Editorial
É com satisfação que apresentamos aos nossos assinantes e leitores mais um número da revista Estudos Afro-Asiáticos, editada conjuntamente pelo Centro de Estudos Afro-Asiáticos e pelo Centro de Estudos Afro-Brasileiros, da Universidade Candido Mendes.
No ano em que completou 25 anos de existência, nossa revista se orgulha de continuar a desempenhar um importante papel na divulgação de trabalhos científicos de qualidade, voltados para o estudo das relações raciais no Brasil, da diáspora africana e de aspectos históricos e socioculturais da Ásia e África.
Este número marca uma nova fase de nossa publicação, após o trabalho desempenhado por vários anos pelo Prof. Livio Sansone à frente da revista. Ao assumirmos em conjunto esta editoria, pretendemos continuar realizando, de forma responsável e competente, o trabalho de prospecção e seleção de artigos, sempre privilegiando trabalhos inéditos, frutos de pesquisas acadêmicas, que possam lançar novas luzes e ângulos de compreensão sobre tantos dilemas e impasses que permanecem presentes em nossos campos de pesquisa.
Este momento é particularmente relevante para a divulgação de trabalhos no campo dos estudos afro-asiáticos e das relações raciais no Brasil. O atual governo brasileiro, a partir de 2003, tem intensificado suas relações de aproximação com países da Ásia e da África, realizando, ao longo de seus primeiros dezoito meses, viagens a diferentes países da região, entre eles a África do Sul, a Índia e a China. Esta aproximação política e comercial tende a suscitar novas questões e temas de debate para os estudiosos de relações internacionais e particularmente das articulações entre estas nações que hoje lideram o bloco dos países em desenvolvimento.
Da mesma forma, a conjuntura política e social é oportuna em relação ao debate sobre relações raciais no Brasil. Vivemos, a partir de 2001 tendo como ponto de referência a realização da III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, em Durban, África do Sul um momento de grandes mudanças em relação às políticas de promoção da igualdade racial no Brasil. Diversas iniciativas têm sido desenvolvidas tanto por órgãos públicos quanto pelo setor privado, e também por organizações da sociedade civil, demarcando uma conjuntura nova e em permanente transformação. Notadamente, destacamos o debate e as iniciativas em torno dos programas de ampliação do acesso ao ensino superior, que têm mobilizado corações e mentes de diferentes setores da sociedade brasileira no período recente.
Procurando refletir sobre alguns dos desafios apresentados por esta conjuntura nacional e internacional, este número da revista traz sete artigos e uma resenha que cobrem diferentes aspectos históricos e contemporâneos sobre os temas em questão. Inicialmente, o antropólogo Richard Price, co-autor do já clássico trabalho O Nascimento da Cultura Afro-Americana publicado pelo CEAB e pela editora Pallas em 2003 brinda-nos com mais uma reflexão criativa e oportuna sobre diferentes nuances da presença dos africanos e seus descendentes nas Américas, demonstrando aspectos sociais e culturais que se manifestam a partir destes diferentes tipos de encontro. Price aborda este debate retomando questões teóricas levantadas em seus trabalhos anteriores, inclusive dialogando com seus críticos.
Em seguida, apresentamos o trabalho de Anderson Ribeiro Oliva, professor, em Brasília, de História da África, uma contribuição sobre tema extremamente oportuno na atual conjuntura sobre a luta contra o racismo no Brasil. Oliva reflete sobre as representações vigentes no material didático utilizado para o ensino de História da África no Brasil. Esta abordagem é particularmente oportuna neste momento em que diversos setores do governo, principalmente o Ministério da Educação e a Fundação Cultural Palmares, se mobilizam para colocar em prática as diretrizes e a definição do conteúdo para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras no país, em cumprimento à legislação vigente a partir de 2003.
Amauri Mendes Pereira nos oferece uma reflexão, também inédita e ousada, na qual desenvolve uma reflexão a respeito do atual debate sobre ação afirmativa e política de cotas no Brasil, para, a partir do mesmo, avançar numa análise mais abrangente sobre como o pensamento social brasileiro vem historicamente enfrentando os dilemas do racismo e das desigualdades raciais.
Aaron Myers, mestre em Relações Internacionais e pesquisador visitante do Centro de Estudos Afro-Brasileiros no período de setembro de 2003 a março de 2004, apresenta-nos um quadro atualizado e inédito das ações em curso voltadas para a promoção da diversidade no ambiente corporativo, em estudo elaborado a partir de uma pesquisa de campo realizada junto a empresas no Rio de Janeiro e em São Paulo.
O trabalho de Ivo de Santana, que atua na área financeira, aborda, por sua vez, o tema da intermediação de negócios no mercado africano, a partir da análise da atuação da Câmara de Comércio Afro-Brasileira.
Refletindo sobre a produção acadêmica voltada para as relações raciais no Brasil, Érika Mesquita nos traz uma contribuição original a partir da sua dissertação de mestrado em Sociologia que abordou a contribuição de Clóvis Moura para a Sociologia brasileira e para o estudo sobre relações raciais em particular. Ao publicar este artigo, aproveitamos também para prestar uma homenagem a este incansável intelectual e ativista contra o racismo, falecido recentemente.
Para completar, José Carlos dos Anjos examina dois processos correlacionados à constituição de elites intelectuais em Cabo Verde, enfocando a disputa das várias versões sobre a identidade cultural das ilhas e a problemática da mediação política e cultural, isto é, de como diferentes lógicas (política, literárias) se articulam na relação entre a posição de produtor cultural e a condição de mediação cultural e política.
Temos, ainda, na seção Resenhas, os comentários sobre o livro Álcool e escravos, do autor português José C. Curto, que sistematiza as implicações de uma atividade comercial que marcou as economias da África, do Brasil e de Portugal.
Esperamos que a edição de mais este número propicie uma ampliação e diversificação das perspectivas no campo dos estudos afro-asiáticos e das relações raciais no Brasil. Agradecemos a colaboração de todos os autores, pareceristas e das equipes do CEAA e do CEAB, que tornaram possível a elaboração deste número que agora chega às mãos dos leitores. Em particular, agradecemos o apoio permanente da Universidade Candido Mendes e do CNPq, que tornam possível a continuidade deste projeto.
Tenham uma boa leitura!
Milton Guran e Rosana Heringer
Editores
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
28 Set 2004 -
Data do Fascículo
2003