedem a obra de Howard e a sistematização dos urbanistas. Os núcleos fabris ingleses de Bromborough Pool (fundado em 1853 pela fábrica de velas e lubrificantes Prices's Patent Candle Company), Port Sunlight (criado a partir de 1888 pela indústria de sabonetes Lever) e Bournville (construído a partir de 1894 pela fábrica de chocolates Cadbury) são precursores do modelo espacial adotado em cidades-jardim, pois utilizava várias de suas características, como população limitada, generosas provisões de espaços verdes, casas dotadas de amplos jardins e, no caso dos dois últimos, traçado urbano solidário com as linhas do relevo. Essa prática teve continuidade no século XX, na própria Grã-Bretanha e em diversos outros países, indicando que as afinidades parciais (ou formais) com os modelos de Howard manifestaram-se tanto antes quanto depois de suas proposições. New Earswick, concebido por Unwin e Parker e edificado a partir de 1902 pela fábrica de chocolates Rowntree, é um exemplo relevante na Inglaterra. Kiruna, construído em 1900, na Suécia, com projeto do arquiteto Per Hallman, revela influências da tradição romântica e pitoresca de Olmsted e do movimento das cidades-jardim, configurando um plano que tem como ponto de partida a paisagem. Nos Estados Unidos, essa tendência encontrou expressão, por exemplo, nos projetos de expansão e reforma de núcleos fabris elaborados pelo arquiteto-paisagista Earle Draper, no período posterior à Primeira Guerra, dentre os quais o de Chicoppe, construído na Georgia, em 1925, pela Johnson & Johnson4 4 . Ver Telma de Barros Correia (1998a). .

Evidentemente estes empreendimentos industriais afastam-se do modelo de comunidade, de gestão do solo e de organização gerencial proposto por Howard - assim como vários loteamentos de cunho empresarial destinados a moradores burgueses e de classe média. No caso dos espaços criados por iniciativas de fábricas, o modelo de cidade-jardim é apropriado parcialmente subordinado a demandas de economia e controle da empresa proprietária e empregadora sobre os moradores, enquanto os empreendimentos imobiliários comerciais para setores médios vão adaptar o modelo à busca de lucro e às noções de status e bom gosto às quais sua clientela é sensível.

Portanto, não compartilhamos um entendimento, que vez por outra se manifesta em eventos acadêmicos e em bancas, que concebe o modelo de Howard como o único que expressa a "verdadeira" cidade-jardim. Não se trata aqui de discutir a cidade-jardim "de Howard" e de, inevitavelmente, concluir que não foi aplicada ou que o foi "com muitas deficiências" no Brasil. O que vamos discutir aqui são práticas de agenciamento de áreas residenciais inspiradas no modelo de cidade-jardim, que se popularizaram a partir da ação de fábricas - desde meados do século XIX - e de arquitetos e engenheiros - desde o início do século XX -, conjugando criativamente contribuições da estética do pitoresco, algumas das sugestões de Howard e procedimentos projetuais desenvolvidos por urbanistas do Hemisfério Norte.

Na primeira metade do século XX, o modelo urbanístico das cidades-jardim foi amplamente citado no Brasil tanto em loteamentos destinados às elites e classes médias, quanto em cidades planejadas e em núcleos residenciais criados por fábricas ou empresas estatais do setor elétrico. Desse amplo espectro de ocorrências, este trabalho aborda especificamente as apropriações e adaptações do método em 14 projetos de vilas e núcleos fabris projetados e/ou erguidos no Brasil no período entre 1918 e 1953. Tais exemplos foram identificados ao longo de uma pesquisa ampla sobre o tema, que, entretanto, não teve a pretensão de identificar todos os casos planejados e/ou implantados no território nacional, que muito provavelmente existem ou existiram5 5 . As fontes nas quais o trabalho se apoia são, sobretudo, a pesquisa de campo, artigos publicados em revistas da época e trabalhos acadêmicos (artigos, teses e dissertações). Uma consequência de tal fundamentação é que quase todos os mapas aos quais se teve acesso são desenhos simplificados de divulgação em revistas ou esboços incluídos em trabalhos acadêmicos. Tais desenhos, em muitos casos, não têm curvas de níveis e os que têm são cópias de má qualidade, que exigiriam pesquisas adicionais para servirem de base a desenhos detalhados. Tentou-se contornar a clara precariedade de discutir planos - especialmente de viés cidade-jardim - ilustrados por mapas sem curvas de nível, por meio de fotos, de desenhos de fachadas e, especialmente, de descrições, que oferecessem indicações sobre o relevo. . Entretanto, considera-se que nessa amostragem estão incluídos casos relevantes, que compõem um conjunto expressivo, capaz de documentar variações que serão aqui exploradas, de modo a problematizar a apropriação do modelo de cidade-jardim no território brasileiro a partir de espaços fabris.

Traduções do modelo cidade-jardim em iniciativas de fábricas no Brasil24 24 . Cf. Lincoln Continentino (1936, p. 284). 35 35 . Cf. Ângelo Murgel (1936, p.271). 43 43 . Cf. Ibidem. 53 53 . Cf. Romeo Duffles (1952, p. 1-2).

Provavelmente o primeiro exemplo nacional de conjunto de moradias destinadas a funcionários de uma empresa seguindo paradigmas urbanísticos da cidade-jardim tenha sido o destinado a gerentes da filial do Frigorífico Swift do Brasil construído em Rio Grande, no estado do Rio Grande do Sul. Esse conjunto, que estava em construção em 1918, compunha-se de dez amplas casas semelhantes e de um alojamento para solteiros, dispostos em meio a uma ampla área gramada e arborizada, desprovida de cercas internas. Implantada em área plana, a vila não tem as condições de terreno que costumam inspirar as usuais curvas e sinuosidades em planos de filiação cidade-jardim. Com seus bangalôs enfileirados no interior de uma área verde contínua é, entretanto, mais coerente com os postulados de projeto que orientam essa vertente do urbanismo que, por exemplo, o Jardim América em São Paulo, com suas curvas arbitrárias impostas a uma topografia pouco acidentada (Figura 1).

Figura 1
Vila do Frigorífico Swift do Brasil em Rio Grande (RS). Fotografia de Philip Gunn, 1997.

A vila da fábrica de fósforos Fiat-Lux, situada ao lado do rio Tietê, em Pirituba, na cidade de São Paulo, é outro exemplo de tradução do desenho de viés cidade-jardim ao contexto de uma vila operária. Está implantada em uma encosta, entre o rio e um barranco, cuja base delineia uma via sinuosa. Inadequada à construção, a parte mais acentuada dessa encosta é coberta de farta vegetação, funcionando como um cinturão verde parcial. Suas 72 casas estão dispostas em cinco quadras de formas variadas, articuladas por três ruas - duas retilíneas e uma sinuosa - que convergem para uma área verde de uso coletivo (Figura 2). Situada na entrada da vila essa área profusamente arborizada, é composta por três praças dotadas de coreto e de quadra esportiva (Figura 3). Bangalôs, na quase totalidade dos casos, geminados e dotadas de pequenos jardins, compõem a maior parte das casas (Figura 4). A meia encosta, ao longo da via sinuosa, foram implantados bangalôs mais amplos e providos de jardins mais generosos. Outras moradias são sobrados de arquitetura moderna, geminados ou agrupadas em pequenos blocos, nos quais os jardins são reduzidos a um pequeno recuo.

Figura 2
Vila da Fiat-Lux em São Paulo (SP). Desenho de Telma de Barros Correia, com base em imagem do Google Maps (acesso em 03/05/2014).

Figura 3
Praça da Vila da Fiat-Lux em São Paulo (SP). Fotografia de Telma de Barros Correia, 2014.

Figura 4
Bangalô geminado na Vila da Fiat-Lux em São Paulo (SP). Fotografia de Telma de Barros Correia, 2014.

O projeto da vila operária - construída entre 1919 e 1921- para os empregados da Companhia Commercio e Navegação, em Niterói, elaborado por Ângelo Bruhns6 6 . Este foi um projeto de início de carreira do arquiteto carioca Ângelo Bruhns de Carvalho (Rio de Janeiro, 1896--1975), que nos anos seguintes se tornaria um dos principais expoentes do Movimento Neocolonial. Bruhns participaria nas décadas de 1920 e 1930 de comissões encarregadas de importantes projetos urbanísticos para o Rio de Janeiro. Nessa trajetória, a estética do pitoresco foi para ele uma das possibilidades projetuais durante suas primeiras décadas de atuação, quando projetou bangalôs, chalés e cottages, assim como prédios neocoloniais, neoclássicos e dotados de elementos de viés déco; já a partir de meados da década de 1930, transitou para o Estilo Internacional de Arquitetura Moderna. Ver Telma de Barros Correia (2011). , é notável pela coerência entre um plano e uma arquitetura filiados à estética do pitoresco e pela compatibilidade entre o projeto e as condições do terreno. O fato da construção da vila ter sido fiel ao projeto, também é digno de nota. Seu programa é amplo, incluindo cooperativa (com posto médico e armazém de consumo), escola, igreja, 158 casas para operários, alojamento para rapazes solteiros, casa para padre e residência para o superintendente da empresa.

Bruhns cita Port Sunlight, na Inglaterra, e as vilas da Krupp, na Alemanha entre as experiências que teriam servido de inspiração para seu projeto7 7 . Ver Ângelo Bruhns (1921a , p.53; 1921b, p.7). . Alega que não tinha pretensão de equiparar seu projeto a esses estrangeiros, inclusive pela exiguidade da área disponível, mas assume que buscou imitar "o quanto possivel o caracter de installações congeneres estrangeiras, conforme a recomendação dos dirigentes da empresa proprietária"8 8 . Cf. Ângelo Bruhns (1921a, p.53). . Seu propósito foi gerar uma moradia operária que fosse ao mesmo tempo confortável e simples; atraente e integrada a um cenário pitoresco. O terreno destinado à vila era acidentado - avançando nas encostas do Morro da Armação - e irregular, favorecendo a opção por um desenho de viés pitoresco, onde construções inspiradas no revival da arquitetura doméstica europeia ocupam ruas sinuosas, algumas conformando bolsões e cul-de-sacs.

No seu projeto, Bruhns adota várias das recomendações elaboradas por Unwin para o planejamento de áreas residenciais, tais como: atenção ao sítio (topografia, vegetação, vistas e outras características de interesse); definição de um lugar central que concentre edificações de maior tamanho e/ou de caráter coletivo, como igreja, lojas, escolas, etc.; e implantação da capela com destaque e com distância de atividades que possam comprometer o culto. Também segue a recomendação de desenhar as vias de modo que sigam as linhas naturais de drenagem e que proporcionem vantagens à implantação dos prédios em suas margens9 9 . Ver Raymond Unwin (1984). .

Atento ao sítio de topografia acidentada, Bruhns desenha vias levemente sinuosas, cujo traçado concilia demandas de aproveitamento do solo para construção, de drenagem, de tráfego e de criação de espaços expressivos. Algumas partes do terreno foram julgadas inadequadas à ocupação devido à alta declividade, enquanto em outras foram projetadas ruas, cujos traçados acompanhavam as curvas de nível de modo a favorecer a drenagem das águas pluviais: à hierarquia do sistema de drenagem fez corresponder a hierarquia e as dimensões das ruas. Assim, se subordina a diversidade de formas das vias a condições objetivas, seguindo os postulados de Unwin, que recomendava - no livro A Prática do urbanismo. Uma introdução à arte de projetar cidades e bairros, publicado em 190910 10 . Trata-se da obra Town Planning in Pratice. An Introduction to the Art of Designing Cities and Suburbs, publicada originalmente em Londres. - a adoção em áreas residenciais de uma maior flexibilidade no traçado das vias, contanto que nenhum movimento fosse aleatório, destituído de propósito11 11 . Ver Raymond Unwin (1984). .

Na vila localizada em Niterói, a implantação resultou em casas com recuos variáveis, em quadras de forma e tamanho diversificado e em vias com traçados que mesclam trechos retilíneos com curvas suaves: "Seguindo as modernas tendencias do urbanismo, evitou-se o plano em xadrez, e procurou-se, ao contrario, as ruas curvas, sem grandes trechos em linha recta"12 12 . Cf. Ângelo Bruhns (1921b , p.27). .

Tal como recomendava Unwin, Bruhns criou na vila um lugar central - "o motivo principal da composição"13 13 . Idem. - composto por uma praça em cujas extremidades foram implantadas duas edificações expressivas pelo tamanho e forma e de caráter coletivo: a capela e a escola (Figura 5). Seguindo ainda Unwin e toda nossa tradição colonial, a capela foi implantada isolada e em local elevado: a meia encosta e emoldurada pela vegetação do Morro da Armação.

Figura 5
Plano da vila da Companhia Commercio e Navegação, em Niterói (RJ) Desenho de Telma de Barros Correia, com base em Angelo Bruhns (1921, p. 54).

Coerente com o modelo espacial das cidades-jardim, foi prevista arborização entre os blocos de moradias, de modo "que haja bom effeito de paisagismo sem prejudicar a perspectiva das casas"14 14 . Cf. Ângelo Bruhns (1921b , p.28). . Além da praça em frente à igreja e do parque em torno da escola, algumas pequenas áreas verdes foram criadas, em mais um exemplo de adoção de recomendação de Unwin, que sublinhava a utilidade dos pequenos espaços abertos em áreas residenciais15 15 . Ver Raymond Unwin (1984). . Entretanto, diferente de alguns exemplos de núcleos, bairros e cidades-jardim, onde os jardins surgem sem muros e allotments coletivos são criados, optou-se por dotar cada casa de um quintal e jardim isolados por muros.

De acordo com a tendência das cidades-jardim, adotou-se a moradia unifamiliar. Foram propostos três tipos básicos de plantas de casas, que, agrupadas de modos diversos, geravam seis tipologias. Tal variedade visava "satisfazer as varias categorias de operarios"16 16 . Cf. Ângelo Bruhns (1921b , p.28). . Havia casas isoladas e casas agrupadas em blocos com duas, três ou quatro moradias (Figuras 6 a 8). Conciliando demandas de padronização com busca de uma paisagem pitoresca, "a planta baixa foi de tal modo estudada que ella se mantem a mesma qualquer que seja o numero de casas em cada agrupamento"17 17 . Cf. Ângelo Bruhns (1921b , p.27). . Assim, partindo de modelos básicos de planta, se compõem diferentes volumes e fachadas, evitando-se a repetição e adequando-se as construções à topografia. O agrupamento de casas em blocos concilia o desejo da Companhia de "obter o maior número possível de residências"18 18 . Cf. Ângelo Bruhns (1921b , p.28). , com a busca de economia e com prédios mais expressivos, comparados à alternativa de pequenas casinhas isoladas. Tal agrupamento, aliado à disposição intercalada das tipologias contribui, ainda, para, evitando a monotonia, enfatizar valores estéticos do pitoresco.

Figura 6
Cottage reunindo quatro moradias na vila da Companhia Commercio e Navegação, Niterói (RJ). Fotografia de Philip Gunn, 2004.

Figura 7
Cottage reunindo três moradias (duas na frente e uma atrás) na vila da Companhia Commercio e Navegação, em Niterói (RJ). Fotografia de Philip Gunn, 2004.

Figura 8
Chalé reunindo duas moradias na vila da Companhia Commercio e Navegação, em Niterói (RJ). Fotografia de Philip Gunn, 2004.

Esse projeto foi, provavelmente, o primeiro de um conjunto de vilas e núcleos fabris de desenho de viés cidade-jardim projetados por urbanistas no Brasil. Essa tendência teve continuidade em 1934, quando duas das propostas participantes do concurso promovido pela Companhia Belgo Mineira para Monlevade seguiram esta vertente do urbanismo. Uma é o Plano de urbanização da cidade operária de Monlevade, apresentado pelo engenheiro Lincoln Continentino19 19 . O engenheiro Lincoln de Campos Continentino (1900-1976) diplomou-se em 1923 pela Escola Livre de Engenharia de Belo Horizonte. Fez especialização nos Estados Unidos e, de 1927 à década de 1970, atuou como docente em cursos de engenharia e arquitetura. Integrou a Comissão Técnica Consultiva, criada em 1934 pela prefeitura de Belo Horizonte; ver Fábio José Martins de Lima (2003). e a outra é o Projecto da Cidade Operária de Monlevade concebido pelo arquiteto Ângelo Murgel20 20 . O arquiteto mineiro Angelo Murgel (1907-1978) formou-se na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro em 1931. Em Belo Horizonte, integrou a Comissão Técnica Consultiva, criada em 1934, na gestão do prefeito José Soares de Mattos (1933-35) e foi professor da Escola de Arquitetura da UMG a partir da década de 1930; ver Fábio José Martins de Lima (2003). .

O terreno escolhido para o núcleo fabril colocava grandes desafios aos concorrentes, visto ser extremamente acidentado e cortado por duas vias férreas e pelo rio Piracicaba, cujo leito encontra-se em uma profunda depressão. Essas barreiras físicas pré-existentes condicionaram as propostas: em ambas os 300 lotes previstos foram dispostos em três áreas distintas - separadas por declives e linhas férreas21 21 . Ver Telma de Barros Correia (2003). .

Na proposta vencedora do concurso para Monlevade, e que orientou a implantação deste núcleo fabril, Lincoln Continentino optou por um desenho compatível com as características irregulares da topografia do terreno, argumentando que ao invés de "... um sistema rígido geométrico de arruamentos rectilíneos, formando polygonos regulares (...) foram estabelecidos perfis racionaes para os arruamentos, segundo as regras dominantes de urbanismo, applicadas às cidades-jardins"22 22 . Cf. Lincoln Continentino (1936, p. 284). . Definiu seu plano para Monlevade como o de uma "cidade jardim industrial moderna", equiparando-a a Port Sunlight e Bournville23 23 . Cf. Lincoln Continentino (1936, p. 282). . Nessa concepção, conciliar um cenário aprazível com a organização adequada do aparato de saneamento foi uma questão central:

Em seu esboço procurou-se tirar o melhor partido da natureza luxuriante e do local montanhoso, dando ao conjuncto uma impressão risonha e clara. Mas principalmente no traçado da cidade, levaram-se em consideração as condições de saneamento..."

Às dificuldades do terreno - exíguo para o programa e cortado por rio e vias férreas - são atribuídas por Continentino algumas deficiências que confessa ter o seu plano. Entre essas deficiências, são apontadas a insuficiência das áreas verdes e o pouco uso de arruamento em cul-de-sac.

Como ponto de partida do plano, foram eleitas as condições de saneamento e a manutenção da beleza natural do sítio. O programa previa 300 lotes, os quais foram distribuídos em duas áreas - a alta e a baixa - cortadas pelo leito da Estrada de Ferro Central. Apesar da exiguidade de área, foram propostas duas praças, uma em cada área25 25 . Ver Lincoln Continentino (1936, p. 284). (Figura 9).

Figura 9
Plano elaborado por Lincoln Continentino para Monlevade (MG). Desenho de Telma de Barros Correia, com base em Lincoln Continentino (1936, p. 283).

Na parte menos acidentada do terreno foi projetado um centro urbano - comercial, administrativo e de serviços - organizado em torno de uma praça em forma elíptica, com uma igreja no centro e reunindo em torno um grande edifício comercial (com armazém, leiteria, açougue, armarinhos, barbearia, sapataria, etc.) e prédios que abrigavam padaria, clube, cinema, administração, delegacia e correios. O edifício da escola estava um pouco deslocado desse lugar central: "foi disposta no meio de uma pequena praça, onde pode ser organizado um play ground"26 26 . Cf. Lincoln Continentino (1936, p. 286). . Seu raio de ação não excedia a distância de 700 metros.

As moradias distribuíam-se entre duas áreas menos acidentadas e uma faixa estreita, a meia encosta, que se estendia entre uma profunda depressão e um acentuado aclive coberto de densa vegetação (Figura 10).

Figura 10
Vista parcial de Monlevade (MG), em 1998. Fotografia de Philip Gunn, 1998.

O sistema viário composto por passagens para pedestres, ruas residenciais e avenida marginal ao Rio Piracicaba, tende a se conformar em formas retilíneas ou em curvas suaves. Alega-se que se previu ao longo das ruas "o maximo possivel de área grammada e ajardinada"27 27 . Cf. Lincoln Continentino (1936, p. 284). . Entre a faixa central e o passeio, foram propostas faixas gramadas com árvores de pequeno porte. "Aleas ou passagens" com quatro metros de largura foram criadas para pedestres e para servir de passagens às canalizações. Com declividades máximas de 15%, as vias foram hierarquizadas segundo a sua função e capacidade de tráfego: "... as ruas estrictamente residenciaes têm a pista de 6.00 ms. de largura; a avenida marginal ao rio Piracicaba tem a pista de 9.00 ms. de largura, porque deve supportar o trafego da estação até a Uzina Siderurgica"28 28 . Idem. .

Coerente com a intenção de diversidade que marca a concepção espacial da cidade-jardim, Continentino propôs ampliar os tipos de casas dos três sugeridos pelos organizadores do concurso para sete. O bangalô americano do século XX é a referência das casas: são térreas, dotadas de terraços, isoladas no lote (estando distanciadas em pelo menos quatro metros das vizinhas e cinco metros da rua), cercadas de jardins, separados preferencialmente por cercas vivas ou gradis de tubos e arames, e dotadas de elementos construtivos que remetem à simplicidade e à intimidade com a natureza típicos deste modelo de moradia: "O estylo architectonico das habitações é de bom gosto, elegante, simples e despretencioso, em harmonia com o scenario local. As fachadas das casas serão revestidas á rustico ou apresentarão côres claras"29 29 . Cf. Lincoln Continentino, 1936, p.285) (Figura 11). Em consonância com o conceito de domesticidade que articulava simplicidade, informalidade, conforto, funcionalidade e eficiência ao qual se filiou o bungalow americano, "as residências foram protegidas contra os ruídos exaggerados, estações, poeiras, fumaça, recuando-as convenientemente em relação ao alinhamento das ruas, rodeando-as de jardins e áreas grammadas, afastando-as da uzina siderurgica e estabelecimentos industriaes"30 30 . Cf. Lincoln Continentino (1936, p. 285). .

Figura 11
Vila dos Engenheiros na Avenida Aeroporto em Monlevade (MG). Fotografia de Philip Gunn, 1998.

Como Continentino, Murgel também explicita claramente seu plano para Monlevade como expressão do urbanismo das cidades-jardim. Referindo-se ao montante de vegetação proposto em ruas, parques, jardins e quintais, argumenta que "... teremos um total apreciável e capaz de emprestar ao conjunto um agradável aspecto de cidade jardim"31 31 . Cf. Ângelo Murgel (1936, p.272). . Adotou ferramentas do urbanismo das cidades-jardim, buscando adequar-se às condições naturais do terreno e procurando nelas fundamentos e motivos para o desenho urbano adotado. A máxima "transformar em condição de belleza uma imposição formal do terreno" orientou a definição do traçado, onde, argumentava o arquiteto, "nenhuma curva é arbitrária"32 32 . Idem. . As ruas são na maioria dos casos sinuosas e sempre dotadas de ampla vegetação e arborização. As quadras têm na quase totalidade formas irregulares e algumas possuem pequenas áreas verdes coletivas no interior. Foi criado um parque central, um parque linear e vários pequenos parques. As casas são unifamiliares e cercadas de jardins. Os cursos naturais de água são preservados e mobilizados como motivos para a criação de parques e vias para pedestres. Visando conciliar economia com a "intenção de integrar o mais possível a cidade com a natureza" foram propostos dois tipos de ruas: um convencional e outro em três patamares para os casos nos quais as duas calçadas estejam em cotas de altitude diferentes33 33 . Cf. Ângelo Murgel (1936, p.278). .

Buscando as faixas do terreno passíveis de construção, o plano se estrutura em três partes principais, ligadas por uma rua dotada de duas pontes que são as únicas conexões por carros entre as três áreas. Um centro local foi criado em ponto de grande visibilidade, centralidade e fácil acessibilidade: para ele converge a via tronco e situa-se "... em um dos pontos dominantes, embora esteja em cota média, visivel de toda a cidade e localisada em um "plateau" de aproveitamento fácil"34 34 . Cf. Ângelo Murgel (1936, p.272). . Este centro é composto de uma praça com amplo jardim e igreja no centro e de um "edifício central", que reúne atividades de comércio, ensino e lazer (escola, cinema, clube social e esportivo, armazém, lojas, bilhar, confeitaria, etc.).

Seguindo as recomendações da empresa, Ângelo Murgel criou três tipos de moradias: de dois, três e quatro quartos. Distribuiu estas moradias estabelecendo uma rígida divisão social do espaço. Locou na área central, junto aos equipamentos de uso coletivo, as casas maiores (128 lotes), junto ao Rio Piracicaba as casas médias (112 lotes) e na faixa compreendida pelos terrenos mais elevados as casas menores (62 lotes).

Além da "praça principal", criou um parque linear margeando o rio e 13 parques menores. Os terrenos, que devido à topografia eram incompatíveis para aproveitamento por ruas e lotes, foram destinados a parques. Alguns destes parques menores situam-se no interior de quarteirões, junto a riachos:

Os cursos naturaes das águas foram respeitados em seus leitos actuaes os quaes deixamos inteiramente livres do loteamento, embora collocados algumas vezes no interior dos quarteirões, os quaes atravessam marginados pelas passagens secundarias atravessando pequenos parques internos

O sistema viário proposto define-se - conforme a topografia - em ruas retas ou curvas com raios amplos, sempre buscando rampas suaves. Inclui uma avenida, "ruas-estradas" e passagens para pedestres (Figura 12).

Figura 12
Plano de Ângelo Murgel para Monlevade (MG). Desenho de Telma de Barros Correia, com base em Ângelo Murgel (1936, p. 274).

Murgel informa ter optado por uma "arquitetura viva, lógica e verdadeira, cujas raízes mergulhem profundamente no solo pátrio" e que esteja em "obediência aos fatores locais tanto materiais, industriais, econômicos, climáticos como sociais"36 36 . Cf. Ângelo Murgel (1936, p.280). . Ao buscar conciliar requisitos tão diversos, Murgel parece ter priorizado traduzir, para o contexto local, diferentes vertentes arquitetônicas então em voga simultaneamente nos países mais industrializados - o art déco, o estilo internacional de arquitetura moderna e o bangalô americano - aplicando-os a diferentes programas. Adere, assim, a uma espécie de "ecletismo tipológico", na época no Brasil ainda amplamente aceito e difundido, mas que logo daria lugar - especialmente entre arquitetos - à adesão a um estilo único, traduzido em diferentes programas. No "ecletismo tipológico" adotado por Murgel, a igreja recebeu uma composição Art déco, evidenciada no uso de formas geométricas escalonadas, na ênfase ao acesso principal e no uso cenográfico do neon. Os demais equipamentos coletivos - cinema, escola, clube e armazém - foram reunidos em um só bloco, o qual é filiado ao estilo internacional de arquitetura moderna. O bangalô americano - numa versão simplificada e destituída de ornatos - é a referência arquitetônica adotada nas casas. No projeto das moradias, o arquiteto indica ter buscado conciliar economia, estabilidade, beleza, durabilidade e as aspirações dos moradores. A composição das fachadas é norteada por soluções que acenam para o vínculo entre moradia e natureza: os telhados se prolongam em beirais que avançam sobre varandas e amplas janelas abertas para jardins, enquanto um revestimento em pedra irregular na base da construção e a disposição de jardineiras na varanda - levando elementos em seu estado natural à construção - estreitam ainda mais tal relação (Figura 13). A promoção de privacidade familiar - coerente com a noção de simplicidade e conforto inerente ao bangalô - e de distribuição funcional do espaço são evidenciadas na opção por casas unifamiliares, cercadas de jardim e em cujos interiores estão separadas "a parte de vida em comum da parte íntima e da de serviço"37 37 . Cf. Ângelo Murgel (1936, p.281). .

Figura 13
Projeto de bangalô no plano elaborado por Ângelo Murgel para Monlevade (MG). Desenho de Telma de Barros Correia, com base em Ângelo Murgel (1936, p. 270).

Outro exemplo de plano de filiação cidade-jardim - neste caso um bairro-jardim - destinado a operários foi implantado na cidade de Juiz de Fora, também no estado de Minas Gerais. Dois artigos publicados em 1938 e em 1939 abordam o plano de autoria do engenheiro Francisco Baptista de Oliveira38 38 . O engenheiro (civil e eletrotécnico), geógrafo e urbanista Francisco Baptista de Oliveira foi professor da Escola de Engenharia de Juiz de Fora, diretor da revista Urbanismo e Viação e engenheiro-chefe da Seção de Fiscalização da Diretoria de Obras da Prefeitura de Juiz de Fora. Nessa cidade, atuou como projetista de edifícios, de praças e, no final da década de 1930, de dois bairros-jardim (para a Companhia Industrial Mineira e para empreendedores imobiliários); ver Francisco Baptista de Oliveira (1938); Francisco Baptista de Oliveira (1939); Juiz de Fora... (1938); Fábio José Martins de Lima (2000). para um conjunto residencial - chamado de "Bairro-Popular", "Bairro-Popular Modelo" ou "Bairro Proletário Modelo" - para abrigar os empregados da Companhia Industrial Mineira39 39 . Cf. Francisco Baptista de Oliveira (1938); Juiz de Fora... (1938). . Os trabalhos elaborados pelo engenheiro incluíam: plano de urbanização, cálculo dos custos das obras de infraestrutura, perfis das ruas e projetos de arquitetura para coreto, chafariz, escola, igreja, cinema, creche, edifício para comércio e residências. No "bairro", situado ao lado dos depósitos da fábrica, estavam previstas 169 casas, praças, igreja, cinema, escola, creche e uma área para comércio, na qual se previa a instalação de farmácia, açougue, padaria, sapataria, armazém, barbeiro, alfaiate, etc.40 40 . Cf. Francisco Baptista de Oliveira (1939. p. 70). .

O terreno muito acidentado e um encanamento que cortava a área nortearam o traçado diversificado de ruas - retas, curvas ou sinuosas - e de lotes e quadras com diferentes formas e dimensões. Procurou-se evitar grandes movimentos de terra e vias com grande inclinação. Embora a proposta fosse de um bairro-jardim, as áreas livres - praças, logradouros e jardins - foram limitadas por medidas de economia (Figura 14).

Figura 14
Plano do "bairro proletário modelo" da Companhia Industrial Mineira, em Juiz de Fora (MG). Desenho de Telma de Barros Correia, com base em Francisco Baptista de Oliveira (1938, p. 28).

Uma praça circular com coreto, situada mais ou menos no centro do conjunto, tinha em sua volta a área comercial, o cinema e a escola. Assim, enquanto o verde do centro da praça servia de perspectiva para as vias que nela desembocavam, as atividades de comércio e serviços concentradas em seu entorno enfatizavam a centralidade a ela atribuída. Aqui se propõe um espaço expressivo pela forma e uso, articulando arquitetura, urbanismo e paisagismo que remete ao Movimento City Beautiful.

Conforme o autor do projeto, "trata-se de um 'Bairro-Popular' de vida autônoma, traçado de acordo com as normas urbanísticas mais modernas, onde seus futuros habitantes irão gozar os salutares benefícios do sol, do ar e da vegetação"41 41 . Cf. Juiz de Fora... (1938, p.25). . As ruas foram fartamente arborizadas. Os lotes ocupam 68% da área, enquanto praças, ruas e jardins 32%42 42 . Ver Juiz de Fora... (1938, p.27). .

Entretanto, contrariando a busca de motivos naturais como fundamento de decisões de desenho, postulada por Unwin, um pequeno córrego que margeia a área do conjunto não foi valorizado pelo plano: apenas delimita alguns fundos de quintais.

O urbanista empenhou-se em divulgar seu projeto e, por meio dele, difundir e celebrar a atividade do urbanismo, tendo também sido tema de palestras - como a proferida em 1938 no Departamento de Urbanismo do Centro Carioca - e de matérias em revistas especializadas - como a publicada no mesmo ano por A Casa:

O traçado, simples e harmonioso orientado de acordo com os mais modernos preceitos da técnica urbanista, fornece um ambiente pitoresco e gracioso. Os lotes, inteligentemente distribuídos concorrerão forçosamente, para a boa higiene dos futuros prédios. Não se deixou, também, de ser preocupado o aspecto estético do conjunto, que foi artisticamente resolvido

Segundo a concepção expressa no projeto de Oliveira, a estética do pitoresco encontra expressão tanto no plano - com traçado irregular, ruas sinuosas e farta presença de vegetação - quanto na arquitetura dos bangalôs "revestidos a rústico". Sobre as edificações, Francisco Baptista de Oliveira escreveu: "as construções, em geral, com os requisitos de resistência, de higiene, de beleza e de economia, permitirão o máximo conforto e muito concorrerão, com o seu conjunto harmonioso, para um ambiente alegre e pitoresco"44 44 . Cf. Francisco Baptista de Oliveira (1938, p. 29). . As casas projetadas são de três tipos: para operários, para mestre e contramestre e para funcionário. Das 169 residências, 25 eram casas isoladas e as demais geminadas. Todas têm jardim. Segundo Oliveira, "o estilo das habitações está em harmonia com o cenário local, por isso terá que agradar, porque corresponde às exigências do meio. As fachadas das casas serão revestidas a rústico e apresentarão cores claras"45 45 . Cf. Francisco Baptista de Oliveira (1938, p. 30). . O bangalô americano também é a referência dessas casas, em que nas fachadas o revestimento a rústico - que remete ao estilo Missões - surge ao lado de recortes geométricos da platibanda e de uma jardineira escalonada - que recorrem ao vocabulário déco (Figura 15).

Figura 15
Projeto de casas geminadas no "Bairro proletário modelo" da Companhia Industrial Mineira, em Juiz de Fora (MG), elaborado por Francisco Baptista de Oliveira. Desenho de Telma de Barros Correia, com base em Francisco Baptista de Oliveira (1938, p. 29).

Outro exemplo de vila operária com desenho de viés cidade-jardim é o chamado "Setor A" da Vila Americana, implantado pela Nitro-Química entre 1936 e 1940, no bairro de São Miguel Paulista, da cidade de São Paulo. Além de algumas moradias no interior do amplo terreno ocupado pelas instalações fabris, esta fábrica criou duas vilas operárias: a Cidade Nitro-Química, destinada a empregados em funções estratégicas na fábrica como chefes de departamentos, vigias e operários qualificados, e a Vila Americana destinada inicialmente para engenheiros e técnicos da empresa Tubize Chatillon e depois a gerentes brasileiros. A Vila Americana tem dois trechos: o setor B com traçado mais ou menos ortogonal e ocupado por moradias menores; e o setor A que pode ser identificado com o urbanismo das cidades-jardim (Figura 16). Neste setor o traçado é irregular, com vias retilíneas ou curvas modelando quarteirões de formas variadas, enquanto as casas assumem dimensões maiores. Com exceção de um pequeno prédio de apartamentos, todas as moradias são bangalôs térreos ou de dois pavimentos. Alguns são dotados de terraços com arco pleno e de um tratamento formal associado ao estilo Missões. Têm fachadas ornamentadas - de forma mais ou menos acentuada - com outros elementos típicos do estilo, entre os quais balcões, óculos, gradis de ferro ou de madeira, jardineiras, chaminés (falsas, naturalmente) e pedras compondo o revestimento do embasamento ou incrustadas de forma espaça em quinas de paredes ou em torno de arcos (Figura 17).

Figura 16
Vilas para técnicos e engenheiros da Companhia Nitro-Química, São Paulo (SP). Desenho de Telma de Barros Correia, com base em Aroldo de Azevedo (1958, p. 17).

Figura 17
Casa do Setor A da Vila Americana, São Paulo (SP). Desenho de Luciana Lepe Tonaki, com base em plantas originais da Divisão de Arquivo Municipal de Processos / Secretaria de Desenvolvimento Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão / Prefeitura do Município de São Paulo.

Outra referência ao modelo cidade-jardim é o plano do bairro de Laranjal integrante do plano de Volta Redonda, elaborado em 1941 pelo arquiteto Attílio Correa Lima e destinado a engenheiros e dirigentes da Companhia Siderúrgica Nacional. Ocupando um morro, tem ruas sinuosas e amplamente arborizadas, quadras irregulares, lotes grandes e moradias unifamiliares dotadas de jardins generosos. As casas, de projetos diversificados, são, sobretudo, amplos bangalôs de um ou dois pavimentos (Figuras 18 e 19). Nesse caso, o modelo cidade-jardim é referência apenas para um setor de um plano mais amplo - que incluía também a usina, o centro e os bairros de Conforto (para operários) e de Santa Cecília (para empregados de nível médio) -, cuja inspiração principal é a Cidade Industrial de Tony Garnier46 46 . Ver Alberto Costa Lopes (1993) e Telma de Barros Correia (2001). .

Figura 18
Plano de Atílio Correa Lima para Volta Redonda (RJ). Desenho de Telma de Barros Correia, com base em Alberto da Costa Lopes (1993, p. 85).

Figura 19
Casa no bairro de Laranjal, em Volta Redonda (RJ). Fotografia de Philip Gunn, 1998.

Um outro exemplo de desenho inspirado na forma espacial das cidades-jardins é a Planta da Vila Operária da Companhia M. Zipperer, elaborada entre 1940 e 1943, que incluía ruas abertas nos primeiros anos da fábrica e ruas criadas na ocasião47 47 . Ver Maria Angélica Santi (2001). . A fábrica foi implantada em localidade rural, onde criou a partir da década de 1910 um núcleo fabril que posteriormente se converteria na cidade de Rio Negrinho, em Santa Catarina. Além de casas, a fábrica criou escolas, igreja, clube, armazém de consumo e hospital. O plano tem vias ortogonais, radiais e sinuosas, as quais convergem para uma praça de forma circular (Figura 20).

Figura 20
Vila Operária da Companhia M. Zipperer, conforme planta elaborada entre 1940 e 1943, em Rio Negrinho (SC). Desenho de Telma de Barros Correia, com base em Maria Angélica Santi, (2001, p. 110).

Um caso relevante da adoção da estética do pitoresco no cenário fabril brasileiro são os núcleos fabris criados pela empresa Klabin do Paraná de Celulose S/A, especialmente a Vila Caiuby, situada no núcleo fabril de Harmonia, projetada em 1943, pelo construtor e projetista paulista Abelardo Soares Caiuby48 48 . Abelardo Soares Caiuby se graduou como agrimensor em 1897 pela Escola Politécnica de São Paulo. Fundou o Escritório Técnico de Engenharia Abelardo Soares Caiuby, que em 1919, situava-se no Largo da Sé, em São Paulo. Elaborou projetos de equipamentos de saúde (sanatório e asilo), de reclusão (penitenciária), da vila para a Klabin, assim como de residências particulares. O neocolonial e os bangalôs são frequentes na sua produção. No último caso, como era usual na época, seu Escritório encarregava-se do projeto e da construção; ver Telma de Barros Correia (1998b). . Harmonia chegou a contar com cerca de seis mil moradores. Situado junto à fábrica, concentrou moradias para operários, casas de gerentes e técnicos especializados, além de uma variedade de serviços e equipamentos de uso coletivo.

Os dois principais núcleos residenciais da Klabin do Paraná - Harmonia e Lagoa - incorporam elementos associados à forma da "cidade-jardim": ampla profusão de áreas verdes em ruas arborizadas, gramados, jardins domésticos, parques, clubes e praças; e moradias, na quase totalidade, unifamiliares e constituídas por bangalôs e chalés. Em Harmonia, entretanto o projeto é mais fiel a este modelo, com vias delineando suaves linhas sinuosas, que seguem o desenho das curvas de nível, valorizando e se conformando à topografia (Figura 21). Nela uma maior provisão de áreas verdes coletivas é verificada, tanto em parques, praças e clubes, quando pela eliminação de murros em volta de alguns dos equipamentos de uso coletivo49 49 . Ver Telma de Barros Correia (1998b). .

Figura 21
Vista aérea de Harmonia (PR), em 1948, vendo-se em primeiro plano casas menores geminadas dispostas em vias retilíneas e em segundo planos casa mais amplas implantadas no centro de jardins, em vias sinuosas. Acervo do Centro de Documentação e Memória de Klabin, São Paulo.

Na Vila Caiuby as casas - destinadas a trabalhadores de nível médio - dispunham-se na maioria dos casos ao longo de duas ruas. Eram bangalôs de madeira (Figura 22), padronizados que variavam segundo dois tipos de planta. Algumas casas eram geminadas duas a duas, outras implantadas no centro do lote. Todas tinham jardins. A partir destes dois tipos básicos, criaram-se variações nos volumes, solidárias com a estética do pitoresco e com a busca de assinalar pequenos sinais de distinção social mediante diferenciação nos ornatos e detalhes. A padronização dos muros do jardim - de madeira nas casas menores e de pedra e tijolo nas maiores - e a uniformidade das moradias em termos de tamanho, materiais e forma, garantem, no obstante, unidade ao conjunto.

Figura 22
Bangalô em Harmonia (PR). Fotografia de Philip Gunn, 1997.

Outro exemplo de conjunto residencial de empresa com desenho que remete ao modelo espacial da cidade-jardim é a "vila dos engenheiros" erguida pela Alcan Alumínio do Brasil Ltda, em Saramenha, no município de Ouro Preto. Suas construções - casas e equipamentos de uso coletivo - distribuem-se em ruas sinuosas, contornando uma encosta. São moradias isoladas em meio a amplos jardins, de tamanhos e formatos diversos. A maioria delas é composta por bangalôs com telhado em quatro águas e amplo terraço. Amplas áreas verdes permeiam estas construções, estabelecendo um acentuado contraste com a vila operária, onde blocos de casas desprovidos de jardins são dispostos em vias paralelas em terreno de forte declividade (Figuras 23 e 24).

Figura 23
Vila dos Engenheiros da Alcan, bairro de Saramenha, Ouro Preto (MG). Desenho de Telma de Barros Correia, com base em levantamento de campo sobre planta cadastral da Prefeitura do Município de Ouro Preto

Figura 24
Casa na Vila dos Engenheiros da Alcan, Ouro Preto (MG). Fotografia de Philip Gunn, 1998

Visando abrigar pessoal de chefia, a Máquinas Agrícolas Romi construiu na cidade paulista de Santa Bárbara d'Oeste - entre 1946 e 1950 - a Vila Romi composta de 21 casas, dispostas ao longo de três vias, no interior de uma ampla área verde cercada, dotada de dois lagos e área para prática de esportes. As moradias são bangalôs com tamanho, forma e padrão diversos: as menores dispostas duas a duas, as maiores isoladas em meio a jardins. Todas são térreas e têm jardins. Algumas incorporam elementos do estilo missões, como telhado em várias águas, volutas, óculos, amplos beirais, revestimentos em pedra e arcos plenos (Figuras 25e 26).

Figura 25
Moradias geminadas na Vila Romi, Santa Bárbara d'Oeste (SP). Desenho de Telma de Barros Correia, com base em. Gabriela Campagnol (1999)

Figura 26
Vila Romi, em Santa Bárbara d'Oeste (SP). Desenho de Telma de Barros Correia, com base em Gabriela Campagnol (1999)

O projeto de urbanização de Timóteo - núcleo fabril erguido pela Companhia Aços Especiais de Itabira (Acesita) em Minas Gerais - elaborado pelo engenheiro Romeu Duffles50 50 . O engenheiro industrial Romeu de Andrade Duffles Teixeira nasceu em Minas Gerais e graduou-se no Rio de Janeiro, pela Escola Nacional de Engenharia da Universidade do Brasil. De volta a Minas, trabalhou na Divisão de Obras e Viação do Estado, inicialmente voltado, sobretudo, para obras viárias. Na segunda metade da década de 1930, passou a também elaborar projetos de jardins e praças esportivas e planos urbanos, como o da Acesita (para a qual também fez projeto de praça de esportes) e o de Antônio Carlos, realizado em 1954; ver Vanda Maria Quecini (2007, p. 215-216). , também buscou referências na urbanística das cidades-jardins. Essa indústria se implantou junto ao povoado de Timóteo, ao lado do qual ergueu um núcleo fabril denominado inicialmente Acesita e depois Timóteo, que reuniu cerca de 2800 casas, além de comércio e equipamentos de uso coletivo. A empresa criou clube de futebol, clubes sociais, casa de hóspedes, capela, igreja, seis escolas (quatro grupos escolares, um ginásio e uma escola de formação profissional em convênio com o SENAI), serviço de assistência médica (implantado em 1945, ao qual em 1952 seria vinculado o Hospital Acesita), armazém de consumo, farmácia, alojamento para solteiros, cinema, instalações para comércio e serviços, pocilga e matadouro51 51 . Ver Vanda Maria Quecini (2007). . O núcleo foi formado inicialmente por construções emergenciais, entre as quais muitas moradias precárias e alojamentos.

Em 1945, a empresa contratou Romeu Duffles para elaborar um projeto de urbanização para a área, concluído em 1952, quando parte substancial do núcleo, implantado desde 1944, já estava construída.

Segundo relatou Duffles, o plano para Timóteo "obedeceu ao caráter de cidade-jardim", desenvolvendo-se entre avenidas-parques - margeando as reservas do parque florestal criado nas áreas sujeitas à erosão - e as encostas dos morros adjacentes52 52 . Cf. Romeo Duffles (1952, p. 15). (Figura 27). Seguindo as recomendações de seus contratantes, o engenheiro tratou as encostas e declives como reservas de parque florestal, enfatizou o papel das avenidas-parques e adotou um padrão de habitação unifamiliar em lotes extensos, prevendo amplas áreas verdes, tanto privativas, quanto comuns. Ao contratar o plano para Timóteo, a empresa recomendou, entre outras coisas, que:

Os lotes destinados às futuras residências operárias deveriam possuir grande área. Assim as casas ficariam afastadas, umas das outras, evitando-se desavenças entre vizinhos e haveria possibilidade dos moradores possuírem hortas, árvores frutíferas e criação de aves; b) Respeito máximo à natureza, evitando-se soluções agressivas a seus encantos, os quais deveriam ser preservados e realçados, pelos toques paisagísticos...

Figura 27
Plano do centro de Timóteo (MG), de Romeu Duffles, 1951. Desenho de Telma de Barros Correia, com base em Vanda Maria Quecini (2007, p. 234)

O núcleo residencial previa bairros para moradores de diferentes classes de renda e uma área comercial e institucional na qual se localizam serviços e comércio (casa de hóspedes, comércio, bancos, serviços, escolas). O plano previa 1725 lotes, distribuídos em seis setores, referidos como "células residenciais", com vida autônoma (centro comercial, clube, praça, escola, capela e locais para atividades esportivas junto à reserva florestal, inclusive campo de futebol)54 54 . Cf. Romeo Duffles (1952, p. 17). .

A implantação das construções foi bastante condicionada pela topografia dotada de algumas áreas mais ou menos planas, separadas por profundas depressões e cercadas por morros íngremes; a usina, o centro e os primeiros bairros residenciais contornam os morros, ocupando os terrenos de menor declividade. Os lotes previam casas cercadas de jardins e quintais. Têm frente larga e uma profundidade suficiente para permitir "o afastamento das residências, umas das outras. Elas seriam mais isoladas e arejadas, além da vantagem de oferecer aos seus moradores maior privacidade"55 55 . Cf. Romeo Duffles (1952, p. 7). . Para evitar monotonia, o recuo das casas variava de três a cinco metros56 56 . Ver Romeo Duffles (1952, p. 13). . Nas áreas planas marginais às avenidas-parques foram locadas residências coletivas para solteiros.

Coerente com a noção da prática de esportes ao ar livre como favorável à produtividade no trabalho, em trechos da avenida-parque foi prevista a implantação de campos de voleibol, basquete, peteca, etc. Cogitou-se implantar em um morro situado entre dois córregos um clube ou um hotel, mas afinal - atendendo a um pedido do bispo de Caratinga e em conformidade com uma prática que remete ao período colonial - decidiu-se aí locar a igreja principal57 57 . Ver Romeo Duffles (1952, p. 7). .

Os trabalhos de Duffles para Timóteo não incluíram projetos de casas. Os padrões de moradias adotados nos lotes projetados são de casas unifamiliares: bangalôs com amplos terraços e jardins para os funcionários mais graduados e bangalôs menores ou pequenos chalés para os operários (Figura 28).

Figura 28
Casa para empregado graduado em Timóteo (MG). Fotografia de Philip Gunn, 1998.

A Vila Gessy, construída em 1953 pela indústria de sabonetes Gessy em Valinhos, no estado de São Paulo, é uma expressão - embora muito modesta e despretensiosa em termos de escala e de forma - da urbanística das cidades-jardins. Nesta Vila - com 81 moradias e um parque - morava uma parte dos funcionários da indústria, sobretudo aqueles ocupantes de postos de chefia58 58 . Ver Mary Helle Moda Balleiras (2002). . Foi erguida no alto de uma colina e suas casas se dispõem em vias sinuosas e em meio a amplas áreas verdes, constituídas pelos jardins desprovidos de muros das moradias, pelo parque e pelas terras das encostas. As habitações foram dispostas geminadas duas a duas, em blocos de quatro ou isoladas no centro do lote. Seguiam projetos diferenciados, alguns com sutis referências - sempre nas varandas - ao estilo missões ou à arquitetura moderna. Todas eram dotadas de varanda ou pórtico, abrindo para o jardim (Figura 29).

Figura 29
Plano da Vila Gessy, em Valinhos (SP). Desenho de Telma de Barros Correia, com base em Mary Helle Moda Balleiras (2002, p. 277)

A partir de meados da década de 1950 não localizamos a construção no Brasil de nenhum projeto de vila operária ou núcleo fabril de fábrica que remetesse claramente à urbanística da cidade-jardim. A presença ampla de áreas verdes persiste em vários projetos concebidos por arquitetos para núcleos fabris. Entretanto, a arquitetura moderna das construções, as moradias geralmente parcialmente padronizadas e dispostas em blocos ou, em casos mais raros, na forma de prédios de apartamentos, o tratamento das áreas verdes e do sistema viário e o zoneamento funcional apontam para o modelo modernista da "cidade no jardim". Nesse momento, é clara a hegemonia dos arquitetos entre os profissionais responsáveis por projetos desta natureza, assim como da arquitetura moderna e do urbanismo dos CIAMs entre eles. A partir da década de 1940, aquela espécie de "ecletismo tipológico", usual à prática da geração de Bruhns e Murgel, deu rapidamente lugar a um compromisso de fidelidade ao Estilo Internacional de Arquitetura Moderna, que foi incorporado à própria ética profissional do arquiteto. Simultaneamente, em concordância com o cenário sugerido por essa arquitetura, o urbanismo dos CIAMs se impõe, estabelecendo outro significado e tratamento às áreas verdes e de uso comum e ao sistema viário.

O método, o campo e a profissão

Os exemplos tratados neste trabalho evidenciam como o urbanismo das cidades-jardim encontrou campo de aplicação - com adaptações ao programa e ao contexto - em núcleos fabris e vilas operárias erguidas no Brasil na primeira metade do século XX - sobretudo nas décadas de 1920, 1930 e 1940.

O conjunto de casos estudados indica uma clara conexão estabelecida no Brasil entre o urbanismo das cidades-jardim e a arquitetura dos bangalôs, tipologia residencial presente em quase todos os planos tratados, na maioria dos casos trazendo elementos compositivos e ornamentais do estilo missões.

Analisando esse conjunto de projetos, observa-se que nos seus memoriais descritivos e demais escritos de seus autores relativos a eles não há qualquer alusão à obra de Howard. Assim, com base no material trabalhado neste artigo, supomos que o livro de Howard não tenha sido a referência essencial mobilizada por estes projetistas. A cidade-jardim que se difundiu no Brasil distancia-se, pois, do projeto solidário de reforma urbana e social postulado por Howard e seus seguidores, para se concentrar em um método de agenciamento de áreas residenciais, traduzido em uma diversidade de formas e situações. Tal constatação contraria a concepção de pesquisadores brasileiros, que atribuem à obra de Howard uma grande influência sobre um conjunto de autores nacionais de planos de urbanismo da primeira metade do século XX, cujos projetos são identificados como de cunho cidade-jardim. Concepção, entretanto, que não encontra respaldo em escritos produzidos por profissionais tratados neste artigo que realizaram projetos por eles considerados - e por nós - como de viés cidades-jardim. Se alguns dos preceitos defendidos por Howard são aplicados nesses planos, eles provavelmente chegaram aos urbanistas aqui investigados por outros canais, entre os quais experiências de company towns europeias - algumas que, inclusive, antecederam e inspiraram Howard - e obras de planejadores que avançaram na formulação, difusão e aplicação de diretrizes de projeto, delineando a forma espacial da cidade-jardim do século XX.

Quando apontam suas referências projetuais, os arquitetos e engenheiros tratados neste trabalho indicam experiências de núcleos fabris construídos - inclusive anteriormente à publicação do livro de Howard - como Port Sunlight, as vilas da Krupp e Bournville.

Entretanto, embora não mencionado pelos profissionais brasileiros tratados, o urbanismo proposto e aplicado por Barry Parker e Raymond Unwin foi uma referência mobilizada indiretamente por vários deles de forma muito evidente. Nos planos aqui elaborados por arquitetos e engenheiros - Bruhns, Oliveira, Continentino, Murgel e Duffles - é possível inferir não apenas o claro desígnio de elaborar um plano de filiação cidade-jardim, como o conhecimento de fundamentos, métodos e ferramentas de projeto empregados e propostos por urbanistas como Raymond Unwin. Os cinco planos elaborados por estes urbanistas - para as vilas em Niterói e em Juiz de Fora e para os núcleos de Monlevade e de Timóteo - adotam procedimentos por ele recomendados. Neles as vias e quadras seguem um traçado flexível, coerente com a topografia e com as linhas naturais de drenagem. Todos eles definem um lugar central reunindo os prédios mais significativos - pelo uso coletivo, porte e tratamento formal. Nos cinco casos, este lugar central contou com uma praça. Ainda seguiram as recomendações de Unwin de implantação da capela com destaque e com distância de atividades que possam comprometer o culto. Capelas foram locadas em meio a jardins de praças - por Continentino e Murgel - ou em locais elevados - por Bruhns e Duffles. Uma ampla provisão de áreas verdes foi proporcionada, por meio da arborização de ruas, de lotes dotados de jardins, de praças e, eventualmente, de parques de vários formatos e reservas de áreas verdes em encostas íngremes inadequados à construção. Nos quatro casos nos quais os projetos de moradias integram os planos - as vilas em Niterói e em Juiz de Fora e os dois planos para Monlevade - adotou-se tipologias solidárias com a estética do pitoresco: cottages e chalés por Bruhns e bangalôs por Continentino, Murgel e Oliveira.

Entre todos os planos tratados, o exemplo mais expressivo do uso dos postulados urbanísticos da cidade-jardim em conjuntos residenciais erguidos por fábricas para abrigar seus empregados é a vila operária da Companhia Commercio e Navegação em Niterói projetada por Bruhns. Nesse caso, o traçado sinuoso de vias - coerente com as alterações do relevo - e a arquitetura projetada reforçam o aspecto bucólico do conjunto. Nele a configuração natural do entorno - farta vegetação, mar e morros - propicia uma moldura que enquadra e valoriza os atributos pitorescos buscados pelo autor do plano.

Entretanto, nesse plano e, de forma mais ampla, nos elaborados por Francisco Baptista de Oliveira, Romeo Duffles, Lincoln Continentino, Ângelo Murgel e Abelardo Caiuby, estratégias e procedimentos projetuais vinculados ao arranjo espacial das cidades-jardim foram aplicados de forma parcial e restrita. Esta avaliação não está tomando como referência o modelo de Howard, mas o conjunto de diretrizes projetuais que se consolidaram a partir de diferentes contribuições e que incluem alguns dos preceitos defendidos por Howard como a proibição comércio em áreas residenciais, população limitada, cinturão verde, presença de vegetação, etc.; motivos vinculados à estética do pitoresco como cottages, chalés, bangalôs, jardins, parques e allotments e eventual traçado sinuoso de vias; e formulações e métodos de projeto baseados em fundamentos flexíveis e orgânicos definidos por planejadores, como Unwin.

Uma justificativa para o uso limitado destes recursos de projeto são os requisitos de economia que regem os empreendimentos industriais, limitando a provisão de espaços verdes e exigindo uma certa padronização das moradias, pouco compatível com a variedade e espontaneidade que a ideia de bucólico evoca. Outras justificativas se aplicam a casos específicos: a urgência como alguns desses conjuntos foram erguidos (em alguns casos inclusive, se iniciando antes do plano que, deste modo, teve que se moldar ao já edificado) e o fato de alguns planos haverem sido contratados de forma parcial (sem incluir o projeto das moradias, por exemplo).

Em outros dos exemplos tratados, o método surge aplicado de forma ainda mais parcial. Em casos onde não há a indicação de um urbanista responsável pelo projeto - como nas vilas da Fiat-Lux, Zipperer, Nitro-Química e Gessy e em Saramenha - o método surge restrito ao traçado flexível das ruas e à presença de farta vegetação - em parques ou praças e em ruas arborizadas ladeadas de casas com jardins. Na vila da Swift e na Vila Romi, as ferramentas de projeto consagradas pelo urbanismo das cidades-jardim dão lugar a uma outra estratégia mais radical: locar as moradias - um grupo muito restrito destinado a gerentes e/ou proprietários - no interior de um parque fechado. Nestes dois casos se aplica um conceito de moradias de alto padrão no interior de área cercada, exclusiva e amplamente arborizada, que se aproxima de propostas posteriores de condomínios burgueses.

Outro aspecto deste caráter parcial, presente em alguns dos planos tratados é a restrição do desenho de viés cidade-jardim a uma parcela do conjunto residencial projetado. Em Laranjal, Vila Americana e Saramenha o urbanismo de filiação cidade-jardim é restrito à área destinada à moradia de gerentes, contrastando com a malha mais ou menos ortogonal dos locais de moradia dos operários e técnicos. Em outros casos - Fiat-Lux, Swift e Romi - o projeto contempla apenas um conjunto - mais ou menos restrito de moradias - inserido na malha urbana de uma cidade, de característica diversa.

Entretanto, mesmo considerando suas especificidades e eventuais deficiências projetuais, os 14 planos tratados revelam-se testemunhos importantes da adesão de industriais e de projetistas por eles contratados a um método de projeto, que se consolidou como uma das principais vertentes do urbanismo do século XX. No Brasil, o método - que tem sido mais conhecido por suas aplicações em projetos de bairros burgueses e de cidades planejadas - também foi mobilizado, e no caso de Niterói como grande maestria, por indústrias em seus empreendimentos residenciais.

O trabalho evoca, portanto, não apenas um momento de penetração da urbanística da cidade-jardim, como também de crucial importância na própria constituição da profissão de urbanista no Brasil. O conjunto dos planos tratados delineia um campo de atuação em constituição e em disputa por profissionais de diversas áreas: um construtor e projetista (Cauiby); três arquitetos (Bruhns, Correa Lima e Murgel); três engenheiros (Oliveira, Continentino e Duffles); assim como um grupo de projetos sem autoria identificada, fruto provavelmente da ação de construtores locais, industriais e/ou engenheiros envolvidos na construção, gerência ou operação das fábricas.

Em todos os casos, os planos tiveram a pretensão de gerar um habitat operário de qualidade superior ao corrente, apoiando-se em fundamentos e metodologias de projeto de urbanismo. É possível avaliar que a elaboração e implantação desses planos - alguns, como os de Volta Redonda e de Timóteo, de grande porte e considerável repercussão - ofereceram uma contribuição importante para a constituição do campo profissional do urbanismo no Brasil. No final do período estudado, esse campo profissional se encontrava consolidado no país e identificado como área de atuação do arquiteto. O concurso para Brasília em meados da década de 1950 é, sem dúvida, a mais clara evidência nesse sentido. Ele sinaliza um momento no qual o postulado defendido nos primeiros CIAMs de uma ação projetual do arquiteto capaz de extrapolar os limites da construção para atingir o bairro e a cidade, encontraria amplo espaço para aplicação no Brasil. Para tanto, um esforço da categoria em várias dimensões havia sido realizado, envolvendo desde a reforma do ensino e a reelaboração da autoimagem profissional até a ampliação do alcance espacial dos projetos elaborados via encomendas governamentais ou privadas.

Entre as últimas, as fábricas e seus dirigentes propiciaram um espaço relevante de experimentação, afirmação e divulgação dos métodos da disciplina, oferecendo um campo de atuação importante a profissionais que a ela se lançavam. Solucionar as várias questões técnicas da implantação de complexos residenciais foi uma tarefa acolhida pelos engenheiros Continentino, Duffles e Oliveira e pelos arquitetos Bruhns e Correa Lima, mobilizando métodos de agenciamento de áreas residenciais compatíveis com os desafios de terrenos muito acidentados e os adaptando aos contextos de cada demanda.

Referências

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  • UNWIN, Raymond. La practica del urbanismo. Una introduccion al arte de proyectar ciudades y barrios. Barcelona: Gustavo Gilli, 1984 [1909].
  • 2
    . Ver Eudes Campos (2008).
  • 3
    . Ver Raymond Unwin (1984 [1909]).
  • 4
    . Ver Telma de Barros Correia (1998a).
  • 5
    . As fontes nas quais o trabalho se apoia são, sobretudo, a pesquisa de campo, artigos publicados em revistas da época e trabalhos acadêmicos (artigos, teses e dissertações). Uma consequência de tal fundamentação é que quase todos os mapas aos quais se teve acesso são desenhos simplificados de divulgação em revistas ou esboços incluídos em trabalhos acadêmicos. Tais desenhos, em muitos casos, não têm curvas de níveis e os que têm são cópias de má qualidade, que exigiriam pesquisas adicionais para servirem de base a desenhos detalhados. Tentou-se contornar a clara precariedade de discutir planos - especialmente de viés cidade-jardim - ilustrados por mapas sem curvas de nível, por meio de fotos, de desenhos de fachadas e, especialmente, de descrições, que oferecessem indicações sobre o relevo.
  • 6
    . Este foi um projeto de início de carreira do arquiteto carioca Ângelo Bruhns de Carvalho (Rio de Janeiro, 1896--1975), que nos anos seguintes se tornaria um dos principais expoentes do Movimento Neocolonial. Bruhns participaria nas décadas de 1920 e 1930 de comissões encarregadas de importantes projetos urbanísticos para o Rio de Janeiro. Nessa trajetória, a estética do pitoresco foi para ele uma das possibilidades projetuais durante suas primeiras décadas de atuação, quando projetou bangalôs, chalés e cottages, assim como prédios neocoloniais, neoclássicos e dotados de elementos de viés déco; já a partir de meados da década de 1930, transitou para o Estilo Internacional de Arquitetura Moderna. Ver Telma de Barros Correia (2011).
  • 7
    . Ver Ângelo Bruhns (1921a , p.53; 1921b, p.7).
  • 8
    . Cf. Ângelo Bruhns (1921a, p.53).
  • 9
    . Ver Raymond Unwin (1984).
  • 10
    . Trata-se da obra Town Planning in Pratice. An Introduction to the Art of Designing Cities and Suburbs, publicada originalmente em Londres.
  • 11
    . Ver Raymond Unwin (1984).
  • 12
    . Cf. Ângelo Bruhns (1921b , p.27).
  • 13
    . Idem.
  • 14
    . Cf. Ângelo Bruhns (1921b , p.28).
  • 15
    . Ver Raymond Unwin (1984).
  • 16
    . Cf. Ângelo Bruhns (1921b , p.28).
  • 17
    . Cf. Ângelo Bruhns (1921b , p.27).
  • 18
    . Cf. Ângelo Bruhns (1921b , p.28).
  • 19
    . O engenheiro Lincoln de Campos Continentino (1900-1976) diplomou-se em 1923 pela Escola Livre de Engenharia de Belo Horizonte. Fez especialização nos Estados Unidos e, de 1927 à década de 1970, atuou como docente em cursos de engenharia e arquitetura. Integrou a Comissão Técnica Consultiva, criada em 1934 pela prefeitura de Belo Horizonte; ver Fábio José Martins de Lima (2003).
  • 20
    . O arquiteto mineiro Angelo Murgel (1907-1978) formou-se na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro em 1931. Em Belo Horizonte, integrou a Comissão Técnica Consultiva, criada em 1934, na gestão do prefeito José Soares de Mattos (1933-35) e foi professor da Escola de Arquitetura da UMG a partir da década de 1930; ver Fábio José Martins de Lima (2003).
  • 21
    . Ver Telma de Barros Correia (2003).
  • 22
    . Cf. Lincoln Continentino (1936, p. 284).
  • 23
    . Cf. Lincoln Continentino (1936, p. 282).
  • 24
    . Cf. Lincoln Continentino (1936, p. 284).
  • 25
    . Ver Lincoln Continentino (1936, p. 284).
  • 26
    . Cf. Lincoln Continentino (1936, p. 286).
  • 27
    . Cf. Lincoln Continentino (1936, p. 284).
  • 28
    . Idem.
  • 29
    . Cf. Lincoln Continentino, 1936, p.285)
  • 30
    . Cf. Lincoln Continentino (1936, p. 285).
  • 31
    . Cf. Ângelo Murgel (1936, p.272).
  • 32
    . Idem.
  • 33
    . Cf. Ângelo Murgel (1936, p.278).
  • 34
    . Cf. Ângelo Murgel (1936, p.272).
  • 35
    . Cf. Ângelo Murgel (1936, p.271).
  • 36
    . Cf. Ângelo Murgel (1936, p.280).
  • 37
    . Cf. Ângelo Murgel (1936, p.281).
  • 38
    . O engenheiro (civil e eletrotécnico), geógrafo e urbanista Francisco Baptista de Oliveira foi professor da Escola de Engenharia de Juiz de Fora, diretor da revista Urbanismo e Viação e engenheiro-chefe da Seção de Fiscalização da Diretoria de Obras da Prefeitura de Juiz de Fora. Nessa cidade, atuou como projetista de edifícios, de praças e, no final da década de 1930, de dois bairros-jardim (para a Companhia Industrial Mineira e para empreendedores imobiliários); ver Francisco Baptista de Oliveira (1938); Francisco Baptista de Oliveira (1939); Juiz de Fora... (1938); Fábio José Martins de Lima (2000).
  • 39
    . Cf. Francisco Baptista de Oliveira (1938); Juiz de Fora... (1938).
  • 40
    . Cf. Francisco Baptista de Oliveira (1939. p. 70).
  • 41
    . Cf. Juiz de Fora... (1938, p.25).
  • 42
    . Ver Juiz de Fora... (1938, p.27).
  • 43
    . Cf. Ibidem.
  • 44
    . Cf. Francisco Baptista de Oliveira (1938, p. 29).
  • 45
    . Cf. Francisco Baptista de Oliveira (1938, p. 30).
  • 46
    . Ver Alberto Costa Lopes (1993) e Telma de Barros Correia (2001).
  • 47
    . Ver Maria Angélica Santi (2001).
  • 48
    . Abelardo Soares Caiuby se graduou como agrimensor em 1897 pela Escola Politécnica de São Paulo. Fundou o Escritório Técnico de Engenharia Abelardo Soares Caiuby, que em 1919, situava-se no Largo da Sé, em São Paulo. Elaborou projetos de equipamentos de saúde (sanatório e asilo), de reclusão (penitenciária), da vila para a Klabin, assim como de residências particulares. O neocolonial e os bangalôs são frequentes na sua produção. No último caso, como era usual na época, seu Escritório encarregava-se do projeto e da construção; ver Telma de Barros Correia (1998b).
  • 49
    . Ver Telma de Barros Correia (1998b).
  • 50
    . O engenheiro industrial Romeu de Andrade Duffles Teixeira nasceu em Minas Gerais e graduou-se no Rio de Janeiro, pela Escola Nacional de Engenharia da Universidade do Brasil. De volta a Minas, trabalhou na Divisão de Obras e Viação do Estado, inicialmente voltado, sobretudo, para obras viárias. Na segunda metade da década de 1930, passou a também elaborar projetos de jardins e praças esportivas e planos urbanos, como o da Acesita (para a qual também fez projeto de praça de esportes) e o de Antônio Carlos, realizado em 1954; ver Vanda Maria Quecini (2007, p. 215-216).
  • 51
    . Ver Vanda Maria Quecini (2007).
  • 52
    . Cf. Romeo Duffles (1952, p. 15).
  • 53
    . Cf. Romeo Duffles (1952, p. 1-2).
  • 54
    . Cf. Romeo Duffles (1952, p. 17).
  • 55
    . Cf. Romeo Duffles (1952, p. 7).
  • 56
    . Ver Romeo Duffles (1952, p. 13).
  • 57
    . Ver Romeo Duffles (1952, p. 7).
  • 58
    . Ver Mary Helle Moda Balleiras (2002).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    25 Fev 2014
  • Aceito
    13 Abr 2014
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