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A sombra de Anchieta: cultura material e memória histórica em museus, cidades e paisagens

Anchieta’s shadow: material culture and historical memory in museums, cities and landscapes

RESUMO

Este artigo analisa como alguns artefatos e lugares foram valorizados e preservados a partir de sua associação com a figura do padre José de Anchieta (1533-1597). Relaciona-se tais objetos e sítios com a construção de sua imagem histórica sob dois aspectos principais: o hagiográfico e o heroico, entendendo este último como o esforço em fazer de Anchieta um dos grandes protagonistas de uma interpretação épica da colonização do Brasil pelos portugueses, que objetivava construir uma memória nacional durante a passagem do século XIX para o século XX. Preferivelmente à produção de monumentos e eventos públicos em sua homenagem, procura-se aqui avaliar a musealização ou a preservação in situ de artefatos e sítios supostamente associados a Anchieta existentes em algumas cidades paulistas, que funcionam como fixadores de sua imagem heroificada no tempo presente.

PALAVRAS-CHAVE:
José de Anchieta; Cultura Material; Museus; Monumentos Históricos

ABSTRACT

This article seeks to analyze some artifacts and sites that were valued and preserved once they were associated with the figure of Father José de Anchieta (1533-1597). It aims to relate such objects and sites with the construction of Anchieta historical imagery under two main aspects: the hagiographic and the heroic, understanding the latter as his transformation into a major protagonist of an epic and nationalistic interpretation of Brazilian colonial history through the 19th and 20th centuries.

Rather than the production of monuments and public events in his honor, it aims to focus on the musealization, or in situ preservation, of artifacts and sites in the São Paulo state supposedly associated with him. Therefore, these objects and sites are comprehended as fixators of his heroicized image in the present.

KEYWORDS:
José de Anchieta; Material Culture; Museums; Historical Sites

INTRODUÇÃO

Em maio de 1896, o general Couto de Magalhães, “cançado de ser escravisado pelo italianismo que domina[va] S. Paulo”, fez uma viagem de alguns dias ao litoral paulista, passando por Santos, São Vicente e Itanhaém, região por ele descrita como ainda “completamente brasileira e paulista”.2 2 “De S. Paulo a Conceição de Itanhaen”, Commercio de São Paulo, 10 jun. 1896. Ali, entre caçadas e levantamentos topográficos, visitou as ruínas da suposta casa de Martim Afonso de Souza em São Vicente, o antigo convento franciscano de Itanhaém, e o bairro do Bananal, onde pôde praticar seu guarani com alguns indígenas locais. Nesse relato povoado de referências históricas, Couto de Magalhães aludiu mais de uma vez à “sombra do padre José de Anchieta que vaguêa ainda por essas regiões”.3 3 Ibid., 16 jun. 1896.

A referência fantasmagórica empregada pelo general era bastante apropriada ao teor nostálgico de suas notas de viagem, cuja leitura esclarece como o seu chauvinismo escondia o rancor de uma classe dirigente que perdera o protagonismo político e o prestígio social. Afinal, sua excursão coincidia com a conclusão dos trabalhos de demolição da antiga Igreja do Colégio, que desabara havia pouco mais de dois meses, privando a cidade de seu mais antigo marco espacial. Seus comentários depreciativos, portanto, antes de serem um achaque da velhice, deixavam transparecer os conflitos que caracterizaram a construção da memória nacional no início da República, exemplarmente sintetizados na figura de José de Anchieta.

É preciso ressaltar, entretanto, que a rememoração de Anchieta no discurso histórico sobre o Brasil sempre foi marcada pela ambiguidade, como faz ver a única referência a ele presente na História da América portuguesa (1730), de Sebastião da Rocha: o relato de um de seus “sucessos sobrenaturais”, que noticiou a derrota de Dom Sebastião em Alcácer-Quibir no momento em que ela ocorria.4 4 ApudRibeiro (2003, p. 23). A oficialidade gozada pelo catolicismo durante o Império pôde prolongar a comemoração simultânea do santo e do missionário até 1889. O advento da república, contudo, transformou os modos pelos quais ele costumava ser lembrado. Em primeiro lugar, há de se considerar que a necessidade de consolidar a memória pública da nação se fez então mais premente do que jamais havia sido durante o período imperial, quando um papel análogo era desempenhado pela existência de uma casa real de antigas origens europeias. Ademais, a separação entre Igreja e Estado fez com que grande parte da memória brasileira saísse subitamente do controle estatal - tanto pelo papel da Igreja na manutenção dos registros de batismos, casamentos e óbitos, como pela natureza religiosa da maioria dos possíveis monumentos públicos, como epígrafes, lápides, cruzeiros, imagens devocionais etc.5 5 Cf. Carvalho (1990, p. 55-71). Por fim, o princípio do Estado laico dava margem para questionamentos acerca da contribuição de Anchieta para a formação nacional.

O anticlericalismo dos primeiros anos da República, porém, logo cedeu lugar a uma acomodação entre Estado e Igreja que requeria bons termos acerca do legado histórico do catolicismo, processo em que a figura de Anchieta se revelou de maior importância. Afinal, o venerável padre prestava-se tanto ao reconhecimento do papel do catolicismo na formação da nacionalidade como à criação de uma narrativa épica na qual a luta dos portugueses pela posse da terra constituía o ponto fulcral da memória colonial do país. Nesse aspecto, é revelador como a causa da canonização de Anchieta foi encampada pelo Estado brasileiro ao longo dos diferentes regimes republicanos, principalmente nas ocasiões de efemérides anchietanas - a começar pela celebração do terceiro centenário de sua morte, em 1897. A data propiciou uma das primeiras distensões entre monarquistas e republicanos desde 1889 e culminou com uma nova petição do episcopado brasileiro ao Vaticano para que fosse retomado o processo de canonização de Anchieta, estabelecendo um padrão que se repetiria ao longo do século XX nas principais datas comemorativas ligadas à vida de Anchieta: os quartos centenários de seu nascimento (1934), a fundação de São Paulo (1954) e a chamada Paz de Iperoig (1963). Em todas essas ocasiões, organizaram-se festividades públicas, encomendaram-se telas, monumentos foram erguidos em sua homenagem e verbas públicas custearam publicações e conferências sobre a sua vida e legado. A efeméride de 1934, por exemplo, além de ter influído decisivamente nos casos adiante estudados, ensejou também a publicação sistemática das cartas jesuíticas pelo Arquivo Nacional, além de marcar o início da redação da obra monumental do padre Serafim Leite, História da Companhia de Jesus no Brasil, cujos tomos foram publicados pela Imprensa Nacional do Rio de Janeiro e pelo Instituto Nacional do Livro.6 6 Pedro (2008, p. 81-84). Conforme apontado por Camila Freitas, a intenção comemorativa dessas publicações, refletida também pelo tratamento monumental conferido à divulgação de documentos históricos, teve uma influência profunda na historiografia brasileira da época, quase sempre simpática aos jesuítas. Cf. Freitas (2016, p. 13-14). Fica claro, logo, o quanto essas celebrações se revelaram momentos de inflexão e cristalização de certos aspectos de sua figura histórica.

Diante da impossibilidade de analisar corretamente o total de obras de arte, monumentos e estudos produzidos durante esse longo esforço de rememoração,

procurou-se aqui traçar um roteiro pouco usual: investigar alguns artefatos e lugares cuja vinculação a Anchieta se deu por atribuições errôneas ou baseadas em tradições orais contestáveis, ou mesmo espúrias. Não se pretende, contudo, descortinar nelas tentativas de falsificação ou manipulação da história, mas sim seguir pistas que permitam retraçar os caminhos pelos quais a “sombra de Anchieta” foi associada a esses objetos. Para tanto, é necessário encarar a lenda como um acontecimento histórico, conforme escreveu François Dosse, chamando a atenção para o seu efeito organizador no domínio das representações e no processo de cristalização da crença.7 7 Dosse (2009, p. 147-148). Outrossim, cabe salientar que é esse mesmo papel da lenda que a torna possuidora de um valor histórico e documental, conforme defendido por Jan Vansina.8 8 Vansina (1985, 10-11). Além disso, é preciso também levar em conta a própria materialidade dos objetos que suportam essas representações, procurando interpretá-los como “um discurso material estruturado e silencioso, ligado às práticas sociais e estratégias de poder, interesse e ideologia”.9 9 Funari (2007, p. 19).

O artigo foca apenas em casos encontrados no estado de São Paulo, embora exemplos de monumentos anchietanos em outros estados, principalmente no Espirito Santo, tenham sido abordados à medida que o desenvolvimento da argumentação requereu. Assim, foram selecionados os seguintes objetos e lugares: duas peças do Museu Paulista (a pia de água benta da igreja do Colégio jesuítico de São Paulo e a pia batismal que pertenceu às ruínas do Abarebebê, em Peruíbe), um monumento urbano (a chamada Cruz de Iperoig, em Ubatuba) e uma formação natural (um rochedo à beira-mar conhecido como a “Cama de Anchieta”).

A figura de Anchieta se faz presente em um conjunto considerável de artefatos, edificações, monumentos e marcos paisagísticos espalhados pelos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia, que ainda demanda um inventário completo. O resultado de um levantamento do tipo, certamente, seria uma grande contribuição para o estudo da cultura material e para a preservação do patrimônio cultural brasileiro. Poderia mesmo revelar a existência de modelos, formas e nexos que passaram despercebidos por esta pesquisa e, talvez, até mesmo determinar critérios e atributos de uma possível paisagem cultural da lenda anchietana.

Cabe lembrar que outras regiões brasileiras guardam tradições manifestas em sítios e objetos associados a religiosos legendários que, curiosamente, também tomaram parte em conflitos armados. No sertão baiano há a figura extraordinária de Antônio Conselheiro, que, além das ruínas intermitentes de Canudos, legou dezenas de igrejas, capelas, imagens sacras e cruzeiros construídos ou reformados por ele em diversas cidades da árida região do norte do estado. Conforme argumentado nos estudos de Jadilson Santos sobre o tema, a cultura material legada por Conselheiro ajudou a construir uma profunda identificação entre a devoção ao Bom Jesus e a cultura dos sertanejos que viam na imagem da agonia de Cristo algo do próprio sofrimento, contribuindo para a sua resistência quase sobre-humana diante das adversidades e tragédias vividas.10 10 Santos (2017, p. 138-139). A dissertação de mestrado (2011) e a tese de doutoramento (2017) do autor foram dedicadas aos monumentos e imagens reformados ou construídos por Antônio Conselheiro e seus seguidores. Desenvolvidas com apreço às metodologias dos bons estudos iconográficos e estilísticos de história da arte, ambas revelam um acervo riquíssimo e pouco conhecido fora da Bahia. No sul do país, por sua vez, desponta o multifacetado monge João Maria, cuja versão lendária resulta da fusão, pelo imaginário popular, de três eremitas que atuaram entre meados do século XIX e o início do século XX nos três estados da região sul. Peregrinando pelas estradas de tropeiros que interligavam os interiores sulinos, o mítico monge é hoje venerado como santo aos pés dos muitos cruzeiros que levantou em cumes de morros e junto às fontes e lagos a cujas águas suas bênçãos teriam conferido poderes curativos.11 11 Sobre o primeiro monge, cf. Karsburg (2012); sobre a crença no “santo” João Maria, cf. Góes (2008). Nos três casos, a memória de uma figura religiosa proeminente vinculou-se de maneira perene a sítios e lugares que lembram o seu papel como fundador de cidades, autor de prodígios e milagres e herói em tempos de guerra.

A PIA DA IGREJA DO COLÉGIO E A MEMÓRIA DA FUNDAÇÃO PAULISTANA

Na madrugada de 14 de março de 1896, a forte chuva que caía sobre São Paulo causou o desabamento do telhado da Igreja do Bom Jesus, no Largo do Colégio, condenando à demolição o último remanescente íntegro do conjunto jesuítico que marcava o sítio de fundação da cidade. Ao amanhecer, os estragos da chuva puderam ser mais bem avaliados: a parte central do telhado (bem como o forro abobadado da nave) havia ruído por completo, assim como uma das paredes de taipa de pilão, que, desabando em quase toda a sua extensão, danificou severamente os retábulos laterais ali engastados e o cunhal da torre sineira a ela adjacente.12 12 Piza (1896, p. 66). Exames mais acurados acabaram revelando que a queda do telhado fora consequência do desmoronamento da parede de taipa de pilão ao lado do Evangelho, enfraquecida em decorrência das reformas feitas no edifício do Palácio ao longo dos anos. À primeira hora, entretanto, as explicações para o desabamento da Igreja do Colégio davam conta de sabotagens feitas por pessoas ligadas ao governo para apressar o arruinamento da secular edificação.13 13 Moraes (1979, p. 54).

O surgimento de tais boatos acusatórios era um desdobramento quase natural da acirrada briga jurídica entre a Diocese de São Paulo e o governo estadual pela posse do imóvel, que começara em 1891 quando a promulgação da constituição republicana permitiu a desapropriação da igreja pelo governo, cujo intento era construir ali uma nova ala do Palácio.14 14 O princípio da separação total entre Igreja e Estado, cláusula pétrea da causa republicana, ia de encontro à pretensão da Igreja Católica de reaver os bens confiscados aos jesuítas pela Coroa portuguesa em 1759. A disputa judicial acarretou o fechamento do templo e o fim dos cultos, contribuindo ainda mais para a depreciação do edifício. Desde então, a Igreja do Bom Jesus tornou-se o principal ponto de conflito entre republicanos e monarquistas paulistanos, cujas posições antagônicas sobre a posse do imóvel e o seu destino só aumentaram com o passar dos anos, não amainando nem após o desmoronamento.

Nos principais jornais da capital, monarquistas reputados como João Mendes de Almeida e o general Couto de Magalhães denunciavam a profanação do solo sagrado do templo católico, advogando pela inseparabilidade da nacionalidade brasileira e da Igreja Católica ao lembrar que a própria cidade tivera sua origem ao redor do templo jesuítico. Nos textos de Couto de Magalhães, a ideia de demolir o templo para dar lugar a “algum edificio de architectura franceza e dispendiosa” ganhou tons verdadeiramente xenófobos, como se nota na conclamação feita ao governador Bernardino de Campos para que não consentisse que “a picareta dos italianos ou outra apague do largo do Palácio a única figura que recorda as origens de S. Paulo e sua longa e gloriosa história”. O velho general, veterano da guerra contra o Paraguai e ex-presidente das províncias de Goiás, Pará, Mato Grosso e o último a ocupar esse posto em São Paulo, era figura das mais identificadas com a monarquia e sua xenofobia evidenciava as tensões sociais advindas da imigração massiva que abalava o tecido urbano e social da cidade.15 15 Afora as carreiras política e militar, Couto de Magalhães costuma ser lembrado mais pela sua defesa aguerrida da nacionalidade brasileira como não europeia, ideia embasada pelos seus estudos de antropologia e folclore, considerados pioneiros no gênero. Ainda bastante ignorada, sua xenofobia exacerbada aparenta ter contribuído grandemente para sua defesa das tradições nacionais brasileiras. Em 1894, a fundação do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP), cuja maioria dos membros se identificava com a nascente república, reuniu sob o mesmo teto os mais conhecidos advogados demolição do antigo templo. Foram eles Antônio de Toledo Piza e Teodoro Sampaio, engenheiros renomados que sempre alegaram razões técnicas para discordarem dos planos de reforma ou reconstrução da igreja, mesmo reconhecendo o seu elevado valor histórico e simbólico.

Antes que o julgamento sobre o processo fosse concluído, contudo, ocorreu o desabamento. Consumado o fato, firmou-se enfim um acordo entre as partes que dava a posse do terreno da igreja para o governo em troca da cessão de outro para a diocese, juntamente com uma indenização generosa. Além disso, firmou-se que o destino dos restos da desaparecida construção seria decidido pela formação de uma comissão mista, que se incumbiu de

[…] remover os objectos sagrados, recolher as relíquias encontradas, demolir o resto do edifício, salvando das ruínas tudo quanto tivesse algum valor artístico ou histórico, levantar a planta do edifício com photographias da parte externa e do que restava da parte interna, estudar as inscripções sobre os túmulos e remover para a crypta da Sé os ossos que fossem encontrados nas sepulturas.16 16 Piza, op. cit., p. 68-71.

Os trabalhos de demolição ficaram a cargo de Teodoro Sampaio, a quem coube a maior parte das tarefas elencadas acima que não envolvessem aspectos litúrgicos. Assim, enquanto Toledo Piza ficou encarregado de registrar as inscrições tumulares encontradas, a Sampaio calhou a identificação de objetos de interesse artístico e/ou histórico e a realização do levantamento métrico e fotográfico da igreja.

Entretanto, do acalentado levantamento métrico e fotográfico apenas uma planta baixa e algumas poucas fotos do seu interior parecem ter sido feitas.17 17 A ausência do levantamento métrico à época da demolição da igreja fez com que restassem aos interessados na reconstituição de sua planta as descrições feitas da igreja (e seu acervo) nos inventários dos bens da Companhia de Jesus confiscados pela Coroa após sua expulsão, em 1759. À recolha dos objetos históricos e artísticos também pouca atenção parece ter sido dada. De acordo com o próprio Antônio Piza, embora os bens existentes na Igreja fossem preciosos, “riquíssimos de tradições, e fala[ssem] piedosamente aos nossos corações de paulistas e de amigos de nossa história pátria”, eram, contudo, pouco estimáveis do ponto de vista artístico: “nada tem de extraordinária a edificação do templo, nem de artístico as obras de entalhe. Os altares, o púlpito, os nichos, as imagens são vulgaríssimas como trabalho d’arte” - escreveu ele em sua notícia sobre os trabalhos da comissão.18 18 Piza, op. cit., p. 76. Não é de se admirar, portanto, que aparentemente apenas um único objeto tenha sido salvo das ruínas com a exclusiva finalidade de guardar a memória da antiga igreja: a pequena pia de água benta, que foi recolhida ao Museu Paulista logo após a conclusão dos trabalhos de demolição.19 19 A pia localizava-se abaixo do coro, à entrada da nave, e engastava-se na parede de taipa de pilão.

Cabe lembrar que há mais objetos da antiga Igreja dos Jesuítas que foram salvos da ruína e da dispersão, estando hoje integrados aos acervos de museus e igrejas da cidade. Porém, conforme demonstra o estudo de João Kuhn, são peças que tiveram trajetórias muitas vezes bastante sinuosas até chegarem às salas de exposição ou tronos de altares.20 20 Kuhn (2016, p. 96 e seq.). Os bens remanescentes (catorze objetos, conforme listagem prévia de Geraldo Moraes Dutra) tiveram sua trajetória desde a demolição recuperada pelo autor, que identificou também as suas atuais localizações. Em sua maior parte, eram peças que estavam entre o conjunto que foi recolhido à Igreja de São Pedro dos Clérigos pelos cônegos Ezequias Fontoura e José de Castro, dois religiosos que integraram a comissão mista. Portanto, apesar de seu inegável valor histórico, foram resgatadas tendo em vista fins litúrgicos. Sua conversão em objeto museológico é, assim, bem posterior à demolição.21 21 Merecem destaque os casos da imagem de Bom Jesus (hoje na igreja de N. Sra. da Boa Morte) e os fragmentos do altar-mor, que foram adaptados à capela-mor da Igreja de N. Sra. da Conceição, à rua Jaguaribe, antes de integrarem o acervo do Museu Anchieta, onde também encontram-se peças cuja precedência da antiga igreja jesuítica é apenas atribuída. Trajetórias similares percorreram os outros objetos provenientes do templo demolido que hoje pertencem ao acervo do Museu Paulista - uma coluna de altar e uma vara de pálio.22 22 Excluiu-se dessa lista a pedra tumular de Afonso Sardinha e sua mulher, visto sua entrada no museu ter sido anterior à própria demolição do templo. Encontrada em 1882, durante escavações feitas para as obras no Palácio do Governo ocorridas sob a presidência de Florêncio de Abreu, a lápide deve ter integrado antes a pouco conhecida coleção do Museu Provincial, tendo sido transferida ao museu após a sua criação, em 1895. A pequena pia de pedra, por sua vez, parece ter sido destinada a servir como testemunho histórico da Igreja que marcara o sítio fundacional da cidade. No livro de aquisições do Museu se encontra o seguinte registro, referente a 18 de julho de 1896: “Do Ilmo. Sr. Teodoro de Sampaio, São Paulo, uma pia da Igreja do Collegio”. Nota-se que não há nenhuma indicação acerca da época ou função da peça (Figura 1).

Figura 1
Pia de água benta da igreja de Bom Jesus, século XVII, granito, 95cm×50cm×32cm.

Como encarregado dos trabalhos de demolição, é possível que tenha sido o próprio Sampaio quem selecionou a peça que deveria seguir para o museu. Embora meses antes de efetuar a doação, o engenheiro tenha feito uma conferência no IHGSP em que aludiu à necessidade de conservar as “relíquias venerandas recolhidas por mãos piedosas”, ele nada disse acerca dos critérios que deveriam ser adotados para tanto. Em seus comentários é possível vislumbrar, ao menos, quais aspectos do arruinado templo eram os mais valorizados e que, certamente, influenciaram a escolha da peça destinada ao Museu Paulista. Nesse sentido, é notável que, para o autor, a memória da Igreja do Colégio se resumia ao ato de fundação da cidade. Afinal, ao reconhecer que pouco restara do templo “senão vestígios mal apagados”, Sampaio aspirava que por meio da preservação de suas “relíquias” se pudesse venerar “os esforços dos que nos deram a posse d’esta terra, d’aquelles que primeiro aqui lançaram os fundamentos da sua actual prosperidade”.23 23 Sampaio (1898, p. 2).

O tom neutro adotado pelo engenheiro não permite inferir mais sobre os critérios adotados. No entanto, a retórica mais elaborada do outro membro da comissão, Antônio de Toledo Piza, deixa mais explícito o tipo de vínculo que se procurava estabelecer entre a memória da igreja arruinada e a da fundação da cidade de São Paulo:

No vulto extraordinário de Anchieta saudemos aos que tombaram nas lutas pelas civilização e que o tempo glorificou, deixando em pé o templo cujos sinos, por muitos e dilatados annos chamaram os paulistas à prece e ao cumprimento dos deveres cívicos.

Em todas as épocas aparecem typos extraordinários.

Na historia paulista salienta-se, nos tempos coloniaes, o de José de Anchieta. As ruinas do Collégio recordam o seu valor, audácia e merecimentos.

Sirvam estas linhas de preito aos paulistas que lançaram as bases de nossa grandeza e de apelo aos estudiosos que se interessam pela nossa historia.24 24 Piza, op. cit., p. 78.

O que poderia ser visto apenas como um lance de retórica típico dos discursos encomiásticos dos eruditos da época foi sendo transformado, ao longo dos anos seguintes, em um verdadeiro mito fundador da história da cidade. Como tal, marcou por décadas a pia de pedra do Museu Paulista, que, de objeto desdenhado passou a ser visto como a própria materialização do mito fundacional paulistano - para logo em seguida ser novamente esquecida, já que a cidade precisou inventar novos meios de celebrar sua origem.

Conforme evidenciou Marília Bonas Conte, autora de um detalhado estudo sobre a pia da Igreja do Colégio, há pouquíssimos registros sobre a peça na documentação do Museu durante os primeiros vinte anos, revelando a pouca atenção que merecera no período.25 25 Conte (2011, p. 79). Diante da ausência de qualquer menção à pia no “Guia pelas colleções do Museu Paulista”, de 1907, a autora chega a questionar se a peça teria estado em reserva técnica durante parte da gestão de Hermann von Ihering, possibilidade que não deve ser descartada. Contudo, em meio aos trabalhos de reorganização promovidos por Afonso Taunay, a peça já era referida por ele com destacada importância, embora baseada em um crasso erro de atribuição: à pia de água benta foi atribuída uma função batismal e pareada à pia das ruínas do Abarebebê, acrescentando ainda Taunay que “em ambas baptis[ara] Anchieta numerosos neophytos”.26 26 ApudConte (2011, p. 80). Além disso, a peça foi também erroneamente datada como sendo do século XVI - se equiparando novamente à pia de Peruíbe.

Cumpre notar, no entanto, que até a publicação seriada das cartas jesuíticas (iniciada em 1931) a história construtiva da Igreja do Bom Jesus era ainda pouco conhecida. Mesmo Antônio Toledo Piza, cujo relatório de 1896PIZA, Antônio T. Igreja do colégio da capital do Estado de São Paulo. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 58, n. 2, p. 57-149, 1896. permanecia a principal referência a respeito, se limitara a esboçar algumas suposições a partir do exame das ruínas e da epigrafia então recolhida. De modo geral, se aceitava que ao menos parte do templo demolido dataria do século XVI, embora pouco se pudesse afirmar para além disso.27 27 Piza, op. cit., p. 80. Toledo Piza primeiro supôs que o templo demolido em 1896 era a igreja construída por Afonso Brás para substituir a capela inaugural de barro e palha, parecer que foi posteriormente retificado por ele, que chegou a considerar (de novo erroneamente) que a capela-mor ainda poderia datar do século XVI. A constatação é minimizada por ele nos seguintes termos: “pode-se dizer della o que se disse da faca do camponez, que continuamente retocada, ora na lâmina, ora no cabo, era para o seu dono a mesma faca primitiva”. Assim, é interessante notar que, um ano após o início da publicação das cartas jesuíticas, quando o Museu refaz o inventário de seu acervo expositivo, a peça teve sua datação corrigida, aparecendo descrita como “pia baptismal da Igreja do Collegio em S. Paulo, de pedra (século XVII)”.28 28 “Museu Paulista: uma interessante exposição de elementos quinhentistas”, Correio Paulistano, 30 abr. 1926, p. 1. A descrição da pia no inventário realizado em 1929 não faz alusão à data. Contudo, ainda em 1926, quando o Museu realizou uma exposição temporária para marcar a entrada de um autógrafo de Anchieta no acervo, a peça é referida, juntamente com a de Peruíbe, como “pia quinhentista”.

Se as lacunas na cronologia da Igreja do Bom Jesus davam fácil ensejo a erros de datação, o mesmo não pode ser dito quanto à alteração de função. Afinal, a disparidade de porte entre uma pia de água benta e uma pia baptismal deveria ter precavido tal confusão. É possível, portanto, ver nesse erro básico certa vontade de engano, como se a necessidade de vinculá-la à fundação da cidade por Anchieta acabasse por projetar sua sombra mesmo onde um exame mais atento poderia dissipá-la. Conforme argumentado por Marília Bonas, tais alterações no registro da peça também lhe conferiam um fortíssimo valor simbólico como metáfora do nascimento da nacionalidade pela miscigenação e pela catequese.29 29 Conte, op. cit., p. 87.

Não se pode, contudo, tratar o caso como tendo sido uma falsificação manipuladora ou um caso anedótico de arrivismo histórico. Nem mesmo se pode simplificar o processo atribuindo as mudanças ao puro desconhecimento que pairava sobre a peça na ocasião de sua doação ao Museu - principalmente porque uma nota publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, à época da doação, atesta que sua função era bem conhecida: “A pia de água benta que pertenceu à egreja do Collegio foi transportada para o Museu Paulista, sendo collocada no vestíbulo daquelle estabelecimento”.30 30 O Estado de S. Paulo, 18 de julho 1896, seção “Notas e informações”, p. 1. Assim, mesmo se considerando a pouca importância da peça durante a primeira fase do Museu, é preciso reconhecer que somente uma ficha em branco não basta para explicar os caminhos que levaram a sua vinculação a Anchieta.

Entender esse percurso passa por entender o próprio processo de recuperação da memória de Anchieta na história da cidade de São Paulo, justamente no momento em que ela começava a assumir uma influência política e econômica de alcance nacional. Não custa lembrar que, até então, não havia uma narrativa consolidada sobre a fundação da cidade, nem sobre a contribuição de cada um dos personagens tradicionalmente tidos como os fundadores. As crônicas de Pedro Taques e Frei Gaspar de Madre Deus, por exemplo, privilegiaram a ação de Martim Afonso de Sousa como povoador de Piratininga e a figura de João Ramalho como interlocutor entre o donatário e os dois principais chefes da terra, Tibiriçá e Caiubi - postura que ainda ressoava em 1864, quando Joaquim Machado de Oliveira publicou o seu “Quadro histórico da província de São Paulo”. Nele, a fundação do colégio de São Paulo tem menor peso que a posterior transferência do foral de Santo André da Borda do Campo, a vila “primogênita de Martim Afonso nos campos de Piratininga com a qual o donatário da capitania de São Vicente remunerou a João Ramalho os importantíssimos serviços prestados”.31 31 Oliveira (1864, p. 55). O autor foi além e, eivado do sentimento antijesuítico da época, considerou a transferência do foral de Santo André para São Paulo como a primeira perfídia dos inacianos contra os povoadores da terra, resultando ainda na “mais odiosa” demolição da vila da Borda do Campo. Azevedo Marques, por sua vez, apresentou a inauguração do colégio de Piratininga sem qualquer ênfase de sentido fundacional. Mais importante: nenhum destaque é dado à figura de Anchieta, que foi mencionado apenas como companheiro de Manuel de Paiva, o superior dos jesuítas ali presentes.32 32 Azevedo Marques (1954, p. 240-241).

Assim, torna-se bastante claro que à época da demolição da Igreja de Bom Jesus, o protagonismo de Anchieta na narrativa fundacional da cidade ainda estava para ser construído. Pouco após o fato, contudo, as comemorações do terceiro centenário de sua morte se apresentaram como a ocasião ideal para reavaliar o seu papel no nascimento de São Paulo. A efeméride ficou marcada pelas conferências realizadas em sua homenagem, que, tendo seu início ainda em meados de 1896, congraçaram monarquistas convictos como Couto de Magalhães e Joaquim Nabuco e republicanos como o jurista João Monteiro33 33 Catedrático de teoria do direito na Faculdade do largo São Francisco, exerceu papel importante na consolidação da legislação republicana em São Paulo, sendo depois eleito deputado estadual. e Teodoro Sampaio.34 34 Se, por um lado, Sampaio manifestou uma lealdade sentimental ao Império até o fim de sua vida, fora também arrebatado “com entusiasmo [……] pela onda renovadora” republicana (PIERSON, 1945, p. 430). A organização das conferências contou com amplo apoio da Igreja Católica, que via na reaproximação do Estado uma forma de recuperar o prestígio político perdido.35 35 Oliveira (1990, p. 161 e seq.). Nesse contexto, o resgate da imagem de Anchieta - ou, melhor dizendo, sua consolidação como figura mítica da história da nação -, se apresentava como a via mais promissora para esse objetivo. Compreende-se, portanto, que o esforço de apaziguamento tenha dado o tom de todas as conferências, como se nota nas palavras proferidas por Eduardo Prado:

[…] nós, brazileiros, temos, por este motivo da glorificação de Anchieta, uma rara occasião de estarmos todos unidos. Na pessoa de Anchieta glorificamos a nossa história e os feitos dos nossos maiores. Os irmãos podem dissentir entre si, mas todos tem o sentimento commum de veneraçãos pelos paes.36 36 Prado (1900, p. 55).

A conferência de Prado, intitulada “O catolicismo, a Companhia de Jesus e a colonização do Brasil” teve ampla reverberação no meio intelectual paulista, lançando as bases da “interpretação católica da história do Brasil”.37 37 Oliveira (1990, p. 163). Sobre a importância da conferência no pensamento de Eduardo Prado e sua influência entre os letrados paulistas, cf. Berriel (2013, p. 69-71). Para o autor, monarquista bastante crítico ao regime republicano, os esforços dos jesuítas na catequese e no aldeamento dos indígenas asseguravam o seu lugar da Ordem no surgimento da nação; não tanto pela expansão da fé católica, mas principalmente porque possibilitou a conversão de São Paulo em uma “oficina de homens”: os mamelucos rudes que teriam povoado o interior do continente sob o comando dos bandeirantes.38 38 Ibid., p. 70. Conforme imagem utilizada por Prado, se o grosso da população do interior do país tinha casa, família e religião, era “porque os Jesuítas civilizaram seus avós”.39 39 Prado, op. cit., p. 56. Desse modo, a heroificação de Anchieta permitiu à República não só abolir de vez a pecha de obscurantistas e gananciosos com que os jesuítas foram caracterizados durante o Império, como apaziguar das tensões entre Estado e Igreja.

A sua entrada para o Panteão nacional poderia despertar maiores tensões no contexto paulistano, considerando que as conferências começaram quando ainda se concluíam os trabalhos de demolição da Igreja do Bom Jesus. Mesmo esse ponto sensível, porém, não foi evocado em tom acusatório nem revanchista. Na realidade, chegou a oferecer um tópos perfeito para o tipo de evocação tão ao gosto da época quanto pertinente aos objetivos da celebração, como foi feito no por Brasílio Machado:

Tambem prisioneira do esquecimento, como seu corpo estivera prisioneiro da morte, a memoria de Anchieta adormecia quasi silenciosa nas naves fechadas desse Collegio de S. Paulo de Piratininga, uma das nascentes obscuras da magestosa torrente das grandezas paulistas. Mas um dia… e foi neste anno, no edificio, donde haviam desertado as pompas do culto, na solidão morta de suas naves, sentiu que era demasiado o peso de um silencio para quem, durante três séculos, pela voz de seus sinos, tangera a palavra de Deus… e deixou-se abater. Arrancados os florões dos seus altares, quebrados os seus púlpitos, desfeitos os seus arcos e apeado o tecto, derruídas as paredes, revolvidas na cova dos mortos o ossuário e as cinzas dos povoadores de outr’ora, - dentre as ruínas, como um pássaro captivo a que se abrissem os ares agitados pelas vibrações da liberdade, emergiu numa ascensão luminosa a figura suave de Anchieta, como num crepúsculo daquelles tempos, em que a cruz, multiplicando-se nas selvas, balizava em todos os rumos os caminhos dos bandeirantes!40 40 Machado (1900, p. 76).

Destruída a igreja onde nascera São Paulo, o fantasma de Anchieta passava a necessitar de outro ponto onde sua memória pudesse ser fixada, principalmente após o tricentenário de sua morte, que consolidara o seu nome como um protagonista da fundação da cidade.

Nos anos seguintes, a heroificação de Anchieta continuou a reverberar significativamente nas interpretações sobre as origens da cidade, como bem demonstra o caso da tela de Oscar Pereira da Silva, A fundação de São Paulo (1907). Contudo, o santo ainda concorria com outras figuras icônicas como João Ramalho e Martim Afonso de Souza, que se mostravam mais atrativos à exaltação dos bandeirantes e da nobreza das linhagens ancestrais dos paulistas.41 41 Monteiro (2019, p. 15). Ainda assim, sua importância não podia ser mais contestada ou tratada com indiferença, como o fizeram Oliveira Machado e Azevedo Marques. Além disso, a solidez de sua imagem como fundador da cidade e como apóstolo do catolicismo fez com que ela se tornasse perfeitamente aderente à pequena pia de água benta do Museu Paulista. A peça deixava de ser um fragmento de uma construção desaparecida sobre o qual pouco se sabia para tornar-se, pela alteração de data e uso, uma metáfora do surgimento da cidade de São Paulo como polo civilizador do interior do Brasil. Como demonstrado por Marília Bonas, foi essa construção imagética que garantiu um lugar, mesmo que secundário, à contribuição dos jesuítas na fundação da cidade e na catequese civilizadora na exposição de 1922.

É interessante notar como a pia do Museu Paulista foi perdendo a sua força evocativa conforme se avançava no estabelecimento da cronologia construtiva da Igreja do Bom Jesus, o que reforçou a criação de outros fixadores da memória anchietana na cidade que teria fundado. O vertiginoso crescimento que a capital paulista então experimentava parecia também exigir um monumento aos seus fundadores à altura de sua importância. Afinal, a portentosa escultura de Amedeo Zani, Glória imortal aos fundadores de São Paulo, monumento erigido para este fim em 1925, nunca atendeu às expectativas - menos por questões de mérito artístico do que pela transformação do largo do Palácio em mero local de circulação, conforme apontou Solange Ferraz.42 42 Lima (1999, p. 71). Em seu estudo, Solange Ferraz Lima vê o monumento de Zani como ação “pretensamente compensatória” nascida do esvaziamento das práticas que dotavam o largo de importância simbólica central à cidade. Cabe notar que a ideia de erigir ali um monumento aos fundadores da cidade é primeiramente sugerida por Teodoro Sampaio, que propôs erguer “à memória dos fundadores do colégio, que são também os d’esta cidade, um monumento immorredouro como o bronze” (SAMPAIO, 1898, p. 9). Os novos ritmos de vida na cidade engendravam a necessidade de uma afirmação mais enfática sobre o local da fundação e a identidade dos fundadores, que frustrava por completo a forma alegórica do monumento de Zani.

Além disso, conforme a cidade se aproximava da comemoração do seu quarto centenário, a indefinição sobre os protagonistas de sua fundação foi terminando, recaindo a honra sobre o venerável padre. Não interessa tanto repassar aqui os detalhes de um debate historiográfico demasiadamente preocupado com uma história factual feita por meio da exegese da documentação e restrito aos eruditos locais; cumpre sim notar que, apesar da intensa glorificação da figura do bandeirante promovida por instituições oficiais do estado (como o IHGSP e o Museu Paulista), foi a “suave figura de Anchieta” que acabou prevalecendo no campo da memória pública da cidade de São Paulo. Edmundo Quarenta, em minucioso sobre a representação de Anchieta durante as comemorações do IV Centenário, argumenta que a imagem do jesuíta espanhol prevaleceu por ter conseguido se sobrepor às aspirações nativistas implícitas nas defesas de seus concorrentes, como o português Manuel de Nóbrega.43 43 Quarenta (2009, p. 192-193). Embora não se possa discordar de seu argumento, entretanto, há outro fator relevante que ajuda a entender o triunfo da figura de Anchieta: a sua representação como profeta do progresso paulistano, que, ocorrida em um curto espaço de tempo, acabou por diminuir a potência evocativa da pia de pedra do Museu Paulista, de resto já desacreditada como relíquia anchietana.

A elevação de José de Anchieta à condição de apóstolo do progresso teve início em 1917, quando os Anais da Biblioteca Nacional publicaram um relatório escrito em 1693 pelo governador das capitanias do Rio de Janeiro e São Paulo, Antônio Paes de Sande. Após descrever as qualidades do sítio da vila de São Paulo e seu entorno, Sande arrematou suas observações aludindo a uma suposta profecia de Anchieta sobre o futuro da pequena vila: “He finalmente a villa de S. Paulo digníssima de se verificar nella o celebre vaticínio do grande padre Joseph de Anchieta, que há ella de ser a metrópole do Brasil”.44 44 Relatório… (1917, p. 199). Apesar de reputada como célebre, essa foi a primeira vez em que a profecia de Anchieta foi noticiada. O governador nada diz sobre onde a ouvira, mas seu propósito de justificar maiores atenções da Coroa para a vila parece claro, principalmente quando notícias promissoras sobre minas de ouro em seu sertão começavam a circular entre as autoridades reinóis. O trecho se tornou muito conhecido por ter sido citado por Paulo Prado em seu livro Paulística etc., obra que alicerçou por décadas as interpretações do passado regional. O vaticínio abre o capítulo sobre a decadência paulista, que para o autor tivera início justamente à época de Paes de Sande e só fora enfim superada a partir do ciclo de prolongado crescimento que a cidade vivia quando o livro foi primeiramente publicado, em 1925.

Por intermédio de Paulo Prado, a profecia foi apresentada a Batista Pereira, que em 1935 publicou um estudo na Revista do Arquivo Municipal sobre a história da cidade de São Paulo que, apesar de hoje ser pouco conhecido, teve um considerável impacto em obras posteriores sobre o passado paulistano.45 45 Para citar apenas o aspecto mais explícito da influência do estudo de Pereira, basta apontar que os mapas ali apresentados parecem ter sido a base dos que foram utilizados por Pasquale Petrone em seus estudos sobre a geografia histórica da região. Além disso, os bicos de pena elaborados por Roberto Mertig também foram usados em estudos de Aziz Ab’Saber e do Condephaat. Por fim, cabe apontar que Mertig foi um dos vários colaboradores de João de Campos Aguirra, produzindo muitos dos mapas que integravam o seu arquivo, hoje no Museu Paulista. Nele, o autor defende explicitamente que Anchieta fosse considerado o fundador da cidade, principalmente tendo em vista o planejamento da comemoração do IV centenário da fundação, cuja necessária grandeza, aos olhos do autor, não seria mais do que um “dever de memória” dos paulistanos para o jesuíta: “S. Paulo está na obrigação de dar ao seu quarto centenário um esplendor que marque época. A sua opulência é um fato. Pode arcar sem hesitação com os grandes trabalhos preliminares que essa comemoração exige e impõe”.46 46 Pereira (1936, p. 111).

Esse foi o ponto de partida para que Pereira passasse a expor um rebuscado plano de trabalho para a reconstituição histórica da vila de São Paulo de Piratininga, chegando mesmo a sugerir a montagem de uma maquete da vila quinhentista. No entanto, diferentemente da maquete da cidade oitocentista encomendada por Afonso Taunay para o Museu Paulista, baseada em minucioso cruzamento de diversos tipos de fontes oitocentistas, a maquete de Batista Pereira não poderia contar com mais que algumas poucas cartas de sesmarias e de datas de terras. Contudo, o que importava ao autor não era a exatidão histórica da maquete, mas sim o seu valor evocativo, que permitiria materializar aos olhos dos paulistanos modernos, “a cidade de Anchieta”. Evocar a figura do jesuíta se revelava, assim, a preocupação central do artigo, que terminava clamando para que o IV Centenário fizesse justiça a sua memória, erguendo lhe uma estátua de bronze junto à Sé, “apontando para o marco zero” com os dizeres “entra na cidade da Glória”.47 47 Ibid., p. 120. A inscrição sugerida pelo autor é uma menção à conversão de São Paulo, na cena em que o Cristo apareceu ao apóstolo e lhe comandou que cessasse a perseguição aos cristãos. Cf. Atos dos Apóstolos, 9:7.

Nesse sentido, é interessante notar que ao menos parte do programa monumental proposto por Pereira foi realizada no âmbito do IV Centenário ou nos anos seguintes, principalmente aquelas iniciativas em que participaram associações ligadas à Igreja Católica e à Companhia de Jesus. O Museu Anchieta, por exemplo, desde a sua inauguração expunha uma maquete da vila de São Paulo “no tempo de sua fundação”, a qual se restringe a dispor sobre a colina de Inhapuambuçu reconstituída em sua fisionomia natural, o colégio jesuítico e os conventos dos carmelitas, beneditinos e franciscanos (Figura 2). O gritante anacronismo ali figurado (entre a construção do colégio e a instalação dos franciscanos, por exemplo, decorreram quase setenta anos) não pareceu incomodar seus criadores, mais interessados em materializar uma evocação da origem católica da futura cidade. Os ecos das ideias defendidas por Batista Pereira também são vistos na estátua de bronze de Anchieta que foi instalada na praça da Sé, também em 1954 - a meio caminho entre o marco zero e o pátio do Colégio.

Figura 2
Maquete da vila de São Paulo de Piratininga no tempo de sua fundação.

A própria iniciativa de reconstruir uma réplica da Igreja demolida em 1896 com um colégio anexo, mesmo indiretamente, deve algo ao esforço de Baptista Pereira em tornar Anchieta o principal fundador da cidade. Afinal, na devolução do terreno da igreja do Bom Jesus para a Companhia de Jesus, efetuada também durante o IV Centenário, se imiscuía toda a tradição do mito anchietano que ele atualizara para o contexto da efeméride. O projeto de reconstrução, entretanto, só ganhou a sua forma final alguns anos após a publicação do artigo, em conferência de José Marianno Filho, realizada em 1941, na qual o grande ideólogo do estilo colonial brasileiro nas artes e na arquitetura vinculou o centenário por vir à “reconstituição integral da antiga igreja dos jesuítas, e uma ala do antigo colégio, exatamente no sítio em que ela existia”.48 48 Cardim Filho (1975, p. 84).

É inevitável ver nas propostas de Baptista Pereira e José Marianno certo pendor compensatório diante do lugar secundário que Anchieta vinha ocupando na memória pública da cidade, acentuado ainda mais pela perda de status de relíquia histórica da pia do Museu Paulista, o que deixara a cidade sem nenhum artefato vinculado a seu fundador.49 49 Sobre a disputa entre partidários de Anchieta e as demais figuras históricas da cidade, cf. Quarenta, (2009); sobre o lugar secundário dedicado a Anchieta e aos jesuítas em geral no Museu Paulista, cf. Monteiro (2019). Tal situação durou até 1979, quando a abertura do conjunto reconstruído possibilitou ao público visitar o Museu Anchieta ali instalado sob os cuidados de Hélio Viotti - padre jesuíta já consagrado como o principal biógrafo de Anchieta, responsável pelo seu processo de canonização no Vaticano e membro atuante do IHGSP. Nesse novo museu, além dos remanescentes da Igreja do Bom Jesus que foram possíveis reunir (como uma pia batismal atribuída à igreja quinhentista) e da maquete idealizada por Baptista Pereira, se encontravam também expostas as verdadeiras relíquias do então venerável padre: uma jaqueta e parte de seu fêmur direito.50 50 Para os esforços dos jesuítas em recolher as peças remanescentes de sua antiga igreja, cf. Kuhn (2016). O fêmur que se está exposto atualmente no Museu Anchieta, no Pátio do Colégio, foi trazido para o Brasil em 1965 como parte de novo esforço da campanha de canonização, visando despertar a devoção a Anchieta e fomentar casos de intercessões milagrosas. O fêmur fora levado para Roma em 1609, após os restos mortais do jesuíta serem trasladados de Vitória para Salvador, onde foram dispostos em um nicho epigrafado na parede do presbitério da Igreja do Colégio para serem venerados pelos irmãos da Companhia e por fiéis da cidade. Cf. Viotti (1969, p. 221-224). A cidade, enfim, contava novamente com relíquias de Anchieta expostas em um museu-monumento; só que, ao invés de uma falsa relíquia metafórica musealizada após a demolição da igreja original, se tratava de uma autêntica e concreta relíquia, musealizada após uma falsa reconstrução cenográfica.

Mais do que apontar as ironias e contradições inerentes à polêmica reconstrução do conjunto jesuítico do pátio do Colégio, cumpre notar que o falso histórico respondia antes à necessidade de inscrição permanente do mito anchietano na paisagem urbana marcada pela fugacidade do que à fidelidade aos preceitos do restauro científico. Enquanto os técnicos preservacionistas concebiam o velho largo como um sítio arqueológico definido por relações espaciais especificamente estabelecidas entre os objetos culturais que o compunham,51 51 Condephaat (1977, p. 11). seus idealizadores eram guiados ainda pela lógica antiquarista na qual a monumentalização era essencialmente a fixação de nomes ilustres a marcos espaciais, fossem eles sobrevivências do passado ou evocações contemporâneas. Essa espacialidade típica do antiquarismo se fez presente em mais de um momento desde o retorno dos jesuítas, principalmente na reconstituição da “pobre casinha” erguida por Anchieta e seus companheiros, que permaneceu erguida no pátio entre março e junho de 1954 (Figura 3). Construída conforme a descrição feita por Anchieta da primitiva cabana, chegou a dispor de um cruzeiro feito a partir de um cedro trazido de sítio Barro Branco, onde supostamente se localizara a primeira aldeia de Carapicuíba, instituída por Afonso Sardinha - sua lápide, conservada no Museu Paulista, restava então como um dos poucos remanescentes comprovados da igreja jesuítica quinhentista.52 52 Kuhn, op. cit., p. 124.

Figura 3
Reconstituição da primitiva casa de Piratininga no Pátio do Colégio, com o altar com a cruz de cedro à frente, 1954, fotografia.

Nota-se assim que a preocupação em refazer os elos do presente com o passado por meio de referências a alguns locais significativos dos primórdios da cidade foi uma constante durante todo o longo período de duração das obras do novo conjunto. Tratava-se, de fato, de elaborados “rituais de memória” - conforme designação usada por Hélder Viana em seu belo estudo sobre a cidade de Natal -, que, mesmo quando de acordo com os ritos católicos, apresentavam um forte sentido político.

De fato, é possível ver a disputa entre os partidários da reconstrução e os técnicos e profissionais da preservação histórica como uma disputa simbólica pela memória topográfica da cidade. Desse modo, a reconstrução conquistou em definitivo o terreno da igreja do Colégio para o lado vencedor. Conforme apontado por Canado Júnior, a reconstrução de um monumento colonial, justamente na ocasião em que a cidade celebrava sua modernidade, assinalava aos timoneiros do progresso a importância dos velhos paulistas.53 53 Canado Júnior (2021, p. 13-14). Cumpria-se, assim, o programa que fora primeiramente formulado por Eduardo Prado, nas conferências anchietanas de 1896, que reuniram “[os descendentes das raças fundidas] sob a ameaça de desaparecerem na onda extrangeira” para “affirmar, pelo modo mais solemne, a nossa existência social, prestando homenagem a um heróe de nossa velha historia”.

A vitória dos “paulistas de quatrocentos anos”, porém, apresentava um lado menos triunfante, já que a necessidade de explicitar cenograficamente sua presença no centro histórico revelava também a perda do seu prestígio social na metrópole onde as novas sociabilidades emergentes e a comunicação de massas substituíam os velhos códigos sociais. Seu declínio foi também o declínio da metáfora do batismo, tanto pela presença crescente de outras religiões no mosaico cultural paulistano como pelo rápido movimento de secularização da sociedade. Na década de 1990, quando o Museu Paulista finalmente reclassificou a pia de pedra da igreja do Bom Jesus como uma pia de água benta, a importância simbólica de uma peça que remetesse ao batismo dos antigos paulistanos já era virtualmente nula.

A PIA BATISMAL DE PERUÍBE: ANTIQUARISMO E MUSEALIZAÇÃO

Os restos da capela do antigo aldeamento jesuítico de São João Batista, um sítio arqueológico tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (CONDEPHAAT) desde 1979, são mais conhecidas como Ruínas do Abarebebê - alcunha do padre Leonardo Nunes que, segundo a versão mais aceita, instituiu a primeira povoação de indígenas catequizados, no local por volta de 1550. Contudo, esse não foi o único topônimo pelo qual o lugar era conhecido antigamente e tampouco Leonardo Nunes foi o único nome a ele vinculado. No começo do século, o termo “Abarebebê” se referia à povoação que existia ao redor das ruínas, sendo, portanto, o nome de um bairro rural, que era também conhecido como “Aldeia velha”. Quanto às ruínas propriamente ditas, elas eram normalmente denominadas como “Igreja velha” - raramente empregava-se o nome do seu antigo orago, já bastante esquecido. Era a figura de Anchieta (mas não a de Leonardo Nunes) que costumava ser evocada nas referências à igreja, designada então como “igreja de Anchieta” ou “igreja velha de Anchieta”. A razão para isso é citada em artigo escrito em 1924 por um velho morador de Itanhaém que se refere à tradição corrente de que a capela “fora por elle edificada junto à praia da ‘Aldeia Velha.’”54 54 “Itanhaen”, Correio Paulistano, 20 nov. 1924. A legenda escrita por Benedito Calixto para uma fotografia constante em seu livro Memória histórica sobre a egreja e o convento da Immaculada Conceição de Itanhaém distingue exemplarmente os dois topônimos, designando os remanescentes como “ruínas da antiga egreja de Anchieta na aldêa de Abarebebê”.55 55 Calixto (1915). Calixto não chegou a atribuir ao jesuíta a fundação do aldeamento de Peruíbe, reconhecendo a primazia de Leonardo Nunes e Pero Correia na questão. Contudo, para o renomado pintor, a primeira capela não teria sido mais do que uma “palhoça”, tendo sido “ampliada e aperfeiçoada durante o provincialado de Anchieta”, razão pela qual “ainda actualmente o povo dá às ruínas daquelle templo o nome de Egreja de Anchieta”.56 56 Para Calixto, mesmo o padre Nunes e Pero Correia não teriam sido os fundadores da primeira povoação portuguesa a existir ali, já que teriam os jesuítas se instalado no núcleo já fundado por Martim Afonso de Souza, entre 1532 e 1534. Cf. Calixto (1895, p. 17). Contudo, nenhuma evidência apoia a reivindicação de ter Martim Afonso de Souza fundado Itanhaém, pouco restando para justificá-la além de seu afã em atribuir a sua cidade natal uma origem nobre e tão antiga quanto a de São Vicente. Como a citação deixa claro, embora não tenha sido o seu fundador, era Anchieta a principal “sombra” das ruínas do Abarebebê.

Em verdade, é cabível pensar que foi a sua identificação com o santo que garantiu o seu reconhecimento como sítio histórico de grande valor, justificando a transferência da antiga pia batismal ali existente para o Museu Paulista (Figura 4).

Figura 4
Pia batismal da antiga igreja de São João Batista da aldeia do Abarebebê, séculos XVI-XVII, granito, 80cm×40cm×47cm.

Embora não tenha sido encontrada nenhuma evidência neste sentido, é bastante plausível que a musealização da pia batismal tenha contado com a mediação de Benedito Calixto em algum momento. Dentre os motivos que se pode elencar para sustentar tal hipótese, há de se destacar, primeiramente, o fato de que o famoso pintor foi um católico fervoroso e tão devotado à memória de Anchieta que acabou ensejando um curioso caso envolvendo o grande historiador de seu tempo, o cearense Capistrano de Abreu, assim rememorado por Afonso de Freitas Júnior:

Era em 1916. Capistrano visitava Conceição de Itanhaém. Iam em sua companhia, de São Paulo, Alfredo de Toledo, Gentil de Moura e Affonso de Freitas, tendo-se-lhe reunido em S. Vicente, Benedicto Calixto. Este que já tinha em mãos o seu magnífico estudo sobre a Capitania de Itanhaém, e grande admirador da figura luminosa do padre Anchieta, ia pelo caminho rememorando ao mestre a individualidade do grande thaumaturgo da América: esta parede, dividida por anosa figueira que lhe nasceu no âmago, foi ajuda levantar por Anchieta; alli, junto à Itaipus (sic), existiu sempre um rancho que era o pouso de Anchieta; esta praia foi palmilhada innúmeras vezes por Anchieta em suas digressões e jornadas… e assim chegou a caravana a Itanhaém onde almoçou. Finda a refeição, Capistrano indagou si no local existia agência do Correio. Existia sim, affirmou promptamente Calixto. O mestre saccou então do bolso um cartão postal, já sellado e escreveu - Vieira Fazenda (vulgo Tapera) - Rio. De Itanhaem onde Anchieta jamais perdeu as botas enviam muito saudar. Capistrano de Abreu. Com ele assinaram o cartão Toledo, Freitas e Gentil. Calixto recusou-se: assignar uma declaração de que Anchieta nunca perdeu as botas em Itanhaem? Nunca! Seu Calixto, Anchieta usava botas? interrogou Capistrano. Não, responde Calixto, usava alpercatas. Ora, retruca Capistrano, si usava alpercatas jamais poderia perder as botas!… E Calixto foi convencido e assignou o cartão.57 57 Freitas Júnior (1928, p. 610-611). Trata-se da parte final do discurso de homenagem póstuma a Capistrano de Abreu, falecido em 1927. Tenha sido praticada por Capistrano ou não, a brincadeira faz referência a uma anedota corrente no final do século XIX sobre um estudante em Paris que visita o quarto onde supostamente teria se hospedado Voltaire.

Real ou fictício, o causo narrado por Freitas Júnior dá uma boa medida da admiração que Calixto nutriu toda a sua vida por Anchieta, que foi tema de vários de seus quadros.58 58 Calixto pintou ao menos quatro quadros de Anchieta, dentre os quais alguns tiveram mais de uma versão: “O beato José de Anchieta” (1902), hoje no Acervo do Museu Paulista; “Anchieta e as feras” e “Evangelho nas selvas” (1893/1897), uma versão pertencente ao Museu de Arte Sacra de São Paulo e outra à coleção particular; “Anchieta e Nóbrega na cabana de Pindobuçú” (1927), em coleção particular; “O poema de Anchieta” e “Poema à Virgem Maria” (1900/1901) uma versão em coleção particular e outra pertencente ao Colégio São Luiz, hoje exposto no Museu Anchieta. E em ao menos um deles, o “Poema à Virgem Maria”, pintado em 1901, se reconhece a paisagem costeira de sua Itanhaém natal na extensa praia de horizonte desimpedido na qual o jesuíta escreve os seus versos - em claro contraste com as praias entrecortadas por costeiras da região de Ubatuba (Figura 5). Panoramas em tudo semelhantes a esse aparecem, ao menos, em outras duas telas de sua produção, permitindo identificar que o modelo para todas elas foram o mesmo trecho da praia do Meio (atualmente conhecida como praia dos Sonhos).

Figura 5
Benedito Calixto, Poema à Virgem Maria, 1901, óleo sobre tela, 69cm×98cm.

Em seu apreço pela figura do jesuíta, Calixto melhor demonstrava uma face pouco notada de seu trabalho como pesquisador e que permite entendê-lo antes como um antiquário do que como historiador. De fato, é possível identificar na obra escrita de Calixto muitos dos traços típicos da pesquisa antiquária conforme foram pontuados por Arnaldo Momigliano, em estudo clássico sobre o tema. Como os melhores antiquários, ele também se mostrava especialmente inclinado à concretude de artefatos e paisagens que sempre distinguiu esse tipo de investigações, o que acabava por ter uma relação direta com a circunscrição de seus estudos a uma única região: o litoral paulista, em especial as duas cidades onde morou a maior parte da vida, Itanhaém e São Vicente.59 59 Eriksen (2014, p. 30 e seq.). Nota-se na maior parte de seus artigos e livros a cultivada preferência do autor pela investigação de antigas paragens e a correta identificação de sítios, artefatos e monumentos, expressa por vezes em mapas e plantas de que sintetizavam anos de investigações. Em verdade, não é apenas apropriado considerar Benedito Calixto como um típico antiquário como a correta apreciação de sua obra conduz a conclusão de que esteve entre os mais destacados representantes desse gênero de pesquisas no Brasil.

Desse modo, não surpreende o interesse de Calixto em perpetuar na topografia de sua cidade natal a memória do mais venerável dos homens que lá estiveram. No Museu Paulista, onde se encontra parte de seu acervo pessoal, é possível encontrar fotografias feitas em 1924, que registram a sua iniciativa de indicar os lugares históricos de Itanhaém aos veranistas que começavam a frequentar a cidade.60 60 A inauguração da estrada de rodagem do Caminho do Mar, em 1922, incentivou a balnearização de Itanhaém, onde logo se abriram hotéis que passaram a receber muitas famílias paulistanas em férias. De São Vicente até Itanhaém, o percurso podia ser feito pela praia durante a maré baixa. De acordo com o texto escrito no verso de uma das fotografias, o próprio Calixto “andou desbravando matas, abrindo picadas e preparando os locais para receber os veranistas e neles colocando as suas taboletas”. Um dos lugares escolhidos pelo pintor para receber uma “taboleta” foi o ponto em que ficava a primitiva escadaria de acesso à capela de N. Sra. da Conceição, em época anterior à rampa construída no século XVIII pelos franciscanos que ali instalaram o convento (Figura 6). Alguns anos antes, o antigo acesso ao cume do morro já merecera a sua atenção, tendo registrado que a “escadaria de pedra em ziguezague, que flanqueava a encosta da montanha, do lado sul, [tinha] seu começo ou patamar próximo à fonte de Itaguira”.61 61 Calixto (1915, p. 25). Contudo, nas fotografias percebe-se que foi a presença de Anchieta no convento que Calixto destacou na placa que elaborou.

Figura 6
“Era aqui a ladeira velha da primeira ermida no tempo de Anchieta”. Familiares de Benedito Calixto indicam um vestígio da topografia histórica da cidade, 1924, fotografia, 9,9cm×14,6cm.

Foi nas ruínas da antiga capela de S. João Batista que o pintor itanhaense encontrou o lugar ideal para expressar sua admiração por Anchieta. Ele chegou mesmo a possuir um antigo frasco de santos óleos da “egreja de Anchieta”, conforme descrito no catálogo da exposição realizada em São Vicente pela ocasião do quarto centenário do descobrimento do Brasil.62 62 Oliveira (2018, p. 206). Mais importante que o seu colecionismo individual, Calixto ajudou a divulgar a existência das ruínas de diversas maneiras ao longo de sua vida. Além de ter feito ao menos uma pintura das ruínas, datada de 1905 (hoje em coleção particular), ele também guiou inúmeros interessados em visitá-las - entre eles figuras importantes como o Cardeal Joaquim Arcoverde, Washington Luiz e Carlos Botelho. Há um interessante registro de uma dessas visitas, na qual Calixto acompanhou o padre jesuíta André Biagioni, que, em 1897, foi de Santos até Peruíbe em missão religiosa. O relato foi publicado por um dos redatores que colaboravam no Mensageiro do Sagrado Coração de Jesus, periódico editado pelos jesuítas do Colégio de Itu, e descreve a ida até o local da seguinte maneira:

Visitamos a capella em ruínas, que ainda hoje atesta a passada importância daquella aldêa; lá assistimos a ladainha e a prática Defuncti adhuc loquntur, na qual o Padre André Bigioni [sic] esteve realmente inspirado, fallando dos Jesuítas que alli residiram. Elle mostrou-nos a figura majestosa do venerável Padre JOSÉ DE ANCHIETA, aparecendo-nos na retina, a cada objeto ou dependência que fitávamos

A pia baptismal, aberta em rocha; a fonte dos padres, no quintal, atraz da egreja, os velhos retábulos e sanctuarios, certificavam-nos da inexcedível dedicação dos padres companheiros de ANCHIETA63 63 “Uma excursão proveitosa”, Mensageiro do Sagrado Coração de Jesus, n. 21, fevereiro de 1898, p. 482, grifos do autor).

A evocação da figura de Anchieta e seus companheiros, possivelmente, foi a principal motivação da visita às ruínas, conforme sugerido pelo uso da expressão latina (“depois de morto, ainda fala”).64 64 Trata-se de citação de versículo da carta de Paulo aos Hebreus (11:4). O sentido da citação bíblica indica que a prédica do padre Biagioni recorreu aos objetos e dependências da antiga capela (como a pia batismal) para evocar Anchieta e a sua dedicação à obra divina. Se André Biagioni esteve realmente inspirado, conforme escreveu o cronista da visita, é possível que suas palavras sobre a pia batismal tenham inspirado o próprio Calixto, que chegou a realizar um desenho do objeto em sua posição original antes de sua remoção (Figura 7). No desenho, realizado a partir de uma fotografia feita pelo próprio pintor, aparecem os “cinco camaradas, entre os quais Porfirio Diogo, que após procederem à limpeza do local, facilitando o trabalho do artista, posaram para o mesmo”.65 65 “Itanhaém de outrora”, A Tribuna, 10 nov. 1963.

Figura 7
Benedito Calixto, a pia batismal em sua posição primitiva nas ruínas de Peruíbe, anterior a 1905, reprodução de desenho.

Embora não seja datado, sabe-se que o desenho foi feito antes de 1905, ano em que a pia foi trasladada para o Seminário Episcopal de São Paulo (então localizado na avenida Tiradentes) por iniciativa do então vigário de Santos, o monsenhor Victor Soledade. O vigário tomara conhecimento da existência da peça durante a temporada que passara em Peruíbe auxiliando o combate à epidemia de malária que assolava a região, e atendendo as “necessidades religiosas” dos habitantes, conforme descrito em reportagem publicada no Correio Paulistano.66 66 “Mala do interior - Santos”, Correio Paulistano, 17 abr. 1905, p. 3. Passado o auge da epidemia, o monsenhor Soledade tratou de retirar a pia da povoação de Abarebebê e transferi-la para São Paulo - uma ação que, certamente, estava ligada aos planos do bispo Dom José de Camargo Barros para reorganizar o Seminário Episcopal.67 67 Martins (2006, p. 244). Assim é possível que a pia de Peruíbe tenha sido levada até lá para servir como símbolo da primazia da Igreja na história do ensino no país, em uma época na qual o ensino público e laico se difundia por todo o estado. Quaisquer que fossem os usos previstos para a pia batismal, no entanto, foram eles interrompidos pelo fim abrupto da reorganização do Seminário decorrente da morte de Dom José de Barros, em 1906. A pia parece ter permanecido no seminário por desígnio do monsenhor Soledade, já que sua transferência para o Museu Paulista ocorreu cerca de um mês após o padre ter partido de Santos para assumir a paróquia da matriz de Piracicaba.

Pelos registros do Museu sabe-se que a pia entrou no acervo já vinculada à figura de Anchieta, conforme menção feita por Hermann von Ihering que a descreve como a “pia baptismal usada por Anchieta em Conceição de Itanhaém”.68 68 Ihering (1911, p. 21). Ainda de acordo com a documentação referente a sua doação, o monsenhor Soledade afirmara que a notícia de seu uso por Anchieta “estava gravada na parede na qual se encontrava”.69 69 Almeida (c. 1990, p. 29). Teria sido essa placa vista pelo monsenhor Soledade ali fixada por Benedito Calixto na ocasião em que limpara o terreno para documentar a pia batismal? Embora não tenha se encontrado nenhuma evidência que comprove sua autoria, as fotografias que documentam outras ocasiões em que o pintor agiu de modo semelhante tornam a hipótese cabível.

Além disso, Calixto, seguramente, conheceu o padre Victor Soledade e mantinha uma relação de bastante proximidade com o Seminário Episcopal, onde fora professor de Belas Artes durante os anos em que morou em São Paulo (1890-94) e novamente entre 1901 e 1904.70 70 Em 1898, o pintor foi responsável pela cenografia de uma peça sobre a história do Brasil montada por alunos e professores do seminário. Sobre o assunto, cf. Oliveira (2018). É bastante provável, portanto, que ele tenha também tomado parte no processo de transferência da peça para o museu. O prefacio do livro de Calixto sobre o convento de Itanhaém (assinado pela “Redacção do Mensageiro do Sagrado Coração de Jesus”)71 71 Provavelmente, a mesma pessoa que redigiu a narrativa sobre a visita às ruínas em 1897. traz a transcrição de uma placa que existia junto à pia de Peruíbe durante os seus primeiros anos de exposição no Museu Paulista. Ali se encontra outra indicação de que o pintor esteve envolvido na transferência da pia, já que o teor da inscrição resumia as hipóteses do próprio Calixto acerca do passado de Itanhaém:

Pia Baptismal da primitiva Egreja [de] Anchieta na Aldeia de Itanhaém, onde Martim Affonso de Souza fundou a 2ª povoação, sob a nomeação de N. Sra. da Conceição no anno de 1534. Essa povoação transferiu depois a sua sede para perto da foz do rio Itanhaém, onde teve predicamento de villa no ano de 1561, ficando a primitiva aldeia sob o regimen e protecção dos PP. jesuítas Leonardo Nunes, Pedro Corrêa e José de Anchieta; este último operou ali muitos milagres segundo o seu biógrafo e cronista Charles de Saint-Foys. Essa povoação que fica duas léguas ao sul de Itanhaém, na praia de Peruhybe, denomina-se hoje ‘Aldeia de São João Baptista de Itanhaém’.72 72 Calixto (1915).

Mesmo que não se possa provar que a inscrição gravada na parede das ruínas de Peruíbe tenha sido gravada por Benedito Calixto, é importante notar como ela definiu a biografia museológica da pia batismal como relíquia anchietana, que perdurou mesmo sob a gestão Taunay. Tal fato aponta para a considerável agência que os interlocutores locais dos museus podiam ter nos processos de musealização dos artefatos retirados de suas regiões. No caso da formação do acervo do Museu Paulista, é já assaz conhecida a importância de Calixto como um dos protagonistas na construção formal do imaginário histórico elaborado por Afonso Taunay. Contudo, cumpre notar que o pintor foi também um dos mais importantes “agentes de campo” que tanto Taunay como Ihering puderam contar para obtenção de novas peças para as coleções do Museu. E, ao contrário do que se pode pensar à primeira vista, eram peças que chegavam já carregadas de significados construídos localmente por meio de processos que em tudo diferiam das práticas “cientificas” que regiam a atuação dos museus e, mesmo assim, foram eles que preponderaram sobre a expertise museal.

AS CRUZES DE ANCHIETA E O CRUZEIRO DE IPEROIG

Em 1937, a celebração do tricentenário da fundação da vila de Ubatuba, encampada pelo Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, teve início com uma missa campal rezada “junto ao chamado cruzeiro de Anchieta, na praia de Iperoig”.73 73 OLIVEIRA (1937, p. 285). Além de propiciar um local adequado para a missa, a escolha do local visava reafirmar a tradição de que a cidade fora erguida no mesmo sítio onde existira a aldeia tamoia que servira de cativeiro à Anchieta. No dia seguinte, a inauguração de um obelisco comemorativo junto à praça da Matriz perenizava o vínculo ancestral entre Ubatuba e Iperoig (Figura 8). O monumento, projetado pelo artista plástico José Wasth Rodrigues, trazia em uma de suas faces o brasão de armas da cidade (outra criação de Rodrigues para a ocasião), enquanto na outra ostentava uma placa de bronze que rememorava “a actuação heroica de Manuel da Nobrega e Joseph de Anchieta, os reféns admiráveis de Iperoig, artífices da paz paulista de 1563 que ao domínio luso assegurou a posse definitiva e então precária das terras vicentinas”.74 74 Oliveira (1937, p. 8). Os dizeres foram elaborados por Afonso Taunay, que além de diretor do Museu Paulista, era também o orador oficial do IHGSP.

Figura 8
Inauguração do obelisco do III Centenário de Ubatuba na praça da Matriz, 1937.

Uma evidente e proposital teleologia dirigiu toda a cerimônia, afinal se celebrava junto à praça da Matriz (ordinariamente o ponto fundacional das vilas coloniais) um episódio ocorrido 64 anos antes da criação da vila, quando aquela porção da costa era habitada por inimigos declarados dos portugueses. A insistência em afirmar a identidade entre a antiga cidade e a extinta aldeia, no entanto, se justificava pela incerteza que pairava sobre o exato local onde ficava Iperoig. Historiadores e memorialistas paulistas alicerçavam suas interpretações, sobretudo nas cartas jesuíticas e em tradições orais raras vezes explicitadas. Já os seus colegas da Corte, que tinham às mãos as antigas cartas de sesmaria do Arquivo Público do Império, tenderam a localizar a aldeia de Iperoig junto à Angra dos Reis, em concordância com dois renomados historiadores oitocentistas, Pizarro e Araújo e Alexandre Mello Moraes. Apesar de ser provável que este último, nesse ponto, estivesse apenas seguindo o autor das Memórias Históricas do Rio de Janeiro,75 75 Araújo (1820, p. 59). o grande alcance de sua Chorographia Histórica faz dele o maior responsável por uma minudência como essa ter se tornado um ponto sensível entre os eruditos do IHGSP. Afirmou Mello Moraes:

De Angra dos Reis sahio a esquadra [de Martim Afonso de Sousa] pela a outra barra também excelente do Cairuçu, e foi continuando a derrota até a Ilha dos Porcos, a que uma sesmaria antiga chama Tapera de Cunhambéba, por nella ter existido uma aldêa, de que era Cacique Cunhambéba, aquelle Indio que na sua canoa conduzio para S. Vicente ao Venerável P. José de Anchieta, quando voltava de Iperoig, onde fora solicitar as pazes com os Tamoios de Ubatyba e Larangeiras.76 76 Mello Moraes (1858, II, p. 163, grifo nosso).

Apesar de hoje estar bastante esquecido - menos por injustiça da posteridade do que pelo caráter diletante de suas obras - Mello Moraes foi uma referência na divulgação do passado histórico brasileiro durante a segunda metade do século XIX.77 77 Os muitos erros de interpretação histórica de seus estudos só começaram a ser corrigidos pela geração posterior de eruditos, como Ramiz Galvão e Capistrano de Abreu. Sua influência certamente contribuiu para muitos historiadores seguissem afirmando que Iperoig fora localizada em terras fluminenses. E não apenas no Rio de Janeiro, já que o Arquivo do Estado de São Paulo trouxe a polêmica para o próprio quintal ao publicar na íntegra, no primeiro volume da série Sesmarias, a carta citada por Mello Moraes, que era referente à sesmaria cedida ao Padre João da Costa, em 1610, localizada em

uma ilha que está defronte Ubativa chamada Tapera de Cunhambebe que terá de terra toda ella obra de meia légua pouco mais ou menos para nella fazer mantimentos……………..ilha e terra está em Angra dos Reis e ilha de Jepo…ya e assim mais da dita ilha na ponta da terra firme.78 78 Sesmarias… (1921, p. 114, grifo nosso).

A divulgação da carta de sesmarias de João da Costa reforçava também a autoridade da narrativa de Hans Staden, que identifica pelo termo “Uwattibi” a aldeia onde esteve antes de ser conduzido à taba do cacique Cunhambebe.79 79 Staden (1930, p. 67). De acordo com Wilhelm Kloster, a confusão entre a Ubatuba paulista e a aldeia citada por Hans Staden iniciou-se com o erro de monsenhor Pizarro e Araújo, que atribuiu a denominação de “Tapera de Cunhambebe” à atual ilha Anchieta (então ilha dos Porcos), no que foi seguido por Mello Moraes Filho, em sua Chorographia Histórica (1858). Cf. Staden (1942, p. 87-88). O termo fornecido por Staden é plenamente compreensível como a corruptela de “ubatuba”, conforme asseverou Teodoro Sampaio - então a grande autoridade na toponímia de origem Tupi e responsável pelas notas da melhor edição disponível do relato do artilheiro alemão. De mais a mais, Staden forneceu indicações bem mais seguras sobre a localização de seu cativeiro do que Anchieta em suas cartas.80 80 Entre os topônimos fornecidos por Staden, destaca-se o da aldeia de “Mambukaba” e de “Ariró”, nomes de uma praia e um rio, respectivamente, da baía de Angra dos Reis. Ainda assim, para o IHGSP, era em Ubatuba que Hans Staden havia ficado durante o seu cativeiro entre os tamoios, não sendo aceita a hipótese de que Iperoig poderia ter sido localizada em Angra dos Reis.81 81 OLIVEIRA (1937, p. 305 e seq.).

A inadmissibilidade de uma Iperoig fluminense por parte dos historiadores do IHGSP se devia ao lugar de destaque que a chamada “Paz de Iperoig” ocupava na historiografia paulista, que converteu a fugaz trégua contra os Tamoio em um acontecimento capital, no qual o futuro da capitania de São Vicente teria sido definido. Daí os epítetos grandiloquentes com que comumente era referida (“o primeiro tratado de paz da Américas”) e as menções encomiásticas à atuação de Anchieta, cuja franca disposição ao martírio religioso fora configurada em uma concessão estratégica de um agente do Estado em missão diplomática. Justificam-se, assim, os dizeres laudatórios gravados no obelisco de Ubatuba. Afinal, o estabelecimento de uma “paz paulista” pressupõe a existência à época de um Estado autônomo; uma proposição que, apesar de absurda, reflete muito bem a mentalidade da elite política e intelectual paulista que ainda amargava a derrota militar do levante de 1932. Assim, aos olhos do IHGSP, a identificação de Ubatuba com Iperoig ganhava relevância ao restringir a salvação da capitania de São Vicente, tida como o embrião do futuro Estado nacional, aos limites estaduais de São Paulo. O tricentenário de Ubatuba, portanto, visava reivindicar para a elite política paulista um potente sentido de continuidade, projetando no mais remoto passado colonial a existência do estado de São Paulo como ente político e a atuação destacada de seus membros - a heroicização de Manuel de Nóbrega e José de Anchieta, tidos como dois dos principais fundadores da futura capital paulista, cumpria exemplarmente essa última finalidade.82 82 Quarenta, op. cit., p. 202. A posição de Taunay, de acordo com Quarenta, parece ter se inclinado para o protagonismo de Nóbrega na fundação da cidade.

Compreende-se, portanto, a pompa e a circunstância que marcaram a comemoração da efeméride de uma cidade diminuta e cujo acesso precário era então um sério agravante a organização de qualquer cerimonial solene.83 83 OLIVEIRA (1937, p. 280). O principal acesso a Ubatuba era feito por mar, em barcas vindas de Santos e São Sebastião. Tratava-se de localidade tão isolada que a comissão organizada pelo IHGSP teve que pleitear verba ao governo estadual para tornar transitável a estrada que descia a Serra do Mar por São Luiz do Paraitinga, então só percorrida por tropas de mulas. Ainda mais quando contraposta aos casos dos tricentenários de Mogi das Cruzes (1911) e Santana do Parnaíba (1925), que pouca atenção atraíram. Mais contrastante foi o caso da cidade vizinha de São Sebastião cujo terceiro centenário, comemorado no ano anterior, passara praticamente batido aos olhos do IHGSP. Como exposto acima, entretanto, é fácil notar como a efeméride ubatubense e velha contenda sobre Iperoig ensejaram o contexto perfeito para estabelecer uma memória épica sobre as origens de São Paulo.

Nesse contexto, se torna compreensível que a efeméride municipal tenha sido celebrada por meio da instituição de uma topografia histórica, inscrita indelevelmente no chão da cidade pela mudança dos nomes de suas principais ruas. Assim, logo após a inauguração do obelisco, um solene cortejo de políticos, eruditos do IHGSP e “grande massa popular acompanhada de uma banda de músicos” percorreu os quarteirões centrais da cidade para inaugurar uma série de placas com os novos nomes das praças e ruas da sede municipal. Por sugestão da comissão organizadora, “os inexpressivos nomes das ruas e praças” foram substituídos pelos nome de habitantes “de maiores serviços à coletividade” ou que “fossem mais significativos” para a cidade, o que na ótica do IHGSP basicamente se resumia a ter participado da Paz de Iperoig ou da fundação da vila.84 84 OLIVEIRA (1937, p. 291). Os únicos nomes que não fizeram menção aos dois episódios foram o da rua Esteves da Silva e o da rua Coronel Luis Domiciano. Assim, topônimos nascidos do próprio processo de produção da cidade, densos de sentidos históricos embebidos no cotidiano de seus habitantes, deram lugar a nomes célebres mas distantes, cuja toada enfadonha logo traía sua origem cartorial. Denominações como rua do Comércio, praça do Programa, largo do Porto deram lugar à rua Maria Alves, Praça Nóbrega, Praça Anchieta. Foram lembrados até mesmo personagens secundários como José Adorno, o dono da embarcação que escoltara Anchieta e Nóbrega a Iperoig.

Povoar as cidades brasileiras com referências físicas ou toponímicas ao seu passado foi um processo comum a todo o país após o início do regime republicano. Conforme demonstrado por Helder Viana, esse processo fez largo uso de “rituais de memória” que tiveram importância fundante para o espaço cívico das municipalidades brasileiras.85 85 O espaço cívico é entendido pelo autor como a arena onde conflitos e tensões sociais dão forma a diferentes (e, no mais das vezes, conflitivas) interpretações sobre a memória pública local (VIANA, 2019, p. 3 e seq.). Cabe aqui acrescentar que a eficácia da ritualização do espaço cotidiano dependia da sensibilização dos sentidos para a construção imagética ali proposta, cujo principal pressuposto era a crença compartilhada pelos participantes de que a experiência do lugar era capaz de aproximar o passado do presente. A espacialidade, portanto, tornava-se o eixo estruturador da experiência do passado, que obviamente não se dava diretamente, mas era mediada pelos sentidos construídos por discursos e imagens engendrados durante a rememoração ritualizada.

Mais do que repisar a importância de tais performances públicas, interessa aqui apontar o quanto esse modo de experienciar espacialmente a memória era mais afeito ao ofício do antiquário do que ao do historiador. Afinal, enquanto este último se voltava para os textos e demais fontes históricas como meio de compreender o passado, o antiquário buscava fixar na materialidade de artefatos e de paisagens referências textuais já consagradas em narrativas históricas, genealógicas, literárias ou folclóricas, conforme pontuado por Anne Eriksen.86 86 Eriksen, op. cit., p. 31-32. Sob essa ótica, constata-se que as comemorações planejadas pelo IHGSP acabaram elas mesmas por sacrificar a memória histórica da cidade ainda claramente presente nos nomes das ruas, substituindo-as por referências tão eloquentes como distantes, mas em acordo com a história épica que o Instituto procurava divulgar.

Em linhas gerais, está-se diante da conhecida dinâmica pela qual a memória coletiva de uma comunidade desintegra-se para dar lugar a “lugares de memória”, conforme concebidos pela seminal obra de Pierre Nora. Esta ruptura é notável nos próprios discursos dos oradores do Instituto que justificaram a substituição dos nomes “inexpressivos” dos logradouros da cidade por considerarem que, após anos de letargia, ela estava para “ressurgir cheia de vida, desse entusiasmo são de nossa gente, acompanhando o progresso vertiginoso que se observa em todos os rincões do Estado”.87 87 OLIVEIRA (1933, p. 292). Prestes a integrar a marcha progressista paulista, a velha cidade podia contar a partir dali com um memorial perene as suas origens inscrito na própria malha urbana. Afinal, partir em busca da modernidade sempre demandou a criação de um mito de origem que se renovasse conforme o passado fosse abandonado.

Resta um último problema a ser abordado que pode ser formulado na seguinte forma: se é inegável que os festejos do tricentenário se deram sob a forma de um elaborado ritual de memória que buscava identificar Ubatuba com a Iperoig tamoia, importa notar que o cruzeiro já cumpria ali função semelhante; era ele que projetava a “sombra de Anchieta” também em Ubatuba. Cabe assim inquirir sobre quais circunstâncias ele foi erguido e de que modo elas moldaram as lendas e tradições sobre a presença do jesuíta na Iperoig ubatubense.

Antes de tudo, é preciso levar em conta que o cruzeiro de Ubatuba não foi o único caso conhecido de uma cruz monumental associada ao santo jesuíta. As margens do rio Tietê, junto ao salto de Avaremanduava - onde teria ocorrido o famoso milagre em que Anchieta teria sido encontrado ajoelhado em serena prece no fundo do rio, após a canoa em que viajava ter sido virada pela correnteza - parecem ter sido o primeiro sítio no qual um cruzeiro foi erguido em memória de um feito maravilhoso seu. Segundo o Pe. Hélio Viotti, que menciona o fato apenas de passagem, um “cruzeiro comemorativo” existia no local em 1817.88 88 Viotti (1974, p. 400). Essa é a única menção conhecida a esse cruzeiro do Tietê, já que nenhum dos relatos setecentistas menciona um cruzeiro no Avaremanduava, mesmo os que aludem ao naufrágio de Anchieta. Embora o autor não forneça referências para o trecho citado, é provável que tenha se baseado nos escritos de José Antônio Teixeira Cabral, que em 1817 participou de uma expedição pelo rio Tietê. Na realidade, a exata posição da cachoeira é atualmente desconhecida, já que o topônimo caiu em desuso juntamente com o declínio da navegação ocorrido no século XIX. É possível apenas aferir que ela se localizava a menos de um dia de jornada de Porto Feliz.

Outro cruzeiro associado ao santo foi o de São Vicente, cujos restos foram identificados em 1854, quando um enviado do IHGB lá esteve atrás da documentação camarária da antiga vila quinhentista.89 89 A investigação havia sido requerida pelo IHGB ao seu sócio, o brigadeiro José Joaquim Machado de Oliveira, que se encarregou de enviar à corte o fragmento de canela-preta do venerando cruzeiro recolhido pelo comissário Pinto. O pacote foi entregue aos cuidados de frei Camillo de Monserrat, então diretor da Biblioteca Nacional. Não há registros do fragmento no catálogo do Museu do IHGB, assim, fica em aberto a questão se ele chegou a ser entregue ao Instituto ou se permaneceu aos cuidados de Monserrat. Apesar de ter sido inicialmente reputado como uma relíquia de Martim Afonso de Souza, o cruzeiro foi posteriormente associado a Anchieta por Brasilio Machado, em sua conferência no tricentenário da morte do jesuíta.90 90 Oliveira (1856, p. 155). Sendo filho do Brigadeiro Machado de Oliveira, Brasílio Machado certamente estava familiarizado com a história do monumento vicentino, por ele referido como objeto de particular apreço de Anchieta que o “tomava por devoção oscular sempre que alli passava; e em cujo tosco supedâneo o grande missionário em torno reunia os discípulos nos alvores de sua catechese”.91 91 Machado, op. cit., p. 63.

Já em Ubatuba havia ao menos duas explicações sobre a origem do seu cruzeiro, ou melhor dizendo, cruzeiros, pois houve ao menos três deles, todos erguidos no mesmo local: o ponto entre a praia e a cidade alinhado com a rua que leva à Matriz. Os dois primeiros eram de madeira, enquanto o último já foi feito em concreto armado sobre uma base também de concreto, na qual embutiu-se um pequeno velário. A primeira versão afirma ter sido ele erguido para marcar o trecho da praia onde Anchieta escreveu o seu célebre poema à Virgem Maria.92 92 Camargo (1994, p. 42). A outra, mais recorrente, diz que o cruzeiro guardava o local onde Anchieta e Nóbrega teriam erguido uma cruz de madeira pouco após o seu desembarque na praia de Iperoig. Esta última é a explicação fornecida pelo principal memorialista da cidade, não sem ressalvar que a apresentava de modo a “não contraria[r] a lenda”.93 93 Oliveira (1977). À mesma narrativa parece referir-se João Diogo Esteves Silva, autor de uma monografia médica sobre Ubatuba escrita em 1891, que assim se refere à chegada dos missionários:

Foi no dia 4 de Maio de 1563 que chegaram à aldeia dos índios, havendo partido de São Vicente, a 21 de abril, com José Adorno.

Hospedados pelo chefe Caoquira, erigem modesta e elegante capella por entre vasto arvoredo, onde celebram o santo sacrifício da missa, com pasmo dos bárbaros, cujos filhos baptisam e doutrinam,

Levantam na frente da bahia uma Cruz que lhes recorde a morte do Salvador do Mundo, a bem da humanidade, e com suas práticas religiosas lhes explicam os laços de amor e respeito que devem manter unidos todos os homens como filhos do mesmo pai, o Creador do mundo.94 94 Guisard Filho (1939, p. 101, grifo nosso).

Pelas palavras de Esteves Silva, a narrativa sobre a origem do cruzeiro poderia indicar tanto um motivo catequético como martirial, já que a possibilidade de morrer pelas mãos dos Tamoio era tida como certa para Anchieta desde a sua partida de São Vicente - homens “morti destinatos, não tendo mais conta com morte nem vida” foi como descreveu a si próprio e a Nóbrega antes de rumarem para Iperoig.95 95 Anchieta (1933, p. 194). Contudo, nenhuma narrativa do seu cativeiro, seja na conhecida carta para Diogo Lainez ou nas muitas “Vidas” escritas por seus biógrafos, alude a presença de qualquer cruzeiro junto à praia de Iperoig. Anchieta menciona apenas o “altar em um bosque” próximo da taba de Caoquira, no que é seguido em muitos biógrafos - entre eles, Simão de Vasconcellos, autor da mais divulgada biografia de Anchieta, a qual até o início da publicação de suas cartas foi a principal fonte de informações sobre sua vida.96 96 A importância de Vasconcellos pode ser aferida na própria consolidação da grafia “Iperoig”, já arcaica no século XIX, que deve ser creditada à fortuna da Vida do venerável Padre Joseph de Anchieta, de sua autoria. Cumpre notar que o próprio Anchieta escrevera sempre “Iperuig”, forma foneticamente mais fiel à pronúncia Tupi. A grafia atualizada corresponderia ao termo “Iperuí”, conforme empregado por autores como Hélio Viotti.

Até onde foi possível averiguar, contudo, o cruzeiro da praia de Ubatuba parece ter sido erguido em data bastante tardia, ao fim de uma missão religiosa comandada por padres jesuítas do Colégio de Itu, no ano de 1884.97 97 Os dois jesuítas que compuseram a missão, os padres Bartolomeo Taddei e José Giominni, chegaram ao Brasil em 1867 e compuseram o grupo fundador do Colégio São Luiz em Itu. Líder do grupo e o primeiro reitor do colégio, o padre Taddei fora um dos grandes atores em prol da romanização da Igreja brasileira em São Paulo, além de fundador da revista Mensageiro do Sagrado Coração de Jesus, citada anteriormente. O relato da ocasião encontra-se em uma carta escrita pelo padre jesuíta José Giominni na qual são descritos os êxitos obtidos durante as três semanas de missão, os mais deles referentes às vexações sofridas pelos ministros protestantes diante das performances inspiradas dos missionários. Como era costume em tais ocasiões, o ato de encerramento foi marcado pelo erguimento de um cruzeiro de madeira em local de fácil acesso e boa visibilidade. Tendo sido a missão capitaneada por jesuítas, a narrativa sobre a composição do seu poema à Virgem na praia de Iperoig aparece como determinante na escolha do sítio do cruzeiro. Como descreve o padre Giominni, quando ao fim da missa o cruzeiro foi benzido,

se encaminhou a procissão na qual se levava essa grande Cruz, seguida do povo que para ahi ocorreu em número de umas 400 pessoas, para a praia do mar; ahi ao toque dos sinos, ao festivo estrondo dos foguetes, entre as vivas daquella grande multidão, após um eloquentíssimo discurso do P. Taddei, foi levantada a dicta Cruz, em memória desta grande missão, no mesmo logar em que o Venerável Padre Anchieta tantos annos antes tinha estado como refém dos Tamoyos, naquella mesma areia em que o grande Apostolo do Brasil escreveu o seu immortal poema em honra da Immaculada Conceição de Maria Santissima.98 98 Guisard Filho (1940, p. 205).

Assim os membros da missão de 1884 se despediram de Ubatuba e seguiram em direção a São Luiz do Paraitinga, sendo acompanhados - ainda de acordo com Giominni - por cerca de 3 mil habitantes que entre “lágrimas e soluços” os acompanharam até o pé da serra do Mar. Em São Luiz continuaram a receber as boas novas sobre os frutos da missão, entre as quais interessa aqui destacar o “prodígio” semelhante ao que Anchieta “costumava fazer em vida”, conforme descrito por Giominni:

Aquelle ponto do mar, em cuja areia foi plantada a Cruz da Missão, era um logar em que nunca se pescava, porque nunca lá appareciam peixes; toda pesca se fazia nas costas longe da cidade, de modo que, nesta havia muitas vezes falta de peixe. Porém, apenas plantada a Cruz, tamanha foi a abundância de peixes que se recolheu ahi ao pé da Cruz, que toda a cidade se fartou, bendizendo cada um a divina Providência por este temporal socorro da pobreza aos habitantes de Ubatuba99 99 Ibid., p. 208.

O jesuíta termina a carta pedindo que Anchieta inspire mais missões doutrinárias, lamentando a falta de disposição dos padres da Companhia para tanto. Nesse ponto, o missionário recorria à figura de Anchieta da mesma maneira que o seu primeiro cronista, o padre Caxa, isto é, mais interessada em criar uma figura modelar para os seus noviciados do que em consolidar Anchieta como personagem heroica da nação brasileira. Contudo, um olhar mais atento para o cenário religioso da época demonstra que o clero brasileiro tinha razões suficientes para ver no resgate da memória de Anchieta uma grande oportunidade de recuperar o prestígio perdido nos anos precedentes. Afinal, a Igreja Católica vinha de um arrastado processo de desgaste com o Estado imperial, conhecido como “questão religiosa”, que culminara com a prisão do Bispo de Olinda, D. Vital Gonçalves de Oliveira em 1875. Já anistiado, Dom Vital viu no resgate de Anchieta um modo para uma Igreja fragilizada fazer frente à presença crescente do protestantismo e às críticas ao “relaxamento do clero”, tendo até requerido ao Papa Pio IX, a retomada do seu processo de beatificação.100 100 Fleck (2010, p. 162). Além disso, em sinal de esforços mais amplos pela causa da canonização, em 1878 foi publicada a tradução da biografia de Anchieta do jesuíta francês Charles de Sainte-Foy, escrita em 1839 e mais palatável ao gosto da época. A própria Companhia de Jesus se juntou aos esforços do episcopado brasileiro e em 1883 retomou o processo de canonização paralisado desde há muito.101 101 Vilar (2006, p. 62). Portanto, ao erigir o cruzeiro na praia de Ubatuba, os missionários de 1884 estavam em sintonia com a Igreja brasileira, recorrendo à memória de Anchieta para glorificar a sua lendária virtude clerical (no mesmo local onde ela teria sofrido suas mais duras provas) e, ao mesmo tempo, reafirmar o dogma mariano frente à expansão do protestantismo.

Esse primeiro cruzeiro, embora dedicado a Anchieta, era também um memorial da própria missão. Como foi dito, tais missões sempre findavam com ato do gênero, cuja função primeira era servir de admoestação aos moradores para que não esquecessem às graças ali conquistadas antes da partida dos missionários. Eram, geralmente, obras simples: nada mais do que duas vigas de madeira encaixadas com cravos ou parafusos, cujas extremidades eram falquejadas em forma de prisma simples ou de flor de lis. O modo de fixação era também dos mais precários, sendo fincados diretamente na terra ou, quando muito, sobre uma diminuta base de tijolos. Quase todos traziam inscrições pintadas com tinta branca de cal com dizeres como “Memória da missão religiosa do ano 1XXX”. Provavelmente, encomendadas de vésperas a marceneiros ou carpinteiros locais, essas cruzes não eram feitas para durar mais do que alguns anos, apenas se conhecendo o aspecto das mais antigas por meio das que foram recolhidas às sacristias e batistérios de igrejas e capelas justamente para servir de memoriais desses acontecimentos.

É compreensível, por conseguinte, que transcorridos apenas alguns anos desde a partida da missão religiosa, a comemoração do tricentenário de morte de Anchieta tenha oferecido a ocasião perfeita para a inauguração de um cruzeiro de maior porte, que, enfim, estaria à altura da fama do homenageado. Apesar de ser ainda construído em madeira, o novo cruzeiro era obra portentosa, que devia medir cerca de cinco metros de altura (Figura 9). Para inaugurá-lo, as ruas da cidade foram enfeitadas e iluminadas para sediar os desfiles, paradas musicais e procissões que compuseram a programação festiva. O grande destaque, porém, foi mesmo o cerimonial montado ao redor do novo cruzeiro “illuminado na haste principal e nos braços por pequenas lanternas de cores de um lindo effeito”, conforme foi descrito pelo jornal Echo Ubatubense. Aos seus pés, encenou-se ainda uma apoteose na qual

via-se o cruzeiro no momento em que innumeros indígenas procuravam erguel-o, tendo diante de si Anchieta com as mãos levantadas procurando animar a todos e no fundo no meio de uma vista do mar, lobrigavam-se anjinhos contemplando do céo este scenario, tudo deslumbrante pelos fogos de bengala.102 102 Echo Ubatubense, 20 jun. 1897. Transcrição disponível em: https://bit.ly/3wp2ps0. Acesso em: 7 fev. 2022.

O tricentenário de 1897 propiciou até o primeiro tratamento paisagístico da área, que recebeu duas amendoeiras-da-praia (Terminalia catappa L.) trazidas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.

Figura 9
O grande cruzeiro erguido nas festividades de 1897, circa 1960, cartão-postal.

De modo semelhante aos demais eventos organizados para celebrar a efeméride em outras cidades brasileiras, o tricentenário de morte de Anchieta em Ubatuba marcou uma clara mudança no sentido de sua rememoração, bem demonstrada pela cena apoteótica em que indígenas erguem a cruz de Cristo sob a direção do missionário. A descrição da cena, de fato, permite pensar que a noção de apoteose que se tinha então em mente se assemelhava mais a de deificação do que a outros sentidos mais comuns na dramaturgia. Entretanto, ao invés de encenar a representação gloriosa do morto que ascende aos céus, a cerimônia de 1897 preferiu apresentar o erguimento em glória do próprio cruzeiro - como se o objetivo não fosse somente a divinização de Anchieta, mas da própria Iperoig, que daí por diante passava a integrar o rol dos lugares sagrados da nacionalidade.

A sobreposição de um ideal nacionalista ao sentido eminentemente religioso do primeiro cruzeiro atesta a importância da topografia histórica e do empirismo próprio dos antiquários para a construção da memória pública. Afinal, era por meio deles que as mais vagas e incertas referências documentais podiam ser legitimamente situadas na paisagem e a mais ordinária faixa de areia se transfigurava, assim, em um altar da história pátria. Nesse contexto, pouco importava se o cruzeiro havia sido erigido primeiramente para comemorar o poema à Virgem ou a trégua com as aldeias comandadas de Pindobuçú e Cunhambebe; ele atestava que Iperoig tinha sido ali. Cumpre notar que, no âmbito das práticas antiquárias, a trama dos eventos históricos é subordinada à espacialidade. Em verdade, é esta última que confere visibilidade e comprovação material aos episódios do passado, principalmente por meio da identificação de restos arqueológicos ou da edificação de marcos comemorativos, como foi o caso aqui.

Para o antiquário, o valor das fontes consiste em legitimar e qualificar as investigações empíricas dos lugares e paisagens que lhe interessam. Desse modo, torna-se possível compreender a recorrência de artigos e textos que, de tempos em tempos, voltavam à questão da localização de Iperoig. Em 1963, quando se comemorava o quarto centenário do acordo de paz, o padre Hélio Viotti (então principal liderança da campanha pela canonização de Anchieta) publicou um artigo na revista do IHGSP onde, enfim, apresentavam-se evidências documentais mais sólidas acerca da equivalência entre os sítios de Iperoig e Ubatuba. Tratava-se de um depoimento de Simão Luís (colhido em 1627, no Rio de Janeiro) para o processo de canonização, no qual o declarante atestou que seu pai estivera na “[Aldeia de] Ibatiba, junto à Ilha de São Sebastião” quando ali esteve refém o padre José de Anchieta.103 103 Viotti (1965, p. 25, 33). O autor fornece ainda outras indicações importantes, como o topônimo “enseada dos Tubarões (“peruí”), pelo qual o Brigadeiro José de Sá e Faria designa a atual praia do Flamengo, em sua Carta chorographica e hidrográfica de toda a costa do mar da Capitania de São Paulo (1789).

Os sólidos argumentos apresentados pelo padre Viotti não impediram que, em pouquíssimo tempo, o escritor Leão Machado fizesse da localização de Iperoig o tema de sua conferência em honra à instituição do Dia de Anchieta, em 1965. Declarando-se “possuidor de um conhecimento pessoal e direto da região de Ubatuba, que frequenta[va] com assiduidade há quase vinte e cinco anos”, Machado se propôs “a tentar confirmar, pela geografia física da região” que as afirmações do padre Viotti encontravam respaldo pelo exame da topografia costeira de Ubatuba.104 104 Machado (1965, grifo nosso). Assim, a narrativa de Anchieta sobre o episódio em que ele e Nóbrega atravessaram um rio e subiram a encosta de um morro quando buscavam a aldeia de Pindobuçú para se refugiarem da perseguição de outros tamoios foi o ponto de partida para um exame topográfico e cartográfico que atestava ser mesmo o centro da atual cidade de Ubatuba o local da lendária aldeia.105 105 O mesmo exercício aparentemente também fora feito pelo padre Armando Cardoso, conforme narrado, em tom evocativo, na introdução de sua tradução do Poema à Virgem: “Tivemos assim oportunidade de visitar com vagar a extensa praia por onde Anchieta passeou compondo o seu poema. Contemplamos o rio, no extremo norte da cidade, e evocamos o episódio a um tempo gracioso e trágico de que ele fala em sua carta” (1940 apudVIOTTI, 1965, p. 32).

A centralidade do espaço para o antiquário é facilmente compreendida ao se considerar que a localização da aldeia de Iperoig nunca fora uma questão tão misteriosa para historiadores pouco afeitos a esse tipo de investigação. Antes de ser uma questão menor aos seus olhos, ela constituía um falso problema histórico. Afinal, a indeterminação entre Angra dos Reis e Ubatuba, nascida das obras de Pizarro e Araújo e Mello Moraes Filho, não se sustentava diante de um exame atento das fontes e estudos históricos disponíveis já no fim do século XIX. Não é de admirar que Capistrano de Abreu - talvez o historiador menos afeito às rotinas do antiquarismo em sua época - não tenha tomado conhecimento da confusão feita por Mello Moraes e Pizarro Araújo, facilmente se desvencilhando de investigações ardilosas sobre minudências topográficas. Ao renomado historiador cearense, o mais erudito e mais versado pesquisador dos fundos de documentos coloniais brasileiros, não escapara o fato - hoje comumente esquecido- de que houvera dois caciques tamoios denominados Cunhambebe: o senhor de Ariró, que abrigou Hans Staden durante o seu cativeiro na baía da Ilha Grande e o cacique referido por Anchieta como vizinho da aldeia sediada na atual Ubatuba. O primeiro morreu ainda em 1555, vítima de uma peste trazida pelos franceses da Guanabara.106 106 Capistrano referencia-se no biógrafo de Villegagnon, Arthur Heulhard, que, por sua vez, baseou-se em Thevet para noticiar a morte prematura do primeiro Cunhambebe, testemunhada pelo cosmógrafo francês antes do seu retorno à França, em janeiro de 1556. Cf. Heulhard (1897, p. 114). Já o segundo, o grande cacique que liderou o levante tamoio da década seguinte, desapareceu da crônica da época após o retorno da missão de paz.107 107 Varnhagen (1981, I, p. 283).

AS “MEMÓRIAS” DE UM SANTO EM ITANHAÉM

Em seu livro sobre o convento de N. Sra. da Conceição de Itanhaém, Benedito Calixto menciona outros sítios tradicionalmente ligados à Anchieta que existiam no município, além do convento e das ruínas em Abarebebê. O trecho, apesar de longo, é bastante elucidativo:

Existem ainda, mesmo em Itanhaém, outras ‘memórias’, que nos recordam esse período áureo da missão de Anchieta em nosso litoral da Conceição.

O ‘romeiro’ que visita aquella legendaria villa, não se despede daquelle sítio sem ter feito uma excursão a essas ‘prainhas e costões’, que constituem o início ou começo da região fragosa que Anchieta denominava o seu Peru.

Depois de transpor-se o ‘costão do Givura’, onde se acha a celebre ‘pedra do altar’ o visitante sente irresistível desejo de ir ver e percorrer o ‘costão de Paranambuco’, onde, além da ‘praia das conchas’, se ostentam de aspecto ameaçador as muralhas fragosas, por entre as quaes vão notando as furnas e grotas que a tradição indica ser o primitivo caminho do Pagé-Guaçú. Aqui é uma pedra curiosa por seu aspecto e disposição, em forma de leito com o respectivo dossel, a qual o povo denomina ‘o leito do P. Anchieta’: ali, mais adiante, uma fonte de água cristallina, borbulhando em uma cavidade da rocha, tapetada de verdes musgos, à qual a tradição liga tambem o nome do Santo Missionário. Si o visitante não se intimida ante a fúria dos vagalhões que se precipitam sobre as negras penedias do costão, como querendo vedar-lhe a passagem, e quizer percorrer esse eriçado e escabroso caminho, outrora trilhado pelo Santo Missionário, ao longo do costão, até a ‘Praia das Galhetas’, chegará por fim no lado oposto ao famoso “Poço de Anchieta.108 108 Calixto (1915, p. 21-22).

Os sítios mencionados são atualmente conhecidos por outras designações: a “pedra do altar” é o chamado “Púlpito de Anchieta”, um matacão pontiagudo localizado em pequena elevação defronte para a ilha das Cabras (antigamente, ilha Givura) e que separa a praia dos Pescadores da praia dos Sonhos; ao final desta, há a pequena costeira após a qual chega-se à praia das Conchas, onde tem início o trecho de cerca de um quilometro de costão rochoso, ao longo do qual encontram-se a Cama de Anchieta e a pequena fonte mencionada; a partir daí, o costão estende-se ainda por cerca de 700 metros até o seu fim, já na praia do Cibratel, (antigamente, praia do Poço), que nada mais é senão o trecho inicial da extensa praia de Peruíbe, onde encontra-se o “Pocinho de Anchieta”, um antigo cerco de pesca cuja construção era atribuída a ação diretora do missionário entre os indígenas aldeados.

Esse percurso de aproximadamente dois quilômetros de costa encontra-se hoje bastante impactado pelo intenso processo de balnearização ocorrido ali nas últimas décadas. O “Púlpito de Anchieta”, a rocha proeminente sobre a qual o padre teria o costume de fazer seus sermões para os indígenas, que sentados sobre o costão reuniam-se para ouvi-lo, é hoje difícil de distinguir devido ao avanço irregular de lotes lindeiros à praia. Por mais que o “púlpito” esteja intacto, cumpre notar que a ocupação desordenada nas encostas da pequena elevação onde está situado acabou por obliterar a causa primeira de seu valor cultural: a proeminência perceptiva que faz com que formas com contornos prontamente distinguíveis ensejem metáforas ou figurações mais potentes em seus sentidos.109 109 Brown (2008, p. 179). Bastaram algumas intervenções desatentas ao jogo de silhuetas e volumes em um morrote à beira do mar e uma rocha antes sobranceira se apequenou ao ponto de poder facilmente passar batida ao olhar.

Já a pequena fonte mencionada por Calixto deve ter dado lugar a gruta artificial dedicada à N. Sra. de Lourdes que foi construída junto ao costão na década de 1960 por uma devota. Embora não explique por qual motivo o jesuíta esteve ligado à fonte, provavelmente, o autor tinha em mente um conto etiológico não muito diferente dos registrados acerca de duas outras fontes anchietanas: a do poço Bento, em Magé-RJ, e a fonte Abaré, em Anchieta-ES. Em ambas, repete-se a narrativa que assegura ter a água ali brotado de uma pedra após Anchieta tê-la golpeado com o seu cajado para assim aplacar a sede dos moradores, que só dispunham de águas salobras para beber, em nítida derivação do episódio bíblico em que Moisés, por meio do mesmo ato milagroso, sacia a sede dos hebreus durante a travessia do deserto (Êxodo, 17:1-7). Em Magé foi registrada outra versão segundo a qual a água teria brotado da marca deixada no chão pelo cajado que Anchieta se apoiou enquanto orava à Virgem. Contudo, é esta também uma derivação de uma narrativa sobre a fonte que surgiu após a missa realizada pelo padre Francisco Pires durante a construção da capela de N. Sra. da Ajuda, em Porto Seguro, no ano de 1549 - episódio contado em carta pelo próprio Anchieta e bastante difundido por cronistas como Simão de Vasconcellos e frei Jaboatão.110 110 Semeão (2020, p. 40-41).

A tais fontes ligavam-se muitas histórias do tipo, já que a própria salinidade dos solos costeiros conferia ares de excepcionalidade às nascentes de boa água junto às praias, que chegavam a ser assinaladas por meio de abóbodas caiadas de branco que as tornassem mais visíveis de embarcações mais próximas ä costa. Não se admira, portanto, que elas fossem tidas como obras maravilhosas de santos como Anchieta, que além de saciar os sedentos, comportavam também a dimensão simbólica de converter uma terra infensa e malsã em chão apto a ser habitado por homens e mulheres civilizados pela palavra de Cristo. Nem que tais lugares fossem incorporados às narrativas históricas oficiais promovidas pelo Estado, como foi o caso da fonte do Abaré, cuja fotografia integra o Álbum do Estado do Espírito Santo, elaborado em 1922 como parte das comemorações do centenário da Independência (Figura 10).

Figura 10
O “poço de Anchieta” na cidade homônima em fotografia do Álbum do estado do Espírito Santo, 1922.

Dentre as outras “memórias” anchietanas em Itanhaém, a mais insólita é o bloco gnáissico conhecido como “Cama de Anchieta”, localizado em um dos pontos de mais difícil acesso do costão, que apresenta aí um paredão que mede entre 20 e 30 metros aproximadamente (Figura 11). A “cama” é, na verdade, um grande bloco rolado, que desde que se desprendeu da parede do costão (que naquele trecho apresenta algumas falhas estruturais), veio adquirindo a sua forma atual pela lixiviação causada em sua superfície pelas águas do mar.111 111 Campos et al. (2016, p. 20).

Figura 11
Cama de Anchieta junto ao costão de Pernambuco, em Itanhaém, 2020.

É provável que sua associação com Anchieta tenha se estabelecido a partir de meados do século XVIII, quando os frades franciscanos instalaram o convento da N. Sra. da Conceição onde houvera a pequena ermida dedicada à Virgem. Afinal, eles certamente haviam ouvido falar do “leito de São Francisco” no famoso monte Alverne, próximo a Varello, que, desde os fins do século XVI, recebia milhares de peregrinos todos os anos (Figura 12). Ainda que um ou outro frei possa ter peregrinado até Alverne antes de vir ao Brasil, é mais provável que o seu conhecimento da dita relíquia tenha se dado por meio das muitas gravuras que reproduziam em detalhes o mais importante santuário franciscano na Europa.112 112 Schama (1996, p. 436-440).

Figura 12
Jacopo Ligozzi. “Lugar da cama e oratório de São Francisco”, 1612.

Há um aspecto na relação entre a hagiografia de Anchieta e a sua cama de pedra, contudo, que não é respaldado pelas narrativas sobre o leito do monte Alverne, desautorizando que se tome o leito de Itanhaém como simples transposição do imaginário franciscano para as províncias do além-mar. Afinal, enquanto o Monte Alverne era um lugar de jejuns e orações, onde São Francisco recebeu os estigmas (sendo por isso chamado também de monte Seráfico),113 113 Ibid., p. 437. a paisagem de Itanhaém nada tinha de celestial. Ao menos, não em sua representação pelas crônicas sobre a vida de Anchieta, que fizeram da grande região de “Itanhaé” a imagem mais perfeita dos sítios hostis e ermos percorridos pelos missionários em meio às vastas solidões americanas.

Sem dúvida, tais representações nunca estiveram isentas de vieses surgidos dos interesses políticos e institucionais da província brasílica da Companhia de Jesus, como Camila Freitas demonstrou em seu estudo sobre o tema. Se as primeiras narrativas sobre a vida de Anchieta visavam fomentar as virtudes necessárias à vida missionária nos sertões e aldeamentos da colônia, a decisão de fazer dele o primeiro santo pertencente a uma província americana fez com que suas biografias se tornassem cada vez mais um panegírico de seus milagres, profecias e mais maravilhas.114 114 Freitas (2016, p. 35 e seq.). Nesse processo, a admiração pelo destemor com que encarava “caminhos por ásperos e compridos que fossem”115 115 Caxa (1965, p. 33). deu lugar a narrativas expressivas sobre as provações e muitos perigos que eram comuns em seus percursos, fornecendo o ensejo perfeito para louvar os prodígios com que livrara a si e a outros de toda a sorte de ameaças encontradas nas praias rochosas de Itanhaém.

A primeira vívida caracterização da costa de Itanhaém foi feita pelo jesuíta italiano Sebastiano Berettari - o primeiro a redigir uma narrativa estruturada cronologicamente sobre a vida de Anchieta -, que a descreve da seguinte maneira:

Mais abaixo de São Vicente, corre a costa por oito ou dez léguas rumo à parte Austral. É uma terra áspera, descoberta de relva e de qualquer gênero de plantas, cortada por alguns rios e ribeiros que descem ao mar, e cheia de corpos e ossos de Baleias […]. Estende-se essa terra em um vasto plano, todo de pedra, sem verde algum nele, e chama-se na língua do gentio Itannia, que na nossa quer dizer ‘campo de pedra’.116 116 Berettari (1618, p. 163).

Simão de Vasconcellos, que se baseou nas mesmas fontes que Berettari (se não no próprio), compôs, porém, um quadro ainda mais contrastante entre a aspereza do caminho e a disposição de Anchieta em percorrê-lo:

Hé a praya desta costa, por onde caminhava, tam áspera, & dura, que hum carro bem carregado nam deixa sinal nella, & commummente embaraçada com armaçoens desfeitas de corpos de Baleas, que alli se dam a costa, cujos ossos perturbam, impedem a praia, & fazem o caminho mais áspero: contudo, este mesmo caminho era a recreaçam de Joseph, a pé, commume˜te descalço, costume seu em todas as mais peregrinaçoe˜s a este lugar chamava elle o seu Peru pellas riquezas que nelle achava.117 117 Vasconcellos (1672, III, VII, p. 2).

As práticas mortificantes de Anchieta foram um aspecto constantemente ressaltado em suas “Vidas”, que abusaram do expediente de descrever os caminhos e sítios mais tenebrosos para depois aludir ao seu contentamento em percorrê-lo, como se nota no trecho acima. Exemplo mais extremado foi narrado por Pero Rodrigues segundo quem ao percorrer “caminho muito fragoso e de muitas lamas a pé e descalço”, Anchieta afirmara que à morte nas casas e colégios junto aos Irmãos preferia ele “morrer em um outeiro destes, por obediência e bem das almas”.118 118 Rodrigues (1896, p. 17). Segundo Camila Freitas, esse é um exemplo claro de como as primeiras biografias visavam instigar os membros da Companhia a se dedicarem mais à atividade missionária, sempre preterida ante a vida mais cômoda nos estabelecimentos jesuíticos nas vilas e cidades da colônia. Cf. Freitas (2016, p. 52-53).

Mais interessantes ao presente estudo, contudo, são as repetidas menções que seus biógrafos fizeram ao seu costume de não dormir em camas. Na biografia escrita por Pero Rodrigues consta que o jesuíta costumava dormir sobre uma tábua, usando seus calçados como travesseiro. Berettari foi mais enfático ao dizer que ele nunca dormia em cama, a não ser quando obrigado por enfermidade. Cabe notar, aliás, que ambos parecem ter se baseado no mesmo depoimento, em que Matias de Oliveira narrou uma viagem a Itanhaém feita em companhia de Anchieta, que segundo seu testemunho “andava descalço, e… se deitava sobre uns taboões”.119 119 Viotti (1957, p. 196). O depoimento de Matias de Oliveira foi tomado em 1627, quando contava com 70 anos. Natural de São Vicente, o depoente foi provavelmente aluno do colégio que os jesuítas mantiveram na vila até 1585, quando o transferiram para Santos. Todos esses relatos coadunam-se com a versão referida por José Mello em seu artigo sobre Itanhaém, que justifica o nome dado ao rochedo “por ser o logar por elle preferido para o seu descanso corporal” e por isso era “sempre visitado pelos romeiros”.120 120 “Conceição de Itanhaém”, Correio Paulistano, 17 nov. 1924.

Desse modo, o vínculo entre a figura de Anchieta e o bloco rochoso junto ao costão de Itanhaém se mostra muito mais coeso do que uma mera transposição da devoção a São Francisco poderia supor. A cama, portanto, pode ser compreendida como uma elaboração local da imagem do missionário construída tanto pela devoção dos fiéis como pela difusão de suas biografias, com todos os vieses nelas contidos. Na realidade, como “memória” de um missionário que aparentava se alegrar por percorrer os mais penosos caminhos e desprezar mesmo os mais básicos confortos, nada seria mais apropriado do que um leito de duro gnaisse constantemente batido pelos ventos marinhos e disposto entre um paredão escarpado e a rebentação das ondas. Por fim, cumpre notar que a potência da associação não residia apenas na analogia formal entre a rocha e uma cama com dossel, mas principalmente na sua situação junto ao trecho da costa que mais evocou a aridez das paisagens americanas nas narrativas sobre Anchieta. Resta, portanto, entender como o futuro balneário - que em seu auge chegou a atrair poetas e artistas e a servir de cenários para novelas - pôde ser primeiramente reputado como terra áspera e inóspita, o que constitui antes uma questão de representação do que de geografia.

De fato, o percurso entre São Vicente e Peruíbe era mesmo despovoado (com exceção do trecho imediato à vila de Itanhaém), ao ponto de os caminhantes eram obrigados a levar alimentos ou apetrechos de pesca, pois não havia morador algum que pudesse oferecer o mais modesto pouso ou repasto.121 121 É preciso levar em conta que as narrativas anchietanas em Itanhaém e Peruíbe deram-se durante o período em que ocupou o cargo de reitor do colégio de São Vicente (1567-1576), isto é, os anos imediatamente após a derrota da chamada Confederação dos Tamoios, aos quais se seguiram repetidas campanhas de extermínio e redução dos grupos Tupi da costa sul de São Vicente até o Espírito Santo. Assim, é difícil não ver na inexistência de habitantes entre São Vicente e Itanhaém um reflexo da hecatombe demográfica que sofriam os Tupi no mesmo período. Ainda assim, em Berettari - e, por conseguinte, em Simão de Vasconcellos - a paisagem da costa de Itanhaém assume ares verdadeiramente dantescos, com seus vastos campos de pedras sem verde algum e praias obstruídas por esqueletos de baleias mortas, animal então considerado mais próximo a um monstro abissal do que a um mamífero. Cumpre lembrar que o jesuíta italiano jamais pisou no Brasil e sua “Vida de Anchieta” foi baseada nos autos do processo de canonização e nas cartas de padres da Ordem, o que torna forçoso reconhecer que o autor, muito provavelmente, recorreu à já vasta literatura sobre o Novo Mundo para ajudá-lo na composição de sua obra. Assim, é cabível ver na sua caracterização de uma costa de Itanhaém erma e desabrida, traços das míticas Ilhas Afortunadas conforme descritas por Plínio, que alude às neves eternas e aos nevoeiros de uma das ilhas, enquanto outra era “perturbada pelos corpos putrefatos de monstros, que são constantemente ali lançados pelo mar”.122 122 Pliny (VI, XXXVII, 32).

A imagem de Itanhaém como locus terribilis é corroborada também por outros episódios da hagiografia do jesuíta, como o esconjuro de uma aparição demoníaca que assombrara uma comitiva da Companhia durante uma viagem, assim narrada no Santuário Mariano (1723):

Por huma parte desta praya caminhava o Padre Anchieta de noyte em companhia de algu˜s romeyros, quando a deshoras lhes appareceu hua visão tão espantosa, que a todos atemorizou; era hua figura de hum homem armado em fogos, metido em prisões de cadeas, & grilhões de fogo. A vista desta horrenda visão naõ puderaõ deyxar de temer muyto todos os que o acompanhavão, & assim se abraçaraõ com o Padre, & se pegavão as suas vestiduras, gritavão que lhes acudisse; assim o fez, & fazendo certos exorcismos da Santa Igreja, desapareceu a visaõ, & se meteu no mar.123 123 Santa Maria (1723, p. 127).

A praia e o costão de Itanhaém, portanto, estão longe de serem análogos ao monte de Varallo. Ainda que o sacro monte franciscano tenha também abrigado hábitos severos e, até mesmo, embates com forças infernais, ele o fez justamente por estarem suas fragas e abismos retirados das colinas verdejantes da Toscana. O Novo Mundo, por sua vez, era ele próprio o mais extremado retiro, suas paisagens todas eram inimigas do conforto e da acídia e frequentá-las era o mesmo que enfrentá-las, se submetendo abnegadamente aos seus importunos e ameaças.

Muito mais perigosos que os castigos ao corpo eram os riscos à alma trazidos pela própria condição demoníaca das terras americanas - conforme o estudo já clássico de Laura de Mello e Souza -, que é bem sintetizado pelo episódio do exorcismo da figura flamejante de Itanhaém. Reside aí a diferença essencial entre o “letto de San Francesco” e a cama de Anchieta: enquanto o primeiro objeto pode ser descrito como um meio de disciplinar o corpo cuja alma ansiava pela elevação espiritual, o segundo encarnava a mortificação de quem almejava o martírio. Para a hagiografia de Anchieta, a paisagem americana era ela própria o seu cilício, do qual os rochedos de Itanhaém foram sempre os mais constringentes ferros.

Por fim, cumpre apontar para o modo como o imaginário anchietano deu margem para reinterpretações mais recentes acerca da angústia e da aridez espiritual enfrentadas por escritores e artistas. De fato, há muito foi reconhecido o modo como as mortificações e rigores com o corpo, tão próprios à cultura religiosa do catolicismo da Contrarreforma, adquiriram um sentido positivo de abnegação e elevação moral na releitura romântica do mito anchietano, em um movimento de sublimação também típico da cultura artística do século XIX.124 124 Não surpreende, assim, o pendor dos poetas oitocentistas pelo episódio do poema escrito à Virgem, tanto por autores como o jovem Machado de Assis, que o menciona como um “esforço de virtude” frente à “ardente juventude”, como o provinciano Antônio Joaquim da Rosa, que dedicou um poema todo ao mesmo tema. Não surpreende, assim, o apelo exercido pelo episódio do poema escrito à Virgem em autores escritores tão distintos como o jovem Machado de Assis e o provinciano Antônio Joaquim da Rosa, que dedicou um poema todo ao tema.

O apreço pelos sentidos morais da sublimação ressoou também no quadro de Antônio Parreiras sobre o poema de Anchieta, cujo cenário rochoso alude mais aos costões de Itanhaém do que à praia de Iperoig. Na realidade, o real modelo para os rochedos parece ter sido a costa de Niterói, próxima a ilha de Boa Viagem, mas as referências das “Vidas” anchietanas à “terra áspera, descoberta de relva” da região de Itanhaém não devem ter passado batidas a Parreiras, então conhecido pelo seu recurso à pesquisa em documentos de época na elaboração de pinturas históricas. A rispidez daquelas praias despovoadas pode ter a cativado a imaginação de Parreiras (ele próprio um habitué de cantos de praias) para a composição de seu quadro, no qual a virtude de Anchieta parece sobrepujar não os ímpetos juvenis, mas a aridez melancólica da meia-idade (Figura 13). O esforço de sublimação do concreto aqui não seria dirigido à calidez dos desejos juvenis, mas à rudeza e esterilidade do mundo circundante, o qual é preciso abstrair para poder se inspirar - uma perspectiva mais em acordo com a idade de Parreiras à época.

Figura 13
Antônio Parreiras. Anchieta, 1928, óleo sobre tela, 130cm×194 cm.

De qualquer forma, independentemente das motivações internas do pintor fluminense, o ponto a ser aqui notado é que o seu “Anchieta” foi elaborado como uma pintura histórica, tendo, portanto, uma finalidade memorial equiparável à Cama de Anchieta. Afinal, como bem descreveu Benedito Calixto - o outro grande mestre da pintura histórica da geração de Parreiras - a Cama de Anchieta nada mais era do que uma “memória”, cuja recusa ao esquecimento é também compartilhada por todas as telas do gênero histórico. Quando aplicado a um artefato ou objeto conforme empregado por Calixto, o termo “memória” soa estranho ao jargão dos estudos históricos, mesmo entre profissionais dedicados à preservação do patrimônio cultural e à memória social. Contudo, ele revela-se aqui mais adequado a objetos como a Cama de Anchieta do que os conceitos de “monumentos”, “lugares de memória” ou afins. Trata-se, na realidade, de um sentido da palavra em tudo de acordo com a crença católica, conforme era empregada pelo próprio Santo Agostinho, que designava altares e capelas erguidos em honra aos mártires como memoriae, sendo que já nessa época, honrar os mártires passava por venerar suas relíquias.125 125 Santo Agostinho (1990, p. 29-31). Assim, como local de romarias, o rochedo junto ao mar pode ser considerado como um simulacro das relíquias de José de Anchieta e, portanto, venerado como uma “memória” do santo.

O caso da Cama de Anchieta demonstra o quanto o vínculo entre um lugar e a figura de um santo pode perpetuar a sua memória de modo bastante coerente, principalmente quando o lugar goza da fixidez e resistência de um grande bloco gnáissico. Há, contudo, um claro limite para o alcance dessa “memória” de Anchieta: se ela se mostrou muito eficaz como objeto mnemônico, quase nada dize sobre a sua figura histórica: são, antes, monumentos a sua hagiografia, e como tais, incapazes de testemunhar sobre sentidos e experiências que não se enquadrem nos rígidos esquemas das narrativas hagiográficas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que faz da pedra o material mnemônico por excelência, além de sua duração, é a sua fixidez. Não surpreende, portanto, que os seus usos mais solenes ainda preservem essa relação metafórica com a imobilidade dos rochedos. Na raiz de todos esses usos esteve sempre a vontade de asseverar, de modo grave e perene, a singularidade de uma pessoa, um evento ou um local - o mais primordial monumento, a lápide tumular, nada mais é do que a fusão dessas três dimensões da vida em um só objeto que, ao incorporar a indivisão e a fixidez das rochas, oferece uma resposta possível diante do horrendo tabu representado pela extinção de uma vida humana. Não por acaso, de modo geral, às lápides sempre se reservaram maior decoro e cuidado do que com os próprios restos mortais sob ela enterrados: enquanto os ossos humanos, sujeitos ao esquecimento e à decomposição, puderam ser mais livremente manejados, desenterrados, realocados e incinerados, as lápides tenderam a permanecer no mesmo local, fixando os nomes dos mortos aos locais onde foram sepultados.

Foi esse o caso do próprio José de Anchieta, cuja lápide é hoje exibida como relíquia no palácio de governo que hoje leva o seu nome em Vitória. Trata-se de uma peça de requinte, vinda de Portugal e incrustrada com granitos negros contornando os motivos fitomórficos e a grande cartela em pedra-lioz (Figura 14). Contudo, ela é a lápide de seu cenotáfio, já que foi esculpida após a exumação e traslado de seus ossos para Salvador, em 1609.126 126 Conforme o padre Hélio Viotti, o último grande biógrafo de Anchieta, foi já nessa ocasião que se iniciou a dispersão de suas relíquias. De pedaço em pedaço, elas foram sendo enviadas para os diversos estabelecimentos jesuíticos existentes na colônia e no além-mar, a ponto de restarem apenas quatro fragmentos à época da expulsão da ordem ordenada por Pombal, três dos quais partiram com os padres. Cf. Viotti (1969, p. 221-224). A primeira notícia a respeito de sua existência foi dada por José Marcellino Pereira de Vasconcellos, em seu livro Ensaio sobre a história e a estatística da Província do Espírito Santo, publicado em 1858. Vasconcellos, contudo, errou na transcrição da epígrafe em latim, dando a entender que se tratava de fato da antiga sepultura de Anchieta. O erro só foi corrigido em 1875, quando a epígrafe correta foi publicada nos Annaes da Biblioteca Nacional por José Teixeira de Mello e Ramiz Galvão, que há anos buscava reunir uma coleção de documentos epigráficos do período colonial. Mesmo assim, a lápide quase se perdeu durante a construção do novo palácio do governo, em 1911. Em um lance de sorte, foi recuperada “sob os escombros da demolição” da capela de São Tiago por um emissário do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.127 127 Marques (1913, p. 106). Em 1922, ano do centenário da Independência, o governo capixaba construiu uma cripta simbólica para exposição pública da peça, atendendo uma requisição do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo - de maneira muito semelhante ao ocorrido em São Paulo anos antes, a criação do memorial deu-se poucos meses após a demolição da segunda torre da igreja de São Tiago, o último vestígio que restava do antigo conjunto jesuítico.

Figura 14
Lápide do cenotáfio de José de Anchieta, início do século XVII, pedra-lioz e granito negro.

A trajetória do cenotáfio de Anchieta, da fabricação até sua consagração como memorial das origens da nacionalidade (passando por um período de esquecimento em que quase foi perdida), serve como uma boa metáfora para os casos aqui estudados. Afinal, do que se tratam esses artefatos, monumentos e sítios senão de simulacros das relíquias anchietanas dispersas e desaparecidas? Há muito se sabe que a devoção a Anchieta não esperou nenhum reconhecimento da Santa Sé para fazer surgir inúmeras relíquias que circularam da Bahia a São Vicente, como pedaços de sua batina, cartas escritas por sua mão e até fragmentos de seus ossos.128 128 Nos depoimentos tomados em São Paulo, em 1628, citam-se três casos de depoentes que guardavam ossos de Anchieta como relíquias suas. Até mesmo a edição de uma de suas “Vidas” podia servir como relíquia, como se deixa ver no depoimento de Gaspar Cubas, que atestou ter conseguido afastar uma trovoada que se avizinhava ao chamar por “São José”, segurando o livro em suas mãos. Cf. Viotti (1957, p. 198). A elas não se rendiam cultos, mesmo privadamente, sendo referidas mais como amuletos protetores e aos quais seus donos recorriam para interceder ou abençoar aos necessitados. Eram objetos pessoais, em suma, que mesmo transmitidos como herança aos familiares próximos se perderam todos com o passar do tempo. Daí a conveniência de outras relíquias, mais perenes e visíveis, dispostas sobre costões, em ruínas ou em meio ao espaço urbano. Elas atestavam assim a relação estabelecida por Michel de Certeau entre hagiografia e geografia, segundo a qual a primeira” se caracteriza por uma predominância de lugar sobre as particularizações de tempo. […] A história do santo se traduz em percursos de lugares e em mudanças de cenário” que representam ao fiel a “consciência que ele tem de si mesmo, associando uma imagem a um lugar”.129 129 Certeau (1982, p. 269, 276). Torna-se possível, desse modo, compreender a força aderente da “sombra de Anchieta”, que foi capaz de associar-se a sítios e objetos à revelia de qualquer rigor histórico. Ao fixar-se em artefatos, espaços urbanos e paisagens, a imagem do jesuíta se tornava, nas palavras de Certeau, a imagem de uma “fundação, o produto e o signo de um advento.” Se o advento representado era o de Cristo em uma América idólatra, a fundação imaginada era também a da nacionalidade brasileira, sintetizando a ambiguidade que sempre marcou a rememoração de Anchieta, conforme observado por Maria Aparecido Ribeiro.130 130 Ribeiro, op. cit., p. 23.

Sem dúvida, a literatura hagiográfica produzida sobre a sua vida fundamentou o modo como a sua imagem fixou-se a esses objetos e lugares. Aqui o papel das lendas na cristalização da crença do qual falava François Dosse se encontra com a “cristalização” conforme entendida por Peter Burke: o processo pelo qual “historias de livre flutuação são vinculadas ao novo herói”,131 131 Burke (2000, p. 80). contribuindo para que narrativas atribuídas a outrem aderissem à hagiografia anchietana - como aconteceu com episódios das vidas de Francisco Pires, Manuel da Nóbrega e Santo Antônio de Lisboa. Contudo, com as mudanças políticas e sociais que conduziram a instauração do regime republicano no país, essa rememoração não pôde mais ser restringida aos aspectos religiosos de sua vida e Anchieta foi transformado em um dos protagonistas de uma narrativa épica e bastante conservadora sobre a formação nacional - processo esse que acabou por atribuir novas agências as suas relíquias.

Um estudo de cultura material, contudo, não poderia se limitar a recontar por meio de artefatos e paisagens narrativas já estabelecidas pela historiografia. Cabe a ele trazer a luz outros sentidos presentes nas materialidades abordadas. No presente caso, muitos desses sentidos acabaram olvidados pela cristalização decorrente de décadas de discursos oficiais de cunho hagiográfico, ideológico e folclorístico. Para tanto, a interpretação da cultura material anchietana procurou se guiar pelo que ela apresenta de mais característico: a força sígnica das rochas e pedras por meio da qual a sombra de Anchieta pôde continuar se projetando ao longo dos séculos, como hagiografia e, posteriormente, como uma épica da nacionalidade. Afinal, foi a longevidade dos artefatos feitos em pedra, inerentemente ligada às noções gêmeas de dureza e duração, o que permitiu aos objetos e sítios aqui estudados acumularem diferentes significados ao longo do tempo, em um processo no qual cada novo sentido se valia dos antecedentes para se fixar, mesmo que acabassem por ocultá-los ao fim.

Ao pesquisador da cultura material, portanto, cabe remover as camadas sobrepostas de modo a tentar recuperar referenciais cujos contornos há muito se perderam. Contudo mais do que “escavar” ou “prospectar” cada objeto, o investigador deve ter em mente o postulado formulado por Pedro Paulo Funari, de que “o sentido de qualquer artefato específico está sempre interseccionado pelo sentido de outros artefatos”.132 132 Funari, op. cit., p. 20. Desse modo, é interessante observar o modo como objetos e sítios similares reelaboraram as mesmas narrativas conforme o contexto local, como pôde ser conferido nos casos das pias do Museu Paulista e do Museu Anchieta, das “Camas” de Itanhaém e de Varello e das fontes anchietanas de Magé, Anchieta e, possivelmente, Itanhaém. De qualquer forma, mapear essa rede de sentidos dispersa pelos vários artefatos e sítios anchietanos é uma tarefa ainda por se fazer e que certamente contribuirá para a valorização desse acervo, muito visitado por milhares de devotos, veranistas e estudantes - sem mencionar que poderá servir como modelo para o estudo integrado da cultura material ligada às figuras análogas de Antônio Conselheiro e do Monge João Maria.

Por fim, cabe também ressaltar a importância de atentar para as relações entre os nomes e as formas de cada objeto, uma vez que os topônimos baseados na figuração e na analogia são constitutivos dos valores mais fundamentais das paisagens. Além disso, foram eles sempre um dos modos basilares pelos quais os seres humanos puderam tornar o mundo habitável. Ou seja, mesmo as paisagens menos alteradas pela técnica revelavam-se assim plenamente humanizadas, já que os nomes dos lugares e as narrativas neles contidas expressavam, figurativamente, seus próprios valores e sentidos.133 133 Murton (2011, p. 78-88). Reconhecer essas características da cultura material e as dinâmicas daí derivadas é imprescindível para que se possa transcender a rigidez hagiográfica, os nativismos mesquinhos e a miopia folclorística em prol de uma abordagem mais transcultural e integrada da cultura material.

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  • VIOTTI, Hélio Abranches; MOUTINHO, Murillo. Anchieta nas artes. São Paulo: Loyola, 1991.
  • 2
    “De S. Paulo a Conceição de Itanhaen”, Commercio de São Paulo, 10 jun. 1896.
  • 3
    Ibid., 16 jun. 1896.
  • 4
    ApudRibeiro (2003RIBEIRO, Maria Aparecida. Anchieta no Brasil: que memória? História Revista, Goiânia, v. 8, n. 1, p. 21-51, 2003. DOI: 10.5216/hr.v8i1.10442.
    https://doi.org/10.5216/hr.v8i1.10442...
    , p. 23).
  • 5
    Cf. Carvalho (1990CARVALHO, José M. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. , p. 55-71).
  • 6
    Pedro (2008PEDRO, Lívia C. História da Companhia de Jesus no Brasil: biografia de uma obra. 2008. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, 2008. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3xnzfJS . Acesso em: 7 fev. 2022.
    https://bit.ly/3xnzfJS...
    , p. 81-84). Conforme apontado por Camila Freitas, a intenção comemorativa dessas publicações, refletida também pelo tratamento monumental conferido à divulgação de documentos históricos, teve uma influência profunda na historiografia brasileira da época, quase sempre simpática aos jesuítas. Cf. Freitas (2016FREITAS, Camila Corrêa e Silva de. Divulgar a biografia de um santo: os usos e as apropriações da figura de José de Anchieta no Brasil e A refna Europa (século XVII). 2016. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. DOI: 10.11606/T.8.2017.tde-02082017-113910.
    https://doi.org/10.11606/T.8.2017.tde-02...
    , p. 13-14).
  • 7
    Dosse (2009DOSSE, François. O desafio biográfico: escrever uma vida. São Paulo: Edusp, 2009. , p. 147-148).
  • 8
    Vansina (1985VANSINA, Jan. Oral tradition as history. London: James Currey, 1985. , 10-11).
  • 9
    Funari (2007FUNARI, Pedro Paulo. Arqueologia e patrimônio. Erechim: Habilis, 2007. , p. 19).
  • 10
    Santos (2017SANTOS, Jadilson Pimentel dos. Iconografia, arte e devoção: aspectos do legado material e imaterial em torno de Antônio Vicente Mendes Maciel, o beato Antônio Conselheiro. 2017. Tese (Doutorado em Artes Visuais), Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2017. DOI: 10.47749/T/UNICAMP.2017.991764.
    https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2017....
    , p. 138-139). A dissertação de mestrado (2011) e a tese de doutoramento (2017) do autor foram dedicadas aos monumentos e imagens reformados ou construídos por Antônio Conselheiro e seus seguidores. Desenvolvidas com apreço às metodologias dos bons estudos iconográficos e estilísticos de história da arte, ambas revelam um acervo riquíssimo e pouco conhecido fora da Bahia.
  • 11
    Sobre o primeiro monge, cf. Karsburg (2012KARSBURG, Alexandre de Oliveira. O eremita do Novo Mundo: a trajetória de um peregrino italiano na América do século XIX (1838-1869). 2012. Tese (Doutorado em História Social) - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3grQSRS . Acesso em: 7 fev. 2022.
    https://bit.ly/3grQSRS...
    ); sobre a crença no “santo” João Maria, cf. Góes (2008GÓES, César Hamilton Brito. Nos caminhos do santo Monge: religião, sociabilidade e lutas sociais no sul do Brasil. 2008. Tese (Doutorado em Sociologia) - Instituto de Filosofia E ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3vk378N . Acesso em: 7 fev. 2022.
    https://bit.ly/3vk378N...
    ).
  • 12
    Piza (1896PIZA, Antônio T. Igreja do colégio da capital do Estado de São Paulo. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 58, n. 2, p. 57-149, 1896. , p. 66).
  • 13
    Moraes (1979MORAES, Geraldo D. A igreja e o colégio dos jesuítas de São Paulo. São Paulo: Prefeitura Municipal, 1979., p. 54).
  • 14
    O princípio da separação total entre Igreja e Estado, cláusula pétrea da causa republicana, ia de encontro à pretensão da Igreja Católica de reaver os bens confiscados aos jesuítas pela Coroa portuguesa em 1759.
  • 15
    Afora as carreiras política e militar, Couto de Magalhães costuma ser lembrado mais pela sua defesa aguerrida da nacionalidade brasileira como não europeia, ideia embasada pelos seus estudos de antropologia e folclore, considerados pioneiros no gênero. Ainda bastante ignorada, sua xenofobia exacerbada aparenta ter contribuído grandemente para sua defesa das tradições nacionais brasileiras.
  • 16
    Piza, op. cit., p. 68-71.
  • 17
    A ausência do levantamento métrico à época da demolição da igreja fez com que restassem aos interessados na reconstituição de sua planta as descrições feitas da igreja (e seu acervo) nos inventários dos bens da Companhia de Jesus confiscados pela Coroa após sua expulsão, em 1759.
  • 18
    Piza, op. cit., p. 76.
  • 19
    A pia localizava-se abaixo do coro, à entrada da nave, e engastava-se na parede de taipa de pilão.
  • 20
    Kuhn (2016KUHN, João Carlos Santos. Resistências sagradas: Pátio do Colégio, secularização e reconstrução. 2016. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, 2016. DOI: 10.11606/D.16.2017.tde-20122016-160918.
    https://doi.org/10.11606/D.16.2017.tde-2...
    , p. 96 e seq.). Os bens remanescentes (catorze objetos, conforme listagem prévia de Geraldo Moraes Dutra) tiveram sua trajetória desde a demolição recuperada pelo autor, que identificou também as suas atuais localizações.
  • 21
    Merecem destaque os casos da imagem de Bom Jesus (hoje na igreja de N. Sra. da Boa Morte) e os fragmentos do altar-mor, que foram adaptados à capela-mor da Igreja de N. Sra. da Conceição, à rua Jaguaribe, antes de integrarem o acervo do Museu Anchieta, onde também encontram-se peças cuja precedência da antiga igreja jesuítica é apenas atribuída.
  • 22
    Excluiu-se dessa lista a pedra tumular de Afonso Sardinha e sua mulher, visto sua entrada no museu ter sido anterior à própria demolição do templo. Encontrada em 1882, durante escavações feitas para as obras no Palácio do Governo ocorridas sob a presidência de Florêncio de Abreu, a lápide deve ter integrado antes a pouco conhecida coleção do Museu Provincial, tendo sido transferida ao museu após a sua criação, em 1895.
  • 23
    Sampaio (1898SAMPAIO, Teodoro. Memória sobre a egreja do collegio dos jesuítas de São Paulo. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo , São Paulo, v. 2, p. 1-10, 1898. , p. 2).
  • 24
    Piza, op. cit., p. 78.
  • 25
    Conte (2011CONTE, Marília Bonas. A(s) vida(s) da pia de água benta da primeira igreja de São Paulo no Museu Paulista da USP. 2011. Dissertação (Mestrado em Museologia) - Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia, Lisboa, 2011. , p. 79). Diante da ausência de qualquer menção à pia no “Guia pelas colleções do Museu Paulista”, de 1907, a autora chega a questionar se a peça teria estado em reserva técnica durante parte da gestão de Hermann von Ihering, possibilidade que não deve ser descartada.
  • 26
    ApudConte (2011CONTE, Marília Bonas. A(s) vida(s) da pia de água benta da primeira igreja de São Paulo no Museu Paulista da USP. 2011. Dissertação (Mestrado em Museologia) - Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia, Lisboa, 2011. , p. 80).
  • 27
    Piza, op. cit., p. 80. Toledo Piza primeiro supôs que o templo demolido em 1896 era a igreja construída por Afonso Brás para substituir a capela inaugural de barro e palha, parecer que foi posteriormente retificado por ele, que chegou a considerar (de novo erroneamente) que a capela-mor ainda poderia datar do século XVI. A constatação é minimizada por ele nos seguintes termos: “pode-se dizer della o que se disse da faca do camponez, que continuamente retocada, ora na lâmina, ora no cabo, era para o seu dono a mesma faca primitiva”.
  • 28
    “Museu Paulista: uma interessante exposição de elementos quinhentistas”, Correio Paulistano, 30 abr. 1926, p. 1. A descrição da pia no inventário realizado em 1929 não faz alusão à data. Contudo, ainda em 1926, quando o Museu realizou uma exposição temporária para marcar a entrada de um autógrafo de Anchieta no acervo, a peça é referida, juntamente com a de Peruíbe, como “pia quinhentista”.
  • 29
    Conte, op. cit., p. 87.
  • 30
    O Estado de S. Paulo, 18 de julho 1896, seção “Notas e informações”, p. 1.
  • 31
    Oliveira (1864OLIVEIRA, José J. Machado de. Quadro histórico da província de São Paulo. São Paulo: Typographia Imparcial, 1864. , p. 55).
  • 32
    Azevedo Marques (1954AZEVEDO MARQUES, Manuel Eufrásio. Apontamentos históricos, geográficos, biográficos, estatísticos e noticiosos da Província de São Paulo. São Paulo: Livraria Martins, 1954. 2 v. , p. 240-241).
  • 33
    Catedrático de teoria do direito na Faculdade do largo São Francisco, exerceu papel importante na consolidação da legislação republicana em São Paulo, sendo depois eleito deputado estadual.
  • 34
    Se, por um lado, Sampaio manifestou uma lealdade sentimental ao Império até o fim de sua vida, fora também arrebatado “com entusiasmo [……] pela onda renovadora” republicana (PIERSON, 1945PIERSON, Donald. Brancos e pretos na Bahia: um estudo de contato racial. Rio de Janeiro: Nacional, 1945. , p. 430).
  • 35
    Oliveira (1990OLIVEIRA, Lúcia L. A questão nacional na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1990. , p. 161 e seq.).
  • 36
    Prado (1900PRADO, Eduardo. O catolicismo: a Companhia de Jesus e a colonização do Brasil. In: RODRIGUES, Francisco de Paula et al. III centenário do venerável José de Anchieta. Paris: Aillaud e Cia , 1900. p. 19-57., p. 55).
  • 37
    Oliveira (1990OLIVEIRA, Lúcia L. A questão nacional na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1990. , p. 163). Sobre a importância da conferência no pensamento de Eduardo Prado e sua influência entre os letrados paulistas, cf. Berriel (2013BERRIEL, Carlos. Tietê, Tejo, Sena: a obra de Paulo Prado. Campinas: Editora da Unicamp, 2013., p. 69-71).
  • 38
    Ibid., p. 70.
  • 39
    Prado, op. cit., p. 56.
  • 40
    Machado (1900MACHADO, Brasílio. Anchieta: narração de sua vida. In: RODRIGUES, Francisco de Paula et al. III centenário do venerável José de Anchieta. Paris: Aillaud e Cia, 1900. p. 58-101. , p. 76).
  • 41
    Monteiro (2019MONTEIRO, Michelli Cristiane Scapol. Uma trajetória sinuosa: o Museu Paulista e as apropriações da Fundação de São Paulo, de Oscar Pereira da Silva. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material , São Paulo, v. 27, p. 1-37. 2019. DOI: 10.1590/1982-02672019v27e16d2.
    https://doi.org/10.1590/1982-02672019v27...
    , p. 15).
  • 42
    Lima (1999LIMA, Solange Ferraz de. Pátio do Colégio, Largo do Palácio. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, São Paulo, v. 6-7, n. 1, p. 61-82, 1999. DOI: 10.1590/S0101-47141999000100004.
    https://doi.org/10.1590/S0101-4714199900...
    , p. 71). Em seu estudo, Solange Ferraz Lima vê o monumento de Zani como ação “pretensamente compensatória” nascida do esvaziamento das práticas que dotavam o largo de importância simbólica central à cidade. Cabe notar que a ideia de erigir ali um monumento aos fundadores da cidade é primeiramente sugerida por Teodoro Sampaio, que propôs erguer “à memória dos fundadores do colégio, que são também os d’esta cidade, um monumento immorredouro como o bronze” (SAMPAIO, 1898SAMPAIO, Teodoro. Memória sobre a egreja do collegio dos jesuítas de São Paulo. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo , São Paulo, v. 2, p. 1-10, 1898. , p. 9).
  • 43
    Quarenta (2009QUARENTA, Ednilson Aparecido. O apóstolo pregresso e as alegorias da fundação: Anchieta, um mito fundador no IV Centenário da Cidade de São Paulo. 2009. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. DOI: 10.11606/T.8.2009.tde-09122009-115053.
    https://doi.org/10.11606/T.8.2009.tde-09...
    , p. 192-193).
  • 44
    Relatório… (1917RELATÓRIO do governador Antônio Paes de Sande em que indica as causas do malogro das minas do sul e propõe para se obter de maneira segura o seu descobrimento. Anais da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, v. 39, p. 197-2000, 1917., p. 199).
  • 45
    Para citar apenas o aspecto mais explícito da influência do estudo de Pereira, basta apontar que os mapas ali apresentados parecem ter sido a base dos que foram utilizados por Pasquale Petrone em seus estudos sobre a geografia histórica da região. Além disso, os bicos de pena elaborados por Roberto Mertig também foram usados em estudos de Aziz Ab’Saber e do Condephaat. Por fim, cabe apontar que Mertig foi um dos vários colaboradores de João de Campos Aguirra, produzindo muitos dos mapas que integravam o seu arquivo, hoje no Museu Paulista.
  • 46
    Pereira (1936PEREIRA, Antônio Baptista. A cidade de Anchieta. Revista do Arquivo Municipal , São Paulo, v. 23, p. 3-123, 1936. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3cK84RQ . Acesso em: 7 fev. 2022.
    https://bit.ly/3cK84RQ...
    , p. 111).
  • 47
    Ibid., p. 120. A inscrição sugerida pelo autor é uma menção à conversão de São Paulo, na cena em que o Cristo apareceu ao apóstolo e lhe comandou que cessasse a perseguição aos cristãos. Cf. Atos dos Apóstolos, 9:7.
  • 48
    Cardim Filho (1975CARDIM FILHO, Carlos Alberto Gomes. O Pátio do Colégio. Revista do Arquivo Municipal, São Paulo, n. 187, 1975, p. 83-97. , p. 84).
  • 49
    Sobre a disputa entre partidários de Anchieta e as demais figuras históricas da cidade, cf. Quarenta, (2009QUARENTA, Ednilson Aparecido. O apóstolo pregresso e as alegorias da fundação: Anchieta, um mito fundador no IV Centenário da Cidade de São Paulo. 2009. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. DOI: 10.11606/T.8.2009.tde-09122009-115053.
    https://doi.org/10.11606/T.8.2009.tde-09...
    ); sobre o lugar secundário dedicado a Anchieta e aos jesuítas em geral no Museu Paulista, cf. Monteiro (2019MONTEIRO, Michelli Cristiane Scapol. Uma trajetória sinuosa: o Museu Paulista e as apropriações da Fundação de São Paulo, de Oscar Pereira da Silva. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material , São Paulo, v. 27, p. 1-37. 2019. DOI: 10.1590/1982-02672019v27e16d2.
    https://doi.org/10.1590/1982-02672019v27...
    ).
  • 50
    Para os esforços dos jesuítas em recolher as peças remanescentes de sua antiga igreja, cf. Kuhn (2016KUHN, João Carlos Santos. Resistências sagradas: Pátio do Colégio, secularização e reconstrução. 2016. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, 2016. DOI: 10.11606/D.16.2017.tde-20122016-160918.
    https://doi.org/10.11606/D.16.2017.tde-2...
    ). O fêmur que se está exposto atualmente no Museu Anchieta, no Pátio do Colégio, foi trazido para o Brasil em 1965 como parte de novo esforço da campanha de canonização, visando despertar a devoção a Anchieta e fomentar casos de intercessões milagrosas. O fêmur fora levado para Roma em 1609, após os restos mortais do jesuíta serem trasladados de Vitória para Salvador, onde foram dispostos em um nicho epigrafado na parede do presbitério da Igreja do Colégio para serem venerados pelos irmãos da Companhia e por fiéis da cidade. Cf. Viotti (1969VIOTTI, Hélio Abranches As relíquias de Anchieta. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo , São Paulo, v. 66, p. 221-224, 1969. , p. 221-224).
  • 51
    Condephaat (1977CONDEPHAAT. O sítio urbano original de São Paulo: o Pátio do Colégio. São Paulo: Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia, 1977. , p. 11).
  • 52
    Kuhn, op. cit., p. 124.
  • 53
    Canado Júnior (2021CANADO JÚNIOR, Roberto dos Santos. Um monumento colonial para uma cidade moderna: o conjunto jesuítico do Pátio do Colégio nas comemorações do IV Centenário de São Paulo. Risco: Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, v. 19, p. 1-16, 2021. DOI: 10.11606/1984-4506.risco.2021.157718.
    https://doi.org/10.11606/1984-4506.risco...
    , p. 13-14).
  • 54
    “Itanhaen”, Correio Paulistano, 20 nov. 1924.
  • 55
    Calixto (1915CALIXTO, Benedito. Memória histórica sobre a egreja e o convento da Immaculada Conceição de Itanhaém. Santos: Typographia São José, 1915. ).
  • 56
    Para Calixto, mesmo o padre Nunes e Pero Correia não teriam sido os fundadores da primeira povoação portuguesa a existir ali, já que teriam os jesuítas se instalado no núcleo já fundado por Martim Afonso de Souza, entre 1532 e 1534. Cf. Calixto (1895CALIXTO, Benedito. A villa de Itanhaém: segunda povoação fundada por Martim Affonso de Souza. Santos: Typographia do Diário de Santos, 1895., p. 17). Contudo, nenhuma evidência apoia a reivindicação de ter Martim Afonso de Souza fundado Itanhaém, pouco restando para justificá-la além de seu afã em atribuir a sua cidade natal uma origem nobre e tão antiga quanto a de São Vicente.
  • 57
    Freitas Júnior (1928FREITAS JÚNIOR, Affonso de. Discurso proferido na sessão magna de 1º de novembro de 1927. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. 25, p. 595-611, 1928. , p. 610-611). Trata-se da parte final do discurso de homenagem póstuma a Capistrano de Abreu, falecido em 1927. Tenha sido praticada por Capistrano ou não, a brincadeira faz referência a uma anedota corrente no final do século XIX sobre um estudante em Paris que visita o quarto onde supostamente teria se hospedado Voltaire.
  • 58
    Calixto pintou ao menos quatro quadros de Anchieta, dentre os quais alguns tiveram mais de uma versão: “O beato José de Anchieta” (1902), hoje no Acervo do Museu Paulista; “Anchieta e as feras” e “Evangelho nas selvas” (1893/1897), uma versão pertencente ao Museu de Arte Sacra de São Paulo e outra à coleção particular; “Anchieta e Nóbrega na cabana de Pindobuçú” (1927), em coleção particular; “O poema de Anchieta” e “Poema à Virgem Maria” (1900/1901) uma versão em coleção particular e outra pertencente ao Colégio São Luiz, hoje exposto no Museu Anchieta.
  • 59
    Eriksen (2014ERIKSEN, Anne. From antiquities to heritage: transformations of cultural memory. New York: Berghahn, 2014. , p. 30 e seq.).
  • 60
    A inauguração da estrada de rodagem do Caminho do Mar, em 1922, incentivou a balnearização de Itanhaém, onde logo se abriram hotéis que passaram a receber muitas famílias paulistanas em férias. De São Vicente até Itanhaém, o percurso podia ser feito pela praia durante a maré baixa.
  • 61
    Calixto (1915CALIXTO, Benedito. Memória histórica sobre a egreja e o convento da Immaculada Conceição de Itanhaém. Santos: Typographia São José, 1915. , p. 25).
  • 62
    Oliveira (2018OLIVEIRA, Eduardo Polidori Villa Nova de. “Fundação de São Vicente” de Benedito Calixto: composição, musealização e apropriação (1900-1932). 2018. Dissertação (Mestrado em Museologia) - Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, 2018. DOI: 10.11606/D.103.2019.tde-03012019-113149.
    https://doi.org/10.11606/D.103.2019.tde-...
    , p. 206).
  • 63
    “Uma excursão proveitosa”, Mensageiro do Sagrado Coração de Jesus, n. 21, fevereiro de 1898, p. 482, grifos do autor).
  • 64
    Trata-se de citação de versículo da carta de Paulo aos Hebreus (11:4).
  • 65
    “Itanhaém de outrora”, A Tribuna, 10 nov. 1963.
  • 66
    “Mala do interior - Santos”, Correio Paulistano, 17 abr. 1905, p. 3.
  • 67
    Martins (2006MARTINS, Patrícia Carla de Melo. Seminário Episcopal de São Paulo e o paradigma conservador do século XIX. 2006. Tese (Doutorado em Ciência da Religião) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006. , p. 244).
  • 68
    Ihering (1911IHERING, Hermann von. O Museu Paulista nos annos de 1906 a 1909. Revista do Museu Paulista, São Paulo, v. 8, p. 1-22, 1911. , p. 21).
  • 69
    Almeida (c. 1990ALMEIDA, Adilson. Catálogo dos objetos líticos do acervo do Museu Paulista. [S. l.: s. n.], c. 1990 p. 1-37. Texto datilografado. Acervo Permanente do Museu Paulista, Fundo Museu Paulista. , p. 29).
  • 70
    Em 1898, o pintor foi responsável pela cenografia de uma peça sobre a história do Brasil montada por alunos e professores do seminário. Sobre o assunto, cf. Oliveira (2018OLIVEIRA, Eduardo Polidori Villa Nova de. “Fundação de São Vicente” de Benedito Calixto: composição, musealização e apropriação (1900-1932). 2018. Dissertação (Mestrado em Museologia) - Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, 2018. DOI: 10.11606/D.103.2019.tde-03012019-113149.
    https://doi.org/10.11606/D.103.2019.tde-...
    ).
  • 71
    Provavelmente, a mesma pessoa que redigiu a narrativa sobre a visita às ruínas em 1897.
  • 72
    Calixto (1915CALIXTO, Benedito. Memória histórica sobre a egreja e o convento da Immaculada Conceição de Itanhaém. Santos: Typographia São José, 1915. ).
  • 73
    OLIVEIRA (1937OLIVEIRA, José T. de. Chronica do semestre (tricentenário de Ubatuba). Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. 33, 279-324, 1937. , p. 285).
  • 74
    Oliveira (1937OLIVEIRA, José T. de. Chronica do semestre (tricentenário de Ubatuba). Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. 33, 279-324, 1937. , p. 8).
  • 75
    Araújo (1820ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro e. Memórias históricas do Rio de Janeiro e das províncias anexas à jurisdição do Vice-Rei do Estado do Brasil. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1820. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3cGXs6c . Acesso em: 7 fev. 2022.
    https://bit.ly/3cGXs6c...
    , p. 59).
  • 76
    Mello Moraes (1858MELLO MORAES, Alexandre J. Corographia histórica, chronográphica genealógica nobiliária e política do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Typographia Americana, 1858-1863. 5 v. , II, p. 163, grifo nosso).
  • 77
    Os muitos erros de interpretação histórica de seus estudos só começaram a ser corrigidos pela geração posterior de eruditos, como Ramiz Galvão e Capistrano de Abreu.
  • 78
    Sesmarias… (1921SESMARIAS: documentos do archivo do estado de São Paulo. São Paulo: Typographia Piratininga, 1921. v. 1., p. 114, grifo nosso).
  • 79
    Staden (1930STADEN, Hans. Viagem ao Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 1930., p. 67). De acordo com Wilhelm Kloster, a confusão entre a Ubatuba paulista e a aldeia citada por Hans Staden iniciou-se com o erro de monsenhor Pizarro e Araújo, que atribuiu a denominação de “Tapera de Cunhambebe” à atual ilha Anchieta (então ilha dos Porcos), no que foi seguido por Mello Moraes Filho, em sua Chorographia Histórica (1858). Cf. Staden (1942STADEN, Hans. Duas viagens ao Brasil. São Paulo: Sociedade Hans Staden, 1942. , p. 87-88).
  • 80
    Entre os topônimos fornecidos por Staden, destaca-se o da aldeia de “Mambukaba” e de “Ariró”, nomes de uma praia e um rio, respectivamente, da baía de Angra dos Reis.
  • 81
    OLIVEIRA (1937OLIVEIRA, José T. de. Chronica do semestre (tricentenário de Ubatuba). Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. 33, 279-324, 1937. , p. 305 e seq.).
  • 82
    Quarenta, op. cit., p. 202. A posição de Taunay, de acordo com Quarenta, parece ter se inclinado para o protagonismo de Nóbrega na fundação da cidade.
  • 83
    OLIVEIRA (1937OLIVEIRA, José T. de. Chronica do semestre (tricentenário de Ubatuba). Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. 33, 279-324, 1937. , p. 280). O principal acesso a Ubatuba era feito por mar, em barcas vindas de Santos e São Sebastião. Tratava-se de localidade tão isolada que a comissão organizada pelo IHGSP teve que pleitear verba ao governo estadual para tornar transitável a estrada que descia a Serra do Mar por São Luiz do Paraitinga, então só percorrida por tropas de mulas.
  • 84
    OLIVEIRA (1937OLIVEIRA, José T. de. Chronica do semestre (tricentenário de Ubatuba). Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. 33, 279-324, 1937. , p. 291). Os únicos nomes que não fizeram menção aos dois episódios foram o da rua Esteves da Silva e o da rua Coronel Luis Domiciano.
  • 85
    O espaço cívico é entendido pelo autor como a arena onde conflitos e tensões sociais dão forma a diferentes (e, no mais das vezes, conflitivas) interpretações sobre a memória pública local (VIANA, 2019VIANA, Hélder do Nascimento. A construção do espaço cívico: monumentos e rituais de memória na Natal republicana (1902-1922). Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material , São Paulo, v. 27, 1-44, 2019. DOI: 10.1590/1982-02672019v27e07.
    https://doi.org/10.1590/1982-02672019v27...
    , p. 3 e seq.).
  • 86
    Eriksen, op. cit., p. 31-32.
  • 87
    OLIVEIRA (1933, p. 292).
  • 88
    Viotti (1974VIOTTI, Hélio Abranches. A aldeia de Maniçoba e a fundação de Itu. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo , São Paulo, v. 71, p. 389-401, 1974., p. 400). Essa é a única menção conhecida a esse cruzeiro do Tietê, já que nenhum dos relatos setecentistas menciona um cruzeiro no Avaremanduava, mesmo os que aludem ao naufrágio de Anchieta. Embora o autor não forneça referências para o trecho citado, é provável que tenha se baseado nos escritos de José Antônio Teixeira Cabral, que em 1817 participou de uma expedição pelo rio Tietê. Na realidade, a exata posição da cachoeira é atualmente desconhecida, já que o topônimo caiu em desuso juntamente com o declínio da navegação ocorrido no século XIX. É possível apenas aferir que ela se localizava a menos de um dia de jornada de Porto Feliz.
  • 89
    A investigação havia sido requerida pelo IHGB ao seu sócio, o brigadeiro José Joaquim Machado de Oliveira, que se encarregou de enviar à corte o fragmento de canela-preta do venerando cruzeiro recolhido pelo comissário Pinto. O pacote foi entregue aos cuidados de frei Camillo de Monserrat, então diretor da Biblioteca Nacional. Não há registros do fragmento no catálogo do Museu do IHGB, assim, fica em aberto a questão se ele chegou a ser entregue ao Instituto ou se permaneceu aos cuidados de Monserrat.
  • 90
    Oliveira (1856, p. 155).
  • 91
    Machado, op. cit., p. 63.
  • 92
    Camargo (1994CAMARGO, Ophélia Alves Figueira de. Ubatuba ou “Ubachuva”, uma questão de geografia. Ubatuba: Graphbox, 1994. , p. 42).
  • 93
    Oliveira (1977OLIVEIRA, Washington de. Ubatuba (documentário). São Paulo: Editora do Escritor, 1977. ).
  • 94
    Guisard Filho (1939, p. 101, grifo nosso).
  • 95
    Anchieta (1933ANCHIETA, José de. Cartas, informações, fragmentos históricos e sermões do padre Joseph de Anchieta, S. J. (1554 - 1594). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1933., p. 194).
  • 96
    A importância de Vasconcellos pode ser aferida na própria consolidação da grafia “Iperoig”, já arcaica no século XIX, que deve ser creditada à fortuna da Vida do venerável Padre Joseph de Anchieta, de sua autoria. Cumpre notar que o próprio Anchieta escrevera sempre “Iperuig”, forma foneticamente mais fiel à pronúncia Tupi. A grafia atualizada corresponderia ao termo “Iperuí”, conforme empregado por autores como Hélio Viotti.
  • 97
    Os dois jesuítas que compuseram a missão, os padres Bartolomeo Taddei e José Giominni, chegaram ao Brasil em 1867 e compuseram o grupo fundador do Colégio São Luiz em Itu. Líder do grupo e o primeiro reitor do colégio, o padre Taddei fora um dos grandes atores em prol da romanização da Igreja brasileira em São Paulo, além de fundador da revista Mensageiro do Sagrado Coração de Jesus, citada anteriormente.
  • 98
    Guisard Filho (1940GUISARD FILHO, Felix. Ubatuba. São Paulo: Gráfica Paulista, 1940. , p. 205).
  • 99
    Ibid., p. 208.
  • 100
    Fleck (2010FLECK, Eliane Cristina Deckmann. Jose de Anchieta: um missionário entre a história e a glória dos altares. Projeto História: Revista do Programa de Estudos de Pós-Graduados de História, São Paulo, v. 41, p. 155-194, 2010. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3vk2EDz . Acesso em: 7 fev. 2022.
    https://bit.ly/3vk2EDz...
    , p. 162).
  • 101
    Vilar (2006VILAR, Socorro de Fátima Pacífico. A invenção de uma escrita: Anchieta, os jesuítas e suas histórias. Porto Alegre: Editora PUC-RS, 2006., p. 62).
  • 102
    Echo Ubatubense, 20 jun. 1897. Transcrição disponível em: https://bit.ly/3wp2ps0. Acesso em: 7 fev. 2022.
  • 103
    Viotti (1965VIOTTI, Hélio Abranches. A propósito do IV centenário da Paz de Iperuí. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo , São Paulo, v. 61, p. 25-34, 1965. , p. 25, 33). O autor fornece ainda outras indicações importantes, como o topônimo “enseada dos Tubarões (“peruí”), pelo qual o Brigadeiro José de Sá e Faria designa a atual praia do Flamengo, em sua Carta chorographica e hidrográfica de toda a costa do mar da Capitania de São Paulo (1789).
  • 104
    Machado (1965MACHADO, Leão. Era em Ubatuba a aldeia tamoia de Iperoig. In: MESQUITA FILHO, Júlio et al. Anchietana. São Paulo: Gráfica Municipal, 1965. p. 299-311. , grifo nosso).
  • 105
    O mesmo exercício aparentemente também fora feito pelo padre Armando Cardoso, conforme narrado, em tom evocativo, na introdução de sua tradução do Poema à Virgem: “Tivemos assim oportunidade de visitar com vagar a extensa praia por onde Anchieta passeou compondo o seu poema. Contemplamos o rio, no extremo norte da cidade, e evocamos o episódio a um tempo gracioso e trágico de que ele fala em sua carta” (1940 apudVIOTTI, 1965MACHADO, Leão. Era em Ubatuba a aldeia tamoia de Iperoig. In: MESQUITA FILHO, Júlio et al. Anchietana. São Paulo: Gráfica Municipal, 1965. p. 299-311. , p. 32).
  • 106
    Capistrano referencia-se no biógrafo de Villegagnon, Arthur Heulhard, que, por sua vez, baseou-se em Thevet para noticiar a morte prematura do primeiro Cunhambebe, testemunhada pelo cosmógrafo francês antes do seu retorno à França, em janeiro de 1556. Cf. Heulhard (1897HEULHARD, Arthur. Villegagnon, roi d’Amérique, un homme de mer au XVIe siècle. Paris: Leroux, 1897. , p. 114).
  • 107
    Varnhagen (1981VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História geral do Brasil. São Paulo: Edusp , 1981. 3 v. , I, p. 283).
  • 108
    Calixto (1915CALIXTO, Benedito. Memória histórica sobre a egreja e o convento da Immaculada Conceição de Itanhaém. Santos: Typographia São José, 1915. , p. 21-22).
  • 109
    Brown (2008BROWN, Penelope. Up, down and across the land: landscape terms, place names, and spatial language in Tzeltal. Language Sciences, Amsterdam, v. 30, n. 2, p. 151-181, 2008. DOI: 10.1016/j.langsci.2006.12.003.
    https://doi.org/10.1016/j.langsci.2006.1...
    , p. 179).
  • 110
    Semeão (2020SEMEÃO, Lucas de Almeida. Milagres no Brasil (sécs. XVI-XVIII). 2020. Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2020. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2RTdPVW . Acesso em: 7 fev. 2022.
    https://bit.ly/2RTdPVW...
    , p. 40-41).
  • 111
    Campos et al. (2016CAMPOS, Allisson Borges de et al. Mapeamento geológico do complexo costeiro na Cama de Anchieta, bairro Praia dos Sonhos, cidade de Itanhaém. 2016 (Monografia) - Centro Universitário Monte Serrat, Santos, 2016., p. 20).
  • 112
    Schama (1996SCHAMA, Simon. Paisagem e memória. São Paulo: Companhia das Letras , 1996. , p. 436-440).
  • 113
    Ibid., p. 437.
  • 114
    Freitas (2016FREITAS, Camila Corrêa e Silva de. Divulgar a biografia de um santo: os usos e as apropriações da figura de José de Anchieta no Brasil e A refna Europa (século XVII). 2016. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. DOI: 10.11606/T.8.2017.tde-02082017-113910.
    https://doi.org/10.11606/T.8.2017.tde-02...
    , p. 35 e seq.).
  • 115
    Caxa (1965CAXA, Quirício. Breve relação da vida e morte do padre José de Anchieta. São Paulo: Obelisco, 1965., p. 33).
  • 116
    Berettari (1618BERETTARI, Sebastiano. Vida del padre Ioseph de Anchieta de la Compañia de Iesvs, y Provincial del Brasil. Salamanca: Emprenta de Antônia Remirez Viuda, 1618. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3cGIgWF . Acesso em: 7 fev. 2021.
    https://bit.ly/3cGIgWF...
    , p. 163).
  • 117
    Vasconcellos (1672VASCONCELLOS, Simão de. Vida do venerável padre Joseph de Anchieta, da Companhia de Jesus, Taumaturgo do Novo Mundo, na Província do Brasil. Lisboa: Oficina de João da Costa, 1672. , III, VII, p. 2).
  • 118
    Rodrigues (1896RODRIGUES, Pero. Vida do padre José de Anchieta pelo padre Pedro Rodrigues. [S. l.: s. n.], 1896., p. 17). Segundo Camila Freitas, esse é um exemplo claro de como as primeiras biografias visavam instigar os membros da Companhia a se dedicarem mais à atividade missionária, sempre preterida ante a vida mais cômoda nos estabelecimentos jesuíticos nas vilas e cidades da colônia. Cf. Freitas (2016FREITAS, Camila Corrêa e Silva de. Divulgar a biografia de um santo: os usos e as apropriações da figura de José de Anchieta no Brasil e A refna Europa (século XVII). 2016. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016. DOI: 10.11606/T.8.2017.tde-02082017-113910.
    https://doi.org/10.11606/T.8.2017.tde-02...
    , p. 52-53).
  • 119
    Viotti (1957VIOTTI, Hélio Abranches. O processo remissorial de 1627-1628 em São Paulo relativo à canonização de Anchieta. Revista do Arquivo Municipal , São Paulo, v. 154, p. 191-212, 1957., p. 196). O depoimento de Matias de Oliveira foi tomado em 1627, quando contava com 70 anos. Natural de São Vicente, o depoente foi provavelmente aluno do colégio que os jesuítas mantiveram na vila até 1585, quando o transferiram para Santos.
  • 120
    “Conceição de Itanhaém”, Correio Paulistano, 17 nov. 1924.
  • 121
    É preciso levar em conta que as narrativas anchietanas em Itanhaém e Peruíbe deram-se durante o período em que ocupou o cargo de reitor do colégio de São Vicente (1567-1576), isto é, os anos imediatamente após a derrota da chamada Confederação dos Tamoios, aos quais se seguiram repetidas campanhas de extermínio e redução dos grupos Tupi da costa sul de São Vicente até o Espírito Santo. Assim, é difícil não ver na inexistência de habitantes entre São Vicente e Itanhaém um reflexo da hecatombe demográfica que sofriam os Tupi no mesmo período.
  • 122
    Pliny (VI, XXXVII, 32).
  • 123
    Santa Maria (1723SANTA MARIA, Agostinho de. Santuário Mariano, e história das imagens milagrosas de Nossa Senhora. Lisboa: Oficina de Antonio Pedrozo Galram, 1723., p. 127).
  • 124
    Não surpreende, assim, o pendor dos poetas oitocentistas pelo episódio do poema escrito à Virgem, tanto por autores como o jovem Machado de Assis, que o menciona como um “esforço de virtude” frente à “ardente juventude”, como o provinciano Antônio Joaquim da Rosa, que dedicou um poema todo ao mesmo tema.
  • 125
    Santo Agostinho (1990SANTO AGOSTINHO. O cuidado devido aos mortos. São Paulo: Paulinas, 1990., p. 29-31).
  • 126
    Conforme o padre Hélio Viotti, o último grande biógrafo de Anchieta, foi já nessa ocasião que se iniciou a dispersão de suas relíquias. De pedaço em pedaço, elas foram sendo enviadas para os diversos estabelecimentos jesuíticos existentes na colônia e no além-mar, a ponto de restarem apenas quatro fragmentos à época da expulsão da ordem ordenada por Pombal, três dos quais partiram com os padres. Cf. Viotti (1969VIOTTI, Hélio Abranches As relíquias de Anchieta. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo , São Paulo, v. 66, p. 221-224, 1969. , p. 221-224).
  • 127
    Marques (1913MARQUES, Xavier. As relíquias de Anchieta. Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Salvador, v. 18, n. 37, p. 101-110, 1913. , p. 106).
  • 128
    Nos depoimentos tomados em São Paulo, em 1628, citam-se três casos de depoentes que guardavam ossos de Anchieta como relíquias suas. Até mesmo a edição de uma de suas “Vidas” podia servir como relíquia, como se deixa ver no depoimento de Gaspar Cubas, que atestou ter conseguido afastar uma trovoada que se avizinhava ao chamar por “São José”, segurando o livro em suas mãos. Cf. Viotti (1957VIOTTI, Hélio Abranches. O processo remissorial de 1627-1628 em São Paulo relativo à canonização de Anchieta. Revista do Arquivo Municipal , São Paulo, v. 154, p. 191-212, 1957., p. 198).
  • 129
    Certeau (1982CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982., p. 269, 276).
  • 130
    Ribeiro, op. cit., p. 23.
  • 131
    Burke (2000BURKE, Peter. Variedades de história cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2000. , p. 80).
  • 132
    Funari, op. cit., p. 20.
  • 133
    Murton (2011MURTON, Brian. Embedded in place: ‘Mirror knowledge’ and ‘simultaneous landscapes’ among Maori. In: MARK, David et al. Landscape in LANGUAGE: transdisciplinary perspectives. Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 2011. p. 73-100. , p. 78-88).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2021
  • Aceito
    29 Out 2021
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