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Magnetoconvulsoterapia: indução de convulsões com estimulação magnética transcraniana

Magnetic convulsive therapy: seizure induction with TMS

Resumos

A indução proposital de convulsões através da estimulação magnética transcraniana, chamada de magnetoconvulsoterapia, é uma nova técnica que tem sido utilizada para o tratamento de transtornos neuropsiquiátricos, principalmente depressão. É um tratamento que utiliza um aparelho estimulador que cria um campo magnético variável no tempo, aplicado sobre o crânio, através de uma bobina de estimulação. Neste artigo, é feita uma detalhada revisão dos 11 casos nos quais a convulsão foi induzida com finalidade terapêutica. Apesar de ainda incipiente, é uma técnica que poderá substituir a indução elétrica de convulsões (eletroconvulsoterapia), caso se mostre com equivalente eficácia e perfil mais seguro quanto aos efeitos colaterais e complicações, por ser o estímulo mais localizado.

Convulsões; estimulação magnética; tratamento; depressão


The induced seizure through Transcranial magnetic stimulation (TMS), also called magnetic seizure therapy, is a new technique that has been used for the treatment of neuropsychiatric disorders, specially depression. It uses a magnetic stimulator that generates a magnetic field that is applied over the patient's skull with a coil. This article reviews the eleven cases in which the seizure was induced deliberately for therapeutic purposes. Although just in it's beginning, it is a technique that can substitute electrically induced seizures (electroconvulsive therapy), if it shows the same efficacy and a more safe profile related to side effects and possible complications, taking the fact that the stimuli are more focused.

Seizures; magnetic stimulation; treatment; depression


ARTIGO ORIGINAL

Magnetoconvulsoterapia: indução de convulsões com estimulação magnética transcraniana

Magnetic convulsive therapy: seizure induction with TMS

Moacyr Alexandro RosaI; Marina OdebrechtII; Sérgio Paulo RigonattiIII; Marco Antonio MarcolinIV

IMestre e doutor em Psiquiatria pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-HC-FMUSP). Médico assistente do IPq-HC-FMUSP e da Santa Casa de São Paulo

IIMédica psiquiatra, pós-graduanda pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de medicina da Universidade de São Paulo (IPq-HC-FMUSP)

III Doutor em Psiquiatria pelo Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-FMUSP). Diretor do Serviço de Tratamentos Biológicos do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP

IV Doutor pela Universidade de Illinois, em Chicago. Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, 785 — 3º andar — Cerqueira César — São Paulo — SP — CEP: 05403-010 Fone: (5511) 3069-6525 e-mail: ect@hcnet.usp.br

RESUMO

A indução proposital de convulsões através da estimulação magnética transcraniana, chamada de magnetoconvulsoterapia, é uma nova técnica que tem sido utilizada para o tratamento de transtornos neuropsiquiátricos, principalmente depressão. É um tratamento que utiliza um aparelho estimulador que cria um campo magnético variável no tempo, aplicado sobre o crânio, através de uma bobina de estimulação. Neste artigo, é feita uma detalhada revisão dos 11 casos nos quais a convulsão foi induzida com finalidade terapêutica. Apesar de ainda incipiente, é uma técnica que poderá substituir a indução elétrica de convulsões (eletroconvulsoterapia), caso se mostre com equivalente eficácia e perfil mais seguro quanto aos efeitos colaterais e complicações, por ser o estímulo mais localizado.

Palavras-chave: Convulsões, estimulação magnética, tratamento, depressão.

ABSTRACT

The induced seizure through Transcranial magnetic stimulation (TMS), also called magnetic seizure therapy, is a new technique that has been used for the treatment of neuropsychiatric disorders, specially depression. It uses a magnetic stimulator that generates a magnetic field that is applied over the patient's skull with a coil. This article reviews the eleven cases in which the seizure was induced deliberately for therapeutic purposes. Although just in it's beginning, it is a technique that can substitute electrically induced seizures (electroconvulsive therapy), if it shows the same efficacy and a more safe profile related to side effects and possible complications, taking the fact that the stimuli are more focused.

Keywords: Seizures, magnetic stimulation, treatment, depression.

Introdução

A indução proposital de convulsões com finalidade terapêutica (convulsoterapia) já é bastante conhecida, tendo sido inicialmente feita com a utilização de medicações (cânfora, cardiazol) e evoluído para a utilização da eletricidade (eletroconvulsoterapia). A eletroconvulsoterapia (ECT) é o tratamento mais eficaz existente para depressão maior grave, além de ser também eficaz em outros transtornos psiquiátricos (APA, 2001).

Ao longo dos anos houve uma evolução muito grande na técnica de aplicação da ECT, incluindo a utilização de anestesia geral breve, refinamentos nos parâmetros elétricos utilizados, a introdução da ECT unilateral e um melhor controle da carga individual e da duração de cada crise. A única grande limitação da ECT é a pouca capacidade de se localizar a estimulação. Mesmo com a estimulação unilateral, a corrente não é focal, mas difusa e profunda no tecido cerebral. O principal motivo para isso é a resistência que a calota craniana oferece à passagem do estímulo elétrico, sendo necessárias cargas altas para que se atinja o limiar convulsígeno. Como conseqüência, os efeitos colaterais cognitivos (amnésia, confusão pós-ictal) são a principal limitação para o uso da ECT na atualidade.

Um novo método tem sido estudado para a indução de convulsões através da estimulação magnética transcraniana de repetição (EMTr). Trata-se da utilização de um aparelho estimulador que cria um campo magnético alternado de alta intensidade que é aplicado sobre o crânio através de uma bobina de estimulação. O campo magnético induz uma corrente elétrica no tecido cerebral sem sofrer deflecção alguma (Pascual-Leone et al., 2002). A maioria dos estudos com EMTr utiliza estímulos subliminares (cargas que estão abaixo do limiar de estimulação que seria capaz de induzir a uma convulsão [Lisanby et al., 2001a]), sendo a convulsão um efeito colateral indesejado.

Com o desenvolvimento de estimuladores magnéticos de alta potência, é possível utilizar o estímulo magnético em lugar do elétrico para a indução de convulsões terapêuticas, com a vantagem de se focalizar mais o lugar e a extensão do estímulo (Sackeim, 1994).

A magnetoconvulsoterapia está ainda em fase de investigação. Neste artigo, é feita uma revisão da sua utilização, começando com as bases para o seu uso e chegando nos estudos clínicos realizados até o momento.

Indução proposital de convulsões com EMTr

A indução de convulsões com finalidade terapêutica já era conhecida há muitos anos. Foi inicialmente realizada através de medicamentos (inicialmente cânfora e, depois, cardiazol) e mais tarde por meio de indução elétrica (conhecida como eletroconvulsoterapia [ECT]). A ECT é uma técnica comprovadamente eficaz para o tratamento de transtornos psiquiátricos, principalmente para depressões graves ou refratárias. Uma de suas limitações, porém, é a alta resistência oferecida pelo crânio à passagem da corrente elétrica. Como conseqüência, para a indução da crise convulsiva generalizada, é necessária uma carga alta, pouco focal, que leva a um excesso de efeitos colaterais cognitivos (principalmente amnésia).

A idéia de focalizar a estimulação para induzir uma convulsão não é nova. A tentativa de focalizar a ECT para melhorar sua eficácia e reduzir os efeitos colaterais foi originariamente proposta há mais de 55 anos (Heath e Norman, 1946). Tentativas modernas de focalizar espacialmente a ECT têm utilizado localizações variáveis dos eletrodos: ECT unilateral (Swartz, 1994) e bifrontal (Bailine et al., 2000). Contudo, a estimulação segue sendo muito pouco focal.

A utilização de EMTr com a finalidade de induzir convulsões surgiu pelo fato de o crânio não oferecer resistência à passagem da onda magnética (Lisanby, 2001a). Esta nova técnica vem sendo chamada de magnetoconvulsoterapia (magnetic seizure therapy [MST]).

Os estudos preliminares com estimuladores comercialmente disponíveis falharam em induzir convulsões em animais anestesiados (Lisanby et al., 1999, 2001a). Para compensar os efeitos anticonvulsivantes da anestesia, era necessário utilizar um aparelho modificado com uma carga máxima aumentada (60 Hz, 100% da capacidade máxima, 6,6 segundos de duração) (Lisanby et al., 2001a).

A primeira convulsão induzida por magnetismo em animal anestesiado foi realizada em 1998 (Lisanby et al., 1999, 2001a). Desde então, um total de 11 macacos recebeu MST como parte dos estudos sobre os efeitos neurofisiológicos e neuroanatômicos do tratamento. O procedimento é realizado sob anestesia geral com metohexital e succinilcolina. Convulsões tônico-clônicas semelhantes às induzidas por ECT, com duração de 6,5 a 37 segundos, foram induzidas com sucesso. O limiar convulsivo magnético foi titulado através da administração de séries de duração crescente até que se obtivesse a generalização. Convulsões foram obtidas com parâmetros de 40 Hz, 90% a 100% da capacidade máxima do estimulador, administrados por dois a cinco segundos. As sessões foram bem toleradas, não sendo observados efeitos adversos. Exame histológico cuidadoso do tecido cerebral de alguns animais não observou evidências de mudanças neuropatológicas.

Ensaios clínicos com magnetoconvulsoterapia

O primeiro tratamento com MST em ser humano aconteceu em 2000, na cidade de Bern, Suíça, como um estudo de caso (Lisanby et al., 2001b). A paciente era uma mulher de 20 anos de idade, internada com uma depressão maior refratária às medicações, que foi indicada para receber ECT. A MST foi administrada em uma sala de ECT com o mesmo regime anestésico utilizado para ECT. A MST foi aplicada três vezes por semana, de forma similar à ECT, com as seguintes modificações:

  1. Protetores de ouvido, para evitar danos causados pelo ruído da bobina de estimulação.

  2. Eletrodos de EEG foram modificados para prevenir o aquecimento causado pela EMTr.

  3. Após a indução anestésica e do relaxamento muscular, a bobina foi colocada no escalpe, e uma série única de estimulação magnética de alta intensidade foi administrada.

Com a estimulação de alta intensidade, a MST induziu convulsões tônico-clônicas semelhantes à ECT nas manifestações motoras, mas com uma diferença marcante da ECT na velocidade de recuperação pós-ictal da orientação e na ausência de efeitos colaterais significativos. Após quatro aplicações de MST a paciente demonstrou uma queda de 50% nos seus escores de depressão. As aplicações foram bem toleradas, sendo relatada apenas uma cefaléia leve após uma das aplicações. Não houve queixas subjetivas de problemas de memória. O escore do miniexame do estado mental manteve-se em 30 ao longo do curso do tratamento, mas não foram realizados testes neuropsicológicos mais extensos. Após a quarta aplicação, a paciente continuou o tratamento com ECT, a fim de reduzir mais seus sintomas e prevenir uma recaída.

Depois desse estudo inicial, foi obtida uma aprovação do FDA e do IRB (Institutional Review Board) para a condução de um ensaio com MST nos EUA (Lisanby et al, 2001c). A finalidade deste estudo era de comparar os efeitos cognitivos agudos da MST com a ECT. Dez pacientes com um episódio depressivo maior indicados para ECT foram incluídos neste ensaio cego, intra-sujeito, randomizado. Cada paciente recebeu uma série de terapia convulsiva na qual dois dos primeiros quatro tratamentos foi com MST e os restantes com ECT convencional. Avaliações neuropsicológicas cegas e escores de efeitos colaterais foram obtidos antes e depois de cada tratamento. Convulsões foram induzidas com sucesso com a MST em todos os pacientes. Em três casos o limiar da MST estava na carga máxima do estimulador.

Efeitos colaterais subjetivos foram significativamente menores com MST que com ECT. Os pacientes relataram menos dores musculares, menos queixas de deficits mnêmicos e menos cefaléia com MST que com ECT. Os pacientes também recuperaram mais rapidamente a orientação após a MST. A performance em testes de atenção foi mais rápida e mais acurada após MST. Avaliação de memória e fluência verbal também favoreceu a MST.

A análise quantitativa de EEG durante e imediatamente após os tratamentos indicou que as convulsões induzidas por MST tinham uma expressão ictal menos robusta e menos marcante supressão pós-ictal que com ECT bilateral. Estas medidas têm sido tradicionalmente vistas como marcadores para a eficácia clínica da ECT (Nobler et al., 1993; Krystal et al., 1995; Folkerts, 1996). Ainda é incerta a importância disto para a eficácia da MST.

A eficácia antidepressiva da MST ainda não é conhecida. Lisanby e cols. estão no meio de um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, realizado em dois centros, comparando a eficácia da ECT com a MST. Vinte pacientes já foram incluídos, com diagnóstico de episódio depressivo maior (uni ou bipolar), resistentes à medicação. Os resultados deste estudo poderão servir para orientar novos ensaios clínicos.

Conclusão

A magnetoconvulsoterapia é uma possível evolução da convulsoterapia, sendo promissora na redução de efeitos colaterais e na melhora da qualidade de vida dos pacientes com depressão que têm indicação de receber ECT. A MST é a mais recente variação em uma longa história de modificações na técnica da ECT. Contudo, ainda está numa fase muito precoce de desenvolvimento. A evidência até o presente sugere ser um tratamento seguro, com um perfil de efeitos colaterais mais benigno que a ECT.

Limitações técnicas terão que ser superadas para uma utilização mais rotineira da MST, como a determinação dos parâmetros de estimulação, os tipos de bobinas, a localização do estímulo e a dosagem individual.

Os estudos são ainda muito incipientes, apesar de promissores. São necessários ainda muitos ensaios clínicos que comprovem a sua segurança e eficácia e suas possíveis vantagens sobre a ECT.

Recebido: 02/09/2004 - Aceito: 15/09/2004

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Fev 2005
    • Data do Fascículo
      2004

    Histórico

    • Recebido
      02 Set 2004
    • Aceito
      15 Set 2004
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