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Um novo centenário para o Brasil e seu Museu Nacional1 1 Agradeço a Caio Gonçalves Dias a leitura da primeira versão deste texto e suas sugestões.

A new centennial for Brazil and its National Museum

RESUMO

O Museu Nacional do Brasil comemorou seu segundo centenário em 2018, mesmo ano em que teve a maior parte de sua sede e de seus acervos destruídos por um incêndio. A data precedia em quatro anos a comemoração do segundo centenário da independência do país, quando se deveria juntar, com destaque, às reflexões e festividades gerais suscitadas pela efeméride. No contexto da restauração do Palácio de São Cristóvão e da recomposição geral da instituição, um intenso trabalho de reavaliação do sentido de seu tradicional caráter “nacional” e de sua responsabilidade como o mais antigo museu do país se impôs, ensejando que se tomasse consciência de forma geral das mudanças no quadro social e cultural nacional, particularmente para um “museu de história natural” e de antropologia. O processo de discussão das novas instalações, das coleções e das futuras exposições é um processo estratégico nessa reavaliação - com implicações duradouras para o serviço da instituição à nação.

PALAVRAS-CHAVE:
Museu Nacional; Nação; Museu; Coleções científicas; História natural.

ABSTRACT

Brazil’s National Museum celebrated its second centennial in 2018, the same year it had most of its headquarters and collections destroyed by a fire. The date preceded by four years the second centennial of the country’s independence, when it should be prominently added to the general reflection and festivities prompted by the event. In the context of the restoration of the São Cristóvão Palace and the general reconstitution of the museum, an intense work was required to reassess the meaning of its traditional “national” character and of its responsibility as the oldest museum in the country, leading to a general awareness of the changes in the national social and cultural framework, particularly for a “museum of natural history” and anthropology. The process of discussing new facilities, collections, and future exhibitions is strategic in this re-evaluation-with lasting consequences for the institution’s service to the nation.

KEYWORDS:
Museu Nacional; Nation; Museum; Scientific collections; Natural history.

O primeiro traço característico dos museus é a sua permanência. 3 3 Pomian (1984, p. 82).

A museum is like a living organism - it requires continual and tender care. It must grow, or it will perish. 4 4 Flower (1898, p. 13).

O Museu Nacional do Brasil comemorou seu segundo centenário em 2018, mesmo ano em que teve a maior parte de sua sede e de seus acervos destruídos por um incêndio. A data precedia de quatro anos a comemoração do segundo centenário da independência do país, quando deveria se juntar, com destaque, às reflexões e festividades gerais suscitadas pela efeméride. No contexto da restauração do Palácio de São Cristóvão e da recomposição geral da instituição, se impôs um intenso trabalho de reavaliação do sentido de seu caráter “nacional” e de sua responsabilidade como o mais antigo museu do país, ensejando uma tomada de consciência das mudanças no quadro social e cultural nacional geral, particularmente para um museu de história natural e de antropologia. O processo de discussão das novas instalações, das coleções e das futuras exposições constitui um processo estratégico nessa reavaliação - com implicações duradouras para o serviço da instituição ao país.

O MUSEU NACIONAL

Em 6 de junho de 2018 o museu comemorou com grande júbilo seu segundo centenário. Em 2 de setembro do mesmo ano o Paço de São Cristóvão, sua sede principal, no Rio de Janeiro, sofreu um incêndio devastador, dele sobrando apenas as paredes mais que bicentenárias - e alguns fragmentos de seus inestimáveis tesouros.

O museu acompanhara com galhardia as peripécias da história política do país desde 1818, assim como as notáveis transformações na configuração do campo científico internacional e nacional, incluindo o papel dos museus de história natural e de antropologia. À altura do bicentenário, percebia-se uma particular pujança interna, apesar das continuadas dificuldades financeiras, e era possível antever uma forte participação por ocasião da comemoração do segundo centenário da independência nacional - em 2022. A instituição acompanhara, afinal, com intenso protagonismo, essa longa história.

A reação afirmativa ao desastre desencadeou-se de pronto, com a convocação de todas as forças públicas e privadas para o enfrentamento da insuportável perda. Recursos emergenciais obtidos do Ministério da Educação foram essenciais para as providências iniciais de estabilização e proteção às ruínas e de desencadeamento do complexo processo de resgate de possíveis sobrevivências em meio às cinzas e escombros. Parte do próprio corpo de especialistas do museu se encarregou da organização e direção do empreendimento, em curso até o final de 2021 - juntamente com os especialistas das diferentes áreas de conhecimento afetadas.

Tratarei da continuidade das ações de resgate, reconstrução e recomposição no segmento seguinte deste documento. No momento, creio ser necessário - sobretudo em função de sua publicação também estar se dando no exterior - apresentar as principais características da instituição que teve que enfrentar esse desafio monumental.

A criação do Museu Nacional foi um momento importante do processo de habilitação da capital da então colônia portuguesa à nova condição de capital do Reino, decorrente da transposição da Corte de Lisboa para o Rio de Janeiro, fugindo da invasão napoleônica da Península Ibérica. A política portuguesa de cerceamento quase absoluto das iniciativas administrativas, econômicas, educativas e culturais autóctones naquela que já era então sua principal colônia foi subitamente invertida pela necessidade premente de dispor de um ambiente urbano adequado às funções cosmopolitas da capital de um império. Supõe-se que - para o caso do museu - tenha sido fundamental a influência da corrente ilustrada que se formou no Rio de Janeiro a partir da chegada da Corte e do casamento do Príncipe Dom Pedro, herdeiro da Coroa, com a arquiduquesa Leopoldina, particularmente letrada e interessada na ciência e na cultura. Seu principal aliado foi, ao que tudo indica, o principal cientista brasileiro da época, José Bonifácio de Andrada e Silva, recém retornado da Europa e intenso participante do jogo político nacional.

O incipiente museu não passava de um amálgama heteróclito de coleções e peças avulsas, arrebanhadas para compor uma espécie de cabinet de curiosités, que servisse - de algum modo - à ilustração dos nativos e à curiosidade dos visitantes estrangeiros, afluentes numerosos a partir da abertura dos portos brasileiros “às nações amigas” (1808). Entre esses visitantes encontravam-se numerosos cientistas, cônscios da urgência do conhecimento desse imenso território, plural tanto pela natureza quanto pelo seu componente humano. A arquiduquesa viera acompanhada de uma comitiva científica austro-bávara, composta por personagens centrais do que viria a ser o conhecimento do país: Carl F. von Martius e Johann von Spix.

Ali passaram a figurar coleções da Real Academia Militar, entre as quais supõe-se estarem presentes peças remanescentes da extinta Casa dos Pássaros,5 5 Um incipiente museu criado pelo Vice-Rei Luís de Vasconcelos e Souza e que funcionou entre 1784 e 1813. assim como a preciosa Coleção Werner de mineralogia, vinda de Lisboa com a Corte. Também acolheu obras de arte particulares da Família Real e modelos de máquinas.

Só em 1821 puderam ser abertas à visitação pública as primeiras salas do museu, consideradas insatisfatórias pelos visitantes estrangeiros, pelo pouco que ainda podiam apresentar do patrimônio nacional.

Durante as décadas seguintes desincumbiu-se com esforço o Museu de sua responsabilidade de única instituição voltada exclusivamente para as ciências na nação que se fundara em 1822. Não havia ainda quadros disponíveis para um esforço sistemático de levantamentos naturalísticos e etnológicos; o que levava a grande dependência de sábios estrangeiros, passageiros. O herbário do museu, por exemplo, foi inaugurado em 1831 por Ludwig Riedel, que participara da expedição russa do barão Georg von Langsdorff e acabara por se estabelecer na capital do novo império. Foi o primeiro funcionário estrangeiro contratado pelo museu.

De qualquer forma, o museu passou a servir como ponto de referência e aglutinação de diversas instituições nascentes, como a Sociedade Auxiliadora da Indústria, a Sociedade Vellosiana de Ciências Naturais e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (que viria a ser outro importante foco da reflexão erudita nacional no século XIX).

A partir de 1861, o Museu passou a ter um papel preeminente na organização das “exposições nacionais” e das “exposições internacionais”, que aquelas preparavam. A primeira foi a de Londres, de 1862, e a última, provavelmente - com tal protagonismo - a do Centenário da Independência, no Rio de Janeiro, em 1922. Ainda na década de 1860, mais precisamente em 1863, foi fundada a Biblioteca do Museu.

Na década de 1870 se iniciou um período de intensa transformação da instituição, em parte graças à atuação de Ladislau de Souza Mello e Netto, que foi seu Diretor entre 1874 e 1893. Iniciaram-se as palestras públicas e, logo depois, os cursos livres. Criou-se o Laboratório de Fisiologia Experimental, pioneira iniciativa na ciência de ponta da época. Em 1876 teve início a publicação dos Archivos do Museu Nacional, considerada a mais antiga revista científica brasileira ainda editada. Em 1882, foi organizada no museu a Exposição Antropológica BrasileiraAGOSTINHO, Michele Barcelos. A exposição antropológica brasileira de 1882: a Sala Lund e a exibição de remanescentes humanos no Museu Nacional. Ventilando Acervos, Florianópolis, n. 1, p. 36-48, 2019., um marco no reconhecimento público e no estudo das sociedades indígenas no país.

O museu, que já recebera o acervo da importante Comissão Científica de Exploração, realizada em 1875 por iniciativa do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, recebeu em 1877 o acervo de outra importante iniciativa científica, a Comissão Geológica do Império. Ambas as expedições foram chefiadas por personagens ligados ao Museu, como Francisco Freire Alemão, no primeiro caso, e Charles F. Hartt, no segundo. As coletas sistemáticas empreendidas para a Exposição Antropológica de 1882 contribuíram para um notável crescimento das coleções etnológicas e arqueológicas.

Com a Proclamação da República, em 1889, o Paço de São Cristóvão, residência imperial, abrigou a primeira Assembleia Constituinte do novo regime, e veio a acolher - em 1892 - o Museu Nacional, laboriosamente transportado do centro da cidade para a sua nova sede.

Outras instituições científicas foram surgindo nas últimas décadas do século XIX, como o Museu Paraense (depois Museu Goeldi), em Belém do Pará, no ano de 1871; o Museu Paulista, fundado em 1893; o Instituto Butantã, em 1899, e - já no ano de 1900 - o Instituto Soroterápico Geral de Manguinhos, transformado em Instituto Oswaldo Cruz em 1908.

Ao mesmo tempo, o Museu Nacional ganhou feições mais modernas na nova sede, com a abertura de muitos laboratórios, como o de Entomologia Agrícola, em 1910, ou o de Entomologia Geral e Aplicada, em 1918. As exposições, suspensas em função das extensas obras de adaptação do Palácio às novas funções, foram reabertas em 1914. Parte das coleções foi transferida para o Museu Histórico Nacional (MHN), criado em 1922; assim como, bem mais tarde, em 1940, outras coleções vieram a se agregar ao novo Museu Imperial, montado no Palácio de Petrópolis.6 6 Como o acervo original do museu era muito heteróclito, houve repasses mais complexos do que os que cito, difíceis de rastrear, sobretudo agora, com a perda dos arquivos. O MHN recebeu as importantes coleções de numismática e de medalhas; o museu de Petrópolis recebeu parte da imperialia conservada na instituição, doada por admiradores da monarquia após o leilão dos bens do paço ocorrido logo após a queda do regime.

Os cientistas do Museu estiveram presentes na grande movimentação cultural do entreguerras, como na chamada Comissão Rondon,7 7 Sob a chefia do militar Cândido Rondon, a antiga “Comissão das Linhas Telegráficas Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas”, criada em 1890, passou a enfatizar nesse período a incorporação pacífica do indígena à nação brasileira. O acervo da Comissão foi incorporado ao Museu. entre 1907 e 1915; na criação da Academia Brasileira de Ciências, em 1923; na fundação da Associação Brasileira de Educação, em 1924; na edição da Revista Nacional de Educação, entre 1932 e 1934; no Conselho de Fiscalização das Expedições Científicas e Artísticas, a partir de 1933; no Conselho do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a partir de 1934. Todo esse período se caracterizou por uma forte ênfase no caráter educativo do Museu, em consonância com um interesse nacional na intensificação do ensino, como estratégia de superação da fragilidade da “civilização” nacional.8 8 Cf. Duarte (2000). Edgar Roquette-Pinto, diretor do museu entre 1926 e 1936, chefiou também seu Serviço de Assistência ao Ensino, criado em 1931. A figura de Roquette-Pinto, por suas atividades no Museu e, depois, na criação dos serviços de radiodifusão e cinematografia educativas nacionais, bem representa essa fase da vida da instituição.

Em 1937, no bojo das grandes transformações institucionais do Estado Novo, a Universidade do Rio de Janeiro (que fora criada em 1920) foi remodelada, e passou a constituir a Universidade do Brasil, incorporando o Museu Nacional. Em 1940, essa incorporação foi desfeita - e retomada, afinal, em 1946.

A partir de 1947 foram sendo reabertas as exposições, antes fechadas para um longo período de reformas. Em 1953 realizou-se na instituição a 1ª Reunião Brasileira de Antropologia, em que seria apresentada a proposta de criação da Associação Brasileira de Antropologia. Em 1957 foi inaugurado o Pavilhão Alípio de Miranda Ribeiro, com um laboratório de taxidermia, oficinas e novas áreas de guarda e trabalho com coleções. Nesse mesmo ano, o Museu sediou a IX Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).9 9 A SBPC tinha sido fundada em 1948, em São Paulo; representando um grande reforço na luta pela implantação e manutenção de uma estrutura nacional de apoio à ciência. Em 1960 foi a vez de se realizar no Museu o I Congresso Nacional de Zoologia. Ainda nesse ano foi instalada a Comissão da Reforma Universitária da Universidade do Brasil, de que participou ativamente o museu - e que viria a ter fundas repercussões no futuro da instituição.

Em 1965 foi institucionalizado nacionalmente, pelo Conselho Federal de Educação, o regime moderno da pós-graduação, o que logo repercutiria na vida do Museu, com a criação de seus primeiros cursos naquele nível. O pioneiro foi o de mestrado em antropologia social, em 1968, e, em 1972, os de zoologia e botânica.

A criação dos cursos de pós-graduação do Museu Nacional não foi apenas um acréscimo qualificado às tradicionais atividades de ensino e treinamento de quadros da instituição. Na verdade, foi um gigantesco passo também na dinamização da pesquisa científica, da conscientização da identidade e das necessidades do Museu, e da ampliação dos seus recursos bibliográficos e de seus equipamentos técnicos.

A vinculação dos pesquisadores a cursos de pós-graduação sujeitos a rigorosa avaliação periódica da Capes (o órgão central de controle do ensino superior no Ministério da Educação), a necessidade de competição por recursos escassos dos órgãos financiadores do Estado e do estado do Rio de Janeiro, a premência da atualização científica em cada área de conhecimento (impondo tecnologia e bibliografia especializadas) fizeram com que se ultrapassasse o já importante - mas excessivamente individualizado - sistema de incentivos do Ministério da Ciência e Tecnologia, por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Graças a esse poderoso estímulo, a atividade científica do museu tinha voltado a se tornar nacionalmente pertinente e conspícua, após décadas de relativa estagnação em comparação com as numerosas novas frentes da ciência contemporânea; vindo a ocupar, inclusive, na área da antropologia social, um lugar preeminente no país e no exterior.

Seguindo a antiga aspiração da casa, começaram a ser construídos anexos na área do Horto Botânico, além dos que já por ali abrigavam atividades da ciência botânica. Em 1989 foi inaugurado um novo prédio para abrigar a importante biblioteca do museu, completamente asfixiada no palácio. Em 1996 foi inaugurado um prédio dedicado inteiramente à zoologia de vertebrados; e, em 2004, um prédio para o departamento de botânica, incluindo o precioso herbário.

Também no palácio, iniciava-se um movimento de renovação das exposições, embora bastante fragmentado. Uma nova galeria de biodiversidade foi aberta em 1993. Renovações mais intensas se deram já na transição entre o século XX e o XXI. Nessa época, deu-se grande ênfase a exposições temporárias de apelo científico ampliado, muito bem-sucedidas. Na primeira década do século XXI, muitas iniciativas floresceram, paralelamente a um continuado processo de reformas estruturais do Palácio, envolvendo sobretudo os telhados - uma constante ameaça ao funcionamento da instituição. Foi realizado um sério planejamento das futuras exposições do museu (2000-2003), que viriam a ocupar todo o prédio, liberado de suas coleções, laboratórios, salas de aula, gabinetes de trabalho - transferidos, como se esperava, para novas construções. Foi reativada a Sociedade de Amigos do Museu Nacional (depois Associação), criada em 1937 e mantida com uma certa inconstância desde então, como importante apoio à casa. A partir de 2013 passou a funcionar a Pré-Comissão para as Comemorações dos 200 Anos do MN, que redundou na brilhante festa de 6 de junho de 2018, com a abertura de uma exposição temporária de biologia marinha.10 10 A comemoração do bicentenário incluiu, além da montagem da exposição temporária, uma exposição de objetos das coleções históricas do Museu no local onde ocorreu a cerimônia oficial, a chamada Sala da Baleia, fechada por muito tempo devido aos problemas de infiltração de chuva. Houve uma representação teatral relativa à fundação do Museu e ao papel da Família Real no processo. A assinatura do generoso contrato com o BNDES emprestava um caráter particularmente auspicioso ao momento.

O incêndio devastou o palácio três meses depois.

Um ponto importante a ressaltar, após este brevíssimo resumo da vida institucional do museu, é o quanto ele representou, ao longo dos seus duzentos anos, uma referência fundamental da identidade nacional. O apoio dos sucessivos governos pode ser reconhecido desde sua fundação, em boa parte devido à influência da Princesa (e logo Imperatriz) Leopoldina. O próprio Pedro I, em seu curto e agitado reinado, não deixou de prestigiar a recente instituição, doando-lhe, por exemplo, a coleção egípcia, que, por sugestão de José Bonifácio de Andrada e Silva - o eminente cientista seu ministro - adquirira de um comerciante no porto do Rio de Janeiro. Muitos importantes bens de permuta do Estado foram incorporados sucessivamente ao acervo do museu, como o trono real do Daomé, doado a Dom João; o manto dos reis do Havaí, doado a Pedro I, ou a maior parte do dote da Imperatriz Teresa Cristina (da Casa dos Bourbon-Duas Sicílias), com preciosidades das culturas mediterrâneas clássicas, trazidas do acervo do Museu de Nápoles ou de escavações por ela financiadas.

Pedro II foi infatigável, durante todo seu longo reinado, no apoio ao Museu, cujas iniciativas prestigiava pessoalmente, às vezes com suporte financeiro proveniente de sua dotação própria. O protagonismo do museu na organização das exposições nacionais e internacionais deve ser visto como importante sinal do prestígio junto ao Estado (monárquico e republicano), mesmo que as dotações orçamentárias raramente atendessem às demandas da instituição. Muitas peças das coleções pessoais do Imperador foram legadas ao Museu por ocasião de seu exílio.

O presidente da República, Campos Sales, esteve presente na abertura das exposições na nova sede, em 1900. As comemorações do primeiro centenário do Museu tiveram a presença do Presidente Wenceslau Brás; o que se repetiria com a presença do ditador Artur da Costa e Silva na comemoração do Sesquicentenário, em 1968. Entre essas visitas presidenciais oficiais, houve ainda a de Washington Luís, em 1928, e a de Juscelino Kubitschek, em 1958.

Outro sinal pertinente é o das visitas à instituição de ilustres estrangeiros, desde políticos, como o presidente Roca, da Argentina, vários príncipes imperiais do Japão e a Rainha Margaret da Dinamarca, até grandes cientistas de passagem pelo país, como Louis Agassiz, Albert Einstein, Marie Curie e Claude Lévi-Strauss.

Deve-se talvez acrescentar aos sinais da importância do museu para a experiência do funcionamento do Estado nacional e para o imaginário da nação brasileira, a constituição de uma literatura histórica importante e sempre crescente. A série se iniciou ainda no século XIX, com a publicação por Ladislau Netto, em 1870, de suas Investigações históricas e científicas sobre o Museu Imperial e Nacional do Rio de JaneiroNETTO, Ladislau de Souza Melo. Investigações historicas e scientificas sobre o Museu Imperial e Nacional. Rio de Janeiro: Sociedade Philomatica, 1870..

Nesta apresentação inicial, creio ser conveniente também arrolar alguns dados numéricos bastante sumários sobre a vida da instituição.

O museu conta com três grandes núcleos geográficos, dois dos quais se encontram a distância próxima do principal, o Paço de São Cristóvão. Este inclui os jardins históricos e um anexo já referido, semissubterrâneo (que não foi atingido pelo incêndio). O segundo núcleo é o do Horto Botânico, também dentro do perímetro da Quinta da Boa Vista,11 11 A Quinta da Boa Vista, uma grande área verde aberta à visitação desde o começo do século XX, corresponde à parte sobrevivente dos jardins e áreas de serviço do Palácio Imperial. Contém, além do Palácio, seu anexo, e o Horto Botânico, um Jardim Zoológico, gerenciado pela municipalidade. com uma área de cerca de 40 mil m2, onde se encontram dezenas de prédios de porte muito variável, sendo os principais as sedes da Biblioteca, do Departamento de Botânica e do Departamento de Vertebrados. O terceiro núcleo é o do novo Campus de Pesquisa e Ensino, que vai se desenvolvendo em um terreno baldio, vizinho à Quinta da Boa Vista, com uma dimensão semelhante à do Horto. Já lá se encontram agora construídos dois prédios temporários, um para o alojamento da administração do Museu e outro para a retomada do atendimento às escolas e exposições temporárias. Diversos projetos de edificações visando acolher a vida científica (coleções, gabinetes, laboratórios etc.) se encontram em diferentes estágios de concepção e viabilização.

Apesar das notáveis e quase constantes restrições à contratação de pessoal no sistema universitário brasileiro, o Museu chegou a contar - no período entre o incêndio e hoje - com cerca de noventa professores-pesquisadores, além de mais de duzentos funcionários não docentes (o que inclui um alto contingente de técnicos-pesquisadores) e cerca de noventa trabalhadores terceirizados. O alunado de pós-graduação oscila em torno de quinhentos estudantes matriculados em cada período letivo, embora tenha sofrido uma baixa nas atuais circunstâncias - pós-incêndio e pandemia - para os seis programas de pós-graduação sensu stricto atualmente em funcionamento: antropologia social, zoologia, Botânica, arqueologia, linguística e línguas indígenas e geociências; e para os cursos de especialização: geologia do quaternário, gramática gerativa e estudos de cognição, línguas indígenas brasileiras.

Outra dimensão fundamental para a compreensão da atual dinâmica de recomposição do museu é a que concerne ao desenvolvimento e às características de seu acervo científico, bibliográfico, arquivístico e cultural - e, particularmente, a de suas exposições.

Jayme Aranha Filho, cuja tese de doutorado resumiu de maneira exemplar a história das exposições do museu,12 12 Cf. Aranha Filho (2011). Dele também me vali para as duas epígrafes. considera ter havido - antes do período mais contemporâneo - quatro grandes reformas gerais do museu, afetando mormente suas exposições - a parte publicamente visível da instituição.

A primeira teria sido a do “Translado Republicano”, a partir da instalação no Paço de São Cristóvão em 1892. Essa grande reviravolta na configuração geral do Museu levou a que novas exposições só pudessem ser abertas ao público em 1900.

A segunda foi a da reforma do diretor João Baptista de Lacerda, que transcorreu entre 1910 e 1914. Nesse período, o prédio sede foi totalmente remanejado, com a destruição de elementos tradicionais da residência imperial e a adaptação dos espaços às suas novas funções; inclusive com a ampliação da área construída. Essa reforma foi concomitante à de toda a Quinta da Boa Vista, só a partir de então entregue à visitação generalizada.

A terceira teria sido a que se associa ao nome do diretor Edgar Roquette-Pinto, sobretudo em função da já mencionada criação da Seção de Assistência ao Ensino do Pequenino, implantada na sua gestão, entre 1927 e 1931. A ênfase dada à intensificação e sistematização do ensino científico precoce transformou o sentido das exposições do museu, agora voltado também para a preparação de materiais didáticos distribuídos às escolas de todo o país.

A quarta reforma foi a que abarcou as gestões de Heloísa Alberto Torres (1937 a 1955) e de José Cândido de Melo Carvalho (1955 a 1961). A primeira, consciente de seu prestígio junto às administrações de Getúlio Vargas, considerou possível empreender uma nova reforma geral das exposições, mais consentânea com as grandes transformações científicas em curso; o que, afinal, se revelou uma tarefa excessiva. Depois de um longo fechamento (de 1941 a 1947), só bem tardiamente conseguiu ensejar uma abertura parcial, logo ampliada pelo seu sucessor; o que se foi completando até os anos 1960.13 13 Cf. Castro Faria (1993) e Carvalho (1977).

Um novo período, bem espaçado, pode ter sido talvez inaugurado pela abertura da Sala de Biodiversidade, em 1992; que prenunciava as transformações intensas ocorridas em todo o circuito da antropologia, ao final do século, com a reforma das salas de antropologia biológica (devido às mudanças no conceito de “evolução” humana), e a reestruturação das salas e galerias de arqueologia egípcia, mediterrânea clássica, andina e brasileira. Ao mesmo tempo, desapareceria a galeria de “culturas regionais” e aumentariam as áreas de etnologia indígena e de paleontologia. No momento do incêndio, uma boa parte das exposições de zoologia continuava fechada, à espera da efetivação de projetos em curso. Em compensação, nos últimos anos, tinham sido abertas, completamente renovadas, uma galeria de entomologia e outra de invertebrados; além de uma sala dedicada às coleções Karajá, e outra ao quase totalmente inédito acervo africano e afro-brasileiro.14 14 Cf. Soares e Lima (2013).

Como já mencionei, um intenso ciclo de exposições temporárias de grande apelo de público e de mídia transcorreu entre a abertura da exposição “O Brasil no Tempo dos Dinossauros”, em 1999, um notável sucesso de público, e a da “Expedição Coral 1865-2018”, inaugurada como parte da comemoração dos duzentos anos, em 2018. Contam-se aí, entre outras, “A Gravura Científica nos Livros Raros da Biblioteca do Museu Nacional”, 1999; “Xingu. Arte e História”, 2000; “Paleopatologia”, 2001; “Lonas e Bandeiras em Terras Pernambucanas”, 2002. Também exposições itinerantes foram montadas no período, como a dos “Primeiros Brasileiros”, que circulou pelo país a partir de 2007 - e o faz até hoje; pois sobreviveu ao incêndio.

O INCÊNDIO

Desde pelo menos os anos 1960, ressentia-se o museu da precariedade de suas instalações no velho palácio. Não só o espaço se tornava cada vez mais insuficiente, como as condições do prédio se tornavam ameaçadoras para todo seu acervo e suas atividades. Com isso, buscou-se avançar na obtenção de outros espaços e na reforma da própria sede. Esse objetivo foi parcialmente atingido, com a construção dos novos prédios no Horto e com as constantes reformas patrimoniais e funcionais empreendidas a partir dos anos 1980, com a mediação do Instituto Herbert Levy e o apoio da Fundação Vitae.

Deu-se prioridade nesse período à luta pela renovação dos telhados, uma ameaça mais imediata, e pelo controle de pragas (como o cupim de solo), assim como ao recondicionamento das coleções e à reforma de recursos estratégicos como o laboratório de taxidermia ou o auditório. Algumas iniciativas pontuais em relação à sabidamente precária condição das instalações elétricas esbarravam na impossibilidade de produzir um eficiente programa de proteção contra incêndios em um vetusto prédio histórico abarrotado de materiais altamente inflamáveis.

A mais alta prioridade era assim, necessariamente, a da obtenção de novos espaços. Porém, o programa desenhado para esse fim começou a ratear a partir da crise econômica de 2008, quando a empresa Petrobrás, que vinha sustentando as intervenções mais custosas, por meio do sistema nacional de incentivos culturais por abatimento de impostos,15 15 A chamada Lei Rouanet (Lei Federal de Incentivo à Cultura) criou, em 1991, um sistema de apoio, por renúncia fiscal, às atividades culturais registradas e aprovadas por um sistema de triagem e controle. reduziu drasticamente seus investimentos. A busca por novas parcerias passou a se constituir em um norte constante, até a obtenção das primeiras emendas parlamentares16 16 Entre as emendas parlamentares, são particularmente cobiçadas as que são aprovadas por toda a bancada de determinado Estado, o que permite que sejam mais volumosas. e as primeiras negociações com o Banco Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (BNDES).

Em 2018, afinal, o pior aconteceu. Um incêndio devastador atingiu a totalidade do prédio, reduzido, em geral, apenas a suas paredes e fachadas. Numa noite de domingo, nenhuma das ações de treinamento contra incêndio pôde prosperar. Problemas sérios no desempenho do Corpo de Bombeiros acentuaram a profundidade do desastre. Apenas sobreviveram o Anexo Alípio Miranda Ribeiro e os jardins - além, é claro, do Horto Botânico, razoavelmente afastado.

Já durante o incêndio, algumas iniciativas heroicas permitiram a retirada de material científico das áreas mais acessíveis; e logo se foi verificando que um considerável acervo de peças e fragmentos poderia ser progressivamente recuperado por um delicado trabalho de resgate arqueológico.

As perdas correspondiam a múltiplas dimensões daquele tesouro perdido. Havia um patrimônio histórico e artístico edificado, com as decorações originais do tempo do Império em diversas salas de aparato; havia um patrimônio cultural difuso, de móveis de época, objetos artísticos, quadros, instrumentos científicos pretéritos, testemunhos históricos de grande valor (componentes das coleções científicas ou não); havia toda a importante biblioteca setorial de antropologia social; havia os gabinetes de trabalho e os laboratórios dos pesquisadores (com seus arquivos acadêmicos e de pesquisa, e suas bibliotecas e equipamentos laboriosamente adquiridos); havia todo o bicentenário arquivo geral da instituição - desde o documento original de sua criação em 1818. As coleções científicas (em número de trinta), a que se deve acrescer outras seis coleções gerais (arquivo, bibliotecas, acervo histórico e artístico etc.), correspondiam a cerca de vinte milhões de itens ou lotes, dos quais se estima que tenham sido perdidos cerca de dezessete milhões, correspondendo a mais de 84% do total.

Entre as coleções encontravam-se milhares de “tipos” biológicos, afrescos de Pompéia, o trono real do Daomé, uma châtelaine de Pedro II, fósseis raros, gravações linguísticas pioneiras, o crânio humano mais antigo encontrado no território nacional (a chamada Luzia), a coleção Werner de mineralogia, as coleções de estelas egípcias e de crateras italiotas, toda a memória da Exposição Antropológica de 1882 e a das exposições internacionais de que participara o museu. Enfim, uma avaliação qualitativa seria interminável - assim como o luto que toda essa perda nunca deixará de acompanhar.

Como já mencionei, porém, o trabalho de resgate conseguiu, com um esforço coletivo prolongado e exaustivo, recuperar milhares de preciosos testemunhos da passada riqueza, de que o crânio de Luzia foi certamente o mais inesperado e emocionante.17 17 Cf. Rodrigues-Carvalho (2021) para uma visão abrangente do processo de resgate. É um material de difícil quantificação, que ainda vem sendo higienizado, estabilizado, acondicionado, para catalogação e restauração; embora muitas peças expressivas já tenham guarnecido exposições temporárias dedicadas à memória do incêndio em outras instituições culturais do Rio de Janeiro.18 18 “Em 2019, não obstante as dificuldades consequentes do incêndio, a Museologia organizou e montou, com acervo remanescente do Museu ou peças resgatadas do incêndio, seis exposições em espaços cedidos por outras instituições: 1. Quando Nem Tudo Era Gelo: Novas descobertas no Continente Antártico (Centro Cultural Museu da Casa da Moeda, RJ); 2. Arqueologia do Resgate (Centro Cultural Banco do Brasil, RJ); 3. Santo Antônio de Sá: Primeira Vila do Recôncavo da Guanabara (Caixa Cultural, RJ); 4. O Museu Nacional Vive! Memórias e Perspectivas (galeria do Plenário no Congresso Nacional, Brasília); 5. Os Primeiros Brasileiros (Arquivo Nacional, RJ); 6. Ressurgindo das Cinzas (Museu de Astronomia e Ciências Afins, RJ)” (SEREJO, 2020, p. 47).

Felizmente, os esforços de digitalização de todo esse acervo vinham sendo empreendidos há muitos anos (ainda que longe de se completar), seja para efeitos de inventário dos dados, seja para preservação das próprias imagens e informações sensíveis.19 19 O museu já abrigava mesmo, antes do incêndio, um laboratório de imageamento tridimensional. Isso permite que, em publicação recente, o museu possa afirmar que: “Parte do acervo do MN pode ser acessado em bancos de dados abertos como o Sistema de Informações sobre a Biodiversidade Brasileira; o Global Biodiversity Facility e o SpeciesLink. […] Outras iniciativas pontuais na área da entomologia podem ser encontradas em http://www.museunacional.ufrj.br/mnde/hemiptera/arquivos/especies_cicadellidae_museu_acional.pdf e http://www.cerambycids.com/brazil/mnrj/.”20 20 Serejo, op. cit., p. 10.

Essa devastação repercutiu fundamente nas atividades de ensino e de pesquisa em curso. Muitos trabalhos experimentais tiveram que ser interrompidos e substituídos. Laboratórios se reestruturaram temporariamente nas instalações de outros departamentos localizados no Horto. O ensino de pós-graduação teve que se adaptar à precariedade dos espaços sobreviventes e - logo depois, em função da pandemia de covid-19 - passar à realização virtual, sempre que possível. Para o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social foi o golpe ainda mais grave, dada a perda total de sua biblioteca, apoio fundamental para um curso de ciências humanas.

A RECONSTRUÇÃO

Como já descrevi, o museu nunca deixou de estar em reconstrução desde que se instalou no Paço de São Cristóvão: anexos, reformas, restaurações, adaptações etc. Mas é claro que, com o incêndio, o desafio foi elevado à máxima potência.

Distingo aqui a “reconstrução” da “recomposição”, reservando à primeira categoria a dimensão mais patrimonial, predial, do processo que se iniciou já em setembro de 2018 - sobretudo no palácio; mas não apenas.

As primeiras etapas de intervenção nas ruínas da sede foram financiadas por uma volumosa dotação emergencial do Ministério da Educação, com importantes aportes do Governo Federal da Alemanha. Procedeu-se à avaliação da estabilidade das estruturas remanescentes, construiu-se uma cobertura metálica livre sobre a maior parte da construção e avançou-se no processo do resgate, combinando as equipes técnicas de engenharia e arquitetura com as equipes arqueológicas e científicas, na delicada separação do material aproveitável e os destroços descartáveis. Laboratórios de campanha foram montados nas imediações, para abrigar o resultado da pesquisa, que se encontra em seus momentos finais neste início de 2022.

Com recursos de uma emenda parlamentar “de bancada”, gerenciada pela UFRJ (a que o museu se encontra agregado, como se viu), tratou-se da contratação dos projetos de reconstrução básica relativos aos diferentes blocos do Palácio, já se encontrando em curso, neste momento, a obra de recuperação dos telhados e fachadas do bloco dianteiro.

Outra instituição que logo acudiu em colaboração intensa foi a Unesco, que veio, mais adiante, a compor, juntamente com a UFRJ e o Instituto Cultural Vale, um grupo de apoio sistemático à reconstrução, recomposição e sustentabilidade do Museu, o Projeto Museu Nacional Vive.

O BNDES, que assinara, na cerimônia dos duzentos anos, o acordo de apoio financeiro para diversas iniciativas de vulto no museu (a restauração parcial do palácio - e um projeto de proteção contra incêndio e pânico! -, a reforma da biblioteca, a construção de um prédio administrativo no horto e outros itens menores) teve a sensibilidade de renegociar os termos do acordo após o incêndio, que inviabilizara alguns dos projetos originais. Do mesmo modo, o banco veio a dirigir um grupo de trabalho, no âmbito do Projeto Museu Nacional Vive, para tratar da segurança e sustentabilidade da instituição, no pós-reconstrução.

O movimento de reconstrução e recomposição se nutriu de inúmeras outras iniciativas, públicas e privadas, nacionais e estrangeiras, de apoio ao Museu, desde pequenas doações individuais até grandes dotações institucionais. O apoio do governo federal da Alemanha merece destaque.

Em todo esse processo, teve grande protagonismo a Associação Amigos do Museu Nacional (SAMN),21 21 A SAMN foi a primeira associação de amigos de uma instituição cultural formalmente constituída no país, em 1937; numa feliz articulação entre eminentes cientistas do Museu e mecenas ilustrados das elites da época. Para sua configuração atual ver www.samn.org.br. que é hoje um braço inestimável para o carreamento e gestão de recursos financeiros para a vida do museu. Ela levou a cabo a construção do prédio para a administração do museu no novo campus e administra no momento a reforma da Biblioteca - ambos os projetos com recursos do BNDES. Também está conduzindo o processo das obras de reconstrução do Palácio, com recursos por ora advindos da captação empreendida pelo Projeto Museu Nacional Vive (envolvendo o Instituto Cultural Vale, o banco Bradesco e a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro - Funarj).

Nos últimos meses, a Unesco também vem se ocupando de diversos projetos de reconstituição, como o da estabilização e recuperação básica dos “bens integrados” (estátuas, pinturas, modelagens decorativas) do Palácio e do Jardim das Princesas - que foi completado; o do planejamento da recriação interna do palácio (para o qual já se dispõe de um projeto de arquitetura e restauro),22 22 Cf. https://bit.ly/3JGoDeX. e numerosos outros projetos técnicos relativos à recuperação do prédio e de seus jardins.

A universidade, por sua vez, que administra a maior parte das emendas parlamentares destinadas ao museu, se ocupa dos projetos de construção de um conjunto de prédios destinados ao funcionamento dos departamentos, com seus laboratórios, gabinetes, salas de aula etc., assim como de dois prédios definitivos, destinados à guarda das coleções secas e das coleções em meio líquido, cujos projetos foram contratados diretamente pelo museu. Todas essas construções se farão no novo campus; além do centro de visitação, cujo projeto e contratação foram dependentes da direção do museu, e já se encontra de pé.

Convém ressaltar, ainda a propósito da reconstrução, que a estimativa geral de recursos necessários - apenas nesse nível - é da ordem de 380 milhões de reais. Desses, pode-se considerar que 244 milhões já foram captados; o que impõe luta renhida pela obtenção dos restantes 135 milhões.

A RECOMPOSIÇÃO

O processo de recomposição do museu envolve três frentes principais: a reinstalação dos programas de pós-graduação (com tudo o que isso envolve em termos de salas de aula, de laboratórios, de bibliotecas etc.), a recomposição das coleções científicas (tanto para fins de pesquisa quanto para fins de exposição), e o planejamento e viabilização das futuras exposições.

Vou me dedicar aqui sobretudo às duas últimas, já que a primeira tem uma dinâmica interna mais autônoma, ao mesmo tempo que diretamente dependente da reconstrução patrimonial. Há, por outro lado, um vínculo oblíquo inevitável entre as duas outras frentes - no eixo das coleções.

As duas são de responsabilidade de uma organização complexa do Museu, no primeiro caso encabeçada pela recém-criada Diretoria Adjunta de Coleções, e, no segundo, por um sistema integrado de Coordenação de Novas Exposições (a partir de um comitê curatorial). Ambas as frentes se fazem com o apoio e o diálogo com o Projeto Museu Nacional Vive, particularmente com a Unesco.

Em outubro de 2020 foi apresentado um Guia Temático Simplificado para as futuras exposições, que propunha a sua organização em quatro circuitos conceituais e museográficos: o histórico; o de diversidade cultural; o de universo e vida, e o de ambientes do Brasil. A partir desse guia, passou-se a desenvolver um intenso trabalho de articulação entre pesquisadores da instituição, dedicados ao comitê curatorial ou aos grupos de trabalho dos circuitos, e consultores contratados por meio da Unesco, com especialidades distribuídas pelas diferentes áreas de conhecimento do Museu. O processo esteve se desenrolando ao longo de todo o ano de 202123 23 As primeiras discussões desse processo se nutriram fortemente da experiência acumulada no Projeto das Futuras Exposições, concebido por um Escritório Técnico-Científico que trabalhou no Museu entre 2000 e 2003, com auxílio do CNPq e da UFRJ - cf. Duarte et al. (2003). e acaba de redundar na circulação de um “Guia Temático - Novas Exposições de longa duração do Museu Nacional/UFRJ”, para a devida articulação entre a museologia, a museografia e a arquitetura.

Diversos desafios têm que ser enfrentados no trabalho de concepção das futuras exposições em um museu como o Nacional.

O primeiro decorre do já centenário processo de especialização das carreiras dos profissionais do museu. Em meados do século XX a figura genérica do “naturalista” já se desdobrava em várias especialidades científicas, levando inclusive à divisão do Boletim do Museu Nacional em quatro séries, de diferentes disciplinas.24 24 Aranha Filho (2011, p. 51). Obviamente esse não era um processo funcional-burocrático, mas o reflexo de uma expansão universalmente acelerada do conhecimento científico, tanto nas tradicionais ciências naturais quanto nas mais recentes ciências humanas, que impunha grandes transformações institucionais e políticas. Isso implica que o museu passa a consistir num conglomerado de ciências cada vez mais distantes entre si, dificilmente irmanáveis em torno de algum projeto inter ou transdisciplinar.

A mera justaposição de saberes incomunicáveis é particularmente real e lamentável entre as ciências naturais e as ciências humanas (concentradas no departamento de antropologia: antropologia social/etnologia, linguística e arqueologia). Suas epistemologias e as características dos fenômenos sobre que se debruçam levam com frequência a percepções antípodas da realidade e da tarefa científica. Felizmente, algumas pontes funcionam normalmente entre os dois continentes, como na antropologia biológica e na etnobotânica.25 25 Novas ênfases de conhecimento, como as que envolvem a preservação dos patrimônios, a ecologia, a sustentabilidade - incluindo aí a hipótese do Antropoceno - são, no momento, propícias à abertura de diálogos mais fluentes. Muito se vem buscando fazer no trabalho atual do comitê curatorial com o fito de articular - sempre que possível - essas duas grandes perspectivas sobre o universo.

Em uma visão de longo prazo, não se pode deixar de mencionar a oposição sempre latente entre o museu e o ensino universitário, desde o tempo em que o decreto da “desacumulação de cargos” do Estado Novo impusera uma séria solução de continuidade entre os anos de 1938 e 1944.26 26 Aranha Filho, op. cit., p. 53. Os cientistas da instituição que acumulavam cargos docentes nas recentes universidades e centros educacionais preferiram estes às incertezas da categoria de “pesquisador”. Quando os programas de pós-graduação foram criados, não foram poucos os pesquisadores que se manifestaram contra essa alteração do perfil institucional, preferindo manter-se em seus projetos individuais. Ainda hoje, em função das especificidades de algumas áreas, certa tensão se manifesta entre as exigências do ensino e orientação de teses, por um lado, e as da pesquisa (e trato com as coleções ou exposições), por outro.

Ao tratar dos desafios de elaboração do Projeto das Futuras Exposições de 2003, de que participara, Aranha Filho alertava para o risco de se repetir aí “a mesma matriz que informou a velha exposição dos anos 1950: uma teatralização museográfica do colegiado acadêmico”,27 27 Ibid., p. 5. ou seja, produzir exposições que apenas repetissem o perfil estanque da segmentação interna da instituição. Este é um dos pontos mais enfatizados pelo atual comitê curatorial, cônscio da inconveniência de uma estanquização da informação museográfica: a recusa de uma “multidisciplinaridade” em favor de uma “interdisciplinaridade”.

O segundo desafio, também longamente encenado na história do museu, é o da oposição entre a dimensão científica e a dimensão técnica em museologia e em atividades educativas para o público. Na gestão de Heloísa Alberto Torres essa dissociação chegara a seu ápice, após o período de apogeu da educação ampliada ensejada pela ação de Roquette-Pinto. A aplicação das regras da reforma universitária ao museu veio a acentuar a dissociação, em detrimento do contingente técnico, com a transformação das divisões científicas em departamentos e o rebaixamento da museologia e das atividades educativas para o público para a condição de serviços auxiliares. Felizmente, o processo de elaboração das futuras exposições vem irmanando as equipes de museologia e de mediação com o público aos representantes dos saberes científicos - de um modo bastante promissor.

Também vem sendo enfrentado pelo comitê curatorial o repto de combinar a dimensão histórica (e de história da ciência) do museu e do palácio com a dimensão propriamente científica. A adoção de um circuito histórico atende a essa preocupação, que já vinha sendo timidamente enfrentada na última forma da exposição perdida. O fato de que a família imperial tivera interesses culturais e científicos marcantes, que se tinham materializado em boa parte no próprio Paço de São Cristóvão (observatório astronômico, museu do Imperador, coleções científicas, primeiro aparelho telefônico do país etc.) não poderia ser desconsiderado, juntamente com a história do museu tanto na sede originária quanto no palácio. Essa já era uma orientação adotada pelo Projeto das Futuras Exposições de 2003.

A dificuldade que provavelmente mais se enfrenta na concepção das exposições de um “museu nacional” é justamente o da apropriada combinação entre o universalismo científico, e a representatividade nacional e local.28 28 Cf. Abreu (2003) e Duarte (2005). Não se trata apenas de lidar com o que a historiadora Lilia Schwarcz chamou de “ocaso dos grandes museus de inventário da natureza da nação”,29 29 Schwarcz (1987 apud ARANHA FILHO, 2005, p. 47). Ou ainda: “Lilia [Schwarcz] demonstra, nesta passagem, uma certa surpresa com o fato da velha instituição, ao invés de atrofiar e acabar desmontada, haver aparentemente se reforçado, tornando-se uma das protagonistas da nova onda museológica nacional. E acrescenta: ‘O Instituto carioca parece ser o próprio ‘camaleão’, no sentido de adaptar-se a diferentes contextos e perspectivas teóricas’ […]. O MN não seguiu o destino que supunha ser necessário aos da sua espécie - o desmonte - mas sim a camuflagem e a mutação” (ARANHA FILHO, 2011, p. 48). mas também de atender ao requisito de captação do interesse dos visitantes menos letrados, próximos das qualidades sensíveis de seus espaços vitais. A historiadora das ciências Margaret Lopes sublinhou o modo como se deu a contraposição entre o “modelo de museu geral, ‘metropolitano’, enciclopédico, que encarnava o Museu Nacional do Rio de Janeiro e o modelo dos museus cada vez mais especializados das províncias”.30 30 Lopes (1997, p. 324).

Vê-se uma grande consciência no comitê atual quanto a esse problema, buscando encontrar um engenhoso equilíbrio entre as dimensões universal, nacional e local nas diferentes áreas temáticas e na nova concepção em geral.

Essa problemática é lindeira de outra, considerada essencial no planejamento de qualquer exposição de museu, a da definição de sua “comunidade” de alcance público. Ainda aqui, o Museu Nacional apresenta grande especificidade, pela amplitude de seu espectro de informação científica e pela monumentalidade do que virão a ser suas futuras exposições. Sua capacidade de atração não se resume a um público de bairro, cidade ou região. Aliás, nem sequer, de nação, já que pode - em seu novo formato - vir a constituir um foco de atração internacional marcante. Também aqui a consciência desse propósito multiescalar se encontra pulsante, com a preocupação com os diferentes níveis de formalização da informação expositiva, articulado com os serviços de educação ampliada, e com recursos audiovisuais e de multilinguismo.

Isso não significará, porém, a renúncia à ambição de constituir um recurso de compreensão e reflexão sobre o conjunto do país e da nação. O Circuito Ambientes do Brasil vem sendo elaborado nesse sentido, buscando um mostruário complexo de exemplos locais da complexidade da formação nacional, com uma articulação demonstrável entre geologia, bioma e vida sociocultural.

Gosto de formular essa nova versão do “nacional” com a ideia de que o museu não se prestará mais tanto à “representação” da nação, no sentido de encarnar uma de suas expressões identitárias simbólicas coletivas,31 31 Cf. Bittencourt (1997); Gonçalves (2005). e sim à “representação” da nação como processo de conhecimento, reflexão e crítica de suas formas fenomenais, tanto naturais quanto culturais.

Todo o empreendimento de construção das futuras exposições - sobretudo nas circunstâncias atuais de desaparecimento da imensa maioria dos tesouros outrora disponíveis - impõe grave atenção à gestão das coleções científicas e das coleções museográficas.

Jayme Aranha Filho revelou, em sua obra já tão citada, como se deu o processo de separação desses dois tipos de coleções, já no final do século XIX, nos museus metropolitanos de história natural. Até aquela época, a prática usual - o ideal mesmo - era o da apresentação pública da totalidade das coleções, em longas galerias atulhadas de espécimes e exemplares.32 32 “A grande divisão das coleções científicas em duas categorias funcionais: as dedicadas a serem expostas ao público, e as a serem reservadas e organizadas para a consulta por especialistas. Tal divisão, que Coleman (1939, 1942) chama de sistema de “disposição dual” […], foi formulada como programa de organização para os museus de história natural em fins do século XIX, e aos poucos se impôs a todos os museus tradicionais que lidavam com grandes coleções. O meu problema é que tive dificuldades em encontrar estabelecida explicitamente, nas várias fases da instituição ao longo do século XX, qual a postura do Museu Nacional face a esta prerrogativa de organização dos museus científicos modernos” (ARANHA FILHO, 2011, p. 35). A adaptação do Museu Nacional à nova tendência foi lenta, só tendo se afirmado plenamente nas exposições montadas a partir do fim da década de 1940.

Uma vez estabelecida a estratégia dual, surgiu um novo problema: o da gestão dos dois tipos de coleções, já que, de um ponto de vista substantivo, as peças de exposição não deixam de ser “científicas” e de dependerem, portanto, da curadoria dos setores especializados. Alguma tensão sempre pode repontar a esse respeito, sobretudo no momento da montagem de exposições novas, quando material científico pode ser transmutado em material museográfico.

Essa tensão se encontra particularmente vívida na situação atual do museu, já que as prioridades de recomposição das coleções científicas, tão duramente afetadas, competem - em alguns níveis e especialidades - com as prioridades da constituição dos acervos que comporão as novas exposições. Não se trata apenas de uma questão conceitual ou política, mas também prática, já que, em muitas áreas (como a da ornitologia), os acervos são conservados com características diferentes, caso sejam direcionados para as reservas técnicas ou para as exposições.

Há atualmente uma nova Diretoria Adjunta de Coleções, que deve presidir às decisões pertinentes, por meio de uma Política de Coleções consistente, com apoio da Unesco, no âmbito do Projeto Museu Nacional Vive. Nos últimos meses, a direção do museu, consciente da urgência da obtenção de peças marcantes para a montagem das exposições, vem tomando iniciativas pontuais, com recursos de múltipla ordem. É o caso, sobretudo, dos esqueletos ou despojos taxidermizáveis de grandes mamíferos e répteis, terrestres e marinhos.

Ao mesmo tempo, todo um novo colecionamento se encontra em curso, graças a pesquisas de campo realizadas apesar das restrições da pandemia de covid-19; graças a doações de coleções privadas, como as que vêm ocorrendo desde o incêndio (da entomologia à arqueologia clássica), ou em função de negociações dos curadores com os possíveis doadores - o que é marcante na área da etnologia, graças à adoção de uma política, já ativa antes do incêndio, de diálogo com as sociedades indígenas a respeito de colecionamento e musealização.33 33 O curador científico da Coleção de Etnologia, João Pacheco de Oliveira, imprimiu esse tom ao seu trabalho desde bem antes do incêndio, assim como toda sua equipe, em um esforço considerado como de “descolonização”. Longas tratativas foram mantidas, por exemplo, com representantes da cultura Maori, por Edmundo Pereira, a propósito das coleções daquela etnia - afinal perdidas. Para a reconstituição das coleções, a parceria com os indígenas está sendo a regra. Cf. Abreu (2005), Pacheco de Oliveira e Santos (2019), Russi e Abreu (2019) e Athias (2019).

DESAFIOS E PERSPECTIVAS

Um foro de reflexão importante da instituição tem sido a elaboração do seu “Plano Museológico”. O processo, iniciado em 2019, com a participação de outras instituições, é conduzido por uma Comissão específica, que se ocupa da ausculta do corpo social do Museu e de debates sobre tópicos de maior relevância. Em um documento recente encontra-se breve resumo dos valores a serem cultivados na nova fase da vida institucional: excelência em ensino, pesquisa e extensão; excelência na preservação e comunicação do patrimônio; transparência; democracia; empatia e respeito; engajamento e interdisciplinaridade; inclusão; responsabilidade ambiental e sociocultural. São tópicos muito gerais, mas que - conjugados - demarcam um certo perfil moral da ação do Museu - bem autônomo em relação a sua “representação da nação”.

O futuro do Museu não depende apenas de si mesmo, evidentemente. Há uma constante movimentação da instituição e de seus braços de apoio (a UFRJ, a SAMN, o Projeto Museu Nacional Vive) para poder avançar no quadro dos grandes embaraços conjunturais (pandemia, crises política e econômica, inflação etc.), das complexas relações interinstitucionais (Congresso Nacional; Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro - Alerj; Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Iphan; Comissão Nacional de Incentivo à Cultura - CNIC, atualmente no Ministério do Turismo etc.) e dos problemas institucionais internos à Universidade (falta de recursos de renovação de pessoal, precariedade orçamentária, alta diversidade interna, escassa percepção do sentido do Museu Nacional em sua organização etc.).34 34 O incêndio do Museu se insere numa escalada de destruição do patrimônio cultural do país, por meio da precariedade dos recursos públicos para sua manutenção ou de políticas explícitas de destruição. São inúmeras as graves perdas, parciais ou totais, ocorridas em todo o país na última década.

Por outro lado, no nível mais funcional, além dos desafios conceituais já mencionados, apresentam-se as dificuldades do campo educacional nacional e local (fragilização das agências de fomento à pós-graduação e pesquisa; redução drástica dos orçamentos de ensino, pesquisa e cultura; intervenção política na condução das instituições de cultura, educação e pesquisa) e as dificuldades próprias do dinamismo do conhecimento científico, tanto nas ciências naturais quanto nas humanas (mudanças e conflitos de paradigmas, barreiras linguísticas, dificuldades de afirmação internacional da produção em países periféricos, altos custos de equipamentos e insumos estratégicos etc.).

A par de tantos empreendimentos de alta monta, dezenas de iniciativas menos grandiosas, mas não menos críticas, se encontram em curso, relacionadas ao planejamento da Conservação Preventiva e Gerenciamento de Risco; da Biossegurança; da Comunicação Estratégica e Mobilização Social; das Relações Internacionais; da dimensão educacional de amplo escopo (envolvendo a atividade da Seção de Assistência ao Ensino e o Centro de Visitação que acaba de ser construído).35 35 É preciso lembrar os esforços de reconstituição do acervo documental, na Seção de Memória e Arquivo do Museu, incluindo o projeto de pesquisa de um docente da instituição sobre as fontes disponíveis nos arquivos de instituições de Estado relacionadas com o Museu; mas também de reconstituição da Biblioteca do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social ou de recuperação dos registros digitais do tombamento das coleções - entre muitas outras iniciativas.

Muitas iniciativas de manutenção do diálogo do Museu com a sociedade têm sido encetadas, repetindo antigas tradições ou inovando nas presentes condições. Já mencionei as numerosas exposições temporárias e itinerantes pós-incêndio. Mas é preciso acrescentar eventos variados, como as oficinas, ações culturais e de acesso à produção científica do “Ciência, História e Cultura: o Museu na Quinta da Boa Vista”, realizado nos aniversários do Museu; o curso “Meninas com Ciência”; o projeto “Renascer das cinzas: memórias, histórias e trajetórias do Museu Nacional/UFRJ”, e o “Clube de Jovens Cientistas”. Ou ainda numerosos webinars, ora dedicados a temáticas gerais, como o que se dedicou a “Modelos de gestão de museus e os desafios para a captação de recursos” (pelo Projeto Museu Nacional Vive), ora a temas de interesse acadêmico específico (como os muitos organizados pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social); assim como a realização de um curso de extensão com o tema “Conhecendo o Museu Nacional”. Já me referi à disponibilização crescente de dados sobre as coleções e o avanço da ciência em plataformas digitais; mas convém sublinhar a reforma completa do sítio eletrônico da instituição - bem mais eficiente neste momento . A exploração do mundo digital se impõe cada vez mais em todos os níveis - como a pandemia tornou definitivamente inevitável.

O futuro de uma nação tão grande e complexa como é - e ainda será - o Brasil nesse novo século de existência que se inicia em 2022 não dependerá pragmaticamente da reconstrução e recomposição de seu Museu Nacional. Mas o rumo da reconstituição e pleno florescimento de uma instituição que sempre foi tão nevrálgica para sua história e que tanto poderá contribuir para seu futuro será um índice palpável e próximo da viabilidade de um processo virtuoso para a nação. Não se trata apenas de reavivar o velho ditame da historia magistra vitae (embora ele continue plenamente válido, a meu ver), mas de testar in vitro a capacidade de regeneração dos tecidos esgarçados da nação, por incêndios de todos os tipos, e fazê-los prosperar em conhecimento e compreensão.36 36 Sob o governo federal atual, uma verdadeira guerra cultural busca asfixiar ou desviar de seus objetivos toda a estrutura institucional vigente, no tocante à cultura em geral, ao patrimônio, ao meio ambiente, aos direitos indígenas, quilombolas e sertanejos, aos direitos da mulher etc. Eis por que, ao lutarmos pelo novo Museu Nacional, nunca deixamos de estar apostando no novo Brasil por que ansiamos. Ainda aqui, nesse sentido, ele não deixa de ser “nacional”.

Livros, artigos e teses

  • ABREU, Regina. Entre o universal e o singular, o museu. Notas sobre a experiência dos índios waiãpi no Museu do Índio. In: BITTENCOURT, José; BENCHETRIT, Sara e TOSTES, Vera (ed.). História representada: o dilema dos museus. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 2003. p. 157-172.
  • ABREU, Regina. Museus etnográficos e práticas de colecionamento: antropofagia dos sentidos. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, v. 31, p. 100-125, 2005.
  • AGOSTINHO, Michele Barcelos. A exposição antropológica brasileira de 1882: a Sala Lund e a exibição de remanescentes humanos no Museu Nacional. Ventilando Acervos, Florianópolis, n. 1, p. 36-48, 2019.
  • AGOSTINHO, Michele Barcelos. O Museu Nacional, o Império e a conquista dos povos indígenas: história, ciência e poder na Exposição Antropológica Brasileira de 1882. 2020. Tese (Doutorado em História Social) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.
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  • ARANHA FILHO, Jayme Moraes. Guia da impermanência das exposições: uma investigação sobre transformações do Museu Nacional do Rio nos anos 1940. 2011. Tese (Doutorado em Antropologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.
  • ATHIAS, Renato. Coleções etnográficas, povos indígenas e repatriação virtual: novas questões para um velho debate. In: OLIVEIRA, João Pacheco de; SANTOS, Rita de Cássia Melo (org.). De acervos coloniais aos museus indígenas: formas de protagonismo e de construção da ilusão museal. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2019. p. 337-364.
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  • 1
    Agradeço a Caio Gonçalves Dias a leitura da primeira versão deste texto e suas sugestões.
  • 3
    Pomian (1984POMIAN, Krysztof. Coleção. In: Enciclopédia Einaudi: v. 1: memória-história. Lisboa: Imprensa Nacional: Casa da Moeda, 1984. p. 51-86., p. 82).
  • 4
    Flower (1898FLOWER, William Henry. Essays on Museums and Other Subjects Connected with Natural History. London: Macmillan, 1898., p. 13).
  • 5
    Um incipiente museu criado pelo Vice-Rei Luís de Vasconcelos e Souza e que funcionou entre 1784 e 1813.
  • 6
    Como o acervo original do museu era muito heteróclito, houve repasses mais complexos do que os que cito, difíceis de rastrear, sobretudo agora, com a perda dos arquivos. O MHN recebeu as importantes coleções de numismática e de medalhas; o museu de Petrópolis recebeu parte da imperialia conservada na instituição, doada por admiradores da monarquia após o leilão dos bens do paço ocorrido logo após a queda do regime.
  • 7
    Sob a chefia do militar Cândido Rondon, a antiga “Comissão das Linhas Telegráficas Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas”, criada em 1890, passou a enfatizar nesse período a incorporação pacífica do indígena à nação brasileira. O acervo da Comissão foi incorporado ao Museu.
  • 8
    Cf. Duarte (2000DUARTE, Luiz Fernando Dias. Anthropologie, psychanalyse et “civilisation” du Brésil de l’entre-deux-guerres. Revue de Synthèse, Paris, v. 3, n. 4, p. 325-344, 2000.).
  • 9
    A SBPC tinha sido fundada em 1948, em São Paulo; representando um grande reforço na luta pela implantação e manutenção de uma estrutura nacional de apoio à ciência.
  • 10
    A comemoração do bicentenário incluiu, além da montagem da exposição temporária, uma exposição de objetos das coleções históricas do Museu no local onde ocorreu a cerimônia oficial, a chamada Sala da Baleia, fechada por muito tempo devido aos problemas de infiltração de chuva. Houve uma representação teatral relativa à fundação do Museu e ao papel da Família Real no processo. A assinatura do generoso contrato com o BNDES emprestava um caráter particularmente auspicioso ao momento.
  • 11
    A Quinta da Boa Vista, uma grande área verde aberta à visitação desde o começo do século XX, corresponde à parte sobrevivente dos jardins e áreas de serviço do Palácio Imperial. Contém, além do Palácio, seu anexo, e o Horto Botânico, um Jardim Zoológico, gerenciado pela municipalidade.
  • 12
    Cf. Aranha Filho (2011ARANHA FILHO, Jayme Moraes. Guia da impermanência das exposições: uma investigação sobre transformações do Museu Nacional do Rio nos anos 1940. 2011. Tese (Doutorado em Antropologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.). Dele também me vali para as duas epígrafes.
  • 13
    Cf. Castro Faria (1993CASTRO FARIA, Luiz de. Antropologia: espetáculo e excelência. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993.) e Carvalho (1977CARVALHO, José Cândido de Melo. Museu Nacional. Boletim do Conselho Federal de Cultura, Brasília, DF, v. 7, n. 28, p. 29-68, 1977.).
  • 14
    Cf. Soares e Lima (2013SOARES, Mariza de Carvalho; LIMA, Raquel Corrêa. A africana do Museu Nacional: história e museologia. In: AGOSTINI, Camilla (ed.). Objetos da escravidão: abordagens sobre a cultura material da escravidão e seu legado. Rio de Janeiro: 7Letras, 2013. p. 90-108.).
  • 15
    A chamada Lei Rouanet (Lei Federal de Incentivo à Cultura) criou, em 1991, um sistema de apoio, por renúncia fiscal, às atividades culturais registradas e aprovadas por um sistema de triagem e controle.
  • 16
    Entre as emendas parlamentares, são particularmente cobiçadas as que são aprovadas por toda a bancada de determinado Estado, o que permite que sejam mais volumosas.
  • 17
    Cf. Rodrigues-Carvalho (2021RODRIGUES-CARVALHO, Claudia (ed.). 500 dias de resgate: memória, coragem e imagem. Rio de Janeiro: Museu Nacional .) para uma visão abrangente do processo de resgate.
  • 18
    “Em 2019, não obstante as dificuldades consequentes do incêndio, a Museologia organizou e montou, com acervo remanescente do Museu ou peças resgatadas do incêndio, seis exposições em espaços cedidos por outras instituições: 1. Quando Nem Tudo Era Gelo: Novas descobertas no Continente Antártico (Centro Cultural Museu da Casa da Moeda, RJ); 2. Arqueologia do Resgate (Centro Cultural Banco do Brasil, RJ); 3. Santo Antônio de Sá: Primeira Vila do Recôncavo da Guanabara (Caixa Cultural, RJ); 4. O Museu Nacional Vive! Memórias e Perspectivas (galeria do Plenário no Congresso Nacional, Brasília); 5. Os Primeiros Brasileiros (Arquivo Nacional, RJ); 6. Ressurgindo das Cinzas (Museu de Astronomia e Ciências Afins, RJ)” (SEREJO, 2020SEREJO, Cristiana. National Museum: overview of the collections: past, present and future. Rio de Janeiro: Museu Nacional , Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2020. Disponível em Disponível em https://bit.ly/38GTf36 . Acesso em: 6 jun. 2021.
    https://bit.ly/38GTf36...
    , p. 47).
  • 19
    O museu já abrigava mesmo, antes do incêndio, um laboratório de imageamento tridimensional.
  • 20
    Serejo, op. cit., p. 10.
  • 21
    A SAMN foi a primeira associação de amigos de uma instituição cultural formalmente constituída no país, em 1937; numa feliz articulação entre eminentes cientistas do Museu e mecenas ilustrados das elites da época. Para sua configuração atual ver www.samn.org.br.
  • 22
  • 23
    As primeiras discussões desse processo se nutriram fortemente da experiência acumulada no Projeto das Futuras Exposições, concebido por um Escritório Técnico-Científico que trabalhou no Museu entre 2000 e 2003, com auxílio do CNPq e da UFRJ - cf. Duarte et al. (2003DUARTE, Luiz Fernando Dias et al. Anteprojeto da Nova Exposição: relatório de atividades do escritório técnico-científico do Museu Nacional. Rio de Janeiro: Museu Nacional, 2003.).
  • 24
    Aranha Filho (2011ARANHA FILHO, Jayme Moraes. Guia da impermanência das exposições: uma investigação sobre transformações do Museu Nacional do Rio nos anos 1940. 2011. Tese (Doutorado em Antropologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011., p. 51).
  • 25
    Novas ênfases de conhecimento, como as que envolvem a preservação dos patrimônios, a ecologia, a sustentabilidade - incluindo aí a hipótese do Antropoceno - são, no momento, propícias à abertura de diálogos mais fluentes.
  • 26
    Aranha Filho, op. cit., p. 53.
  • 27
    Ibid., p. 5.
  • 28
    Cf. Abreu (2003ABREU, Regina. Entre o universal e o singular, o museu. Notas sobre a experiência dos índios waiãpi no Museu do Índio. In: BITTENCOURT, José; BENCHETRIT, Sara e TOSTES, Vera (ed.). História representada: o dilema dos museus. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 2003. p. 157-172.) e Duarte (2005DUARTE, Luiz Fernando Dias. La Nature nationale: entre l’universalisme scientifique et la particularité symbolique des nations. Civilisations, Bruxels, v. 52, n. 2, p. 21-44, 2005.).
  • 29
    Schwarcz (1987 apud ARANHA FILHO, 2005, p. 47). Ou ainda: “Lilia [Schwarcz] demonstra, nesta passagem, uma certa surpresa com o fato da velha instituição, ao invés de atrofiar e acabar desmontada, haver aparentemente se reforçado, tornando-se uma das protagonistas da nova onda museológica nacional. E acrescenta: ‘O Instituto carioca parece ser o próprio ‘camaleão’, no sentido de adaptar-se a diferentes contextos e perspectivas teóricas’ […]. O MN não seguiu o destino que supunha ser necessário aos da sua espécie - o desmonte - mas sim a camuflagem e a mutação” (ARANHA FILHO, 2011ARANHA FILHO, Jayme Moraes. Guia da impermanência das exposições: uma investigação sobre transformações do Museu Nacional do Rio nos anos 1940. 2011. Tese (Doutorado em Antropologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011., p. 48).
  • 30
    Lopes (1997LOPES, Maria Margaret. O Brasil descobre a pesquisa cientifica: os museus e as ciências naturais no século XIX. São Paulo: Hucitec, 1997., p. 324).
  • 31
    Cf. Bittencourt (1997BITTENCOURT, José Neves. Território largo e profundo: os acervos dos museus do Rio de Janeiro como representação do Estado Imperial: 1808-1889. 1997. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1997.); Gonçalves (2005GONÇALVES, José Reginaldo. Os museus e a representação do Brasil. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Brasília, DF, v. 31, p. 254-273, 2005.).
  • 32
    “A grande divisão das coleções científicas em duas categorias funcionais: as dedicadas a serem expostas ao público, e as a serem reservadas e organizadas para a consulta por especialistas. Tal divisão, que Coleman (1939, 1942) chama de sistema de “disposição dual” […], foi formulada como programa de organização para os museus de história natural em fins do século XIX, e aos poucos se impôs a todos os museus tradicionais que lidavam com grandes coleções. O meu problema é que tive dificuldades em encontrar estabelecida explicitamente, nas várias fases da instituição ao longo do século XX, qual a postura do Museu Nacional face a esta prerrogativa de organização dos museus científicos modernos” (ARANHA FILHO, 2011ARANHA FILHO, Jayme Moraes. Guia da impermanência das exposições: uma investigação sobre transformações do Museu Nacional do Rio nos anos 1940. 2011. Tese (Doutorado em Antropologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011., p. 35).
  • 33
    O curador científico da Coleção de Etnologia, João Pacheco de Oliveira, imprimiu esse tom ao seu trabalho desde bem antes do incêndio, assim como toda sua equipe, em um esforço considerado como de “descolonização”. Longas tratativas foram mantidas, por exemplo, com representantes da cultura Maori, por Edmundo Pereira, a propósito das coleções daquela etnia - afinal perdidas. Para a reconstituição das coleções, a parceria com os indígenas está sendo a regra. Cf. Abreu (2005ABREU, Regina. Museus etnográficos e práticas de colecionamento: antropofagia dos sentidos. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, v. 31, p. 100-125, 2005.), Pacheco de Oliveira e Santos (2019PACHECO DE OLIVEIRA, João; SANTOS, Rita de Cássia (ed.). De acervos coloniais aos museus indígenas: formas de protagonismo e de construção da ilusão museal . João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba , 2019.), Russi e Abreu (2019RUSSI, Adriana; ABREU, Regina. “Museologia colaborativa”: diferentes processos nas relações entre antropólogos, coleções etnográficas e povos indígenas. Horizontes Antropológicos , Porto Alegre, v. 53, p. 17-46, 2019. DOI: 10.1590/S0104-71832019000100002.
    https://doi.org/10.1590/S0104-7183201900...
    ) e Athias (2019ATHIAS, Renato. Coleções etnográficas, povos indígenas e repatriação virtual: novas questões para um velho debate. In: OLIVEIRA, João Pacheco de; SANTOS, Rita de Cássia Melo (org.). De acervos coloniais aos museus indígenas: formas de protagonismo e de construção da ilusão museal. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2019. p. 337-364.).
  • 34
    O incêndio do Museu se insere numa escalada de destruição do patrimônio cultural do país, por meio da precariedade dos recursos públicos para sua manutenção ou de políticas explícitas de destruição. São inúmeras as graves perdas, parciais ou totais, ocorridas em todo o país na última década.
  • 35
    É preciso lembrar os esforços de reconstituição do acervo documental, na Seção de Memória e Arquivo do Museu, incluindo o projeto de pesquisa de um docente da instituição sobre as fontes disponíveis nos arquivos de instituições de Estado relacionadas com o Museu; mas também de reconstituição da Biblioteca do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social ou de recuperação dos registros digitais do tombamento das coleções - entre muitas outras iniciativas.
  • 36
    Sob o governo federal atual, uma verdadeira guerra cultural busca asfixiar ou desviar de seus objetivos toda a estrutura institucional vigente, no tocante à cultura em geral, ao patrimônio, ao meio ambiente, aos direitos indígenas, quilombolas e sertanejos, aos direitos da mulher etc.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    02 Jul 2021
  • Aceito
    25 Fev 2022
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