Acessibilidade / Reportar erro

Diagnóstico precoce da doença de Alzheimer: contribuição da neuroimagem estrutural

RESUMO COMENTADO

Diagnóstico precoce da doença de Alzheimer: contribuição da neuroimagem estrutural

Cássio M.C. Bottino

Doutor em Medicina pela FMUSP. Médico Assistente e Coordenador do PROTER - Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Instituto e Departamento de Psiquiatria da FMUSP Rua Dr. Ovídio Pires de Campos s/n, São Paulo, SP - CEP 05403-010 E-mail: cbottino@usp.br

Chetelat G., Baron JC. Early diagnosis of Alzheimer's disease: contribution of structural neuroimaging. Neuroimage 18: 525-541, 2003

Em uma revisão recente da literatura Chetelat e Baron (2003) compararam estudos transversais (17), que avaliaram sujeitos com risco de desenvolver demência, a pacientes com doença de Alzheimer (DA) e controles idosos. Considerando os sujeitos classificados como portadores de prejuízo de memória associado à idade (PMAI), ou portadores do alelo ApoE4, os resultados foram negativos ou divergentes. Nos sujeitos com prejuízo de memória isolado (entre estes, aqueles classificados como portadores de comprometimento cognitivo leve - CCL) comparados aos controles idosos, os estudos consistentemente mostraram atrofia do hipocampo, que variou de 11% a 23%. Coerentes com estudos histopatológicos, as pesquisas revisadas descreveram atrofia do córtex entorrinal nos sujeitos com CCL comparados aos controles. Os volumes do hipocampo e do córtex entorrinal mostraram capacidade semelhante para separar esses dois grupos de sujeitos (acurácia variando de 66% a 73%). Em geral, a diferença entre os pacientes com DA e os sujeitos com CCL parece ser menor com relação ao hipocampo e maior considerando outras estruturas do lobo temporal (acurácia variando de 70% a 74%). A atrofia encontrada em sujeitos com déficit de memória isolado (entre estes, aqueles com CCL) é semelhante à progressão histopatológica das lesões na DA: atrofia da região hipocampal (córtex entorrinal, hipocampo) nos pacientes com déficit de memória, e envolvimento posterior progressivo do lobo temporal (giro fusiforme, lobo temporal lateral).

Em nosso meio, foram avaliados, em estudo transversal, 39 pacientes com (DA) leve à moderada, 21 pacientes com queixa de declínio de memória, sem outras doenças psiquiátricas (CCL) e 20 idosos normais (Bottino et al., 2002). As medidas de todas as estruturas avaliadas (amígdala, hipocampo e giro para-hipocampal) separaram de forma significativa (p £ 0,005) os pacientes com DA, dos sujeitos com CCL e controles. As medidas volumétricas à esquerda também foram significativamente diferentes entre os indivíduos com CCL e controles (p £ 0,05). Esses resultados estão de acordo com a literatura internacional revisada por Chetelat e Baron (2003), mas apenas estudos longitudinais poderiam avaliar se a atrofia hipocampal, em sujeitos com prejuízo isolado de memória, confere um risco aumentado para o desenvolvimento de DA no futuro.

Em sua revisão, Chetelat e Baron (2003) avaliaram 11 estudos longitudinais com RM em sujeitos com risco de desenvolver demência. Nos estudos, foram utilizados critérios diferentes para classificar os sujeitos, seguidos por dois a quatro anos, apresentando uma taxa de conversão de 0% a 69%. As estruturas que melhor predisseram a conversão para demência foram: fissura peri-hipocampal, giro para-hipocampal, córtex entorrinal, hipocampo, giro fusiforme e lobo temporal lateral. Algumas limitações metodológicas devem ser consideradas, como o pequeno tamanho das amostras, heterogeneidade com relação à idade e desempenho cognitivo, aparelhagem com baixa resolução, e diferentes métodos de avaliação das estruturas cerebrais. Dois grupos de pesquisa independentes publicaram estudos recentes que não apresentavam as limitações citadas anteriormente. Em um seguimento de 2,7 anos, o hipocampo foi um preditor de conversão estatisticamente significativo (independentemente de outras variáveis, inclusive o desempenho da memória), com o grupo de sujeitos com CCL com o maior grau de atrofia apresentando a maior taxa de conversão para demência (46% versus 15% para o grupo sem atrofia). Em outra pesquisa, o volume do córtex entorrinal isolado, assim como combinado ao volume do lobo temporal superior, diferenciou-se significativamente os idosos saudáveis dos que não converteram (acurácia de 83% e 85% respectivamente) e dos que converteram para demência (acurácia de 84% e 93%, respectivamente), em três anos de seguimento. Somente a combinação do lobo temporal superior e do cíngulo anterior contribuiu significativamente para discriminar entre os que converteram e os que não converteram para demência (acurácia de 75%).

Em resumo, os estudos longitudinais revisados sugerem que o hipocampo tem um valor significativo para predizer a conversão para DA. Entretanto, esse valor é moderado, talvez porque a atrofia hipocampal esteja associada ao comprometimento de memória episódica, sendo ou não parte de uma DA incipiente. Por outro lado, uma taxa aumentada de atrofia do neocórtex temporal parece predizer a DA incipiente, e diversos estudos enfatizaram o valor preditivo de combinações como o neocórtex temporal associado ao hipocampo ou ao cíngulo anterior. Esses resultados sugerem que o diagnóstico precoce da DA, com imagem estrutural, não poderá ser feito apenas com a avaliação do lobo temporal medial (que é sensível, mas pouco específico), porém deve envolver a avaliação de outras áreas, tais como o neocórtex temporal e o cíngulo anterior, que podem mostrar atrofia menos evidente, mas conferem maior especificidade, uma vez que são afetadas apenas na DA clinicamente provável.

Referências bibliográficas

Bottino, C.M.; Castro, C.C.; Gomes, R.L.; Buchpiguel, C.A.; Marchetti, R.L.; Neto, M.R. - Volumetric MRI measurements can differentiate Alzheimer's disease, mild cognitive impairment, and normal aging. International Psychogeriatrics 14: 59-72, 2002.

Chetelat, G. & Baron, JC. - Early Diagnosis of Alzheimer's disease: contribution of structural neuroimaging. Neuroimage 18: 525-41, 2003.

Recebido: 26/6/2003

Aceito: 27/6/2003

  • Endereço para correspondência
    Instituto e Departamento de Psiquiatria da FMUSP
    Rua Dr. Ovídio Pires de Campos s/n, São Paulo, SP - CEP 05403-010
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jan 2004
    • Data do Fascículo
      2003
    Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Rua Ovídio Pires de Campos, 785 , 05403-010 São Paulo SP Brasil, Tel./Fax: +55 11 2661-8011 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: archives@usp.br