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Em louvor a "Sant’Anna": notas sobre um plano de revolta escrava em São Matheus, norte do Espírito Santo, Brasil, em 1884

In honor of Saint Anne: notes on a plan for a slave rebellion in São Matheus, a northern county of Espírito Santo, Brazil, in 1884

À la louange de Sant ‘Anna: notes sur un projet de révolte des esclaves à São Matheus, nord de l’État de Espírito Santo - Brésil, 1884

Resumos

Este artigo ressalta o papel da imprensa e o da polícia ante a denúncia de um plano de revolta escrava. Planejado para ocorrer em meio às comemorações em louvor a Sant’Anna, no dia 27 de julho de 1884, em São Matheus, norte da Província do Espírito Santo, com a finalidade de promover a emancipação geral dos escravos do município. Ao longo do século XIX, os escravos aproveitavam o momento das comemorações religiosas para planejar grandes revoltas. Os fatos verificados em São Matheus elucidam um pouco mais este costume, bem como o papel da imprensa, ao ocultar os eventos capazes de promover o pânico na sociedade da época.

São Matheus; revolta escrava; Sant’Anna; quilombo; polícia; imprensa


This article highlights the role played by the press and the police upon learning about a slaves’ planned rebellion scheduled to take place during the celebrations in honor of Saint Anne on July 27, 1884 in the county of São Matheus, in the northern area of the province of Espírito Santo, a revolt intended to promote general slave emancipation in the county. Throughout the nineteenth century slaves were wont to take advantage of religious celebrations to carry out massive insurrections. The events which took place in São Matheus help throw some more light into both this practice and the role played by the press in concealing facts that might stir up panic in the society of the time.


Cet article fait ressortir le rôle de la presse et de la police face aux dénonciations d’un plan de révolte des esclaves dont le déroulement aurait été prévu en pleine célébration de Sant’Anna, le 27 juillet 1884 à São Matheus, nord de la province de Espírito Santo, avec le but de permettre l’émancipation générale des esclaves de la municipalité. Au cours du XIXème siècle, les esclaves profitèrent du moment des festivités religieuses pour organiser de vastes soulèvements. Les faits survenus à São Matheus nous éclairent un peu sur ces pratiques de même que sur le rôle de la presse désireuse d’occulter des événements propres à favoriser une panique générale dans la société de l’époque.


Em louvor a “Sant’Anna”: notas sobre um plano de revolta escrava em São Matheus, norte do Espírito Santo, Brasil, em 18841 1 . Pesquisa em andamento que procura investigar as formas de resistência escrava na Província do Espírito Santo na última década de trabalho escravo no Brasil. Uma primeira versão deste texto faz parte do segundo capítulo de minha dissertação de mestrado, cf. Martins (1997).

Robson L. M. Martins

Recebido em outubro de 1999

Aluno do curso de Doutorado em História Social do Trabalho da UNICAMP- SP.

Este artigo ressalta o papel da imprensa e o da polícia ante a denúncia de um plano de revolta escrava. Planejado para ocorrer em meio às comemorações em louvor a Sant’Anna, no dia 27 de julho de 1884, em São Matheus, norte da Província do Espírito Santo, com a finalidade de promover a emancipação geral dos escravos do município. Ao longo do século XIX, os escravos aproveitavam o momento das comemorações religiosas para planejar grandes revoltas. Os fatos verificados em São Matheus elucidam um pouco mais este costume, bem como o papel da imprensa, ao ocultar os eventos capazes de promover o pânico na sociedade da época.

Palavras-chave: São Matheus; revolta escrava; Sant’Anna; quilombo; polícia; imprensa.

As inúmeras festas populares de cunho religioso ocorridas no Império ao longo do século XIX causaram muita expectativa e apreensão nas autoridades, cujo temor era que, por acreditarem na benção do santo padroeiro e estarem reunidos na festividade por um espírito de comunidade, os escravos pudessem ser bem-sucedidos em uma possível revolta.

Em um trabalho pioneiro sobre a formação da identidade étnica “bantu” através da recriação de práticas culturais da África Central por escravos introduzidos nas florescentes plantações de café da região sudeste do Brasil nas primeiras décadas do século XIX, Robert Slenes ressaltou que um plano de revolta de escravos programado para o dia de São João foi surpreendido e sufocado pelas autoridades em Vassouras, Província do Rio de Janeiro, em 1847. No ano seguinte, foi descoberto outro plano, dessa vez para uma revolta em meio às festividades de Santo Antônio, no mês de junho (Slenes 1991-92: 64).

Em fevereiro do mesmo ano, o Delegado de Polícia de Lorena, município da Província de São Paulo situado no Vale do Paraíba, informou ao delegado de Parati, sul da Província fluminense, que havia denúncias a respeito de uma insurreição de escravos de seu município no dia da festa de São João e/ou de São Pedro, em junho. Além disso – e pior –, os ditos escravos “há muito trabalham em sociedades secretas em combinação com os escravos de vários municípios, entre outros com os dessa cidade [Parati], e servem-se dos escravos tropeiros como emissários, e estes trazem a notícia do que tratam” (idem: 291).

A resistência escrava é inerente à própria instituição do regime de trabalho escravo na América. Nos últimos anos, a historiografia vem ampliando os horizontes sobre as variadas formas de protesto escravo2 2 . Sobre esse assunto, ver balanço historiográfico em Queiroz (1987: 7-35). Para a ampliação do debate sobre o protesto escravo, ver Gomes (1995: 15-42; 1998: 65-97). e revelando o quanto eles foram agentes de sua própria história3 3 . Sobre uma formulação teórica acerca da participação da gente comum, a “raia miúda”, na história, ver Krantz (1990) e Sharp (1992: 39-62). , reelaborando os códigos sociais através de uma interpretação própria, seja fazendo-se presentes pacificamente e submetendo-se ao regime de trabalho das cidades e das fazendas, seja promovendo o terror no campo, nas vilas e nas cidades com seus planos de revolta.

No dia 9 de julho de 1884, o Subdelegado de Polícia da cidade de São Matheus, norte da Província do Espírito Santo, comunicou a Antônio Ferreira de Souza Pitanga, Chefe de Polícia da Província, na capital, que os escravos de São Matheus estavam se preparando para promover uma emancipação geral no dia 27 de julho, por ser o dia em que tradicionalmente os negros do município, tanto livres quanto escravos, se reuniam para comemorar o dia de “Sant’Anna”: “[...] Querem eles nesse dia se reunirem para fazer uma insurreição a fim de que por esse meio fiquem todos libertos, faço chegar essas ocorrências ao conhecimento de V. Excia. para providenciar como entender certo de que me esforçarei para acalmar algum conflito que possa haver e reitero a V. Excia. os meus sinceros cumprimentos”.4 4 . APEES de Vitória. Ofício do Subdelegado de Polícia de São Matheus ao Chefe de Polícia da Província de 9 de julho de 1884. F. G., caixa 243, p. 221.

O Subdelegado de São Matheus comunica ao Chefe de Polícia o plano de revolta de escravos aparentemente sem grandes preocupações, mas o cruzamento das comunicações entre as diversas autoridades – Presidente da Província, Chefe de Polícia, Delegado, Subdelegado e a própria imprensa – não só evidenciam o terror reinante naquele município, como também revelam a estratégia de um grupo de escravos para tentar promover a emancipação de todos os outros escravos da região.

Quais as razões específicas do Subdelegado de Polícia de São Matheus para suspeitar de uma insurreição no dia de Sant’Anna? A informação poderia ter surgido a partir de um boato e, como tal, ele poderia ser infundado. Para entender melhor essa questão, é importante observar os detalhes da comunicação da autoridade com o Chefe de Polícia da Província:

[...] Este dia [de Sant’Anna] é o em que dois grupos aqui fazem os festejos daquela Santa, sendo um sob a invocação Primoso e o outro sob a invocação Sornamby, de ambos os quais fazem parte crescido número de escravos da cidade e da lavoura, tendo um dos partidos, isto é, o mais forte, ditos escravos certa autonomia com relação a diversas brincadeiras de que segundo os programas se encarregam. Se bem que não esteja eu habilitado para afirmar [sic] cousa alguma por falta de dados seguros, todavia levo este estado de cousas ao conhecimento de V. Excia. para que tome as providência entender tomar.5 5 . Idem, p. 222.

Na Comarca de São Matheus, a homenagem a Sant’Anna havia se tornado uma festa de negros, sobre a qual os escravos impediam a autoridade de obter informações seguras. Assim, o Subdelegado não se achou habilitado para afirmar coisa alguma e, como ressaltou, um dos grupos de escravos que promoviam a festa, “isto é, o mais forte”, tinha “certa autonomia com relação a diversas brincadeiras”. Há indícios de que, no fim do século XIX, os escravos de São Matheus formavam uma comunidade envolvendo tanto os escravos da lavoura quanto os da própria cidade, e que, em dias de festas para santos, encontravam-se para comemorar, matar as saudades, rever os amigos e parentes, etc.6 6 . O historiador italiano Carlo Ginzburg ressaltou que, por volta do fim do século XIX, surgiu silenciosamente no âmbito das ciências sociais um modelo epistemológico cujo método consistia em captar pistas, sintomas e indícios capazes de nos fazer penetrar em uma realidade muito complexa ou tentar reconstruí-la parcialmente (1989: 143-80).

Uma conjuntura favorável

Viajando pelas Províncias de São Paulo e do Rio de Janeiro em 1883, Louis Couty, um observador dos problemas da escravidão e da lavoura de café, escreveu sobre os perigos de uma revolução social que lhe parecia iminente. Vira por toda parte sinais precursores de uma crise violenta: revoltas de escravos, fugas em massa, atentados contra a vida dos senhores e assassinatos de feitores. Cada vez mais freqüentemente, os fatos pareciam justificar essa apreensão (Costa 1982: 298-9).

Gostaria de ressaltar que Louis Couty tinha fortes razões para estar preocupado com os vários focos isolados de revolta e insubordinação de escravos que observou em suas viagens ou que chegaram a seu conhecimento. Sua nacionalidade francesa sugere que ele tinha um profundo entendimento do que seria, na prática, uma revolução social, e por isso utilizou esse termo para se referir ao que viu. Entretanto, já possuía uma imagem preconcebida, caracterizada por um racismo extremado, e é em função desse racismo que “já existem razões para questionar a idoneidade deste autor como observador”. Louis Couty é extremamente enfático ao expor sua opinião não somente sobre os escravos, mas sobre os africanos de uma maneira geral (Slenes 1979)7 7 . Nesse artigo, o autor argumenta que as opiniões de alguns observadores estrangeiros sobre a vida íntima dos escravos teria levado vários estudiosos a conclusões “improcedentes” sobre a constituição de famílias estáveis no regime de escravidão no Brasil. Mesmo assim, suas observações permitem supor, especialmente em vista das evidências apontadas por Maria Helena Machado (1994), que, dado o nível de inquietação dos escravos, nos anos 1880 o Brasil esteve muito próximo de uma insurreição escrava de grandes proporções.

Couty não estava exagerando, e tinha realmente muitas razões para se espantar com o que viu. Em 10 de janeiro de 1883, na fala dirigida à Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo por ocasião da abertura da 2a. sessão, o Presidente da Província ressaltou alguns fatos registrados no ano anterior:

[...] Nas fazendas do Morro Alto, do município de Araras, na do Castelo, no município de Campinas, e na de São Pedro, no município de São João da Boa Vista, deram-se nos meses de setembro e novembro do ano passado casos graves de insurreição de escravos. A proximidade com que esses casos seguiram-se uns aos outros deu lugar a receios sérios. Foram os insurgentes reprimidos, sendo todos os criminosos recolhidos à prisão. Felizmente ficaram esses movimentos circunscritos a cada uma daquelas fazendas, e não há motivo para supor que se pretendiam a um plano geral.8 8 . Fala dirigida pelo Presidente da Província Conselheiro Francisco de Carvalho Soares Brandão à Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo na abertura da 2 a. sessão da 24 a. Legislatura, em 10 de janeiro de 1883. São Paulo: Typ. do Ypiranga, 1883, p. 6. Documento citado em Machado (1994: 13-4).

Em junho do mesmo ano, cinqüenta escravos sublevaram-se na fazenda Boa Vista da Freguesia de Natividade de Carangola, no Município de Campos, Província do Rio de Janeiro. Armados com espingardas e foices, os negros reagiram à investida de duzentos cidadãos que, acompanhados de 16 praças, conseguiram pôr fim à sublevação (Lima 1981: 112). Ainda nesse ano fatos semelhantes ocorreram na Província do Espírito Santo.

Em janeiro de 1883, o Subdelegado de Polícia da ex-colônia de Santa Leopoldina, onde viviam colonos alemães e nacionais9 9 . Sobre esse assunto, ver Wagemann (1949); Rocha (1984); e Salleto (1993). , informou ao Chefe de Polícia da Província do Espírito Santo que pretos fugidos, em número superior a vinte, vagavam por diversos lugares da ex-colônia. A informação chegara a seu conhecimento através de várias pessoas, vítimas do grupo. Acrescentou que os referidos pretos andavam armados e levavam em sua companhia mulheres e crianças, “também pretas”, e por isso,

[...] é muito provável que por perto haja algum quilombo, e para atacá-lo é preciso força armada que o descubra; portanto essa subdelegacia, não dispondo de meios para tal, leva ao conhecimento de V. Excia. semelhante fato, para providenciar o modo a serem capturados os ditos pretos, pois os moradores do rio das Farinhas e de Santa Maria ficaram sujeitos a ser assassinados ou a assassinarem-nos em caso de resistência.10 10 . APEES de Vitória. Ofício do Subdelegado de Polícia de Cachoeiro de Santa Leopoldina ao Chefe de Polícia da Província, em 9 de janeiro de 1883. Fundo da Polícia – SC. Caixa 75, maço 279, p. 150.

É bastante provável que Louis Couty não tenha tomado conhecimento desses fatos, que o teriam preocupado ainda mais. Contudo, eles completavam o quadro de desordem que o impressionou em suas viagens pelo sudeste do Brasil em 1883.

O recrudescimento do protesto escravo, através dos movimentos de fuga e dos planos de insurreição, fez intensificar-se, na última década de trabalho escravo no Brasil, a campanha abolicionista nos grandes centros urbanos da região sudeste. No velho Paço da Câmara Municipal de Vitória, na qual o abolicionista Afonso Cláudio realizou suas conferências a favor da emancipação dos cativos nos anos de 1884 e 1885, “[...] concorriam escravos de todas as distâncias” (Pereira, apud Novaes 1963: 129). A cultura política dos escravos, contudo, obedecia a uma lógica própria no que se refere ao fim do sistema de escravidão no Brasil, e assim, da mesma forma que os abolicionistas não apoiavam a atitude dos escravos11 11 . Sobre esse assunto, ver Martins (1997), especificamente o capítulo I “A ação dos abolicionistas”, no qual tento mostrar que os abolicionistas não aprovavam a atitude dos escravos em seus planos de revolta para acabar com a escravidão na Província do Espírito Santo, uma vez que sua ação se limitava a acabar com a escravidão, dentro da ordem. , estes não assimilavam o discurso daqueles, cujo objetivo era acabar com a escravidão sem promover alterações na ordem pública. Os escravos não esperavam ser alforriados pelos abolicionistas através de suas “Associações”, muito menos pela cota do fundo de emancipação ou pela “boa vontade” de seus senhores. Eles simplesmente fugiam e se insurgiam.

A onda negra já era temida desde os primeiros anos da constituição política do Império (Azevedo 1987). Os reflexos do pavor que uma insurreição provocava podem ser percebidos já no início do século XIX, nas proibições de ajuntamento de pretos em seus encontros festivos na Corte, centro político e administrativo do governo imperial (Abreu 1996: 171-2).12 12 . A autora ressalta nesse trabalho que conseguiu reunir notícias de grandes encontros festivos das populações negras na cidade do Rio de Janeiro, como os Congos e as Congadas. A partir dos anos 1920, contudo, a polícia começou a prender os “que dançavam o batuque” e as autoridades governamentais, de um modo geral, passaram a proibir as danças e procissões organizadas pelas Irmandades de escravos como as de Nossa Senhora do Rosário, no Campo de Santana, por causa das desordens, bebedeiras e ameaças à ordem pública.

Em 1884, havia aproximadamente 779.175 escravos nas quatro Províncias que compunham a região sudeste do Império: Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo – praticamente o dobro do número de escravos nas oito Províncias da região nordeste, a segunda colocada, com 301.470 escravos (Conrard 1978: 346). Para Eugene Genovese, a concentração da população escrava em uma única região foi um dos fatores que propiciaram o surgimento de vários planos de sublevação escrava na América, bem como a realização de alguns deles13 13 . O autor verificou que “[...] uma grande concentração de escravos facilitava a organização da revolta. Os escravos no Brasil e no Caribe viviam na maior parte em propriedades, onde a média era de cem a duzentos cativos. Na Venezuela e na Colômbia, as revoltas de escravos ocorreram em áreas de concentração semelhante ou nos centros mineiros e nas cidades” (Genovese 1983: 34). Em um trabalho recente, Emília Viotti da Costa (1998) teceu uma densa narrativa sobre uma revolta escrava ocorrida em Demerara no ano de 1823, da qual, segundo a autora, participaram de dez a 12 mil escravos. . Essa concentração se deu em grande parte em função do crescimento da produção cafeeira em algumas das Províncias da região sudeste a partir dos anos 1820-30, o que demandou aumento de mão-de-obra para o trabalho nas lavouras, inicialmente via tráfico transatlântico e, depois de 1850, via tráfico ou interprovincial das regiões norte e nordeste ou clandestino.14 14 . Há indícios de que a importação ilegal de africanos teria persistido na Província do Espírito Santo pelo menos até 1857. Cf. Martins (1997: 1-9).

A Comarca de São Matheus, tradicionalmente dedicada à produção e à exportação de farinha de mandioca, contava em 1856 com 18% dos escravos da Província, porcentagem que caiu para 12% em 1872. Não incentivada pelo surto cafeeiro, como o verificado na região centro-sul, sua economia se manteve estacionária, com aproximadamente o mesmo número de escravos – 2.213 em 1856, 2.813 em 1872 – e produção de praticamente o mesmo número de alqueires de farinha exportada: 173.520 em 1856, 183.865 em 1872.15 15 . APEES de Vitória. Relatório do Presidente José Bonifácio Nascentes d’Azambuja de 24 de maio de 1856. Relatório do Presidente Manoel Ribeiro Coutinho Macarenhas de 29 de abril de 1874. Documentos citados em Almada (1984: 70). Verifica-se, em relação aos números da população escrava, um decréscimo de aproximadamente 50% no início do ano de 1887. Até 30 de março desse ano, haviam sido contabilizados 1.146 escravos na cidade de São Matheus e apenas 215 na Barra de São Matheus.16 16 . De acordo com uma tabela referente ao número de escravos matriculados em todas as coletorias da Província até 30 de março de 1887, publicada em O Cachoeirano de 17 de abril de 1887. Acredito que esse decréscimo se deu pelo intenso movimento de fugas e atos coletivos de alforria, praticados por senhores temerosos de uma debandada geral de suas fazendas caso não libertassem seus cativos. Vamos aos fatos.

No dia 14 de julho de 1884, em comunicação reservada, o Chefe de Polícia informou ao Presidente da Província do Espírito Santo José Camilo Ferreira Rebelo sobre o que estava para acontecer em São Matheus. No ofício, transcreveu todas as informações que lhe haviam passado as autoridades policiais.17 17 . APEES de Vitória. Ofício do Chefe de Polícia para o Presidente da Província do Espírito Santo de 14 de julho de 1884. F. G., caixa 243, p. 217. Talvez por coincidência, no mesmo dia A Província do Espírito Santo, jornal da capital, transcrevia notícias do Jornal do Comércio, participando a todos os seus leitores que o governo convocaria os Conselheiros de Estado para que propusessem medidas à Assembléia Geral, a fim de obter a “solução progressiva desse delicado problema – o elemento servil”.18 18 . A Província do Espírito Santo, 16 de julho de 1884. Dois dias depois, circulava na imprensa a notícia de que o governo enviara à Câmara dos Deputados o projeto Dantas, no qual se previa, entre outras coisas, a liberdade dos escravos com mais de sessenta anos.19 19 . A Província do Espírito Santo, 14 de julho de 1884. Com algumas modificações, esse projeto foi aprovado em 28 de setembro do ano seguinte e transformado em lei, que ficou conhecida como Lei dos Sexagenários.20 20 . Sobre esse assunto, ver Mendonça (1995).

Não restam dúvidas de que o plano de revolta em São Matheus foi formulado antes de os jornais da capital divulgarem notícias sobre as intenções do governo imperial de adotar medidas com a finalidade de extinguir o regime de escravidão. Entretanto, há indícios de que, ao longo do século XIX, os escravos aproveitaram as condições criadas pelos debates parlamentares de pontos relativos ao futuro do regime de escravidão para planejar revoltas. No fim do ano de 1851, por exemplo, as autoridades da Província estavam atentas à possibilidade de uma insurreição escrava na mesma comarca de São Matheus. Advertiam na oportunidade que tal tentativa de revolta tinha se originado “da idéia propalada [entre os escravos] de que a novíssima lei de repressão ao tráfico os há libertado da escravidão que eles, supondo-lhes ser ocultada pelos senhores, procuram obter por meios criminosos” (Almada 1984: 167-8).

Os debates que precederam a aprovação da Lei de 28 de setembro de 1871, conhecida como Lei do Ventre Livre, também não passaram despercebidos aos escravos da Província, que planejaram revoltas em vários pontos:

[...] O relatório que o Presidente Ferreira Coelho, de 9 de outubro de 1871, enviou à Assembléia Legislativa, nos informa que, no Cachoeiro de Itapemirim, estava marcado para o dia 21 de julho um pronunciamento, planejado por uma associação de escravos de diferentes fazendas, no intuito de obterem a liberdade. O Delegado de Polícia descobriu a tempo a existência do projeto e o fez malograr-se, não sofrendo a ordem pública. Nas Freguesias do Queimado e de Santa Leopoldina, suspeitou-se da existência de iguais projetos, que nenhum efeito tiveram pelas medidas que imediatamente se tomaram.21 21 . APEES de Vitória. Relatório do Presidente da Província apresentado à Assembléia Legislativa em 9 de outubro de 1871. Documento citado em Almada (1984: 173).

Em vários momentos do séc. XIX, os escravos da Província do Espírito Santo planejaram insurgir-se, e algumas vezes insurgiram-se de fato. Em 1849, na Freguesia do Queimado, centro da Província, foi sufocada uma revolta de escravos cuja causa foi identificada pelas autoridades como sendo a atitude do missionário Capuchinho Gregório José Maria de Bene que, no intuito de ver construída a Igreja da Freguesia, fez aos escravos que trabalhavam na construção a promessa de interferir na decisão de seus senhores e libertá-los no dia da festa em homenagem a São José, padroeiro da Freguesia (Almada 1984: 170). Como o missionário não cumpriu sua promessa, os escravos se rebelaram e tentaram libertar todos os escravos da Freguesia. Dos cinqüenta escravos dominados pelas forças policiais, 38 foram submetidos a júri, que absolveu seis, condenou cinco à pena de morte e outros a açoite. Dos cinco condenados à morte, três conseguiram evadir-se da prisão. Os outros dois foram enforcados: Chico Prego, na Serra, e João da Viúva Monteiro, no Queimado. A construção foi interrompida e o missionário, transferido para outra Província (Maciel 1992: 45).

O papel da imprensa

O plano de insurreição para 27 de julho de 1884 em São Matheus oferece a oportunidade de avaliar o papel da imprensa capixaba na iniciativa dos próprios escravos em promoverem sua emancipação.

O jornal A Província do Espírito Santo, que dava ampla cobertura às atividades das sociedades abolicionistas, não dedicou uma única linha aos boatos sobre São Matheus que chegavam à capital. Seu silêncio talvez se deva ao medo de dar publicidade às intenções do grupo de escravos daquele município e assim influenciar os escravos da capital e das demais regiões da Província. Essa mesma atitude pode ser observada na cobertura dos acontecimentos feita por outro jornal da capital, O Espírito Santense, que no dia 13 de julho de 1884 dedicou algumas linhas de seu noticiário às informações que recebia de São Matheus: “Ao Sr. Dr. Chefe de Polícia. Recomendamos as exigências feita pelo Delegado de Polícia da Cidade de S. Matheus, visto que se propala terá lugar no dia 29 ou 30 do corrente, na festividade de Sant’Anna. [...] Cartas que dali recebemos e que podemos mostrar a S. Excia. demonstram o terror que ali reina”.

Quem escreveu essa notícia provavelmente sabia de maiores detalhes, tanto que recomendava a exigência feita pelo Delegado de Polícia da cidade de São Matheus. No calor dos acontecimentos, porém, parece ter sido mais prudente não informar ao público muito sobre a revolta, cujas conseqüências poderiam ser bem piores, porque, como já ressaltamos, os escravos, atentos ao que se passava à sua volta, poderiam seguir o exemplo de seus irmãos de São Matheus e festejar o dia de Sant’Anna com um grande viva à liberdade em toda a Província.

A censura pode ter partido tanto das autoridades policiais quanto da redação do próprio jornal, sendo mais provável a segunda hipótese.22 22 . Parece-nos que a possível censura das autoridades aos planos de revolta dos escravos já ocorria há muito tempo. Analisando a tentativa de revolta em Vassouras em 1848, Robert Slenes argumentou que: “[...] os agentes do governo tomavam todas as medidas possíveis para ‘censurar’ as informações sobre os planos de rebelião dos escravos, a tal ponto que prejudicavam, às vezes, suas próprias investigações. (Por exemplo, a comissão da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, que examinou as evidências sobre o plano de 1848 enviadas pelo Presidente da Província, queixou-se do fato de que certas autoridades locais não registravam algumas informações em seus relatórios, por medo delas se espalharem.)” (1991-92: 67). Discutindo a ocultação dos fatos em relação às revoltas escravas na década de 1880 na Província de São Paulo, Maria Helena Machado chegou à conclusão de que a atuação dos jornais no decorrer do período foi bastante expressiva:

[...] No entanto, porém, a checagem dos dados contidos nos papéis policiais frente ao material jornalístico indica que uma das táticas da polícia era manter os assuntos mais explosivos sob censura. Muitas vezes mal informadas sobre a extensão dos eventos ocorridos em torno da questão servil, as informações contidas nos jornais chocam-se com aquelas encontráveis nos papéis policiais, sobretudo naqueles intitulados reservados. Aspecto fundamental, a questão da censura condicionou não apenas a divulgação das informações nos jornais da época como também os trabalhos historiográficos, que se limitaram à análise das fontes impressas, seja dos jornais, seja dos relatórios oficiais. Apenas o levantamento de todo o circuito da produção documental, da mais cotidiana, referente à troca de correspondência entre as baixas instâncias da polícia, juntamente com a checagem dos relatos, reminiscências dos contemporâneos e artigos de jornais podem propiciar um quadro mais realista das ocorrências das revoltas escravas desse período (Machado 1994: 72-3).

A partir dos anos 1880, alguns jornais, como O Cachoeirano, no sul, e A Província do Espírito Santo, na capital, procuravam, através de seus editoriais, sensibilizar as pessoas acerca dos males do trabalho escravo, com o objetivo de fazê-las aceitar a idéia da abolição. Contudo, esses mesmos jornais condenavam a iniciativa dos escravos, que viam na fuga ou na insurreição suas chances de obter a liberdade. Para os jornais, isso era desordem, e como tal deveria ser reprimida. Essa atitude evidencia o quão ambígua foi a posição da imprensa capixaba no processo de emancipação na Província.

No ano de 1885, vários periódicos da capital deixaram de aceitar anúncios de fuga de escravos, mas os escravos fugitivos eram apresentados como criminosos, não só por fugirem, mas também por, na luta pela sobrevivência que a nova condição lhes exigia, roubarem, uma vez que era grande a possibilidade de serem presos como fugitivos se tentassem firmar um contrato de trabalho. Por conta disso, em 7 de julho de 1885 o jornal A Província do Espírito Santo tornou público que “[...] pessoas chegadas do centro dão notícias de que um bando de escravos fugidos vagam pelas estradas de Viana, Araçatiba e Mamoeiro, ameaçando a tranqüilidade dos moradores daquelas passagens. Já não é caso novo fazerem os viandantes pararem para pedir-lhes dinheiro. A mesma pessoa informou-nos que se esse grupo de famintos chegou a reunir-se aos calhambolas de Jacarandá, tornar-se-á difícil à autoridade pôr cobro aos seus desvarios”. De acordo com o Chefe de Polícia, esse grupo era composto por mais de sessenta escravos fugitivos, e portanto já era do conhecimento das autoridades que eles “passeavam impunes e armados por aqueles lugares”.23 23 . APEES de Vitória. Ofício do Presidente da Província ao Chefe de Polícia, em 28 de março de 1885. S. P., maço 294, p. 132. Nesse documento, o Presidente da Província adverte o Chefe de Polícia para que se inteire sobre os fatos de que teria tomado conhecimento somente através da imprensa, e não por seu intermédio, como deveria.

Tanto as inúmeras revoltas ou tentativas de revolta de escravos citadas no trabalho de vários historiadores quanto as fugas coletivas que passaram a se multiplicar na década de 1880 mostram não apenas as formas pelas quais os negros resistiram à escravidão, mas também que eles souberam tirar proveito da situação, somando às suas atitudes contestatórias o choque de interesses entre políticos, senhores e abolicionistas.

Maiores detalhes sobre o plano de revolta em São Matheus

O mesmo ofício de 9 de julho de 1884 no qual o Delegado de Polícia da cidade de São Matheus informou ao Chefe de Polícia o que estava por ocorrer revela detalhes sobre as possibilidades concretas de a revolta ser deflagrada e apresenta seus possíveis responsáveis.

[...] Convivendo nessa cidade e sendo certo de que nesse termo da Villa da Barra [de São Matheus] vaga um grupo de vinte e tantos a trinta escravos fugidos de diversos senhores moradores dos Paus Firmes e da Província da Bahia que se vieram reunir aos daqui, cujos escravos já por mais de uma vez tem ousadamente saído ao encontro de tranzeuntes [sic], exigindo e arrancando-lhes víveres e objetos de que necessitão [sic] para sua manutenção em suas reuniões, além de roubos que praticam de animais de criação nas fazendas agrícolas, achando-se não todos mas a maior parte deles armados e municiados, cujo facto e actos estão no conhecimento da população e até do próprio oficial comandante do destacamento, conforme já me comunicou mas, por falta de força pública suficiente que o auxilie, não lhes pode ir ainda ao encontro dos criminosos.24 24 . APEES de Vitória. Ofício do Subdelegado de Polícia de São Matheus ao Chefe de Polícia da Província de 9 de julho de 1884. F. G., caixa 243.

O grupo de escravos estava “arranchado” nas matas da fazenda do senhor José Rodrigues de Oliveira Guedes, e era “capitaneado” [liderado], segundo as autoridades, pelo réu Benedito, ex-escravo da finada D. Rita Maria da Conceição Cunha que se havia evadido da cadeia do termo de São Matheus. O rancho era na realidade um quilombo, que de certa forma já gozava de uma força bem maior – força que as autoridades não conseguiam conter senão por meio de reforços de uma força de polícia auxiliar, enviada da capital.

Benedito e seu grupo eram conhecidos pelas autoridades já há algum tempo. No dia 16 de julho de 1881, a Gazeta da Vitória, um jornal da capital, publicou que ele e mais vinte escravos fugitivos haviam formado um quilombo em São Matheus, e “andavam a roubar e atirar”. Era ressaltado na notícia o fato de Benedito “possuir elementos [informantes] em lugares diferentes da comarca” (Novaes 1963: 85). Esse quilombo havia se formado nas matas da fazenda Campo Redondo, em São Matheus, e foi atacado em agosto do mesmo ano pela força de polícia, “auxiliada de paisanos”: “[...] Depois de tenaz resistência conseguiu a mesma força prender cinco, resultando na morte do de nome Rogério, que fazia fogo sobre a força, tendo também falecido nessa luta o paisano Francisco de Melo, por haver recebido um tiro dado do lado dos escravos do mesmo quilombo”.25 25 . Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Relatório do senhor Marcelino de Assis Torres à administração da Província, na pessoa do senhor Tenente-Coronel Alphel Adelpho Monjardim de Andrade Almeida, em 13 de fevereiro de 1882. Relatórios do Ministério da Justiça, rolo 003, p. 4-79.

Os membros do grupo que conseguiram escapar formaram, nas matas de outra fazenda e liderados por Benedito, um novo quilombo, que abrigou inclusive escravos fugitivos de outras Províncias, como a Bahia. Há indícios de que Benedito era uma espécie de líder da comunidade cativa do norte da Província, por “possuir elementos em diferentes lugares”, conforme ressaltou a autoridade. Porém, quais as intenções dele e de seu grupo ao pretender libertar todos os escravos da cidade no dia de Sant’Anna?

Um dos fatores teria sido a instabilidade em que vivia a comunidade quilombola, em razão de viver sempre sob a ameaça dos constantes ataques de que era vítima. É bem provável que, para eles, acabar com a escravidão naquela Comarca significasse muito mais que se livrar eternamente do “gambão”, do “vergalho” e de todos os outros castigos aos quais, como escravos, estavam sujeitos: significava principalmente poder viver em paz em seu pedacinho de terra (Gomes 1995).26 26 . Para Gomes, “[...] um dos aspectos fundamentais do protesto escravo através dos quilombos foi a tentativa, por parte dos cativos, de forjar uma comunidade camponesa independente” (1995: 371-89). Mais que isso, na situação em que viviam, é possível que Benedito e seu grupo batalhassem para assegurar sua própria liberdade, compreendendo que ela só poderia ser garantida se promovessem a liberdade de todos, pelo menos naquele município, “eliminando a escravidão como sistema social” – iniciativa para a qual o dia de Sant’Anna se mostrava propício, a julgar pelo pânico manifestado pela imprensa.27 27 . Para uma análise sobre a mudança no sentido das revoltas escravas na América ao longo dos séc. XVIII e XIX, ver Genovese (1983: 25-63).

As providências tomadas se deveram à gravidade do problema, uma vez que os escravos aquilombados resolveram desafiar as autoridades e proclamar a emancipação de todos os escravos da cidade. O maior receio do Governo era ver-se obrigado a conter a força dos mais de vinte mil escravos de toda a Província do Espírito Santo, caso chegasse a seus ouvidos que, no dia 27 de julho de 1884, ficariam livres. Em razão disso, no dia 20, O Espírito Santense publicou uma notícia sobre as decisões do Chefe de Polícia, mas ainda ocultando os fatos: “Noticiário – Força de linha para S. Matheus. Seguio uma força de linha comandada pelo Sr. Alferes Souza, e que ali vae estacionar por algum tempo”.

A força de linha era composta por 24 praças que, no dia 16, o Chefe de Polícia mandara seguir no vapor da Cia. Espírito Santo Caravellas, com o intuito de restaurar a paz na cidade de São Matheus. Recomendou que, assim que chegasse à cidade e com o auxílio do Delegado de Polícia, a força seguisse até o quilombo, o destruísse e capturasse os “criminosos”.28 28 . APEES de Vitória. Ofício do Chefe de Polícia da Província ao Ministro da Justiça, em 16 de julho de 1884. F. G., caixa 243, p. 219.

Em comunicação com o Vice-presidente da Província, o Chefe de Polícia ressaltou que a operação deveria ser concluída antes do dia da “referida festividade” (de Sant’Anna), por recear que, mesmo abatendo os quilombolas, os escravos da cidade resolvessem festejar o dia em louvor por sua libertação: “[...] Tendo dado ao comandante da força Alferes Manoel José de Souza as instruções convenientes, ordenei ao Delegado de Polícia que sem perda de tempo o fizesse seguir convenientemente guiado ao valhocouto dos foragidos, devendo regressar à cidade antes do dia da referida festividade”.29 29 . APEES de Vitória. Oficio do Chefe de Polícia ao Vice-presidente da Província, em 26 de julho de 1884. F. G., caixa 243, p. 218.

Os quilombolas não parecem ter oferecido grande resistência às autoridades, visto que nenhuma baixa foi verificada em nenhum dos lados, mas a operação não obteve êxito, pois boa parte dos quase trinta escravos aquilombados conseguiu escapar, juntamente com o líder Benedito: “[...] Com efeito, chegando ali a referida força, procedeu a diligências convenientes, conseguindo capturar seis calhambolas [sic], um criminoso de morte e oito acoutadores e aliciadores de escravos, dos quais alguns suspeitos de outros crimes graves, não se tendo conseguido capturar o de nome Benedito e outros que faziam parte do mesmo quilombo”.30 30 . Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Relatório do Presidente da Província, de 17 de setembro de 1884. Relatórios do Ministério da Justiça, rolo 003, p. 4-79.

O quilombo de Benedito parece ter sido uma verdadeira comunidade, na qual viviam escravos fugitivos e homens livres, “acoutadores e aliciadores de escravos” – estes talvez fossem homens brancos pobres que, por um motivo qualquer, viviam no quilombo e eram fundamentais, pois, sendo livres, podiam circular com mais facilidade por todo o município e estabelecer contato com os escravos das fazendas vizinhas, bem como agenciar suas fugas para o quilombo.31 31 . Para uma análise mais detalhada sobre essa questão, ver Gomes (1995), e também a interessante coletânea de artigos ressaltando a convivência dos índios com os negros aquilombados no período colonial, em Reis & Gomes (1996).

A festa de Sant’Anna foi celebrada sem nenhuma alteração da ordem, porém Benedito e alguns dos seus, tendo conseguido escapar, continuaram a invadir fazendas e a promover o pânico entre os moradores de São Matheus. Isso fez com que o Juiz Municipal da Vila da Barra pedisse para que a força policial “estacionasse” ali por algum tempo, “[...] a fim de bater e perseguir os restos do quilombo cujos escravos, continuando capitaneados pelo facínora Benedito, haviam reaparecido em fazendas e outras localidades do município, fazendo latrocínios e praticando barbaridades”.32 32 . Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Relatório do Presidente da Província, de 17 de setembro de 1884. Relatórios do Ministério da Justiça, rolo 003, p. 4-79. É interessante observar que, passado o susto, a imprensa não ocultou mais coisa alguma, como se pode ver no jornal O Espírito Santense em 17 de agosto do mesmo ano:

Noticiário – Em São Matheus. Daquela localidade nos escreveram que conquanto nada se passasse de aterrador ali, em conseqüência da força de linha, que pôde capturar seis quilombolas, de trinta e tantos que existem aquilombados e capitaneados pelo assassino Benedicto; contudo posterior a esse fato foi pelos foragidos atacada a casa da fazenda do Sr. Galhardo, no termo da Barra de S. Matheus, estando este ausente junto com seu filho.

A notícia informava ainda que os quilombolas estavam se escondendo na Barra de São Matheus e que, enquanto Benedito não fosse capturado, o terror sempre haveria de reinar por lá. No mês seguinte, o Vice-presidente da Província mandou que o Chefe de Polícia seguisse para São Matheus, com o intuito de se inteirar dos fatos referentes à possibilidade de outra insurreição, uma vez que, de acordo com o mesmo Chefe de Polícia, “[...] continuando na comarca de São Matheus as correrias de calhambolas, capitaneados pelo criminoso Benedicto, os quais, bem armados, invadiram fazendas e agrediram seus habitantes”33 33 . APEES de Vitória. Ofício do Vice-presidente da Província ao Ministro da Justiça, de 5 de setembro de 1884. F. G. / S. G., caixa 87, p. 163. , era conveniente que se acompanhasse de perto o que se passava por lá, para que as desordens não aumentassem.

Conclusão

O medo do fantasma da desordem34 34 . Sobre esse assunto, ver Castro (1993: 231-42), especialmente a Terceira Parte, Capítulo X. também foi sentido pelos habitantes do centro e do sul da Província durante as preparações para outra data festiva, o 7 de setembro de 1884, o que deixou as autoridades da Província em pânico, como revelou o presidente em seu relatório: “[...] Receios idênticos [de insurreição] também apareceram nas comarcas de Itapemirim, no Sul, e da Serra no centro. Na noite de 6 do corrente sem demora fiz para ali seguir um destacamento de força policial [...] com ordem de marchar toda noite, a fim de chegar ali, como chegou, na manhã do dia seguinte, quando era suspeitado o rompimento da insurreição de escravos daquela localidade”.

Não haveria como mandar para Itapemirim uma força armada que chegasse a tempo, caso de fato se realizasse a insurreição no dia 7. Entretanto, o Chefe de Polícia telegrafou ao respectivo Delegado, recomendando-lhe que procurasse o auxílio de paisanos e até da Guarda Nacional, se argumento: a ocultação dos planos de revolta era uma estratégia tanto para que a sociedade livre não ficasse em pânico diante da ameaça quanto para os demais escravos não tomassem conhecimento dela. O objetivo era impedir sua adesão, principalmente considerando-se que eles estavam por toda a parte: nos lares, nas ruas, nas fazendas. Exatamente por isso eram tão temidos. As providencias foram tomadas e a revolta não foi deflagrada, mas as ameaças não cessaram e, em janeiro de 1885, houve outra tentativa de insurreição em São Matheus, sendo processado como líder do movimento o insurreto Francisco Mota, de quem não temos maiores informações (Almada 1984: 201).

Em uma escala crescente não só na Província do Espírito Santo, mas também nas demais áreas da região sudeste, os escravos passaram cada vez mais a fugir em grupos, adiando para 13 de maio de 1888 o dia da redenção total e frustrando a expectativa daqueles que acreditavam nos cálculos prescritos na lei de 1871.

Notas

35. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Relatório do Presidente da Província, de 17 de setembro de 1884. Relatórios do Ministério da Justiça, rolo 003, p. 4-79.

SUMMARY

In honor of saint anne: notes on a plan for a slave rebellion in São Matheus, a northern county of Espírito Santo, Brazil, in 1884

This article highlights the role played by the press and the police upon learning about a slaves’ planned rebellion scheduled to take place during the celebrations in honor of Saint Anne on July 27, 1884 in the county of São Matheus, in the northern area of the province of Espírito Santo, a revolt intended to promote general slave emancipation in the county. Throughout the nineteenth century slaves were wont to take advantage of religious celebrations to carry out massive insurrections. The events which took place in São Matheus help throw some more light into both this practice and the role played by the press in concealing facts that might stir up panic in the society of the time.

RÉSUMÉ

À la louange de Sant ‘Anna : notes sur un projet de révolte des esclaves à São Matheus, nord de l’État de Espírito Santo – Brésil, 1884

Cet article fait ressortir le rôle de la presse et de la police face aux dénonciations d’un plan de révolte des esclaves dont le déroulement aurait été prévu en pleine célébration de Sant’Anna, le 27 juillet 1884 à São Matheus, nord de la province de Espírito Santo, avec le but de permettre l’émancipation générale des esclaves de la municipalité. Au cours du XIXème siècle, les esclaves profitèrent du moment des festivités religieuses pour organiser de vastes soulèvements. Les faits survenus à São Matheus nous éclairent un peu sur ces pratiques de même que sur le rôle de la presse désireuse d’occulter des événements propres à favoriser une panique générale dans la société de l’époque.

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  • 1
    . Pesquisa em andamento que procura investigar as formas de resistência escrava na Província do Espírito Santo na última década de trabalho escravo no Brasil. Uma primeira versão deste texto faz parte do segundo capítulo de minha dissertação de mestrado, cf. Martins (1997).
  • 2
    . Sobre esse assunto, ver balanço historiográfico em Queiroz (1987: 7-35). Para a ampliação do debate sobre o protesto escravo, ver Gomes (1995: 15-42; 1998: 65-97).
  • 3
    . Sobre uma formulação teórica acerca da participação da gente comum, a “raia miúda”, na história, ver Krantz (1990) e Sharp (1992: 39-62).
  • 4
    . APEES de Vitória. Ofício do Subdelegado de Polícia de São Matheus ao Chefe de Polícia da Província de 9 de julho de 1884. F. G., caixa 243, p. 221.
  • 5
    . Idem, p. 222.
  • 6
    . O historiador italiano Carlo Ginzburg ressaltou que, por volta do fim do século XIX, surgiu silenciosamente no âmbito das ciências sociais um modelo epistemológico cujo método consistia em captar pistas, sintomas e indícios capazes de nos fazer penetrar em uma realidade muito complexa ou tentar reconstruí-la parcialmente (1989: 143-80).
  • 7
    . Nesse artigo, o autor argumenta que as opiniões de alguns observadores estrangeiros sobre a vida íntima dos escravos teria levado vários estudiosos a conclusões “improcedentes” sobre a constituição de famílias estáveis no regime de escravidão no Brasil.
  • 8
    . Fala dirigida pelo Presidente da Província Conselheiro Francisco de Carvalho Soares Brandão à Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo na abertura da 2
    a. sessão da 24
    a. Legislatura, em 10 de janeiro de 1883. São Paulo: Typ. do Ypiranga, 1883, p. 6. Documento citado em Machado (1994: 13-4).
  • 9
    . Sobre esse assunto, ver Wagemann (1949); Rocha (1984); e Salleto (1993).
  • 10
    . APEES de Vitória. Ofício do Subdelegado de Polícia de Cachoeiro de Santa Leopoldina ao Chefe de Polícia da Província, em 9 de janeiro de 1883. Fundo da Polícia – SC. Caixa 75, maço 279, p. 150.
  • 11
    . Sobre esse assunto, ver Martins (1997), especificamente o capítulo I “A ação dos abolicionistas”, no qual tento mostrar que os abolicionistas não aprovavam a atitude dos escravos em seus planos de revolta para acabar com a escravidão na Província do Espírito Santo, uma vez que sua ação se limitava a acabar com a escravidão, dentro da ordem.
  • 12
    . A autora ressalta nesse trabalho que conseguiu reunir notícias de grandes encontros festivos das populações negras na cidade do Rio de Janeiro, como os Congos e as Congadas. A partir dos anos 1920, contudo, a polícia começou a prender os “que dançavam o batuque” e as autoridades governamentais, de um modo geral, passaram a proibir as danças e procissões organizadas pelas Irmandades de escravos como as de Nossa Senhora do Rosário, no Campo de Santana, por causa das desordens, bebedeiras e ameaças à ordem pública.
  • 13
    . O autor verificou que “[...] uma grande concentração de escravos facilitava a organização da revolta. Os escravos no Brasil e no Caribe viviam na maior parte em propriedades, onde a média era de cem a duzentos cativos. Na Venezuela e na Colômbia, as revoltas de escravos ocorreram em áreas de concentração semelhante ou nos centros mineiros e nas cidades” (Genovese 1983: 34). Em um trabalho recente, Emília Viotti da Costa (1998) teceu uma densa narrativa sobre uma revolta escrava ocorrida em Demerara no ano de 1823, da qual, segundo a autora, participaram de dez a 12 mil escravos.
  • 14
    . Há indícios de que a importação ilegal de africanos teria persistido na Província do Espírito Santo pelo menos até 1857. Cf. Martins (1997: 1-9).
  • 15
    . APEES de Vitória. Relatório do Presidente José Bonifácio Nascentes d’Azambuja de 24 de maio de 1856. Relatório do Presidente Manoel Ribeiro Coutinho Macarenhas de 29 de abril de 1874. Documentos citados em Almada (1984: 70).
  • 16
    . De acordo com uma tabela referente ao número de escravos matriculados em todas as coletorias da Província até 30 de março de 1887, publicada em
    O Cachoeirano de 17 de abril de 1887.
  • 17
    . APEES de Vitória. Ofício do Chefe de Polícia para o Presidente da Província do Espírito Santo de 14 de julho de 1884. F. G., caixa 243, p. 217.
  • 18
    .
    A Província do Espírito Santo, 16 de julho de 1884.
  • 19
    .
    A Província do Espírito Santo, 14 de julho de 1884.
  • 20
    . Sobre esse assunto, ver Mendonça (1995).
  • 21
    . APEES de Vitória. Relatório do Presidente da Província apresentado à Assembléia Legislativa em 9 de outubro de 1871. Documento citado em Almada (1984: 173).
  • 22
    . Parece-nos que a possível censura das autoridades aos planos de revolta dos escravos já ocorria há muito tempo. Analisando a tentativa de revolta em Vassouras em 1848, Robert Slenes argumentou que: “[...] os agentes do governo tomavam todas as medidas possíveis para ‘censurar’ as informações sobre os planos de rebelião dos escravos, a tal ponto que prejudicavam, às vezes, suas próprias investigações. (Por exemplo, a comissão da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, que examinou as evidências sobre o plano de 1848 enviadas pelo Presidente da Província, queixou-se do fato de que certas autoridades locais não registravam algumas informações em seus relatórios, por medo delas se espalharem.)” (1991-92: 67).
  • 23
    . APEES de Vitória. Ofício do Presidente da Província ao Chefe de Polícia, em 28 de março de 1885. S. P., maço 294, p. 132. Nesse documento, o Presidente da Província adverte o Chefe de Polícia para que se inteire sobre os fatos de que teria tomado conhecimento somente através da imprensa, e não por seu intermédio, como deveria.
  • 24
    . APEES de Vitória. Ofício do Subdelegado de Polícia de São Matheus ao Chefe de Polícia da Província de 9 de julho de 1884. F. G., caixa 243.
  • 25
    . Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Relatório do senhor Marcelino de Assis Torres à administração da Província, na pessoa do senhor Tenente-Coronel Alphel Adelpho Monjardim de Andrade Almeida, em 13 de fevereiro de 1882. Relatórios do Ministério da Justiça, rolo 003, p. 4-79.
  • 26
    . Para Gomes, “[...] um dos aspectos fundamentais do protesto escravo através dos quilombos foi a tentativa, por parte dos cativos, de forjar uma comunidade camponesa independente” (1995: 371-89).
  • 27
    . Para uma análise sobre a mudança no sentido das revoltas escravas na América ao longo dos séc. XVIII e XIX, ver Genovese (1983: 25-63).
  • 28
    . APEES de Vitória. Ofício do Chefe de Polícia da Província ao Ministro da Justiça, em 16 de julho de 1884. F. G., caixa 243, p. 219.
  • 29
    . APEES de Vitória. Oficio do Chefe de Polícia ao Vice-presidente da Província, em 26 de julho de 1884. F. G., caixa 243, p. 218.
  • 30
    . Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Relatório do Presidente da Província, de 17 de setembro de 1884. Relatórios do Ministério da Justiça, rolo 003, p. 4-79.
  • 31
    . Para uma análise mais detalhada sobre essa questão, ver Gomes (1995), e também a interessante coletânea de artigos ressaltando a convivência dos índios com os negros aquilombados no período colonial, em Reis & Gomes (1996).
  • 32
    . Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Relatório do Presidente da Província, de 17 de setembro de 1884. Relatórios do Ministério da Justiça, rolo 003, p. 4-79.
  • 33
    . APEES de Vitória. Ofício do Vice-presidente da Província ao Ministro da Justiça, de 5 de setembro de 1884. F. G. / S. G., caixa 87, p. 163.
  • 34
    . Sobre esse assunto, ver Castro (1993: 231-42), especialmente a Terceira Parte, Capítulo X.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Fev 2002
    • Data do Fascículo
      Dez 2000

    Histórico

    • Recebido
      Out 1999
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