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Imagens do progresso: cinema, pintura de história e historiografia na narrativa visual do filme Metrópole de Anchieta (1952), de B. J. Duarte

Images of progress: cinema, history painting and the historiography in the visual narrative of the film Metrópole de Anchieta (1952), by B. J. Duarte

RESUMO

Este artigo analisa o filme Metrópole de Anchieta (1952METRÓPOLE de Anchieta. Direção: Benedito Junqueira Duarte. Locução: Paulo Machado de Campos. São Paulo: Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, 1952. 1 filme (11 min 18 seg).), do diretor e crítico de cinema B. J. Duarte, produzido no contexto dos preparativos para as comemorações do IV Centenário da Cidade de São Paulo. O filme narra a história da cidade, apoiando-se na narrativa histórica produzida em São Paulo na primeira metade do século XX e no discurso visual do Museu Paulista, à época dirigido por Sérgio Buarque de Holanda, que também havia assumido a consultoria histórica da produção. Buscou-se compreender de que maneira o filme dialoga com a historiografia tradicional, a pintura de história e o próprio discurso museográfico do Museu Paulista. O filme faz parte de cultura histórica (conceito de Rüsen) construída a partir de múltiplas camadas de representações para a qual a cultura visual colaborou para exaltar o “progresso” em linha com o regionalismo paulista.

PALAVRAS-CHAVE:
Metrópole de Anchieta (1952); IV Centenário da Cidade de São Paulo; Museu Paulista; B. J. Duarte; Cultura histórica

ABSTRACT

This article analyzes the film Metrópole de Anchieta (1952METRÓPOLE de Anchieta. Direção: Benedito Junqueira Duarte. Locução: Paulo Machado de Campos. São Paulo: Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, 1952. 1 filme (11 min 18 seg).), from the director and critic B. J. Duarte, produced in the context of the preparations for the celebration of the 4th Centenary of the City of São Paulo. The film tells the story of the city, based on the historical narrative produced in São Paulo in the first half of the 20th century and on the visual discourse of the Museu Paulista, curated by Sérgio Buarque de Holanda at that time, who was also the historical consultant of the production. This article seeks to understand how the film dialogues with traditional historiography, history painting and the museographic discourse of the Museu Paulista itself. The film takes part in the historical culture (as conceptualised by Rüsen) built from multiple layers of representations, with which the visual culture collaborated to praise the “progress” in line with the Paulista regionalism.

KEYWORDS:
Metrópole de Anchieta (1952); 4th Centenary of the City of São Paulo; Museu Paulista; B. J. Duarte; Historical culture

INTRODUÇÃO

Em 1952, o fotógrafo, cinegrafista, roteirista e crítico de cinema Benedito Junqueira Duarte (1910-1995) - autor de uma série de documentários institucionais, educativos e científicos3 3 Apesar de o nome Benedito Junqueira Duarte ainda não ter alçado maior destaque na história do cinema brasileiro, o cinegrafista produziu mais de 500 títulos, quase todos com objetivos documentais, científicos e de propaganda política, entre as décadas de 1940 a 1970. - dirigiu Metrópole de Anchieta, filme promocional produzido no contexto das comemorações do IV Centenário da Cidade de São Paulo.4 4 As festividades dos 400 anos da cidade foram celebradas, oficialmente, entre 9 e 11 de julho de 1954. Uma série de eventos se estendeu por todo ano, em comemoração ao aniversário de São Paulo. O filme de B. J. Duarte, como ele assinava, narrou a história da cidade de São Paulo por meio de pinturas, imagens em movimento e voz em off, em tom grandiloquente.

O objetivo deste artigo é compreender as condições de produção do filme e o discurso regionalista e triunfalista que ele assume. Mas também interessa observar o uso dos recursos retóricos narrativos empregados na obra fílmica, que só podem ser compreendidos em diálogo com outras instâncias discursivas, que vão desde o programa decorativo do Museu Paulista à historiografia paulista construída ao longo da primeira metade do século XX.

Ao utilizar o discurso visual do Museu Paulista, ou seja, pinturas e esculturas consagradas pela imaginação histórica de São Paulo, bem como valorizar de modo eloquente um topos consagrado da historiografia paulista - a “epopeia bandeirante” -, o filme busca dar visibilidade ao discurso do progresso. Vários temas são mobilizados, de modo direto ou subliminar, tais como: a catequização dos indígenas, a mestiçagem, a conquista de vastas terras ao interior, a industrialização e a urbanização. Todos esses tópicos são encadeados no filme para resultar no progresso da cidade, representado em cenas de canteiros de obras, prédios, avenidas, aviões, carros em profusão, simbolizando a ideia de civilização nos moldes ocidentais do início da década de 1950.

Ao longo da primeira metade do século XX, instituições como o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (fundado em 1894) e o Museu Paulista (fundado em 1895 e reconfigurado em museu histórico entre 1917 e 1922) produziram narrativas históricas e discursos museográficos para explicar, justificar e celebrar o “extraordinário” progresso de São Paulo. Quando a obra de B. J. Duarte chegou às telas, o público já estava familiarizado com diferentes narrativas que descreviam e, sobretudo, celebravam a “terra do progresso”. Restava ao cineasta encontrar soluções visuais para montar um discurso sobre a “cidade que mais cresce[ia] no mundo”.

O DIRETOR DE METRÓPOLE DE ANCHIETA E UMA BREVE APRESENTAÇÃO DA OBRA

A produção fílmica de propaganda institucional (que se difere da produção científica)5 5 Entre as décadas de 1950 e 1960, B. J. Duarte passou a realizar filmes científicos que retratavam intervenções cirúrgicas, a exemplo do filme Pneumonectomia total direita, entre outros filmes do gênero. Sobre a análise da produção fílmica de caráter científico realizada por B. J. Duarte, conferir: Silva (2020). Sobre o trabalho de B. J. Duarte, enquanto crítico de cinema, sobretudo na revista Anhembi, conferir: Catani (1992). de B. J. Duarte ocorreu entre 1937 e 1954, quando ele desempenhava a função de técnico de iconografia do Departamento de Cultura da cidade de São Paulo, órgão ligado à Prefeitura.6 6 Vale destacar que parte significativa dos filmes de B. J. Duarte, bem como grande parte da filmografia brasileira da primeira metade do século XX, está mutilada ou desaparecida. Nesse período, B. J. produziu inúmeras obras a serviço da propaganda municipal. Entre as mais conhecidas estão: Parques e jardins de São Paulo (1941), Joias da floresta (1943), São Paulo de ontem e São Paulo de hoje (1943), Viagem em redor de São Paulo (1943-1944), Pequenas cenas de uma grande cidade (1944), Parques infantis da cidade de São Paulo (1954), Documentário sobre São Paulo (1954).

Na década de 1950, o cineasta dirigiu alguns títulos que se tornaram conhecidos da crítica e mesmo do grande público, em função da inserção no circuito comercial de São Paulo. Entre eles estão Metrópole de Anchieta (1952METRÓPOLE de Anchieta. Direção: Benedito Junqueira Duarte. Locução: Paulo Machado de Campos. São Paulo: Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, 1952. 1 filme (11 min 18 seg).), O jockey (1953) e Parques infantis da cidade de S. Paulo (1954). No entanto, convém lembrar que a maioria das produções de B. J. Duarte não foi exibida nas salas de cinema.

Metrópole de Anchieta foi financiado pela Secretaria da Fazenda do governo do estado de São Paulo. O filme foi exibido em dezembro de 1952, em salas do Cine Rex, no Bixiga, e nos Cines Íris e Oberdan, localizados no bairro operário do Brás. A cada exibição, o filme era seguido por um longa hollywoodiano. Filmado em p&b, com menos de 12 minutos,7 7 O filme está depositado na Cinemateca Brasileira. o curta é acompanhado pela voz em off de Paulo Machado de Campos. Por meio de locução teatral, a narrativa ajustava-se à perspectiva de apresentar a história de São Paulo, como se verá adiante, como uma pacífica saga, desde os tempos coloniais, rumo ao progresso.

Com pretensões documentais, B. J. preocupou-se em dar à narrativa autoridade científica. Em função disso, já nos créditos de abertura, é mencionada a consultoria histórica de Sérgio Buarque de Holanda, então diretor do Museu Paulista. Naquele momento, o historiador já era reputado como um respeitável intelectual; no entanto, mais do que seu nome, importava a autoridade do cargo de diretor do Museu. A instituição ganhou muita importância desde o início da longa gestão de Afonso de Taunay, que dirigiu o museu de 1917 até 1945, quando foi sucedido justamente por Sérgio Buarque. Conforme nos mostra Ana Claudia Fonseca Brefe, Taunay construiu um poderoso discurso historiográfico por meio de sua obra e, também, visual, por meio da formação do programa decorativo do Museu Paulista, que conferia à história de São Paulo “ares de grandeza”.8 8 Brefe (2005a, 2005b). A apologia ao progresso de São Paulo, segundo o discurso patente no filme, fez dos bandeirantes do período colonial uma espécie de precursores do “empreendedorismo paulista”.9 9 Schneider (2019, p. 129-184).

O filme Metrópole de Anchieta, de B. J. Duarte, produzido em 1952, é tributário de uma cultura histórica, nos termos de Jörn Rüsen10 10 Cf. Rüsen (1994). . Em outras palavras, a obra deriva de uma consciência histórica, pois integra um conjunto de registros, linguagens e suportes criados, em determinado período, por um grupo social interessado e mobilizado em representar e difundir certa percepção do passado. Portanto, a cultura histórica comporta diferentes maneiras de construir e narrar a experiência histórica e sua articulação com uma comunidade. Para Rüsen, “cultura histórica é o suprassumo dos sentidos constituídos pela consciência histórica humana”.11 11 Rüsen (2015, p. 217). O conceito busca compreender um fenômeno social que não se limita à historiografia, pois, concomitantemente, os grupos sociais criam sentidos e formas de apropriação do passado, patentes em diferentes artefatos culturais, como narrativas literárias, artísticas e jornalísticas, monumentos, museus, canções, livros e, claro, filmes. Esses discursos produzem sentidos criando identidades, legitimando projetos políticos e ideológicos, etc. Uma cultura histórica, em particular na modernidade, pode ser conflitiva, nuançada e contraditória. Uma dada cultura histórica abarca não apenas discursos formais, afirmativos, mas também silêncios e recusas em relação ao passado (e ao presente), seja por meio de posturas conscientes e calculadas, seja por vontades coletivas e socialmente compartilhadas.

Para os limites deste artigo interessa chamar atenção para o fato de que Metrópole de Anchieta é herdeiro de uma cultura histórica gestada em São Paulo na primeira metade do século XX. Se é verdade que uma dada leitura do passado não foi unicamente produzida e difundida pelo Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP),12 12 O IHGSP foi fundado em 1894, a partir da iniciativa do médico Domingos Jaguaribe Filho, assíduo conviva dos salões de Veridiana Prado, do engenheiro Antônio de Toledo Piza (1848-1905) e do advogado Estevão Leão Bourroul (1856-1914). A instituição reuniu nomes importantes não só das letras, como da política e do dinheiro, como o conselheiro Antônio Prado, um de seus sócios fundadores. O prestígio do IHGSP junto aos grupos econômicos e sociais dominantes da época fica claro na lista das personalidades e empresas que contribuíram para a construção do prédio do Instituto, na rua Benjamin Constant, inaugurado em 1909. Além de Antônio Prado, Prudente de Morais, às vésperas de tomar posse como o primeiro presidente civil da República; o presidente do estado de São Paulo, Bernardino de Campos; o prefeito da cidade de São Paulo, Pedro Vicente de Azevedo; o presidente do Senado, José Alves Guimarães Júnior; entre outros nomes do poder. Além de uma infinidade de bacharéis em direito, ao longo das décadas de 1910 e 1920, foram membros do IHGSP nomes ligados às artes e à intelectualidade, como Paulo Prado, Euclides da Cunha, Sílvio Romero, Olívia Guedes Penteado, Sérgio Milliet, Mário de Andrade etc. Sobre o IHGSP, cf. Ferreira (2002). não resta dúvida que o IHGSP foi a mais importante instituição na construção de uma ideia de história para São Paulo, fortemente associada ao bandeirantismo. Do Instituto participaram quase todos os artífices da memória e da história bandeirante, como Benedito Calixto, Afonso de Taunay, Alfredo Ellis Jr., José de Alcântara Machado, Paulo Prado, Cassiano Ricardo, Ernani Silva Bruno, entre muitos outros nomes, inclusive o de Washington Luís, de particular empenho na publicação de documentos históricos, parte central na “operação historiográfica” que visava promover uma ideia de passado (e de presente) de São Paulo.13 13 Washington Luís Pereira de Sousa (1869- 1957), antes da carreira política - que o levaria ao cargo de prefeito de São Paulo (1914-1919), presidente do estado (1920-1924) e presidente da República (1926-1930) - escreveu sobre a história da capitania de São Paulo e tinha forte atuação no IHGSP. Graças a sua iniciativa, o Arquivo Municipal, em 1914, iniciou a publicação das Atas da Câmara Municipal de São Paulo. Em 1917, também sob as suas as ordens, foi publicado o Registro Geral da Câmara Municipal de São Paulo. Já em 1920, o Arquivo do Estado iniciou a publicação da série Inventários e testamentos. Não resta dúvida que a publicação dessa extraordinária massa documental fez parte de um conjunto de esforços que visava promover o passado (e o presente) de São Paulo. Sobre seu percurso biográfico, historiográfico e político, cf. Debes (1993). Os bandeirantes foram escolhidos para encarnar o espírito paulista, pois personificariam qualidades como a iniciativa, o arrojo, o heroísmo e a tenacidade. A prosperidade e a modernidade paulista, em curso naqueles anos, pediam um ancestral digno de seu progresso.14 14 Cf. Abud (1999). Essa percepção foi perfeitamente contemplada em Metrópole de Anchieta, tanto na narrativa visual como na verbal que, em tudo, conduz ao progresso.

Na década de 1920, o discurso em torno dos bandeirantes servia para lembrar os brasileiros de outros estados do lastro histórico do empreendedorismo dos paulistas de outrora ou, ainda, lembrar os imigrantes e seus descendentes, muitos deles já enriquecidos, que, antes deles, houve quem pugnasse pelo progresso de São Paulo, desde os tempos coloniais, quando exigiu-se dos primeiros colonizadores a “bravura dos bandeirantes”. Posteriormente, com a crise política representada pela Revolução Constitucionalista de 1932, há uma evidente mutação de sentido. Bandeirantes não seriam apenas os descendentes das velhas famílias, dito quatrocentonas, mas todos os habitantes de São Paulo, inclusive os imigrantes e seus filhos, pois tornam-se “paulistas” e, como tal, herdeiros do “espírito bandeirante”.15 15 Cf. Queiroz (1992).

Se em 1922 imperavam heróis individuais, percepção que estava em linha com a historiografia dita positivista, na década de 1950, na altura do IV Centenário da Cidade São Paulo, outra representação bandeirante se impôs. No Monumento às Bandeiras (1953), de Victor Brecheret, vê-se um retrato coletivo dos bandeirantes, sem nome, com feições mestiças e até africanas, além do próprio rosto de Brecheret, em clara referência aos imigrantes, como ele próprio. No monumento modernista, os bandeirantes eram todos os paulistas. Vemos, portanto, não apenas outra estética, mas também outros significados políticos, até por que enraizados noutra época.16 16 A bibliografia sobre o significado político, cultural e simbólico do IV Centenário - quando celebrou-se os 400 anos do município de São Paulo, nos dias 9, 10 e 11 de julho de 1954 - é extensa. Ver principalmente: Marins (2003), Lofego (2004), Moura (2010) e Uhle (2013), Waldman (2018, p. 193-227). O filme Metrópole de Anchieta não só se alimentou, como também participou dessa cultura histórica, que teve na obra de Afonso de Taunay e no programa decorativo do Museu Paulista17 17 Não é objetivo deste artigo abordar o Museu Paulista, sobre o qual há extensa bibliografia. Sobre o assunto, cf. Oliveira (2000), Makino (2003), Mattos (1998-1999), Marins (2007), Lima Júnior (2015) e Nascimento (2019). uma instituição decisiva, inclusive para a própria execução do filme, como se verá adiante.

O historiador Afonso de Taunay, então diretor do Museu Paulista, ao preparar o Centenário da Independência, encomendou ao escultor Luigi Brizzolara duas grandes estátuas esculpidas em mármore de Carrara, ambas com cerca de 3,5 m de altura. São elas Antônio Raposo Tavares (Figura 1), que representa o “ciclo da caça ao índio”, e Fernão Dias Paes Leme (Figura 2), que simboliza o “ciclo do ouro”. Os imensos bandeirantes de pedra ocupam as paredes laterais do Museu Paulista, ao pé da escadaria principal. “Com tamanho, gestos e corpos vigorosos, eles sintetizariam, como destacou o próprio Taunay, as figuras máximas do movimento das entradas e da conquista do território nacional. O objetivo foi combater a “densa treva” que encobriria as ações e a personalidade dos bandeirantes”.18 18 Schneider, op. cit., p. 176. Taunay, na reabertura do Museu para as comemorações de 1922, descreveu os esforços do Museu como pagamento de “uma grande dívida” com os homens do Planalto Paulista que venceram o meridiano de Tordesilhas rumo ao longínquo oeste. No texto da placa comemorativa, no pedestal da estátua, vemos as seguintes inscrições:

Fernão Dias Paes Leme (1608-1681). Governador das Esmeraldas. Devassa terras do Paraná (1636-1660). Mato Grosso (1658). Minas Gerais e Bahia (1671; 1674-1681). Rio Grande do Sul e do Uruguai. Prestando serviços imensos à obra do desbravamento do Brasil e da descoberta das Minas.19 19 Brizzolara (1923). Sobre os monumentos em São Paulo, inclusive os de Luigi Brizzolara, cf. Lopes (2012).

Figura 1
Antônio Raposo Tavares (1923). Escultura de Luigi Brizzolara. 1 escultura em mármore carrara. Fonte: Acervo do Museu Paulista, São Paulo. Foto: Mike Peel, 2018.

Figura 2
Fernão Dias Paes Leme (1923). Escultura de Luigi Brizzolara. 1 escultura em mármore carrara. Fonte: Acervo do Museu Paulista, São Paulo. Foto: Mike Peel, 2018.

O filme de B. J. Duarte, produzido apenas em 1952, portanto 30 anos após o centenário da Independência, é produto da rotinização dessa cultura histórica, nos termos de Jörn Rüsen20 20 Cf. Rüsen (1994). . Na primeira parte de Metrópole de Anchieta, o narrador conduz o espectador a momentos da história colonial paulista, com ênfase na conquista da terra e na catequese dos indígenas, destacando a importância dos jesuítas, particularmente, do padre José de Anchieta, mas também o heroísmo dos antigos “vicentinos” - os homens de São Vicente, a vila fundada por Martim Afonso de Souza em 1532 - que subiram a serra do mar e fundaram um lugarejo no planalto. De acordo com a locução em off: “a pequenina vila de São Paulo estava destinada a um papel importantíssimo na história da nação: a expansão territorial do Brasil”.21 21 Metrópole de Anchieta (1952). Deve-se recordar que o tema da expansão paulista é central na obra historiográfica de Taunay, autor de História geral das bandeiras paulistas, em 11 volumes, publicados entre 1924 e 1950, sua obra maior em tamanho, prestígio e importância.22 22 Para um estudo sintético e circunstanciado sobre essa obra de Taunay, cf. Costa (2001).

O Metrópole de Anchieta só pode ser entendido como parte de uma cultura histórica, dominante em São Paulo durante grande parte do século XX. O filme é dividido em duas partes bem definidas. Os créditos de abertura do filme - cujo pano de fundo são imagens em movimento do litoral de São Vicente - são acompanhados por uma voz em off que destaca o início da colonização de São Paulo em 1532, quando teria principiado “a grandeza paulista”.23 23 Metrópole de Anchieta, op. cit.

Para narrar a “épica” história de São Paulo, a primeira parte de Metrópole de Anchieta é composta por uma série de pinturas de história,24 24 O conceito de pintura de história - desenvolvido em todo o artigo - vincula-se ao neoclassicismo e ao romantismo que, desde fins do século XVIII e princípio do XIX, afirmou-se em todo o mundo ocidental, notadamente na França. A pintura de história não busca o que poderíamos chamar de “real”, mas sim a idealização de uma mensagem pedagógica associada ao ideal de nação. Ao longo do século XIX, a pintura de história adotou sentidos diversos, mas sempre atrelados à construção de uma memória coletiva nacional. No Brasil, o Império promoveu e aclimatou o gênero por meio da Academia Imperial de Belas Artes. Após a proclamação da República, a pintura de história continuou a glorificar tanto o passado nacional quanto a perspectiva regional, como aconteceu com o Museu Paulista. Sobre o assunto, cf. Coli (2005). cuja maioria pertence ao acervo do Museu Paulista. As obras, geralmente de grandes dimensões, como é próprio do gênero, servem de suporte visual ao filme.

Anos antes, em 1937, o cineasta mineiro Humberto Mauro, a serviço do Instituto Nacional de Cinema (INCE),25 25 Durante o Estado Novo, uma série de medidas governamentais foram adotadas para institucionalizar a produção cinematográfica brasileira. O ministro Gustavo Capanema, por exemplo, criou o INCE com o objetivo de produzir filmes educativos e de estabelecer um importante meio para a veiculação de determinadas concepções estadodonovistas relacionadas a educação, trabalho e nacionalidade. Além das análises propostas por Morettin, conferir Schvarzman (2004). No livro, a autora aborda a relação estreita entre os filmes de Mauro e o lugar de produção desses filmes, o INCE. produziu o filme Descobrimento do Brasil com o objetivo de construir um caráter monumental da história do descobrimento, mesclando encenação e inserção de pinturas de história. Esses regimes discursivos foram analisados por Eduardo Morettin, segundo quem Descobrimento do Brasil...

[...] adquire mais força pela composição de uma verdadeira galeria de imagens evocativas do assunto, reunindo pela primeira vez quase tudo o que foi produzido desde o século XV e XVI, como se estivéssemos diante de um catálogo temático constituído pelos acervos de diferentes espaços de comemoração: museus, igrejas e cemitérios.26 26 Morettin (2013, p. 55).

B. J. Duarte, assim como Humberto Mauro fizera anos antes - em Descobrimento do Brasil (1937) e em Os Bandeirantes (1940) -, desliza a câmera pelos detalhes das pinturas, destacando ora uma parte da obra ora outra, o que confere aos traços estáticos das obras sensações de movimento para fortalecer o discurso fílmico do roteiro. Transcorridos cinco minutos de Metrópole de Anchieta, surge uma frase de efeito: “mas à sombra de Anchieta cresceu São Paulo”. A locução serve para anunciar a segunda parte e operar uma transição. Nesse momento, B. J. realiza uma dupla mutação: numa perspectiva temporal, demarca a transformação da cidade antiga para a moderna. Saem as imagens estáticas (pinturas, esculturas e a maquete) e entram as imagens em movimento, filmadas em cenários externos da cidade. Por meio da mudança no plano da linguagem, o diretor deixa de filmar as representações estáticas do passado colonial para construir a cidade em movimento, no presente, apontando para o futuro.

A primeira parte do filme é uma adesão ao regime discursivo da pintura de história. Na segunda parte, a narrativa fílmica está comprometida com um regime de encenação e um certo jogo de imagens para reafirmar as regras do filme. Metrópole de Anchieta não tem pretensões de ser um filme histórico estrito senso, embora demonstre o seu comprometimento com uma visão de história.

Associado às questões estéticas, há um objetivo institucional e incontornável assumido pelo filme. Trata-se de apresentar ao público as apólices de seguro do IV Centenário, lançadas pelo governo do estado de São Paulo em 1951, cujo objetivo era angariar fundos para a construção do monumento em espiral do Parque do Ibirapuera, que seria erguido em homenagem à efeméride. O filme serviria como impulso para campanha.

O FILME E A RECEPÇÃO

No contexto de lançamento, em dezembro de 1952, Metrópole de Anchieta aparecia na imprensa apenas nas listas de exibição das salas dos cinemas da cidade. Uma das poucas críticas que o curta recebeu foi escrita pelo professor da Escola de Propaganda do Museu de Arte, Otavio Mariot, no contexto do anúncio dos filmes que concorreriam ao prêmio Saci, criado em 1951 pelo jornal O Estado de S. Paulo, cujo objetivo era premiar as melhores produções nacionais do ano.27 27 Além de Metrópole de Anchieta, B. J. Duarte, em 1953, ainda concorreu com o filme Sonegação de impostos. Ambos disputaram na categoria “Documentários”. Em fevereiro de 1953, Mariot escreveu um texto intitulado “Bilhete a Saulo Guimarães”,28 28 “Bilhete a Saulo Guimarães”, datado de 1953, é um impresso avulso encontrado na Hemeroteca da Cinemateca Brasileira, na pasta “Benedito Junqueira Duarte”, p. 1074. jornalista responsável pela organização do prêmio, sugerindo a criação de uma nova categoria de premiação: a de “filmes de publicidade”. Mariot reconhece a importância do Saci e justifica a sugestão mencionando Metrópole de Anchieta, de B. J. Duarte, e uma produção documentária de Jean Manzon, que poderiam concorrer nessa provável nova categoria29 29 Cf, Santos (2013) .

O crítico citou o “notável” Descobrimento do Brasil, de Marcos Margulhes, merecedor do prêmio de melhor documentário. De acordo com Mariot, o filme de Benedito Duarte não tinha chances de vencer: “Seria uma injustiça, a mais berrante de todas”, comparando Metrópole de Anchieta ao filme de Margulhes - “com alto valor educativo e cultural”.30 30 Bilhete a Saulo Guimarães (1953, p. 1074). Ainda em “Bilhete a Saulo Guimarães”, Mariot acrescenta que “o bom filme publicitário tem caráter local e temporário, pois refere-se a um fato que dentro de meses perderá a atualidade, quando forem vendidas as apólices ou terminar o IV Centenário”. 31 31 Ibid. O aspecto propagandístico de Metrópole comprometeria a durabilidade e os seus objetivos comerciais limitariam a representação estética da obra.

Ao analisar Metrópole, Mariot destacou que a obra pecava por usar “o mesmo material iconográfico, com volta e meia as mesmas composições, tendo como única diferença, a inteira imobilidade dos quadros, que parecem fotografados e não filmados”.32 32 Ibid. O crítico fazia referência a uma prática recorrente nos documentários sobre a história de São Paulo: o uso das mesmas pinturas de história do programa visual do Museu Paulista. Convém observar, ainda, a importância que a instituição havia assumido em São Paulo, como uma espécie de catedral da história, para onde deveria se dirigir quem quer que quisesse apreender o passado.

No entanto, consideramos que o “pecado” estético do filme é, por outro lado, um indício de sucesso na propagação de certos discursos e representações sobre a história de São Paulo. Além do acervo iconográfico do Museu, o “filme de publicidade” de B. J. Duarte mobiliza a própria historiografia paulista, empenhada em comemorar as grandezas de São Paulo ou, mais precisamente, toda uma cultura histórica que havia se desenvolvido na primeira metade do século XX. É importante observar que a narrativa visual chegou ao grande público, via cinema, exibida em bairros operários, o que atesta o sucesso das imagens que exaltavam o progresso “inigualável” de São Paulo.

O jornal O Estado de S. Paulo, na edição de 10 de maio de 1953, apresentou os ganhadores do Saci. O prêmio foi concedido a Metrópole de Anchieta, agraciado também com o título de melhor documentarista. A reportagem ainda destaca que B. J. Duarte é “um dos fundadores do documentário brasileiro”.33 33 Os Prêmios... (1953, p. 7). Certamente, a reportagem faz referência aos anos de 1930 e 1940. Sob tutela da municipalidade paulista, B. J. Duarte produziu inúmeros curtas-metragens com preocupação estética, documental, histórica e social, em um período quando o cinema ficcional de longa-metragem havia praticamente parado em São Paulo. Sobre o assunto, cf. Santos (2011).

Em 1954, o cineasta integrou a comissão que planejou a programação da II Retrospectiva do Cinema Brasileiro, além do I Festival Internacional de Cinema do Brasil, de modo que fossem exibidos dezenas de filmes nacionais durante o contexto das atividades do IV Centenário. Ao noticiar a realização da retrospectiva, a revista Scena Muda, em edição de 03 de março de 1954, listou os filmes paulistas que seriam exibidos, destacando Metrópole de Anchieta como “um dos melhores que se realizaram na melhor época do nosso cinema”.34 34 Em Revista (1954, p. 32).

Ainda naquele ano, Metrópole de Anchieta também concorreu na categoria de melhor documentário pelo prêmio Governador do Estado, criado para estimular a produção cinematográfica nacional, que oferecia um total de 500 mil cruzeiros aos ganhadores. B. J. Duarte foi agraciado como o melhor documentarista pelo conjunto de filmes, enquanto Descobrimento do Brasil, de Marcos Margulhes, levou o prêmio de melhor documentário.35 35 Cf. Premiados... (1954, p. 2).

Seguindo a perspectiva de que os filmes, particularmente os filmes históricos, fazem história, é importante entender os formatos visuais do passado identificados em obras como Metrópole de Anchieta, que não podem ser julgadas apenas com base em critérios de um documentário ou mesmo de um filme histórico. Todavia, sobre esse filme cabe o alerta do historiador do cinema Robert Rosenstone: “Existe essencialmente como um campo separado, com seu próprio conjunto de regras e procedimentos”. Metrópole e tantos outros filmes “têm sua própria integridade histórica”, na medida em que se relacionam “com o mundo da história escrita, tecendo comentários a seu respeito e, muitas vezes, o desafiando”.36 36 Rosenstone (2010, p. 62).

O FILME EM DIÁLOGO COM AS PINTURAS DE HISTÓRIA E COM A HISTORIOGRAFIA

A voz em off e as pinturas de história ditam o discurso da primeira parte do filme. Ambas as narrativas são filhas da mesma temporalidade histórica. Essa narrativa nasce da historiografia tradicional de São Paulo; já a composição visual dessa parte é quase toda retirada do programa decorativo do Museu Paulista, ambos profundamente ligados ao historiador Afonso de Taunay, que dirigiu o museu de 1917 a 1945, quando foi sucedido por Sérgio Buarque de Holanda.37 37 Durante o período em que dirigiu o Museu Paulista (1946-1956), Sérgio Buarque remodelou a área de pesquisa e contratou um corpo técnico especializado, com especial atenção aos estudos da etnologia e das culturas indígenas. Essa vivência gerou, na década de 1950, a publicação de artigos que culminariam em Caminhos e fronteiras, de 1957. Sobre o assunto, cf. Françozo (2005). Convém insistir que a produção historiográfica da primeira metade do século XX e a concepção histórica mobilizada pelo Museu Paulista por Afonso de Taunay são umbilicais: ambas identificam-se com a chamada epopeia bandeirante, uma sensibilidade histórica plural, mutável, que comporta intervenções por meio de diferentes linguagens e abordagens, que ora estão sob forte contestação.

A obra de Taunay, demonstra Karina Anhezini, está alinhada à historiografia francesa, anterior à Escola dos Annales, liderada por Charles-Victor Langlois e Charles Seignobos. Trata-se de historiadores dominantes na historiografia francesa (dita positivista ou, a rigor, metódica), justamente no período em que Taunay se tornou o historiador mais importante de São Paulo, seguindo o mesmo paradigma historiográfico calcado na história nacional, no elogio ao progresso e nos feitos dos chamados grandes homens.38 38 Cf. Anhezini (2011, p. 27-88).

Não esqueçamos que a história produzida por Taunay almejava exaltar a história de homens que operaram a “conquista do Brasil pelos brasileiros”, a quem “o país deve dois terços de seu território atual”, repetia Taunay. A narrativa de Metrópole de Anchieta ecoava essa historiografia, extrapolando o discurso museográfico contido no programa decorativo do Museu.

Na concepção histórica do filme, no entanto, uma questão se impõe. Há relativamente pouca identificação com a obra de Sérgio Buarque, que, nos anos 1950, renovava a historiografia paulista, não apenas tecendo críticas aos “bandeirantes de pedra” de seu antecessor, como propondo outra interpretação ao sertanismo do período colonial.39 39 Cf. Martins (2017). Naquele momento, já aposentado, Taunay ainda era um nome de prestígio, mesmo que declinante. De acordo com Diogo da Silva Roiz, durante o curso de Banderologia organizado pelo Departamento Estadual de Informações de São Paulo, em 1946, participaram, além de Sérgio Buarque, vários outros historiadores, tais como: Afonso de Taunay, Virgílio Corrêa Filho, Afonso Arinos de Mello Franco (o filho), Alfredo Ellis Jr. e Joaquim Ribeiro. Diferentemente dos outros historiadores citados, Sérgio Buarque já propunha, naquela ocasião, ainda que de modo sutil, uma visão mais crítica em relação à “epopeia bandeirante”.40 40 Cf. Roiz (2013).

Sérgio Buarque de Holanda, em Monções (1945), produziu outra interpretação para a atuação dos antigos sertanistas de São Paulo, tema que depois aprofundaria em Caminhos e fronteiras (1957). Nessas obras, o historiador destacou a mestiçagem cultural e material; a dependência econômica e cultural dos sertanistas em relação aos indígenas; a condição quase nômade da colonização paulista; e a pobreza dos moradores da Paulistânia,41 41 A expressão “Paulistânia” foi criada pelo historiador Alfredo Ellis Jr. e fazia referência às vastas regiões do interior da América portuguesa ocupadas pelos paulistas, tais como: Paraná, Mato Grosso, Goiás, grande parte de Minas Gerais etc. entre outros aspectos. Em Monções e, mais ainda, em Caminhos e fronteiras,42 42 Holanda (1994). Holanda relativiza e mesmo desmonta a tese geoestratégica, segundo a qual os bandeirantes alargaram as fronteiras do Brasil.43 43 Não é objeto deste artigo explorar as diferenças e convergências entre Afonso de Taunay e Sérgio Buarque de Holanda. Sobre o assunto, cf. Schneider e Martins (2019).

Nesse sentido, considerando-se que Holanda foi o consultor histórico do filme, caberia perguntar por que a leitura da expansão paulista contida em sua obra pouco aparece em Metrópole de Anchieta? Caso isso acontecesse não seria possível construir uma apologia ao progresso, linear e apologética, uma vez que a obra desse historiador não estava voltada a justificar nem enaltecer o “progresso de São Paulo”. Além disso, o discurso visual contido no acervo iconográfico do Museu Paulista - e na própria opinião pública na década de 1950 - não se ajustaria à narrativa e tampouco combinaria com a montagem do filme, pois a obra de B. J. Duarte se alimentava de consciência histórica ou de cultura histórica (conceito de Rüsen) já consagrada. Os propósitos estão alinhados a um discurso histórico que hoje chamaríamos de tradicional, mas que nos anos 1950 era ainda amplamente aceito.

Holanda, na qualidade de consultor, provavelmente não teve força política para levar outra concepção histórica a um filme que seria financiado pela Secretaria da Fazenda do Estado. Pode ainda ter percebido que, numa obra promocional, destinada à venda de apólices de seguro para custear as festividades do IV Centenário - em momento de comemoração ufanista de São Paulo -, a visão tradicional de história, já rotinizada nas instituições e no público, se ajustaria melhor a esses propósitos. O próprio historiador, muito provavelmente remunerado para a função (embora a nossa pesquisa não tenha encontrado documentos nesse sentido), limitou-se a abrir o Museu Paulista a B. J. Duarte e ajudá-lo na construção do argumento a partir da historiografia tradicional. Cabe relembrar o seguinte aspecto: o que hoje chamamos de historiografia tradicional - positivista e monumentalista - dos anos de 1950, ainda era o que o grande público, inclusive jornalistas, críticos e a maioria dos historiadores entendiam como História.

Nos fotogramas de abertura do filme (Figura 3), em linha com essa historiografia, fica evidente o desbragado regionalismo, materializado na voz em off, em concordância com o discurso do Museu Paulista: “Foi nessa povoação nascida no litoral paulista, o ponto de partida para subida da Serra uma encosta de florestas misteriosas que se avistaram ao longe”. As imagens do mar quebrando nos rochedos são sobrepostas por uma pintura que destaca as caravelas portuguesas.

Figuras 3 e 4
Fotogramas da primeira sequência de Metrópole de Anchieta (1952METRÓPOLE de Anchieta. Direção: Benedito Junqueira Duarte. Locução: Paulo Machado de Campos. São Paulo: Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, 1952. 1 filme (11 min 18 seg).). Imagens em movimento da praia de São Vicente. Fonte: Metrópole de Anchieta, 1952METRÓPOLE de Anchieta. Direção: Benedito Junqueira Duarte. Locução: Paulo Machado de Campos. São Paulo: Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, 1952. 1 filme (11 min 18 seg)..

Logo após o fim da sequência da praia, aparece uma imagem de a Fundação de São Vicente, do pintor paulista Benedito Calixto (Figura 5).44 44 Segundo Eduardo Polidori (2019, p. 2), a obra foi doada por Benedito Calixto ao Museu Paulista, ainda em sua fase inicial. Foi concluída em 1900 e, naquele mesmo ano, incorporada ao Museu. De grandes dimensões, Eduardo Polidori aponta que o quadro de Calixto “foi a segunda pintura de história a ser incorporada à coleção do Museu Paulista, sendo precedida apenas por Independência ou Morte (óleo sobre tela de 1888), de Pedro Américo”.45 45 Polidori, op. cit., p. 2.

Figura 5
Fundação de São Vicente (1900). Quadro de Benedito Calixto. Pintura, óleo sobre tela, 188 × 379 cm. Fonte: Museu Paulista. Foto: José Rosael/Hélio Nobre.

Ulpiano Bezerra de Meneses, ao analisar o quadro e a distribuição dos personagens na pintura de Calixto, sugere uma hierarquia em benefício da imagem dos colonizadores, na medida em que valorizava visualmente os portugueses, inclusive os representantes da Igreja Católica.46 46 Meneses (1990). Enquanto isso, caberia aos indígenas apenas observar a cena. Essa obra se ajusta ao filme de B. J. Duarte, pois celebra, no plano pictórico, a entrada pacífica da civilização europeia nas terras que viriam a formar São Paulo, uma espécie de germe do progresso ao qual a terra estaria destinada.

A chegada à terra de colonizadores pacíficos, como sugere a imagem de Calixto, é amplamente empregada no filme, ao mesmo tempo que valoriza a subida da serra do mar, pois o “eldorado” estaria no Planalto. Segue a narrativa:

Começada nos rochedos batidos pelo mar de São Vicente e terminada nas taipas de São Paulo de Piratininga, não tardou a conquista do Planalto. Os colonos vicentinos, vencendo o paredão gigantesco da Serra, abrindo caminhos através de sua mata ou utilizando as trilhas dos índios deixavam vestígios de sua caminhada na montanha onde nasce o Anhembi; o nosso velho e querido Tietê.47 47 Metrópole de Anchieta, op. cit.

O filme intercala imagens em movimento da nascente do Tietê com o Retrato do Padre José de Anchieta, de 1902 - também de Benedito Calixto (Figura 6). Na tela, Anchieta segura um livro de orações com um braço e um cajado com o outro. Na cintura, está amarrado um terço e no pescoço, um enorme crucifixo, elementos inseridos pelo pintor para exaltar a religiosidade jesuítica.

Figura 6
Retrato do Padre José de Anchieta (1902). Pintura de Benedito Calixto. 1 pintura, óleo sobre tela, 140,5 × 101 cm. Fonte: Museu Paulista. Foto: José Rosael/Hélio Nobre.

Segue a narrativa fílmica sobre a subida da serra do mar e a fundação de São Paulo:

Só em 1553 é que se considerou vencida a montanha. Nesse ano se elegia no Planalto a Vila de Santo André da Borda do Campo, a povoação que João Ramalho fundava em épocas ignoradas. No ano seguinte, a 25 de janeiro de 1954, nas colinas de Piratininga alguns jesuítas lançavam em seu chão as fundações de uma Igreja e de uma casa destinada a catequese dos indígenas.48 48 Ibid.

A fim de dar visibilidade à voz em off, B. J. Duarte utiliza a Fundação de São Paulo, óleo de Oscar Pereira da Silva (Figura 7).49 49 Esta obra oficialmente é considerada de 1909, mas pesquisa recente mostra que a pintura já estava pronta em 1907. A obra se encontra no Museu Paulista desde 1926. Sobre o assunto, ver Monteiro (2012). A câmera passeia pelos detalhes da pintura inserida no filme para representar o momento em que os indígenas assistiam pacificamente à missa celebrada pelos jesuítas, remetendo à ideia de “união” entre esses grupos para a fundação da cidade.

Figura 7
Fundação de São Paulo (1907). Pintura de Oscar Pereira da Silva. 1 pintura, óleo sobre tela, 185 × 340 cm. Fonte: Museu Paulista. Foto: José Rosael/Hélio Nobre.

Tanto a pintura de Oscar Pereira quanto o quadro de Benedito Calixto insistem na ideia de uma união pacífica entre colonizadores brancos e populações indígenas, cuja fusão representaria o cimento da nação, sob a benção da religião católica simbolizada na cruz dos jesuítas. Essa interpretação já aparece em Primeira missa no Brasil, tela composta em Paris entre 1859 e 1861, por Victor Meirelles. O filme atualiza essa discussão.

Não é o caso de aprofundar o tema, mas vale lembrar que Oscar Pereira da Silva, Benedito Calixto e Afonso de Taunay pertenceram ao IHGSP, instituição que contribuiu decisivamente com a produção da memória e da história do estado, assim como o Museu Paulista. É dessa tradição que o filme se alimenta.

O filme não atribui pioneirismo ao português Martim Afonso de Souza em relação à fundação de São Vicente, visão oposta daquela que seria apresentada pelo historiador português Jaime Cortesão na “Exposição de História de São Paulo”, realizada em janeiro de 1954. Para Cortesão, a fundação das vilas do Planalto paulista, inclusive a de Piratininga, caberia ao nobre português.50 50 Cortesão (1955). Segundo o filme, em linha com a argumentação de Taunay,51 51 Essa argumentação está presente em vários livros do historiador, em destaque: Taunay (1920, 1921). a colonização e a ocupação sistemática daquelas terras ficaram a cargo de colonizadores de São Vicente e, sobretudo, dos padres jesuítas. A voz em off assume claramente a tese que melhor se ajusta ao regionalismo paulista da primeira metade do século XX: “Manoel da Nobrega, Manoel de Paiva e principalmente José de Anchieta foram os apóstolos dessa cruzada defendida pelos Tejupares de Caiubi na Tabatinguera e pelos de Tibiriçá em São Bento”.

Na primeira parte do filme aparece uma série de pinturas de história e esculturas de bandeirantes, quase todas pertencentes ao Museu Paulista, a exemplo dos quadros de José Wasth Rodrigues, ambos de 1934 (Figuras 8 e 9).52 52 Sobre o assunto, cf. Nascimento, op. cit.. Trata-se de pinturas53 53 Não por coincidência, as duas telas, pertencentes ao Museu, foram encomendas por Afonso de Taunay. As obras foram produzidas graças ao patrocínio de Samuel Ribeiro (1882-1952), já que, após os conflitos de 1932, o governo do estado não possuía recursos para investir no projeto decorativo do Museu Paulista. Cf. Nascimento, op. cit., p. 28. que representam clara apologia à colonização pacífica e à mestiçagem, duas ideias delineadas nas telas de Wasth Rodrigues, mas também em todo discurso político-museográfico do Museu Paulista, conforme destaca Paulo César Garcez Marins.54 54 Marins (2017, p. 172). Não há espaço, nos limites deste artigo, para analisarmos mais detalhadamente o uso do conjunto de pinturas que aparecem no filme de B. J. Duarte, mas convém listá-las:

  • - Fundação de São Vicente (1900). Óleo sobre tela (192 × 385 cm), de Benedito Calixto;

  • - Retrato do Padre José de Anchieta (1902), óleo sobre tela (140,5 × 101 cm); e João Ramalho e filho (1934), óleo sobre tela (231 × 145 cm), de José Wasth Rodrigues;

  • - Fundação de São Paulo (1907). Óleo sobre tela (185 × 340 cm), de Oscar Pereira da Silva;

  • - Cacique Tibiriçá e neto (1934). Óleo sobre tela (231 × 145 cm), de José Wasth Rodrigues;

  • - Retrato do Padre José de Anchieta (1902). Óleo sobre tela (140,5 × 101 cm), de Benedito Calixto;

  • - Panorama da Cidade de São Paulo (1821). Óleo sobre tela (36,50 × 96,80 cm), de Arnaud Julien Pallière. Acervo Itaú Cultural;

  • - Partida da Monção (1897). Óleo sobre tela (390 × 640 cm), de Almeida Júnior;

  • - O mestre de campo Domingos Jorge Velho e seu lugar-tenente Antônio Fernandes de Abreu (1903). Óleo sobre tela (140 × 160 cm), de Benedito Calixto;

  • - Escultura de Fernão Dias Paes Leme (1920), Escultura de Antônio Raposo Tavares (1920) e Escultura de Anhanguera (1924). Mármore de carrara, de Luigi Brizzolara;

  • - Combate de Botocudos em Mogi das Cruzes. Óleo sobre tela (110 × 160 cm), de Oscar Pereira da Silva;

  • - Independência ou Morte! (1888). Óleo sobre tela (415 × 760 cm), de Pedro Américo;

  • - Retrato de Anchieta (1920). Óleo sobre tela (60 × 50 cm), de Oscar Pereira da Silva.

Figura 8
João Ramalho e filho (1934). Pintura de José Wasth Rodrigues. 1 pintura, óleo sobre tela, 231 × 145 cm. Fonte: Museu Paulista. Foto: José Rosael/Hélio Nobre.

Figura 9
Cacique Tibiriçá e neto (1934). Pintura de José Wasth Rodrigues. 1 pintura, óleo sobre tela, 231 × 145 cm. Fonte: Museu Paulista. Foto: José Rosael/Hélio Nobre.

Em meio aos preparativos para as comemorações do IV Centenário, nota Ednilson Quarenta, travou-se entre intelectuais e estudiosos da história das origens da vila de São Paulo de Piratininga, uma luta acerca de quem teria sido o pai fundador.55 55 Quarenta (2009). Os defensores do protagonismo de Anchieta se alinhavam perfeitamente ao discurso regional paulista, como uma leitura (paulistanófila) na história do Brasil. O filme está fundamentado no mito anchietano, mas sem deixar de insistir na apologia aos bandeirantes, ou seja, os antigos sertanistas coloniais que, a partir do Planalto Paulista, adentraram o continente a pé.

As expedições lideradas por esses homens, de acordo com o discurso geopolítico do Museu Paulista e da historiografia de Taunay, teriam levado à conquista de grandes porções territoriais para o Brasil. Segundo a voz em off: “Paes Leme, Borba Gato, Raposo Tavares e Anhanguera e tantos mais varavam o continente de ponta a ponta, chegando um deles [Raposo Tavares], a debruçar-se no alto da Cordilheira dos Andes e a banhar-se nas águas do Pacífico”. Como fundo visual dessa narrativa, a câmera deu destaque para as esculturas de Raposo Tavares e Fernão Dias, apresentadas nas Figuras 1 e 2.

Após a exibição das estátuas, o filme faz menção às monções, ou seja, as travessias feitas pelo interior do continente através do rio Tietê. A “epopeia fluvial do sertão que se iniciavam às margens do Anhembi e se povoavam de barcaças da ilusão do ouro, da miragem das esmeraldas, de gente, homens e mulheres, escravos, todos reunidos para as bênçãos de Deus e as lágrimas na despedida”. Mais uma vez, a iconografia do Museu Paulista é inserida para ilustrar as palavras do locutor, e o quadro Partida da Monção (1897), de Almeida Júnior (Figura 10), é filmado em seus detalhes para representar o momento da partida das monções.56 56 Sobre a tela em questão e a obra de Almeida Júnior, cf. Pitta (2013).

Figura 10
Partida da Monção (1897). Pintura de Almeida Júnior. 1 pintura, óleo sobre tela, 390 × 640 cm. Fonte: Museu Paulista. Foto: José Rosael/Hélio Nobre.

O filme de B. J. valoriza as monções tanto quanto os bandeirantes, o que era novidade naquele momento. Aqui, provavelmente, há uma influência direta da consultoria de Sérgio Buarque de Holanda que, em 1945, publicou Monções, livro no qual estudou as relações comerciais via rio Tietê entre o Planalto paulista e o Mato Grosso. A locução em off evoca o que Holanda havia publicado em seu livro:

A sociedade, constituída no planalto da capitania de Martim Afonso, mantém-se, por longo tempo ainda, numa situação de instabilidade ou de imaturidade, que deixa margem ao maior intercurso dos adventícios com a população nativa. Sua vocação estaria no caminho, que convida ao movimento; não na grande propriedade rural, que cria indivíduos sedentários.57 57 Holanda (1990, p. 16).

Nas palavras do historiador, a vila de São Paulo “convida ao movimento”. As monções representam a abertura dos caminhos fluviais e o filme de B. J. apresenta esse pioneirismo. O caminho e o movimento se contrapõem ao sedentarismo. A trajetória paulista (das bandeiras e das monções) estaria na contramão da solidez que sustentou a sociedade patriarcal, desenvolvida no Nordeste colonial açucareiro e destrinchada nos estudos que resultaram na obra Casa grande & senzala de Gilberto Freyre.58 58 Sérgio Milliet, intelectual modernista, amigo pessoal de Sérgio Buarque de Holanda, em resenha do livro Nordeste (1937), de Gilberto Freyre, na Revista do IHGSP, em 1937, busca diferenciar a colonização portuguesa no Nordeste, fortemente enraizada na zona da mata, da colonização paulista, considerada móvel, sempre em movimento, primeiramente com bandeirantes e monçoieros, depois com tropeiros. Esse autêntico topos da historiografia paulista está presente tanto em Taunay, como em Caminhos e fronteiras (1947) de Holanda. Embora muito diferentes, ambos convergem para ideia de movimento, percepção presente em Metrópole de Anchieta. Sobre o assunto, cf. Milliet (1937).

Após a narrativa das monções, o filme retoma a historiografia tradicional, dessa vez por meio do discurso sobre a independência do Brasil ocorrida “na colina contornada pelo riacho do Ipiranga”. Ao lado de D. Pedro I e Dona Leopoldina, a narrativa realça a proeminência de paulistas como “José Bonifácio, Antônio Carlos e Feijó, e tantos outros foram os que lutaram por essa liberdade”. Após essa referência, a câmera percorre os detalhes do quadro Independência ou morte (1888), de Pedro Américo. Lembremos que o Museu Paulista foi construído justamente no lugar onde D. Pedro teria dado o “grito do Ipiranga” às margens do riacho de mesmo nome. O filme cruza os personagens históricos com a pintura de história com o objetivo de traçar uma espécie de destino da cidade rumo ao progresso. A narrativa apaga qualquer complexidade do processo colonizador. Esquece-se das guerras de conquista, da dominação e da dizimação dos indígenas do Planalto.

Após a sequência colonial e da independência, B. J. insere imagens de uma grande maquete da cidade.59 59 Instalada no Museu entre 1920-22, a maquete foi encomendada e construída durante a gestão de Afonso de Taunay, cujo propósito era representar a cidade em meados do século XIX. O recurso de “filmar” a São Paulo oitocentista, representada pela maquete do Museu Paulista, já havia sido utilizado pelo cineasta Humberto Mauro em Os Bandeirantes, de 1940, produzido para o INCE. Taunay foi o responsável pela orientação histórica desse filme que, de acordo com Morettin, é inédito na monumentalização do passado nacional por intermédio do cinema em diálogo com a iconografia do Museu Paulista. É provável que B. J tenha assistido ao filme de Mauro e buscado inspiração para a construção de sua narrativa épica sobre São Paulo. Todavia, em Os Bandeirantes, Mauro restringiu as glórias de São Paulo ao período colonial, ao passo que B. J. Duarte conectou de modo incisivo as grandezas do passado ao presente. Sobre a análise fílmica, ver Morettin (2013), em especial, os capítulos 6 e 8 do livro. Enquanto a câmera passeia pela maquete, a voz em off afere sentido às imagens: “Em 1841, a cidade tinha ainda um aspecto de um lugarejo provinciano. As ruas Direita e São Bento, ao cruzarem-se, tinham o nome de quatro cantos. Eis o largo da cadeia, que hoje conhecemos por largo João Mendes...”. Ao descrever, pela locução e pela visualidade, esses e outros lugares representativos do imaginário da capital paulista, como a Praça da Sé e o Largo São Francisco, utiliza-se a maquete para evidenciar as transformações arquitetônicas, além de destacar os poucos lugares coloniais que ainda permaneciam “inalterados”. Continua a voz em off: “pouco mais do que uma vila, São Paulo tomava forças e alentos para o grande esforço que viria depois, já então se perdia nas dobras do tempo o primeiro gesto da fundação”.60 60 Metrópole de Anchieta, op. cit.

O percurso da câmera sobre a gigantesca maquete já antecipa que a área central da cidade seria transformada pelas forças do tempo. Em 1939, o historiador e geógrafo Eurípedes Simões de Paula61 61 O artigo foi publicado novamente em 1954, na Revista de História da USP, em homenagem ao IV Centenário da fundação de São Paulo. Cf. Paula (1954, p. 168). destaca, no jornal Folha da Manhã, que até então os estudos acadêmicos não tinham voltado a atenção para o fenômeno do início da “aglomeração urbana de São Paulo”, que de acordo com ele ocorreria desde 1870. O filme de B. J. Duarte dialoga com o sentido de “segunda fundação” da cidade visto em Simões de Paula, mas apaga da narrativa qualquer menção62 62 Para sermos justos com B. J. Duarte, aspectos das contradições da Metrópole aparecem em filmes como: Habitação Econômica (1941), São Paulo de ontem e São Paulo de hoje (1943), Parques infantis da Cidade de São Paulo (1954). Sobre a análise desses filmes, conferir o segundo capítulo da tese de Santos (2011). às contradições da metrópole industrial apontadas por Paula e outros intelectuais63 63 No terceiro volume de Histórias e Tradições da Cidade de São Paulo, lançado em 1954, o historiador Ernani Silva Bruno nomeia a cidade do início do século XX como “a São Paulo de agora (1918-1954)”. A preocupação memorialística da obra não retirou do texto a preocupação em evidenciar os problemas decorrentes do crescimento e da ocupação de diferentes áreas da cidade. Cf. Bruno (1954). da época, que já refletiam sobre o crescimento desordenado da cidade.

Convém insistir que a voz em off é portadora dos protocolos narrativos da história metódica: referência aos grandes nomes, datas precisas e apologia pedagógica-patriótica. A pintura de história, coerentemente, dá visualidade a essa voz, apontando para a construção de mitos e heróis, sempre com caráter didático e capaz de despertar o apoio do público, por meio de relações afetivas e simbólicas, a serviço de projetos políticos das elites dirigentes.

O DISCURSO DA MODERNIDADE NO FILME E AS CONDIÇÕES HISTÓRICAS DE PRODUÇÃO

Ao final da primeira parte do filme, vê-se a pintura Retrato de Anchieta (1920), um óleo sobre tela (60 × 50 cm) de Oscar Pereira da Silva, sobreposta às imagens em movimento - uma primeira vista aérea da Avenida São João, com grande movimentação de carros - acompanhada por uma marcha triunfal com música orquestral, mostrando outros pontos do centro da cidade.

Figuras 11, 12, 13 e 14
Fotogramas da sequência de Metrópole de Anchieta (1952METRÓPOLE de Anchieta. Direção: Benedito Junqueira Duarte. Locução: Paulo Machado de Campos. São Paulo: Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, 1952. 1 filme (11 min 18 seg).) que mostram a transição entre a primeira e a segunda parte do filme.

“Quatrocentos anos são passados”, diz a voz off. Com essa frase, o espectador de Metrópole de Anchieta é convidado a olhar para o presente. O uso dessa imagem sugere que o padre jesuíta abençoa o início da civilização que deitaria raízes no Planalto Paulista. Não por acaso, o filme de B. J. chama-se Metrópole de Anchieta. “Aí está a Metrópole”. Numa mudança de paisagem, de temporalidade e de foco, o narrador começa a elencar as características da metrópole que em nada fazia recordar a antiga vila colonial:

O maior núcleo industrial da América do Sul. A cidade que apresenta o mais rápido crescimento em todo o mundo ocidental. A capital do café. O sistema nervoso do Brasil. Ponto de radiação econômica de todo o continente. Centro de cultura artística e científica com as suas escolas e a sua universidade, hoje conhecida em todo o mundo graças aos cientistas nela formados.64 64 Metrópole de Anchieta, op. cit.

Essas palavras são intercaladas por imagens de ruas movimentadas, praças e viadutos cercados por arranha-céus localizados no vale do Anhangabaú, como o edifício Martinelli e o Clube Comercial. Em focos diagonais, B. J. exibiu alguns aspectos do estilo arquitetônico dos prédios. A câmera ampliou as imagens em planos aéreos e reduziu o foco, de baixo para cima, com o intuito de construir uma ideia de grandeza. Delineavam-se os detalhes, conferindo esplendor ao conjunto das edificações do Vale. Nessa sequência, as imagens em movimento contrapõem-se ao aspecto estático dos quadros que retratam o período colonial, na primeira parte do filme.

O período que se estende do final do século XIX até meados da década de 1950 é retratado como um salto do passado ao presente, marcado por inúmeras transformações que propiciaram o crescimento vertiginoso da capital paulista. Embora a locução não diga, fica subentendido que o “invulgar progresso” seria obra de quatrocentões e imigrantes. Na década de 1950, a leitura triunfalista do passado paulista era compartilhada pelos homens de negócios, parte da intelectualidade e pelos representantes do poder público. A voz em off se esmera em expressar verbalmente o que as imagens deviam confirmar:

São Paulo é um fato sociológico inédito na história do homem. Em 1900, contava com cerca de 240 mil habitantes. Em 1910, mais de 400 mil; em 1920, perto de 600 mil. Em 1930, 900 mil; em 1940, ultrapassava a casa de 1 milhão e 350 mil. Dez anos após, em 1950, quase duplicava a população do município, atingindo a 2 milhões e 250 mil habitantes que constroem nesse instante uma média de 64 casas por dia ou melhor 8 casas por hora.65 65 Ibid.

A montagem do filme estabelece uma quebra entre as imagens coloniais e as do presente, cujo objetivo era justamente exaltar o dinamismo das construções, o progresso e o ritmo vertiginoso da cidade sociologicamente comprovado. Tal assertiva impõe um diagnóstico a São Paulo: o crescimento populacional - que em 40 anos foi de 240 mil habitantes à marca de 2 milhões e 250 mil pessoas - é “um fato sociológico inédito na história do homem”. A locução é insistente em busca da persuasão. Quando se refere à construção de casas, surgem os arranha-céus das avenidas São Luiz e São João, à época sinônimos de moradias modernas e verticalizadas. A narrativa em off também é acompanhada pelo trânsito de carros na região do Vale do Anhangabaú e pelo movimento de transeuntes, a multidão que não para, andando de um lado para o outro.

Após uma longa sequência de prédios, construções e pedestres apressados vagando pelo viaduto do Chá, os preparativos para as festividades do IV Centenário da Cidade são mencionados. Assim, o início da colonização, as fundações e as ostensivas representações visuais serviram para legitimar o discurso que seria proferido a partir de então.

... Nas ruas, nas fábricas, em todos os lares, nas escolas, no comércio e na indústria, o governo e o povo, todos ativamente se preparam para as festas de 1954. Comissões de técnicos, gentes de espírito cívico preparam comemorações culturais, congressos internacionais, concursos de músicas, teatro, literatura, história, cinema, rádio e cartazes, exposições, festejos populares e folclóricos.66 66 Ibid.,

Um dos representantes das “gentes de espírito cívico” era o empresário italiano Francisco Matarazzo Sobrinho, o Ciccillo,67 67 No final da década de 1940, Matarazzo Sobrinho e o empresário e produtor Franco Zampari financiaram a construção da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, que foi fundada em 1949 e tinha seus estúdios na cidade de São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo. A companhia tinha inspiração no modelo cinematográfico hollywoodiano e produziu filmes até o final da década de 1950. No mesmo período, Ciccillo Matarazzo também esteve à frente da organização do Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo e de outras iniciativas ligadas à arte e à cultura. De acordo com Maria Rita Galvão (1981, p. 37), Ciccillo lançou efetivamente o incentivo econômico e criou a cultura do empresariado nacional para “estimular o desenvolvimento das tendências artísticas modernas em São Paulo e, de um modo geral, no Brasil”. que foi escolhido, em 1951, pelo então prefeito de São Paulo, Armando de Arruda Pereira, e pelo governador do estado, Lucas Nogueira Garcez, para assumir a presidência da Comissão do IV Centenário. Seu mandato se estendeu até março de 1954, quando foi destituído por Jânio Quadros, prefeito recentemente empossado.

Em edição do dia 17 de fevereiro de 1953 - portanto, após a produção e exibição de Metrópole de Anchieta - o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma longa reportagem descrevendo os bastidores de uma reunião da comissão técnica cultural das comemorações do IV Centenário. Segundo o texto, o jornalista Paulo Duarte, um dos membros da comissão, colocou em pauta “o caso dos documentários cinematográficos, assunto desaparecido completamente do expediente da consultoria de comemorações culturais”. Na reunião estiveram presentes especialistas em cinema como: Canuto Mendes de Almeida, Vinícius de Moraes, Almeida Sales e B. J. Duarte. A Vinícius de Moraes, poeta e diplomata, a comissão solicitou que a realização do I Festival Internacional de Cinema68 68 O I Festival Internacional de Cinema foi realizado em São Paulo, com a II Retrospectiva do Cinema Brasileiro, entre 13 de fevereiro e 2 de março de 1954. fosse transferida do Rio de Janeiro para São Paulo. Discutiram também “as medidas necessárias à execução de uma série de documentários cinematográficos relativos à cidade e ao estado de São Paulo”.

A voz em off é seguida por locações que registram reuniões de trabalho (ou encenaram essas reuniões, especialmente para o filme) das mais diferentes comissões empenhadas, desde 1952, em garantir a realização das festividades que ocorreriam em dois anos:

Funcionários especializados, engenheiros e arquitetos, um corpo de técnicos escolhidos entre os maiores, planejam e levantam obras monumentais, abrem estradas de rodagem, traçam planos urbanísticos de ampla envergadura, executam obras públicas importantíssimas entre as quais se contam a urbanização do Parque do Ibirapuera, onde se localizará o conjunto da grande exposição internacional em que se incluem obras complementares como o teatro, o planetário, restaurantes etc. Numa das mais audaciosas concepções arquitetônicas, a adaptação e modernização de diversas instalações esportivas... 69 69 Metrópole de Anchieta, op. cit., grifos nossos.

Essa fala do narrador é precedida pela maquete do ginásio que mostra as construções e reformas mencionadas durante o filme. Metrópole de Anchieta refletia a escolha do Parque do Ibirapuera como o palco central das festividades de 1954.

Era necessário atrair turistas, autoridades e delegações internacionais dispostas a conhecer “a prodigiosa energia bandeirante, admirando a sua irresistível vocação para o progresso...”. Porém, para viabilizar tantas obras - a exemplo de prédios com arquitetura arrojada, além da construção de equipamentos com “audaciosas concepções arquitetônicas” e a modernização de instalações esportivas no parque -, o “... governo de São Paulo lançou e o povo paulista subscreve orgulhosamente as apólices ‘IV Centenário’”.

Essa narração é seguida por imagens da apólice e da maquete do monumento em espiral. “A espiral” desenhada pelo arquiteto Oscar Niemeyer (assim como outros projetos do parque) simbolizava o vertiginoso crescimento da cidade, em seus quatrocentos anos, e estava exibida em miniatura na entrada do Parque.

Para viabilizar a continuidade das obras e o monumento (que, por questões técnicas, nunca foi construído), o narrador incentiva a compra das apólices do “IV Centenário”. De acordo com o texto do Diário Oficial do Estado de São Paulo publicado em 11 de maio de 1954, as referidas apólices tinham o valor nominal de 500,00 cruzeiros com rendimento de 3 a 5% ao ano. Havia também o sorteio de prêmios no valor de cr$ 38.400.000,00. As apólices estavam à venda em todos os bancos e nos escritórios de corretores credenciados. Além da venda dessas apólices, o lançamento de inúmeros produtos, bens, serviços e mercadorias de toda natureza simbolizou a corrida de diversos setores para angariar lucros com o evento.70 70 Cf. Lofego, op. cit., p. 109-146.

O esforço dos governos do estado e do município na construção do conjunto arquitetônico no Parque Ibirapuera foi milionário e espetacular. As estruturas de arame, vidro e cimento que se erguiam no Parque do Ibirapuera desde o início da década de 1950, simbolizavam mais uma nova etapa de modernização da cidade. O filme termina com a imagem do espiral e uma conclamação: “ao comprar as apólices ‘IV Centenário’, todos nós teremos a consciência de adquirir um legítimo título de glória para São Paulo”. 71 71 Metrópole de Anchieta, op. cit., grifos nossos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A narrativa verbal e visual do filme é a expressão de uma concepção histórica em que o passado do país se entrecruza com o passado de São Paulo, ecoando uma série de narrativas construídas pelo Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, o Museu Paulista e a própria Universidade de São Paulo, fundada em 1933, e que teve em Afonso de Taunay o primeiro catedrático de História do Brasil.

A máquina discursiva em torno do regionalismo paulista não podia parar. Vinte anos após a humilhante derrota na “Revolução Constitucionalista de 1932”, as elites paulistas procuravam afirmar-se pelo discurso do progresso. Como os bandeirantes de outrora - “homens que dominavam o sertão como animal bravio”, como é narrado em Metrópole de Anchieta -, as elites de São Paulo sobrevalorizavam o regionalismo, por meio da retórica do progresso, patente nas paredes do Museu, na historiografia bandeirantista, na imprensa e na gestão do IV Centenário, inclusive no seu filme publicitário.

A narrativa do filme encontrou soluções visuais para expressar uma concepção histórica em que o passado do país se entrecruza com o passado de São Paulo. Por sua vez, o discurso político que a obra encerra faz parte de uma longa tradição cujos ecos chegam até nossos dias. O governador do estado de São Paulo, João Doria (PSDB), eleito em 2018, afirma em artigo na Folha de S.Paulo, em 06 de janeiro de 2019, que seu governo se empenharia em acelerar o “desenvolvimento econômico”, modo atualizado de se referir ao progresso, arrematando com o seguinte argumento: “Esse é o espírito que fez a história de São Paulo e, desde o tempo das bandeiras, expandiu as fronteiras do território e da economia do Brasil”.72 72 Doria Júnior (2019). O “progresso” de São Paulo e a evocação dos velhos bandeirantes, como “corajosos” e “empreendedores”, são palavras que o governador utilizou várias vezes em seu artigo. É dessa tradição narrativa que Metrópole de Anchieta faz parte, criando, recriando e, principalmente, difundindo a visualidade do progresso paulista, desprovido de contradições, mas não de contestações.

FILME

  • METRÓPOLE de Anchieta. Direção: Benedito Junqueira Duarte. Locução: Paulo Machado de Campos. São Paulo: Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, 1952. 1 filme (11 min 18 seg).

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  • TAUNAY, Affonso de. São Paulo no século XVI. Tours: E. Arrault et Cie., 1921.
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  • WALDMAN, Thaís Chang. Entre batismos e degolas: (des) caminhos bandeirantes em São Paulo. 2018. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Faculdade de Letras, Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.
  • 3
    Apesar de o nome Benedito Junqueira Duarte ainda não ter alçado maior destaque na história do cinema brasileiro, o cinegrafista produziu mais de 500 títulos, quase todos com objetivos documentais, científicos e de propaganda política, entre as décadas de 1940 a 1970.
  • 4
    As festividades dos 400 anos da cidade foram celebradas, oficialmente, entre 9 e 11 de julho de 1954. Uma série de eventos se estendeu por todo ano, em comemoração ao aniversário de São Paulo.
  • 5
    Entre as décadas de 1950 e 1960, B. J. Duarte passou a realizar filmes científicos que retratavam intervenções cirúrgicas, a exemplo do filme Pneumonectomia total direita, entre outros filmes do gênero. Sobre a análise da produção fílmica de caráter científico realizada por B. J. Duarte, conferir: Silva (2020SILVA, Márcia Regina Barros da. Cinema científico: a construção de imagens da medicina na produção de Benedito Junqueira Duarte. Revista de História, São Paulo, n. 179, 2020. DOI: 10.11606/issn.2316-9141.rh.2020.157321.
    https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141....
    ). Sobre o trabalho de B. J. Duarte, enquanto crítico de cinema, sobretudo na revista Anhembi, conferir: Catani (1992CATANI, Afrânio Mendes. Cogumelos de uma só manhã: B. J. Duarte e o cinema brasileiro, Anhembi 1950-1962. 1992. Tese (Doutorado em Sociologia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1992.).
  • 6
    Vale destacar que parte significativa dos filmes de B. J. Duarte, bem como grande parte da filmografia brasileira da primeira metade do século XX, está mutilada ou desaparecida.
  • 7
    O filme está depositado na Cinemateca Brasileira.
  • 8
    Brefe (2005aBREFE, Ana Claudia Fonseca. Completando o cenário. In: BREFE, Ana Claudia Fonseca. O Museu Paulista: Afonso de Taunay e a memória nacional. São Paulo: Unesp, 2005a. p. 183-285., 2005bBREFE, Ana Claudia Fonseca. Montando o cenário. In: BREFE, Ana Claudia Fonseca. O Museu Paulista: Afonso de Taunay e a memória nacional. São Paulo: Unesp, 2005b. p. 87-181.).
  • 9
    Schneider (2019SCHNEIDER, Alberto Luiz. As lutas pela memória de São Paulo (1890-1940). In: Capítulos de história intelectual: racismo, identidades e alteridades na reflexão sobre o Brasil. São Paulo: Alameda, 2019. p. 129-185, p. 129-184).
  • 10
    Cf. Rüsen (1994RÜSEN, Jörn. ¿Qué es la cultura histórica? Reflexiones sobre una nueva manera de abordar la historia. [S. l.: s. n.], 1994. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/37zKt3k . Acesso: em: 10 ago. 2021.
    https://bit.ly/37zKt3k...
    ).
  • 11
    Rüsen (2015RÜSEN, Jörn. Teoria da história: uma teoria da história como ciência. Curitiba: Editora da UFPR, 2015., p. 217).
  • 12
    O IHGSP foi fundado em 1894, a partir da iniciativa do médico Domingos Jaguaribe Filho, assíduo conviva dos salões de Veridiana Prado, do engenheiro Antônio de Toledo Piza (1848-1905) e do advogado Estevão Leão Bourroul (1856-1914). A instituição reuniu nomes importantes não só das letras, como da política e do dinheiro, como o conselheiro Antônio Prado, um de seus sócios fundadores. O prestígio do IHGSP junto aos grupos econômicos e sociais dominantes da época fica claro na lista das personalidades e empresas que contribuíram para a construção do prédio do Instituto, na rua Benjamin Constant, inaugurado em 1909. Além de Antônio Prado, Prudente de Morais, às vésperas de tomar posse como o primeiro presidente civil da República; o presidente do estado de São Paulo, Bernardino de Campos; o prefeito da cidade de São Paulo, Pedro Vicente de Azevedo; o presidente do Senado, José Alves Guimarães Júnior; entre outros nomes do poder. Além de uma infinidade de bacharéis em direito, ao longo das décadas de 1910 e 1920, foram membros do IHGSP nomes ligados às artes e à intelectualidade, como Paulo Prado, Euclides da Cunha, Sílvio Romero, Olívia Guedes Penteado, Sérgio Milliet, Mário de Andrade etc. Sobre o IHGSP, cf. Ferreira (2002FERREIRA, Antônio Celso. A epopeia bandeirante: letrados, instituições, invenções históricas (1870-1940). São Paulo: Unesp, 2002.).
  • 13
    Washington Luís Pereira de Sousa (1869- 1957), antes da carreira política - que o levaria ao cargo de prefeito de São Paulo (1914-1919), presidente do estado (1920-1924) e presidente da República (1926-1930) - escreveu sobre a história da capitania de São Paulo e tinha forte atuação no IHGSP. Graças a sua iniciativa, o Arquivo Municipal, em 1914, iniciou a publicação das Atas da Câmara Municipal de São Paulo. Em 1917, também sob as suas as ordens, foi publicado o Registro Geral da Câmara Municipal de São Paulo. Já em 1920, o Arquivo do Estado iniciou a publicação da série Inventários e testamentos. Não resta dúvida que a publicação dessa extraordinária massa documental fez parte de um conjunto de esforços que visava promover o passado (e o presente) de São Paulo. Sobre seu percurso biográfico, historiográfico e político, cf. Debes (1993DEBES, Célio. Washington Luís. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1993.).
  • 14
    Cf. Abud (1999ABUD, Kátia. A ideia de São Paulo como formador do Brasil. In: FERREIRA, Antônio Celso; DE LUCA, Tânia Regina; IOKOI, Zilda Grícoli (org.). Encontros com a história: percursos históricos e historiográficos de São Paulo. São Paulo: Unesp, 1999. p. 71-80).
  • 15
    Cf. Queiroz (1992QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Ufanismo Paulista: vicissitudes de um imaginá rio. Revista USP, São Paulo, n. 13, p. 78-87, 1992. DOI: 10.11606/issn.2316-9036.v0i13p78-87.
    https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036....
    ).
  • 16
    A bibliografia sobre o significado político, cultural e simbólico do IV Centenário - quando celebrou-se os 400 anos do município de São Paulo, nos dias 9, 10 e 11 de julho de 1954 - é extensa. Ver principalmente: Marins (2003), Lofego (2004LOFEGO, Silvio Luiz. IV Centenário da cidade de São Paulo: uma cidade entre o passado e o futuro. São Paulo: Annablume, 2004.), Moura (2010MOURA, Irene. A cidade e a festa: Brecheret e o IV Centenário de São Paulo. 2010. Tese (Doutorado em História) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010.) e Uhle (2013UHLE, Ana Rita. Monumentos celebrativos: as aproximações entre arte e história (São Paulo, 1925-1963). 2013. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013.), Waldman (2018WALDMAN, Thaís Chang. Entre batismos e degolas: (des) caminhos bandeirantes em São Paulo. 2018. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Faculdade de Letras, Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018., p. 193-227).
  • 17
    Não é objetivo deste artigo abordar o Museu Paulista, sobre o qual há extensa bibliografia. Sobre o assunto, cf. Oliveira (2000OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. O “Espetáculo do Ypiranga”: mediações entre história e memória. 2000. Tese (Livre Docência) - Divisão de Acervo e Curadoria, Museu Paulista da USP, São Paulo, 2000.), Makino (2003MAKINO, Miyoko. A construção da identidade nacional: Afonso de E. Taunay e a decoração do museu paulista (1917-1937). 2003. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.), Mattos (1998-1999MATTOS, Claudia Valladão de. Da palavra à imagem: sobre o programa decorativo de Affonso Taunay para o Museu Paulista. Anais do Museu Paulista, São Paulo, v. 6-7, n. 1, p. 123-145, 1998-1999. DOI: 10.1590/S0101-47141999000100006.
    https://doi.org/10.1590/S0101-4714199900...
    ), Marins (2007MARINS, Paulo César Garcez. Nas matas com pose de reis: a representação de bandeirantes e a tradição da retratística monárquica europeia. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n. 44, p. 77-104, 2007. DOI: 10.11606/issn.2316-901X.v0i44p77-104.
    https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X....
    ), Lima Júnior (2015LIMA JÚNIOR, Carlos Rogério. Um artista às margens do Ipiranga: Oscar Pereira da Silva, o Museu Paulista e a reelaboração do passado nacional. 2015. Dissertação (Mestrado em Estudos Brasileiros) - Instituto de Estudos Brasileiros, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.) e Nascimento (2019NASCIMENTO, Ana Paula. Entre a fricção e a serenidade, a caminho do interior: os painéis de Wasth Rodrigues no peristilo do Museu Paulista. Anais do Museu Paulista, São Paulo, v. 27, 2019. DOI: 10.1590/1982-02672019v27e21d2.
    https://doi.org/10.1590/1982-02672019v27...
    ).
  • 18
    Schneider, op. cit., p. 176.
  • 19
    Brizzolara (1923). Sobre os monumentos em São Paulo, inclusive os de Luigi Brizzolara, cf. Lopes (2012LOPES, Fany Tamisa. Cenografia e paisagem urbana: Um estudo de caso da cidade de São Paulo. 2012. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012.).
  • 20
    Cf. Rüsen (1994RÜSEN, Jörn. ¿Qué es la cultura histórica? Reflexiones sobre una nueva manera de abordar la historia. [S. l.: s. n.], 1994. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/37zKt3k . Acesso: em: 10 ago. 2021.
    https://bit.ly/37zKt3k...
    ).
  • 21
    Metrópole de Anchieta (1952METRÓPOLE de Anchieta. Direção: Benedito Junqueira Duarte. Locução: Paulo Machado de Campos. São Paulo: Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, 1952. 1 filme (11 min 18 seg).).
  • 22
    Para um estudo sintético e circunstanciado sobre essa obra de Taunay, cf. Costa (2001COSTA, Wilma Peres. Affonso Taunay e a História Geral das Bandeiras Paulista. In: MOTA, Lorenço Dantas (org.). Introdução ao Brasil: um banquete no trópico. São Paulo: Senac, 2001. v. 2, p. 97-122.).
  • 23
    Metrópole de Anchieta, op. cit.
  • 24
    O conceito de pintura de história - desenvolvido em todo o artigo - vincula-se ao neoclassicismo e ao romantismo que, desde fins do século XVIII e princípio do XIX, afirmou-se em todo o mundo ocidental, notadamente na França. A pintura de história não busca o que poderíamos chamar de “real”, mas sim a idealização de uma mensagem pedagógica associada ao ideal de nação. Ao longo do século XIX, a pintura de história adotou sentidos diversos, mas sempre atrelados à construção de uma memória coletiva nacional. No Brasil, o Império promoveu e aclimatou o gênero por meio da Academia Imperial de Belas Artes. Após a proclamação da República, a pintura de história continuou a glorificar tanto o passado nacional quanto a perspectiva regional, como aconteceu com o Museu Paulista. Sobre o assunto, cf. Coli (2005COLI, Jorge. Como estudar a arte brasileira do século XIX. Senac: São Paulo, 2005.).
  • 25
    Durante o Estado Novo, uma série de medidas governamentais foram adotadas para institucionalizar a produção cinematográfica brasileira. O ministro Gustavo Capanema, por exemplo, criou o INCE com o objetivo de produzir filmes educativos e de estabelecer um importante meio para a veiculação de determinadas concepções estadodonovistas relacionadas a educação, trabalho e nacionalidade. Além das análises propostas por Morettin, conferir Schvarzman (2004SCHVARZMAN, Sheila. Humberto Mauro e as imagens do Brasil. São Paulo: Unesp, 2004.). No livro, a autora aborda a relação estreita entre os filmes de Mauro e o lugar de produção desses filmes, o INCE.
  • 26
    Morettin (2013MORETTIN, Eduardo. Humberto Mauro, cinema, história. São Paulo: Alameda, 2013., p. 55).
  • 27
    Além de Metrópole de Anchieta, B. J. Duarte, em 1953, ainda concorreu com o filme Sonegação de impostos. Ambos disputaram na categoria “Documentários”.
  • 28
    “Bilhete a Saulo Guimarães”, datado de 1953, é um impresso avulso encontrado na Hemeroteca da Cinemateca Brasileira, na pasta “Benedito Junqueira Duarte”, p. 1074.
  • 29
    Cf, Santos (2013SANTOS, Márcia Juliana. As representações históricas e os sentidos das comemorações do IV Centenário de São Paulo em Metrópole de Anchieta (1952), de B. J. Duarte. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 27., 2013, Natal. Anais eletrônicos [...]. São Paulo: Anpuh, 2013. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2VL9gyI . Acesso em: 10 ago. 2021.
    https://bit.ly/2VL9gyI...
    )
  • 30
    Bilhete a Saulo Guimarães (1953BILHETE a Saulo Guimarães. 1 impresso, 1953. Hemeroteca da Cinemateca Brasileira, pasta “Benedito Junqueira Duarte”, p. 1074., p. 1074).
  • 31
    Ibid.
  • 32
    Ibid.
  • 33
    Os Prêmios... (1953OS PRÊMIOS “Saci” de cinema de 1952. O Estado de S. Paulo, São Paulo, v. 74, n. 23.924, p. 7, 10 mai. 1953., p. 7). Certamente, a reportagem faz referência aos anos de 1930 e 1940. Sob tutela da municipalidade paulista, B. J. Duarte produziu inúmeros curtas-metragens com preocupação estética, documental, histórica e social, em um período quando o cinema ficcional de longa-metragem havia praticamente parado em São Paulo. Sobre o assunto, cf. Santos (2011SANTOS, Márcia Juliana. Da capital bandeirante às imagens do cinema institucional de São Paulo (1930-1940). 2011. Tese (Doutorado em História Social) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011.).
  • 34
    Em Revista (1954EM REVISTA. A Cena Muda, Rio de Janeiro, n. 9, edição dedicada ao 1º Festival Cinematográfico do Brasil em São Paulo, p. 31-32, 3 mar. 1954. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3s50OX8 . Acesso em: 10 maio 2021.
    https://bit.ly/3s50OX8...
    , p. 32).
  • 35
    Cf. Premiados... (1954PREMIADOS em São Paulo os melhores do cinema. Diário da Noite, Rio de Janeiro, v. 26, n. 5.826, p. 2, 9 jul. 1954. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3jGlfG8 . Acesso em: 10 maio 2021.
    https://bit.ly/3jGlfG8...
    , p. 2).
  • 36
    Rosenstone (2010ROSENSTONE, Robert A. A história nos filmes, os filmes na história. São Paulo: Paz e Terra, 2010., p. 62).
  • 37
    Durante o período em que dirigiu o Museu Paulista (1946-1956), Sérgio Buarque remodelou a área de pesquisa e contratou um corpo técnico especializado, com especial atenção aos estudos da etnologia e das culturas indígenas. Essa vivência gerou, na década de 1950, a publicação de artigos que culminariam em Caminhos e fronteiras, de 1957. Sobre o assunto, cf. Françozo (2005FRANÇOZO, Mariana. O Museu Paulista e a história da antropologia no Brasil entre 1946 e 1956. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 48, n. 2, 2005. DOI: 10.1590/S0034-77012005000200006.
    https://doi.org/10.1590/S0034-7701200500...
    ).
  • 38
    Cf. Anhezini (2011ANHEZINI, Karina. Um metódico à brasileira: a historiografia de Afonso de Taunay (1911-1939). São Paulo: Unesp, 2011., p. 27-88).
  • 39
    Cf. Martins (2017MARTINS, Renato. Tradição, modernidade e história das Américas em Visão do paraíso (1946-1969). Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017. DOI: 10.11606/T.8.2018.tde-06032018-122940.
    https://doi.org/10.11606/T.8.2018.tde-06...
    ).
  • 40
    Cf. Roiz (2013ROIZ, Diogo da Silva. A dialética entre o “intelectual-letrado” e o “letrado intelectual”: projetos, tensões e debates na escrita da história de Alfredo Ellis Jr. e Sérgio Buarque de Holanda (1929-1959). 2013. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2013.).
  • 41
    A expressão “Paulistânia” foi criada pelo historiador Alfredo Ellis Jr. e fazia referência às vastas regiões do interior da América portuguesa ocupadas pelos paulistas, tais como: Paraná, Mato Grosso, Goiás, grande parte de Minas Gerais etc.
  • 42
    Holanda (1994HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.).
  • 43
    Não é objeto deste artigo explorar as diferenças e convergências entre Afonso de Taunay e Sérgio Buarque de Holanda. Sobre o assunto, cf. Schneider e Martins (2019SCHNEIDER, Alberto Luiz; MARTINS, Renato. A expansão paulista em Afonso de Taunay e Sérgio Buarque de Holanda. Revista de História, São Paulo, n. 178, 2019. DOI: 10.11606/issn.2316-9141.rh.2019.142456.
    https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141....
    ).
  • 44
    Segundo Eduardo Polidori (2019POLIDORI, Eduardo. Fundação de São Vicente, de Benedito Calixto: da encomenda à exibição no Museu Paulista (1898-1939). Anais do Museu Paulista, São Paulo, v. 27, p. 1-32, 2019. DOI: 10.1590/1982-02672019v27e17d2.
    https://doi.org/10.1590/1982-02672019v27...
    , p. 2), a obra foi doada por Benedito Calixto ao Museu Paulista, ainda em sua fase inicial. Foi concluída em 1900 e, naquele mesmo ano, incorporada ao Museu.
  • 45
    Polidori, op. cit., p. 2.
  • 46
    Meneses (1990MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. Benedito Calixto como documento: sugestões para uma releitura histórica. In: SALA, Dalton (org.). Benedito Calixto: memória paulista. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1990. p. 37-47).
  • 47
    Metrópole de Anchieta, op. cit.
  • 48
    Ibid.
  • 49
    Esta obra oficialmente é considerada de 1909, mas pesquisa recente mostra que a pintura já estava pronta em 1907. A obra se encontra no Museu Paulista desde 1926. Sobre o assunto, ver Monteiro (2012MONTEIRO, Michelli Cristine Scapol. Fundação de São Paulo, de Oscar Pereira da Silva: trajetórias de uma imagem urbana. Dissertação (Mestrado em História e Fundamentos da Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.).
  • 50
    Cortesão (1955CORTESÃO, Jaime. A fundação de São Paulo: capital geográfica do Brasil. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1955.).
  • 51
    Essa argumentação está presente em vários livros do historiador, em destaque: Taunay (1920TAUNAY, Affonso de. São Paulo nos primeiros anos. Tours: E. Arrault et Cie., 1920., 1921TAUNAY, Affonso de. São Paulo no século XVI. Tours: E. Arrault et Cie., 1921.).
  • 52
    Sobre o assunto, cf. Nascimento, op. cit..
  • 53
    Não por coincidência, as duas telas, pertencentes ao Museu, foram encomendas por Afonso de Taunay. As obras foram produzidas graças ao patrocínio de Samuel Ribeiro (1882-1952), já que, após os conflitos de 1932, o governo do estado não possuía recursos para investir no projeto decorativo do Museu Paulista. Cf. Nascimento, op. cit., p. 28.
  • 54
    Marins (2017MARINS, Paulo César Garcez Marins. O museu da paz: sobre a pintura histórica no Museu Paulista durante a gestão Taunay. In: OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles (org.). O Museu Paulista e a gestão Afonso Taunay: escrita da história e historiografia, séculos XIX e XX. São Paulo: Museu Paulista da USP, 2017. p. 159-191., p. 172).
  • 55
    Quarenta (2009QUARENTA, Ednilson Aparecido. O apóstolo pregresso e as alegorias da fundação: Anchieta, um mito fundador no IV centenário da cidade de São Paulo. 2009. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.).
  • 56
    Sobre a tela em questão e a obra de Almeida Júnior, cf. Pitta (2013PITTA, Fernanda Mendonça. “Um povo pacato e bucólico”: costume, história e imaginário na pintura de Almeida Júnior. 2013. Tese (Doutorado em Artes Visuais) - Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.).
  • 57
    Holanda (1990HOLANDA, Sérgio Buarque de. Monções. São Paulo: Brasiliense, 1990., p. 16).
  • 58
    Sérgio Milliet, intelectual modernista, amigo pessoal de Sérgio Buarque de Holanda, em resenha do livro Nordeste (1937), de Gilberto Freyre, na Revista do IHGSP, em 1937, busca diferenciar a colonização portuguesa no Nordeste, fortemente enraizada na zona da mata, da colonização paulista, considerada móvel, sempre em movimento, primeiramente com bandeirantes e monçoieros, depois com tropeiros. Esse autêntico topos da historiografia paulista está presente tanto em Taunay, como em Caminhos e fronteiras (1947) de Holanda. Embora muito diferentes, ambos convergem para ideia de movimento, percepção presente em Metrópole de Anchieta. Sobre o assunto, cf. Milliet (1937MILLIET, Sérgio. Nordeste. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. 33, 1937.).
  • 59
    Instalada no Museu entre 1920-22, a maquete foi encomendada e construída durante a gestão de Afonso de Taunay, cujo propósito era representar a cidade em meados do século XIX. O recurso de “filmar” a São Paulo oitocentista, representada pela maquete do Museu Paulista, já havia sido utilizado pelo cineasta Humberto Mauro em Os Bandeirantes, de 1940, produzido para o INCE. Taunay foi o responsável pela orientação histórica desse filme que, de acordo com Morettin, é inédito na monumentalização do passado nacional por intermédio do cinema em diálogo com a iconografia do Museu Paulista. É provável que B. J tenha assistido ao filme de Mauro e buscado inspiração para a construção de sua narrativa épica sobre São Paulo. Todavia, em Os Bandeirantes, Mauro restringiu as glórias de São Paulo ao período colonial, ao passo que B. J. Duarte conectou de modo incisivo as grandezas do passado ao presente. Sobre a análise fílmica, ver Morettin (2013MORETTIN, Eduardo. Humberto Mauro, cinema, história. São Paulo: Alameda, 2013.), em especial, os capítulos 6 e 8 do livro.
  • 60
    Metrópole de Anchieta, op. cit.
  • 61
    O artigo foi publicado novamente em 1954, na Revista de História da USP, em homenagem ao IV Centenário da fundação de São Paulo. Cf. Paula (1954PAULA, Eurípedes Simões de. A segunda fundação de São Paulo: da pequena cidade à grande metrópole de hoje. Revista de História, São Paulo, v. 8, n. 17, 1954. DOI: 10.11606/issn.2316-9141.v8i17p167-179.
    https://doi.org/10.11606/issn.2316-9141....
    , p. 168).
  • 62
    Para sermos justos com B. J. Duarte, aspectos das contradições da Metrópole aparecem em filmes como: Habitação Econômica (1941), São Paulo de ontem e São Paulo de hoje (1943), Parques infantis da Cidade de São Paulo (1954). Sobre a análise desses filmes, conferir o segundo capítulo da tese de Santos (2011SANTOS, Márcia Juliana. Da capital bandeirante às imagens do cinema institucional de São Paulo (1930-1940). 2011. Tese (Doutorado em História Social) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011.).
  • 63
    No terceiro volume de Histórias e Tradições da Cidade de São Paulo, lançado em 1954, o historiador Ernani Silva Bruno nomeia a cidade do início do século XX como “a São Paulo de agora (1918-1954)”. A preocupação memorialística da obra não retirou do texto a preocupação em evidenciar os problemas decorrentes do crescimento e da ocupação de diferentes áreas da cidade. Cf. Bruno (1954BRUNO, Ernani Silva. Histórias e tradições da cidade de São Paulo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1954. v. 3.).
  • 64
    Metrópole de Anchieta, op. cit.
  • 65
    Ibid.
  • 66
    Ibid.,
  • 67
    No final da década de 1940, Matarazzo Sobrinho e o empresário e produtor Franco Zampari financiaram a construção da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, que foi fundada em 1949 e tinha seus estúdios na cidade de São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo. A companhia tinha inspiração no modelo cinematográfico hollywoodiano e produziu filmes até o final da década de 1950. No mesmo período, Ciccillo Matarazzo também esteve à frente da organização do Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo e de outras iniciativas ligadas à arte e à cultura. De acordo com Maria Rita Galvão (1981GALVÃO, Maria Rita. Burguesia e cinema: o caso Vera Cruz. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981., p. 37), Ciccillo lançou efetivamente o incentivo econômico e criou a cultura do empresariado nacional para “estimular o desenvolvimento das tendências artísticas modernas em São Paulo e, de um modo geral, no Brasil”.
  • 68
    O I Festival Internacional de Cinema foi realizado em São Paulo, com a II Retrospectiva do Cinema Brasileiro, entre 13 de fevereiro e 2 de março de 1954.
  • 69
    Metrópole de Anchieta, op. cit., grifos nossos.
  • 70
    Cf. Lofego, op. cit., p. 109-146.
  • 71
    Metrópole de Anchieta, op. cit., grifos nossos.
  • 72
    Doria Júnior (2019DORIA JÚNIOR, João [Agripino da Costa]. São Paulo vai ajudar no desenvolvimento do Brasil. Folha de S. Paulo, São Paulo, 6 jan. 2019.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    13 Ago 2021
  • Aceito
    29 Set 2021
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