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Da Escócia à Amazônia: os dutos verticais metálicos da fábrica escocesa W. McFarlane & Co. nas fachadas do Centro Histórico de Belém, Pará, Brasil

From Scotland to the Amazon: the iron rain water pipes from the Scottish foundry W. McFarlane & Co. on façades of the Historical Center in Belém, Pará, Brazil

RESUMO

Durante o fim do século XIX e início do XX, Belém (Pará, Brasil) passou por várias transformações em sua estrutura urbana, arquitetônica e social em função do ciclo da borracha. Também conhecido como belle époque, o período foi marcado pelas importações majoritariamente europeias, que modificaram a arquitetura da cidade. Uma das fábricas estrangeiras que exportou intensamente foi a escocesa W. MacFarlane & Co., com bens arquitetônicos em ferro fundido de modelos e funções bem diversas, que até hoje estão na cidade, em especial os dutos verticais, inseridos em várias fachadas ecléticas. No entanto, tais dutos correm o risco de desaparecer, seja por mau funcionamento, substituições ou furtos, mesmo sendo um importante testemunho histórico, tecnológico e arquitetônico. Nesse sentido, este trabalho pretende documentar os dutos verticais de sete bairros de Belém, do centro histórico e entorno, no que tange a quantidade, padrões e formas de alterações dos remanescentes, discutindo as transformações e permanências dos dutos que ainda fazem parte da paisagem urbana de Belém. Foram desenvolvidos levantamentos in loco que geraram fichas documentais de 408 dutos verticais da W. MacFarlane & Co., distribuídos em 223 edificações nos sete bairros estudados, o que permitiu identificar uma grande variedade de padrões. Os resultados desta pesquisa serão utilizados para subsidiar a salvaguarda de tais dutos (que vêm desaparecendo ao longo dos anos) como parte dos elementos metálicos históricos provenientes da industrialização em Belém, a fim de continuar a pesquisa desses dutos verticais na restauração científica.

PALAVRAS-CHAVE:
Arquitetura da industrialização; Dutos verticais de ferro; W; MacFarlane & Co

ABSTRACT

As a result of the Rubber Cycle, also known as “Belle Époque”, that stroke Brazil during the late 19th and early 20th century, the municipality of Belém (PA-Brazil) underwent several transformations in its urban, architectural, and social structures. This period was characterized by metal ornaments imports from European countries, modifying the architecture of the city. In this scenario, the Scottish company W. MacFarlane & Co was among the foreign companies that intensely exported cast iron goods, including a range variety of patterns and design of iron ornaments, especially water ducts in eclectic façades - still present in the city. Despite representing an important historical, technological, and architectural testimony, these water ducts are currently in danger due bad functioning, substitutions, and robbery. This research aims to document quantity, patterns, and alteration forms of the water ducts present in seven neighborhoods in Belém, including the historical center, besides discussing the ducts transformations that still occur within the urban landscape. A total of 408 ducts from 223 façades were documented in the study, indicating a great variety of patterns. The results will subside these ducts safeguard as a part of the remanent metal architectural elements from the industrialization in Belém that are disappearing through the years, as well as provide data for further research on these water ducts for scientific restoration purposes.

KEYWORD:
Architecture of industrialization; Iron rain water pipes; W; MacFarlane & Co

INTRODUÇÃO

O ferro e suas ligas desempenharam diversos papéis na arquitetura. Inicialmente, eram aplicados em peças secundárias ou de apoio nas construções e em alguns elementos de fachada, como grades, pingadeiras e correntes, mas sempre de pequena expressão. O caráter secundário desses metais na arquitetura mudou no fim do século XVIII após a Revolução Industrial com a intensificação de sua aplicação na construção civil e nos transportes, como as ferrovias.5 5 Cf. Silva (1986).

Utilizado de forma intensa na Europa, o ferro logo chegou no Brasil por meio de ornamentos arquitetônicos importados, como grades, gradis, portões, dutos verticais e edifícios inteiramente metálicos, estabelecendo uma “arquitetura metalúrgica”6 6 Cf. Costa (2001). ou arquitetura de ferro.7 7 Cf. Silva, op. cit.

Entre as capitais brasileiras que receberam muitos bens metálicos importados está a cidade de Belém, que teve expressivo crescimento econômico durante o ciclo da borracha entre a metade do século XIX até o início do século XX. Principal porto de escoamento da borracha e vanguarda cultural da região, a cidade então dominada por um francesismo e dependente comercialmente da Inglaterra, também recebia investimentos de empresas da Alemanha, Bélgica, Estados Unidos e França.8 8 Cf. Sarges (2010) e Derenji (1993).

Visando adentrar na modernidade, Belém passou por várias transformações na estética de seus edifícios, nos costumes dos seus habitantes e nas diretrizes de saneamento, que foram completamente modificadas durante o governo do Intendente Antônio Lemos (1897-1910) por meio de diversos códigos de postura implementados na cidade.9 9 Ibid. Entre eles, a alteração nas fachadas foi a que mais beneficiou a importação dos dutos verticais metálicos. Foram retirados os beirais de diversas edificações para evitar que a água da chuva se espalhasse nas calçadas, inserindo frontões com os dutos verticais metálicos que conduziam a água diretamente para as valas, satisfazendo assim os preceitos higienistas dos códigos implementados na administração de Antônio Lemos.

Tais dutos eram conhecidos por serem majoritariamente importados da fábrica escocesa W. MacFarlane & Co., vendidos em catálogos onde o cliente escolhia o modelo do corpo, da cabeça e das braçadeiras que, além da sua característica funcional, eram peças ricamente decoradas e com grande variedade de desenho e estilo.

A Saracen Foundry de Walter MacFarlane & Co.MACFARLANE & CO, Walter. Sarance Foundry MacFarlane’s Castings: Architectural, Sanitary and General Iron Founders. 6. ed. England. v. 1., comercializava desde utensílios sanitários até edifícios sofisticados, adaptáveis a diferentes climas, inclusive os mais agressivos, com resistência, leveza, facilidade de montagem, baixo custo, beleza arquitetural e renovação.10 10 Cf. Costa, op. cit. Nesse sentido, a proposta de W. MacFarlane & Co. se alinhava com as propostas de Antônio Lemos de higienização da cidade implantadas em diversas edificações (Figura 1), como residências e palacetes.

Figura 1
(A) Imagem do catálogo da W. MacFarlane & Co. com indicação do modelo de cabeça utilizado no Solar Barão do Guajará em vermelho (B) e imagens aproximadas da cabeça, corpo e braçadeiras do duto vertical na fachada do edifício. Figura (A) retirada do Catálogo W. MacFarlane & Co; (B, C, D). Fonte: Fotografia das autoras.

Os dutos e outros elementos de fachada da W. MacFarlane & Co. foram amplamente utilizados na época por serem itens importados requintados e pela inexpressiva metalurgia local que não conseguia suprir as demandas da época. Existia, desde 1892, a serralheria e ferraria no Instituto Lauro Sodré que fabricava grades, portões e peças de pequeno porte,11 11 Cf. Derenji, op. cit. mas não era de forma seriada e em larga escala como os produtos de fabricação europeia.

Segundo Silva,12 12 Silva, op. cit. os produtos industriais importados de arquitetura eram mais baratos e de maior qualidade que os de produção local. Ademais, eram comercializados a partir de catálogos variados e com alternativas diversas para satisfazer o gosto do cliente, sendo um artifício mercadológico de destaque. De acordo com Costa,13 13 Costa, op. cit. os catálogos foram um dos principais responsáveis pela difusão das peças de ferro fundido no mundo, sendo cuidadosamente executados, apresentando toda a linha de seus produtos em detalhes, facilitando ao comprador a visualização das peças e a escolha das combinações.

Atualmente, os dutos importados estão majoritariamente nas fachadas dos bairros do Centro Histórico de Belém e nos bairros próximos. No entanto, apesar de serem testemunhos do patrimônio da industrialização da cidade, hoje eles correm o risco de desaparecerem, seja pelo intemperismo amazônico ou por ações antrópicas, como furtos e substituições (Figura 2).

Figura 2
Dutos verticais com lacunas em função de produtos de corrosão (A), ausência de braçadeira (B), e substituição de duto metálico por PVC (C). Fonte: Fotografias das autoras.

Nota-se com frequência componentes faltantes ou a inserção de canos de PVC e de outros materiais no lugar dos antigos dutos verticais. Muitas vezes, por falta de conhecimento sobre a sua conservação, bem como seu reconhecimento como patrimônio, eles são descartados, causando lacunas nas fachadas e perda do patrimônio histórico. Quando apresentam mau funcionamento, os dutos são classificados como “ferro velho”, levando a substituição arbitrária sem a devida preocupação com o valor histórico, artístico e cultural desses elementos de fachada que compõem o edifício histórico em seu conjunto.

Os dutos verticais costumam passar despercebidos nas fachadas históricas, geralmente em função de estudos cromáticos que não os valorizam, ou, em outros casos, são desvalorizados por serem peças repetidas e por serem constituídas de metais não nobres, por exemplo, o bronze. O caráter industrializado e seriado leva a falta de cuidado e reconhecimento desse patrimônio.

A partir dos problemas observados sobre a preservação dos dutos verticais em fachadas, observou-se também que eles não possuem documentação adequada de quantidade, modelos e estado de conservação, dificultando as ações de preservação, conservação e restauro.

Dessa forma, o objetivo deste artigo é propor subsídios para a salvaguarda dos dutos ornamentados da W. MacFarlane & Co. como parte dos elementos metálicos históricos provenientes da industrialização em Belém abrangendo a documentação para subsidiar a restauração científica. Foram documentados os dutos verticais presentes em bairros do Centro Histórico de Belém (CHB) e adjacências no que tange a quantidade, localização e modelo a partir de levantamento in loco e fichas documentais.

Esta pesquisa é continuação de trabalhos já desenvolvidos por Palácios14 14 Palácios (2011, 2015). sobre a conservação dos edifícios inteiramente metálicos dos séculos XIX e XX de Belém, sendo a primeira etapa para a documentação de diversos outros bens metálicos integrados em fachadas.

ABORDAGEM METODOLÓGICA

A pesquisa dos dutos verticais da W. MacFarlane & Co. em Belém é de cunho descritivo de variáveis independentes.15 15 Cf. Volpato (2015). Trabalhos desenvolvidos por Alcântara, Brito e Sanjad16 16 Alcântara, Brito e Sanjad (2016). e Arruda e Sanjad17 17 Arruda e Sanjad (2017). sobre inventários de azulejaria e ornamentos de platibanda em Belém também serviram de referência para o inventário dos dutos verticais da W. MacFarlane & Co. na cidade.

A abordagem metodológica foi realizada primeiramente a partir de pesquisa nos catálogos originais da W. MacFarlane & Co., servindo de base para o levantamento de campo. Para o estudo dos dutos verticais, foi utilizado o Volume I da sexta edição, que contém os modelos dos condutores em questão. A partir dessa fonte foram determinadas as nomenclaturas a serem utilizadas para as cabeças, os corpos e as braçadeiras, norteando a pesquisa de campo e o preenchimento de fichas documentais. Foram determinadas uma sigla e uma numeração para cada peça da calha analisada, sendo CA para a cabeça, CO para os corpos de calha e BR para as braçadeiras das calhas.

A pesquisa de campo foi realizada por meio do levantamento in loco com objetivo de quantificar os dutos verticais remanescentes em sete bairros do Centro Histórico de Belém e adjacências. Os bairros inventariados foram Campina, Cidade Velha, Reduto, Nazaré, Umarizal, Batista Campos e São Brás. A Lei Municipal no 7.709, de 18 de maio de 1994, delimita como pertencente ao centro histórico da cidade os bairros da Campina, Cidade Velha, Reduto e áreas de Batista Campos e Nazaré.

O levantamento físico-cadastral e fotográfico foi realizado com o intuito de gerar uma série de produtos gráficos, contendo as formas, as medidas, o posicionamento dos dutos nos edifícios etc., sendo essenciais para as restituições de edificações e futuras intervenções, permitindo, desta forma, a visualização de diversos detalhes e facilitando o planejamento de eventuais alterações a serem executadas,18 18 Cf. Oliveira (2008). bem como a identificação de danos das peças, como produtos de corrosão, manchas, deformações e demais alterações. intempéricas e antrópicas.19 19 Cf. Fontinha e Salta (2007) e Oliveira (2006).

A etapa da pesquisa de campo iniciou em setembro de 2015. Para realizar a identificação dos lotes com edificações que possuem os dutos metálicos, utilizou-se os mapas dos bairros baseados nos mapas da Companhia de Desenvolvimento e Administração da Área Metropolitana de Belém (CODEM). Concomitantemente à pesquisa de campo, foram preenchidas fichas cadastrais para documentação dos dutos verticais. Durante a pesquisa de campo também foram documentados outros dutos verticais de proveniência diferente da W. MacFarlane & Co. que não foram incluídos no artigo.

A ficha cadastral foi desenvolvida no programa Microsoft Word de acordo com as normas do Comitê Internacional de Documentação (CIDOC) do Conselho Internacional de Museus (ICOM). Partindo dos preceitos do CIDOC para organização de informações relevantes coletadas durante a pesquisa, a ficha atende as necessidades do registro das informações intrínsecas e extrínsecas do objeto, assim como sua catalogação fotográfica, designando um número único para a identificação de cada peça.20 20 Cidoc (2011). A ficha foi dividida em cinco campos: 1) Objeto; 2) Endereço da edificação; 3) Informações técnicas do duto; 4) Registro fotográfico; e 5) Estado de conservação (Figura 3).

Figura 3
Ficha cadastral dos dutos verticais da W. MacFarlane & Co. em Belém.

Em 1) Objeto foram inseridos quatro metadados: 1.1) Item para a identificação do código alfanumérico atribuído ao duto, utilizando as iniciais dos bairros antes da numeração em número corrido de acordo com a ordem em que foi registrada, por exemplo, “CB” para “Calhas Batista Campos”, “CUM” para “Calhas Umarizal” e “CSB” para “Calhas São Brás”. Caso o edifício tivesse mais de um duto em sua fachada, eles eram catalogados individualmente e classificados em duto A, B, C e assim sucessivamente; 1.2) Número (Nº), de acordo com a ordem em que o duto foi documentado; 1.3) Descrição da edificação; 1.4) Quantificação de componentes, entre cabeça, corpo e braçadeira, seguidos de seus respectivos códigos para documentação, por exemplo, BR.33, isto é, Braçadeira 33. O campo 3) Informações técnicas do duto incluem os itens dimensões da cabeça, corpo e braçadeiras. O campo 4) Registro fotográfico é usado para a inserção de imagem do mapa com a localização do lote do edifício, foto da fachada e outra imagem mais detalhada do duto. Por fim, em 5) Estado de conservação além da descrição dos danos aparentes, é feita a classificação em Bom, Regular, Ruim e Péssimo na avaliação dos dutos. A segunda página da ficha é destinada para o desenho em AutoCAD do duto vertical e mapeamento de danos.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Documentação dos dutos remanescentes

A partir do levantamento físico-cadastral se observou que há grande presença de dutos verticais de procedências variadas nas fachadas dos sete bairros documentados. Entretanto, os dutos verticais importados da W. MacFarlane & Co. tiveram expressiva inserção em diferentes tipos de construções da época, principalmente comerciais e residenciais, mas também em prédios públicos. Também observou-se sua presença nas fachadas de edifícios de grande destaque na paisagem da cidade, como em palácios e palacetes. Por sua vez, eles foram menos utilizados em edificações religiosas e em fábricas.

O mapa abaixo (Figura 4) apresenta os sete bairros com a marcação em vermelho dos lotes de fachadas que possuem dutos da fábrica W. MacFarlane & Co. Foram destacados em azul os edifícios atualmente de uso público e religioso que possuem os dutos escoceses, geralmente importados por meio de encomendas especiais, com peças mais rebuscadas, sofisticadas e de desenho diferenciado das demais fachadas. A expansão da cidade no fim do século XIX e início do XX também influenciou na arquitetura e nas importações de bens metálicos de fachada além das zonas centrais da cidade, conforme pode ser observado no mapa.

Figura 4
Mapa desenvolvido a partir do levantamento de campo dos dutos W. MacFarlane & Co. nos sete bairros estudados.

Foram documentados, no total, 408 dutos verticais da W. MacFarlane & Co. distribuídos em 223 edificações, conforme detalhado na Tabela 1. O número de dutos apresentou variação em função da complexidade e dimensão dos edifícios, onde alguns tinham um único duto, enquanto outros tinham até dez dutos em uma face da construção.

Tabela 1
Tabela demonstrativa do número de edificações que possuem dutos da W. MacFarlane & Co. por bairro e número total de dutos por bairro

Observaram-se diferenças expressivas entre o número de dutos verticais encontrados nos diferentes bairros, possivelmente em função da formação da cidade durante o século XIX e XX, das políticas de proteção dos edifícios, bem como de grandes mudanças que alguns bairros passaram no correr dos anos.

O bairro que possui maior número de edificações com dutos é o bairro da Campina, que pertence ao Centro Histórico de Belém, sendo o principal bairro comercial da cidade durante a Belle Époque, concentrando a maioria das edificações que receberam produtos importados para adorná-las. Sabe-se também que os comerciantes eram os maiores consumidores desses bens importados, bem como aqueles que realizavam as vendas e as consultas dos materiais em catálogos.

No bairro da Campina, o uso dos dutos importados em fachadas é variado, aparecendo tanto em edifícios comerciais quanto públicos, por exemplo, o Theatro da Paz. Atualmente, o bairro da Campina continua com perfil comercial e muitos de seus edifícios mantêm as formas arquitetônicas do século XIX e início do XX.

A Cidade Velha, apesar de fazer parte do Centro Histórico e possuir muitos edifícios antigos, não apresentou número expressivo de fachadas com dutos metálicos da W. MacFarlane & Co, sendo identificados apenas trinta. O bairro é hoje majoritariamente residencial, tendo em suas fachadas mais dutos de outras procedências, cerca de 155. Grande parte dos dutos da W. MacFarlane & Co. estão em edifícios de uso público, como os palacetes, a exemplo do Palacete Pinho, uma das edificações ecléticas de maior destaque na cidade.

Segundo Sarges,21 21 Sarges, op. cit. as áreas próximas ao bairro da Cidade Velha foram transformadas em bairros comerciais e logo as famílias começam a mudar-se para bairros mais afastados, originando os bairros de Nazaré, Umarizal e Batista Campos, onde os lotes eram mais baratos e havia maior espaço para as construções. Assim, os ornamentos metálicos começaram a ser implantados em partidos arquitetônicos diferentes das construções do bairro comercial.

Nazaré foi o segundo bairro com maior implantação de dutos verticais metálicos em fachadas na cidade e o único que apresentou maior número de dutos verticais da W. MacFarlane & Co. Antes da Belle Époque, Nazaré era uma área afastada da cidade, mas, com a sua expansão, tornou-se um bairro nobre e repleto de palacetes ao longo da sua principal avenida, atual avenida Nazaré. Apesar das intensas transformações, o bairro ainda abriga vários palacetes e edificações públicas construídas nos séculos XIX e início do XX que esbanjam riqueza em sua arquitetura. No bairro também se localiza o Colégio Gentil Bittencourt, que possui grande acervo de elementos da W. MacFarlane & Co., como colunas, dutos verticais, grades e outros ornamentos, e o Palacete Bolonha, um dos edifícios ecléticos mais importantes da cidade, com dutos de desenho bastante rebuscado.

No bairro de São Brás, a avenida Nazaré passa a ser denominada avenida Magalhães Barata, continuando o corredor das edificações mais abastadas que ainda permanecem na paisagem da cidade. Pelas principais avenidas dos dois bairros passavam também as linhas urbanas e o primeiro ponto principal da Estrada de Ferro Belém-Bragança, na época, a via férrea mais importante do estado do Pará. Portanto, foi uma região da cidade em que houve a intensa construção e expansão da malha urbana.

São Brás não possui tantos dutos verticais em suas fachadas. A grande maioria está nos palacetes que permanecem ao longo da avenida Magalhães Barata. O bairro passou por muitas modificações ao longo dos anos, com a inserção de muitas edificações novas, sendo também o caso dos bairros Umarizal e Batista Campos.

O Umarizal, apesar de hoje ser uma região já bastante modificada, caracterizada por edifícios contemporâneos, ainda guarda alguns remanescentes das construções da Belle Époque, como residências, palacetes e construções maiores, por exemplo, a Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará.

Também com edifícios contemporâneos, o bairro de Batista Campos segue a mesma linha do bairro do Umarizal em relação às modificações urbanas e arquitetônicas. Contando com apenas edificações residenciais ou comerciais com dutos W. MacFarlane & Co., seus edifícios de maior destaque possuem dutos de outras procedências.

Um dos bairros de menor incidência de edificações com dutos metálicos importados é o Reduto, pois, na época das grandes importações, foi uma região industrial e residencial. A grande maioria de seus dutos em fachadas não foram identificados como da empresa W. MacFarlane & Co. Possivelmente, sua origem foi a produção regional vinculada ao Instituto Lauro Sodré e outras fábricas que confeccionavam dutos para Belém.

Os padrões de dutos nas fachadas de Belém

Nos sete bairros estudados foram identificados diversos padrões e modelos de desenhos de cabeça, corpo e braçadeiras de dutos verticais da W. MacFarlane & Co. Observou-se que os bairros apresentam diversidade de modelos dos três componentes dos dutos, variando dos desenhos mais simples aos mais detalhados e rebuscados. Foram identificados nos bairros 24 modelos de cabeça, 9 de corpo, e 16 de braçadeiras (Figura 5).

Figura 5
Padrões de cabeças, corpos e braçadeiras de dutos da W. MacFarlane & Co. encontrados nos sete bairros estudados.

Na Tabela 2 estão especificadas as quantidades e variedades de modelos por bairros com as respectivas identificações do catálogo. Destacam-se os bairros de Nazaré e Campina, que apresentaram maior diversidade nos modelos dos três componentes de calha. Em Nazaré e Campina era esperado grande variedade em função dos altos números de edificações com dutos em fachada. Entretanto foi nos bairros Reduto e Cidade Velha onde foram identificados o menor número de edificações com dutos, apesar de apresentar uma grande variedade.

Tabela 2
Tabela com a quantidade de modelos de cabeça, corpo e braçadeira de dutos da W. MacFarlane & Co. nos sete bairros estudados

Os padrões mais encontrados nos sete bairros estudados foram CA28, CA62, CO12, CO14, BR31. Dentre esses, os que apresentaram maior quantidade foram o CA28, com 129 unidades de cabeças em 62 fachadas; o CO12, com 465 unidades de corpo em 83 fachadas; e o BR31, com 397 unidades de braçadeira em 84 fachadas, indicando sua preferência entre os padrões importados da W. MacFarlane & Co.

Apesar da grande quantidade e variedade dos componentes de duto nos bairros, observou-se também que alguns padrões são únicos, aparecendo somente em um bairro, seja em grande quantidade em uma única edificação ou um único duto em uma única fachada.

Os padrões que se destacam por estarem apenas em um bairro, em uma ou mais edificações e com dois ou mais exemplares de duto são o CA14, CA41, CA49 e CA108 em Nazaré; CA36 e CA89 na Cidade Velha; CA44 e CA63 no Reduto; CA110 no Umarizal; e CA121 em São Brás. Observa-se que Campina, o bairro com maior diversidade de padrões, não apresentou padrão único em suas fachadas, possivelmente pela grande quantidade de remanescentes e pelo padrão de importação do público-alvo do bairro.

Alguns padrões únicos foram encontrados em edificações mais requintadas, provavelmente onde foi solicitado exclusividade pelo proprietário, arquiteto ou engenheiro, por exemplo, o Solar do Barão de Igarapé-Mirim - atual sede do Instituto Histórico e Geográfico do Pará -, que dispõe de dutos com componentes únicos bastante rebuscados e com mais de um exemplar em sua fachada. Por outro lado, alguns dutos verticais apresentam apenas uma única unidade em uma única fachada, que pode estar relacionada à exclusividade do proprietário da edificação, intemperismo, substituição, transferência indevida ou, até mesmo, furto.

Os modelos que apresentam apenas uma unidade em uma única fachada entre cabeças e braçadeiras são CA01 em Nazaré, CA23 no Umarizal, CA32 em São Brás, CA48 na Cidade Velha, CA63 no Reduto, CA98 em Batista Campos; BR62 no Reduto. Em relação aos corpos, não foi identificado apenas uma única unidade de um único padrão. Nesses bairros são guardadas pequenas preciosidades em fachadas muitas vezes alteradas. Apesar de todos os dutos e suas partes documentados terem características que os tornam singulares, há exemplos de alguns que potencialmente têm maior risco de desaparecer por serem singulares.

Alterações na materialidade dos dutos e na sua leitura nas fachadas

As edificações históricas estão suscetíveis ao clima, bem como os bens integrados que as compõem, entre eles os componentes em ferro dos dutos verticais, especialmente a corrosão, intensa em climas úmidos como o amazônico.

Localizada na Amazônia Oriental, Belém apresenta altos níveis de umidade ao longo do ano, propiciando a corrosão dos metais. Os efeitos da corrosão são diversos, desde estéticos, com o aparecimento da típica pulverulência marrom na superfície do metal, até problemas sérios de perda de material.22 22 Cf. Fontinha e Salta, op. cit.

A grande maioria dos dutos verticais documentados apresenta alguma forma de corrosão, variando no grau de intensidade entre pontual e generalizado (Figura 6). Dentre o total de dutos presentes em fachadas dos bairros estudados, acima de 92% apresentaram produtos de corrosão, exceto no bairro do Umarizal e São Brás, que apresentaram abaixo de 45% de dutos corroídos.

Figura 6
Dutos apresentando: (A) destacamento da camada de tinta e produtos de corrosão na superfície; (B) corrosão superficial generalizada e destacamento de parafusos; (C) corrosão generalizada e manchas de umidade na base do corpo. Fonte: Fotografias das autoras.

Geralmente, os produtos de corrosão encontrados nos dutos estão associados a falhas nas camadas de tintas que, muitas vezes, apresentam lacunas, aumentando a susceptibilidade do ferro à corrosão, além dos efeitos estéticos indesejáveis. Observou-se, também, a corrosão intensificada por ações antrópicas, por exemplo, componentes corrosivos encontrados na urina. Muitos desses dutos estão em áreas da cidade de grande consumo de entorpecentes, bem como outras atividades que criam o cenário para o uso indevido das fachadas e calçamentos.

Em casos mais sérios, são bastante comuns as lacunas causadas pela perda de espessura do metal, em especial nas extremidades inferiores dos dutos. A ação intensa da corrosão também gera a perda de parafusos, causando desprendimento de braçadeiras e a desmontagem de algumas cabeças e corpos que se destacam da fachada (Figura 7 A e B). Entretanto, observou-se que algumas lacunas também foram causadas por furtos, já que, em muitos casos, os sinais de remoção são visíveis, mesmo em dutos e fachadas em ótimo estado de conservação.

Figura 7
Dutos com perda total de braçadeiras e peças do corpo (A e B). Lacuna na fachada indicando ausência de duto vertical (C). Fonte: Fotografias das autoras.

Todos os bairros estudados apresentaram lacunas, variando entre 12% e 52% de perdas no número total de dutos por bairro, seja de peças inteiras ou perdas parciais de componentes. O bairro que mais apresentou lacunas foi o Campina e o que apresentou menos foi o Umarizal. Deve-se ressaltar que as lacunas documentadas foram apenas relativas aos dutos da W. MacFarlane & Co. ainda presentes, considerando que foram documentadas algumas com possível ausência total de um duto, abandonando apenas as marcas da argamassas e tijolos (Figura 7 C).

Outra alteração muito comum é a substituição de partes do duto, ou do duto inteiro, por canos de PVC ou outro material mais leve e barato. Por vezes, a substituição parcial causa problemas ainda maiores para a fachada, já que os encaixes não compatíveis fazem com que haja vazamentos, causando manchas de umidade e maiores problemas para as paredes e os revestimentos, bem como para as partes remanescentes do duto (Figura 8 A e B).

Figura 8
Duto com inserção de peças de PVC com encaixe incompatível ao funcionamento, conservação e estética (A e B). Duto com inserção de peças de desenho simples (C). Fonte: Fotografias das autoras.

Em outros casos, alguns componentes são substituídos por outros de desenho mais simples, feitos de metal mais leve e maleável, geralmente o latão (Figura 8 C). Tais intervenções não são tão agressivas quando as substituições em PVC, já que as ligações das peças antigas com as novas geralmente são de melhor qualidade.

Também foram observados vários elementos extemporâneos que cobrem as fachadas de muitas edificações, utilizando os dutos e demais componentes metálicos como suporte (Figura 9 A), especialmente em edificações de uso comercial onde foram inseridas placas de propaganda, caixas condensadoras de aparelho de ar condicionado, dentre outras.

Figura 9
(A) Placa de propaganda que impede a leitura da fachada e demais elementos integrados. (B) Vegetação de grande porte em fachada no bairro da Campina. Fonte:Fotografias das autoras.

Além de alterar a visibilidade dos componentes metálicos, os elementos extemporâneos que cobrem a fachada intensificam as alterações nos dutos, tais como a deformação e o desprendimento das peças, acúmulo de sujeira e o aumento da intensidade da corrosão, especialmente nos casos de acúmulo de água proveniente das caixas condensadoras.

Observou-se também vegetação de pequeno, médio e grande porte nas fachadas (Figura 9 B), possivelmente em decorrência do intemperismo, causando alterações nos elementos de fachadas, tais como argamassas, azulejos, dutos metálicos, além de alterar a visibilidade dos elementos arquitetônicos.

Além das alterações intempéricas e antrópicas, existem também as intervenções cromáticas, que mudam a leitura das fachadas e de seus bens integrados. As alterações estéticas por meio de estudos de cores - ou sua ausência - foram observadas em muitas delas, em alguns casos foram feitas com o intuito de valorização cromáticas dos dutos verticais de ferro e, em outros, tais elementos foram escondidos (Figura 10).

Figura 10
Fachadas apresentando estudos de cores que não valorizam os dutos verticais, reduzindo o destaque e dificultando a sua leitura. Fonte: Fotografias das autoras.

Na grande maioria dos casos, os dutos verticais não são valorizados e destacados na fachada como um elemento ornamental. Apesar das suas características estéticas - os desenhos rebuscados e diversificados -, os dutos geralmente são mimetizados na fachada, utilizando-se cores de pouco destaque no revestimento, ou em estudos arbitrários de cores.

Em função da falta de estudos cromáticos compatíveis para os ornamentos metálicos em fachadas, a valorização nem sempre é a ideal. Entretanto, ainda é possível observar muitos casos de destaque desses elementos, geralmente em edifícios de maior visibilidade na paisagem urbana, onde a valorização cromática de dutos e demais componentes metálicos de fachada se faz presente.

Nos casos de edificações residenciais e de uso comercial, há também a tentativa de destacar os dutos verticais, mas são situações pontuais (Figura 11). Geralmente, a cor dos dutos e demais ornamentos metálicos de fachada são pintados da mesma cor, buscando certo destaque dos demais elementos da fachada. Por vezes, a escolha da cor é feita em consonância com as cores de outros elementos, como azulejos. Entretanto, apesar de existir tentativas, nem sempre a valorização cromática é harmoniosa.

Figura 11
Fachadas com estudo cromático que destacam os dutos verticais e demais componentes metálicos. Fonte: Fotografias das autoras.

Também foram encontrados dutos em fachadas muito modificadas, onde os bens integrados do século XIX e XX acabam destoando do resto da edificação e ficando fora de contexto. Observaram-se também muitos remanescentes de dutos fora das fachadas históricas, como em pátios, jardins e em acervos, modificando completamente a leitura do bem integrado.

São vários problemas que assolam os dutos, sejam de origem intempérica e/ou antrópica que alteram sua materialidade, assim como sua leitura como um importante bem integrado em fachadas históricas.

Permanências e transformações: da preservação à substituição

Diferentemente dos metais mais nobres encontrados, como o bronze nas majestosas estátuas urbanas, ou até mesmo as grandes estruturas da arquitetura de ferro, os metais em fachada geralmente não têm o mesmo apreço patrimonial, especialmente os de conotação utilitária, como os dutos verticais - algo que também ocorre com outros edifícios de ferro de caráter industrial.23 23 Cf. Kuhl (2008).

Exceto os profissionais dos estudos patrimoniais, apenas uma pequena parcela da população reconhece os dutos verticais como um objeto de conservação.24 24 Cf. Viñas (2005). Os diversos estudos sobre os patrimônios arquitetônicos provenientes da industrialização ainda buscam seu devido reconhecimento.25 25 Cf. Kuhl, op. cit. Até o momento, esses elementos de fachada ainda não têm sua importância patrimonial plenamente reconhecida, pois há falta de um olhar técnico e sensível para sua valorização. Sua importância somente reside no campo científico, ainda que sejam considerados objetos de conservação por serem evidências históricas de um período da nossa sociedade.26 26 Cf. Viñas, op. cit.

Os dutos verticais, assim como vários outros elementos de fachada de produção industrial não são reconhecidos por alguns como patrimônio por serem, muitas vezes, repetidos - uma característica dos processos de produção e da demanda da época. Já que não são reconhecidos como únicos e insubstituíveis, eles são geralmente descartados quando apresentam mau funcionamento e substituídos por outros materiais. Mas, segundo Viñas,27 27 Ibid. é extremamente difícil produzir dois objetos completamente similares, mesmo com técnicas industriais que enfatizam controle de qualidade, exatidão nas análises dos materiais e na montagem nas linhas de produção. Ou seja, cada duto vertical é, sim, único e tem a sua importância.

Quando comparados a metais nobres e preciosos, os dutos verticais não têm o valor de antiguidade28 28 Cf. Riegl (2014). atribuído, pois seu desgaste proveniente da corrosão não é esteticamente agradável e não remete a um objeto antigo, mas a um “ferro velho” que pode ser substituído ou, até mesmo, reproduzido com outro material, segundo vários relatos de transeuntes durante a pesquisa de campo.

A corrosão possui aparência pulverulenta de tom marrom, não apresentando a mesma percepção estética, por exemplo, de uma estátua em bronze com corrosão em tons verde, azul e preto, remetendo ao valor de antiguidade por meio de suas alterações.

Geralmente, a corrosão em climas amazônicos acarretam a total destruição do metal ferroso e, consequentemente, exibem um aspecto não aprazível para os dutos verticais, além de vários problemas de conservação e restauro. Logo, o aspecto de “antigo” do ferro não pode ser mantido em prol de uma referência que não pode ser atendida pelas qualidades próprias dos metais ferrosos, já que os traços de sua “antiguidade” aparente precisam ser removidos a fim de sanar demais problemas que interferem na sua durabilidade.

Os dutos verticais também não são reconhecidos pelo seu valor de antiguidade por serem elementos que se repetem por diversas vezes em várias fachadas, e por sua proveniência industrial. Porém, por conterem várias informações históricas, sociais, culturais e científicas, eles têm seu valor histórico29 29 Ibid. mais reconhecido.

A tinta é uma outra personagem que faz parte dos dutos verticais por ser um material de extrema importância para a permanência dos elementos de fachada em ferro, cumprindo a função de camada protetiva, protelando as ações da corrosão.30 30 Cf. Palácios, Angélica e Sanjad (2014). Os metais ferrosos na arquitetura garantem sua durabilidade quando a tinta está em bom estado de conservação, sem falhas e lacunas. Portanto, a conservação dos metais está também ligada à conservação e à manutenção das tintas.

Assim, uma das características positivas da estética dos dutos verticais é a tinta, especialmente no que se refere às questões relacionadas à cor e à valorização dos elementos metálicos da fachada remetendo ao valor de atualidade.31 31 Cf. Riegl, op. cit. Em prol da conservação do metal, as tintas geralmente são removidas quando apresentam falhas. Por esse motivo, há sempre a possibilidade de renovação e alteração da cor, revelando um valor de novidade32 32 Ibid. para esse patrimônio, eliminando os elementos que lhe dão um aspecto de antigo, como os produtos de corrosão e os sinais de envelhecimento.

Em casos pontuais, os dutos verticais são retirados das fachadas originais e são deslocados para uma fachada dissonante. As características de desmontagem desses elementos causam problemas sérios de leitura do patrimônio e seu pleno reconhecimento. Essa transferência só poderia ser justificada quando não há outra alternativa para a sua salvaguarda,33 33 Brandi (2004). o que não ocorre na maioria dos casos observados durante o levantamento.

Os dutos verticais ainda não são reconhecidos como símbolos de uma época ou de significado universal.34 34 Cf. Viñas, op. cit. Diferente de outros remanescentes do mesmo material, época e fundição como os portões de ferro ricamente decorados e espalhados por Belém e outras estruturas da arquitetura de ferro, como o Mercado de Carne, de estrutura interna suntuosa, também da W. MacFarlane & Co. os dutos geralmente passam despercebidos nas fachadas.

CONCLUSÕES

A documentação dos dutos verticais demonstrou o patrimônio variado dos elementos metálicos de fachada. Os dutos da W. MacFarlane & Co. ainda existem em grande quantidade, apresentando diversos padrões, desde os mais simples aos mais rebuscados. Apesar das perdas, da ausência de conservação e da falta de reconhecimento adequado como patrimônio histórico, os dutos verticais estão presentes até hoje nas fachadas, indubitavelmente pela qualidade do material.

Um dos maiores desafios para a sua conservação é a falta de conhecimento histórico e técnico por parte da população sobre as peculiaridades desse elemento arquitetônico, que, muitas vezes, o consideram como “ferro velho”. Pode-se dizer que os dutos ainda não alcançaram a compreensão das suas três dimensões essenciais, que, segundo González Moreno-Navarro,35 35 González Moreno-Navarro (1999). são a documental, a arquitetônica e a significativa. O valor documental e arquitetônico deles são claros, mas, no que se refere à significância, ela não pode ser estabelecida exclusivamente com base na originalidade do material e em bases científicas, mas também em seu reconhecimento pela sociedade.

Os dutos verticais são capazes de transmitir informações históricas e culturais à sociedade, seja por meio de sua materialidade - que transmite diversas informações, desde a microestrutura do ferro até a forma que foi feito - ou por meio das informações passadas a partir da sua imagem, como arte, arquitetura, hábitos residenciais e vários outros aspectos importantes no reconhecimento do passado de uma sociedade em suas características testemunhais e informativas.36 36 Ibid. Segundo Viñas,37 37 Viñas, op.cit. o aumento do número de pessoas que concordam que um objeto deve ser conservado é resultado do aumento do significado daquele objeto para a sociedade.

Os dutos verticais e demais ornamentos metálicos também foram inseridos em cidades do interior do Pará que tiveram contato com os gostos europeus. Nas proximidades de Belém, Bragança é um município que também recebeu ornamentos e elementos arquitetônicos metálicos, possivelmente por influência da estrada de ferro construída no estado.

A documentação dos dutos verticais nos bairros do Centro Histórico de Belém e entorno mostra que a cidade ainda possui em suas fachadas muitos elementos decorativos em ferro. Durante o levantamento in loco, observou-se uma variedade enorme desses elementos - dutos, grades e gradis, pingadeiras e outros - que já estão em processo de documentação, continuando, assim, a pesquisa, bem como a análise física, química e mineralógicas de seus materiais e a investigação histórica das empresas europeias atuantes em Belém na comercialização de bens industrializados, subsidiando o futuro restauro dessas peças e o conhecimento mais aprofundado da sua história por meio da materialidade.

FONTES IMPRESSAS

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LIVROS, ARTIGOS E TESES

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  • VOLPATO, Gilson Luiz. Guia prático para redação científica Botucatu: Best Writing, 2015.
  • 5
    Cf. Silva (1986SILVA, Geraldo Gomes da. Arquitetura de ferro no Brasil. São Paulo: Nobel, 1987.).
  • 6
    Cf. Costa (2001COSTA, Cacilda Pereira da. O sonho e a técnica: a arquitetura de ferro no Brasil. São Paulo: Edusp, 2001.).
  • 7
    Cf. Silva, op. cit.
  • 8
    Cf. Sarges (2010SARGES, Maria de Nazaré. Belém: riquezas produzindo a Belle Époque (1870-1919). Belém: Paka-Tatu, 2010.) e Derenji (1993DERENJI, Jussara da Silveira. Arquitetura do ferro: memória e questionamento. Belém: Cejup, 1993.).
  • 9
    Ibid.
  • 10
    Cf. Costa, op. cit.
  • 11
    Cf. Derenji, op. cit.
  • 12
    Silva, op. cit.
  • 13
    Costa, op. cit.
  • 14
    Palácios (2011PALÁCIOS, Flávia Olegário. Estudo tecnológico do chalé da IOEPA: subsídios para a salvaguarda da arquitetura de ferro. 2011. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011., 2015PALÁCIOS, Flávia Olegário. Dos minerais aos materiais de arquitetura e processos de degradação: edifícios e ornamentos metálicos dos séculos XIX e XX em Belém do Pará. 2015. Tese (Doutorado em Geologia e Geoquímica) - Instituto de Geociências, Universidade Federal do Pará, Belém, 2015.).
  • 15
    Cf. Volpato (2015VOLPATO, Gilson Luiz. Guia prático para redação científica. Botucatu: Best Writing, 2015.).
  • 16
    Alcântara, Brito e Sanjad (2016ALCÂNTARA, Dora Monteiro da Silva de; BRITO, Stella Regina Soares; SANJAD, Thaís Alessandra Bastos Caminha. Azulejaria em Belém do Pará: inventário - arquitetura civil e religiosa - século XVIII ao XX. Brasília, DF: Iphan, 2016.).
  • 17
    Arruda e Sanjad (2017ARRUDA, Tainá Chermont; SANJAD, Thais Alessandra Bastos Caminha. Ornamentos de platibanda de edificações de Belém entre os séculos XIX e XX: inventário e conservação. Anais do Museu Paulista, São Paulo, vol. 25, n. 3, p. 341-388, 2017. Doi: <https://doi.org/10.1590/1982-02672017v25n0310>.
    https://doi.org/10.1590/1982-02672017v25...
    ).
  • 18
    Cf. Oliveira (2008OLIVEIRA, Mário Mendonça de. A documentação como ferramenta de preservação da memória. Brasília, DF: Iphan, 2008.).
  • 19
    Cf. Fontinha e Salta (2007FONTINHA, Isabel Rute; SALTA, Maria Manuela. Componentes metálicos na construção: comportamento à corrosão e sua prevenção. Lisboa: Laboratório Nacional de Engenharia Civil, 2007.) e Oliveira (2006OLIVEIRA, Mário Mendonça de. Tecnologia da conservação e da restauração: materiais e estruturas. Salvador: Edufba, 2006.).
  • 20
    Cidoc (2011COMITÊ INTERNACIONAL DE DOCUMENTAÇÃO. Definition of the CIDOC: Conceitual Reference Model. Version 5.0.4. Berlin: ICOM/CIDOC Documents Standards Group, 2011.).
  • 21
    Sarges, op. cit.
  • 22
    Cf. Fontinha e Salta, op. cit.
  • 23
    Cf. Kuhl (2008KUHL, Beatriz Mugayar. Preservação do patrimônio arquitetônico da industrialização: problemas teóricos do restauro. São Paulo: Ateliê, 2008.).
  • 24
    Cf. Viñas (2005VIÑAS, Salvador Muñoz. Contemporary theory of conservation. Oxford: Elsevier, 2005.).
  • 25
    Cf. Kuhl, op. cit.
  • 26
    Cf. Viñas, op. cit.
  • 27
    Ibid.
  • 28
    Cf. Riegl (2014RIEGL, Alois. O culto moderno dos monumentos. São Paulo: Perspectiva, 2014.).
  • 29
    Ibid.
  • 30
    Cf. Palácios, Angélica e Sanjad (2014PALÁCIOS, Flávia Olegário; ANGÉLICA, Rômulo Simões; SANJAD, Thaís Alessandra Bastos Caminha. The metal alloys from the XIX century and weathering action in the Mercado do Ver-o-Peso Building, Northern Brazil: identification with the usage of laboratory analysis. Materials Characterization, [s. l.], v. 96, p. 225-233, 2014. Doi: <https://doi.org/10.1016/j.matchar.2014.08.004>.
    https://doi.org/10.1016/j.matchar.2014.0...
    ).
  • 31
    Cf. Riegl, op. cit.
  • 32
    Ibid.
  • 33
    Brandi (2004BRANDI, Cesare. Teoria da restauração. São Paulo: Ateliê, 2004.).
  • 34
    Cf. Viñas, op. cit.
  • 35
    González Moreno-Navarro (1999GONZÁLEZ MORENO-NAVARRO, Antoni. La restauración objetiva (método SCCM de restauración monumental). Barcelona: Diputación de Barcelona, 1999.).
  • 36
    Ibid.
  • 37
    Viñas, op.cit.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    18 Ago 2020
  • Aceito
    02 Mar 2021
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