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Delirium e demência no idoso: existem fatores de risco comuns?

Delirium and dementia in the elderly: are there common risk factors?

Resumos

Delirium é uma síndrome neurocomportamental decorrente da quebra transitória da homeostase cerebral. Deve-se, invariavelmente, a perturbações sistêmicas ou do sistema nervoso central. No contexto médico geral, a ocorrência de delirium está associada à maior incidência de complicações clínico-cirúrgicas, maior tempo de permanência hospitalar e pior recuperação funcional. O envelhecimento e o comprometimento cognitivo são fatores de risco conhecidos para o delirium. Em pacientes idosos, a ocorrência aumenta o reconhecimento de quadros demenciais preexistentes. Em contrapartida, indivíduos idosos não-demenciados que desenvolvem um episódio de delirium durante uma dada internação hospitalar têm incidência aumentada de demência na evolução em longo prazo. Estudos prospectivos e controlados demonstraram uma associação significativa entre o diagnóstico prévio de delirium e o ulterior desenvolvimento de síndromes demenciais. Essa associação parece ser ainda maior em indivíduos muito idosos. O presente estudo de revisão aborda criticamente a natureza da associação entre delirium e demência. Hipotetiza-se que a sua ocorrência em indivíduos idosos cognitivamente preservados é fator preditivo de deterioração cognitiva, e de risco aumentado para o desenvolvimento de demência, no seguimento de longo termo. As bases neurobiológicas da associação entre delirium e demência são discutidas à luz da hipótese colinérgica da doença de Alzheimer, uma vez que o comprometimento da neurotransmissão colinérgica é denominador comum a essas duas perturbações neuropsíquicas.

Delirium; demência; doença de Alzheimer; transtorno cognitivo; fatores de risco


Delirium is a neurobehavioral syndrome caused by the transient disruption of cerebral homeostasis, which is invariably subsequent to systemic or central nervous system insults. In general medical settings, the occurrence of delirium is also associated with a higher incidence of post-operative complications, longer hospital stays, and poor functional recovery. Ageing and cognitive decline are known risk factors for the occurrence of delirium. In elderly patients, delirium has been shown to be associated with pre-existing dementia. Conversely, non-demented elderly subjects who develop a new delirium episode display an increased incidence of dementia in the long-term outcome. Prospective case-control studies have demonstrated a significant association between the previous diagnosis of delirium and the development of dementia. The association between delirium and dementia may be even higher among the eldest elderly. After reviewing the relevant literature on the association between delirium and dementia, we hypothesize that the occurrence of delirium in non-demented elderly individuals is predictive of a worse cognitive outcome, and increased risk of dementia, in the long-term follow-up. We further discuss the biological nature of this association in the light of the cholinergic deficit observed in the pathophysiology of both delirium and Alzheimer's disease.

Delirium; dementia; Alzheimer's disease; cognitive decline; risk factors


ARTIGO ORIGINAL

Delirium e demência no idoso: existem fatores de risco comuns?

Delirium and dementia in the elderly: are there common risk factors?

Priscilla WackerI; Paula V. NunesI; Orestes V. ForlenzaII

IMédica psiquiatra. Pós-graduanda pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-HC-FMUSP). Pesquisadora do Laboratório de Neurociências (LIM-27) do IPq-HC-FMUSP

IIMédico psiquiatra. Doutor em Medicina pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-HC-FMUSP). Médico Pesquisador e Coordenador do Ambulatório de Transtornos da Memória do LIM-27, IPq-HC-FMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Priscilla Wacker Laboratório de Neurociências – LIM 27, Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Av. Dr. Ovídio Pires de Campos, 785 05403-010 – São Paulo – SP E-mail: p_wacker@ig.com.br

RESUMO

Delirium é uma síndrome neurocomportamental decorrente da quebra transitória da homeostase cerebral. Deve-se, invariavelmente, a perturbações sistêmicas ou do sistema nervoso central. No contexto médico geral, a ocorrência de delirium está associada à maior incidência de complicações clínico-cirúrgicas, maior tempo de permanência hospitalar e pior recuperação funcional. O envelhecimento e o comprometimento cognitivo são fatores de risco conhecidos para o delirium. Em pacientes idosos, a ocorrência aumenta o reconhecimento de quadros demenciais preexistentes. Em contrapartida, indivíduos idosos não-demenciados que desenvolvem um episódio de delirium durante uma dada internação hospitalar têm incidência aumentada de demência na evolução em longo prazo. Estudos prospectivos e controlados demonstraram uma associação significativa entre o diagnóstico prévio de delirium e o ulterior desenvolvimento de síndromes demenciais. Essa associação parece ser ainda maior em indivíduos muito idosos. O presente estudo de revisão aborda criticamente a natureza da associação entre delirium e demência. Hipotetiza-se que a sua ocorrência em indivíduos idosos cognitivamente preservados é fator preditivo de deterioração cognitiva, e de risco aumentado para o desenvolvimento de demência, no seguimento de longo termo. As bases neurobiológicas da associação entre delirium e demência são discutidas à luz da hipótese colinérgica da doença de Alzheimer, uma vez que o comprometimento da neurotransmissão colinérgica é denominador comum a essas duas perturbações neuropsíquicas.

Palavras-chave:Delirium, demência, doença de Alzheimer, transtorno cognitivo, fatores de risco.

ABSTRACT

Delirium is a neurobehavioral syndrome caused by the transient disruption of cerebral homeostasis, which is invariably subsequent to systemic or central nervous system insults. In general medical settings, the occurrence of delirium is also associated with a higher incidence of post-operative complications, longer hospital stays, and poor functional recovery. Ageing and cognitive decline are known risk factors for the occurrence of delirium. In elderly patients, delirium has been shown to be associated with pre-existing dementia. Conversely, non-demented elderly subjects who develop a new delirium episode display an increased incidence of dementia in the long-term outcome. Prospective case-control studies have demonstrated a significant association between the previous diagnosis of delirium and the development of dementia. The association between delirium and dementia may be even higher among the eldest elderly. After reviewing the relevant literature on the association between delirium and dementia, we hypothesize that the occurrence of delirium in non-demented elderly individuals is predictive of a worse cognitive outcome, and increased risk of dementia, in the long-term follow-up. We further discuss the biological nature of this association in the light of the cholinergic deficit observed in the pathophysiology of both delirium and Alzheimer's disease.

Key-words:Delirium, dementia, Alzheimer's disease, cognitive decline, risk factors.

Delirium no contexto clínico e cirúrgico

O delirium é uma das complicações mais comuns entre pacientes idosos hospitalizados. Estima-se que 20% a 60% dos idosos admitidos a serviços de emergência clínica ou cirúrgica apresentem delirium (Erkinjuntti et al., 1986; Gustafson et al., 1988; Francis et al., 1990; Rockwood, 1993; Clayer e Bruckner, 2000; Magaziner et al., 2000; Duppils e Wikblad, 2000; Galanakis et al., 2001; Marcantonio et al., 2001; Gruber-Baldini et al., 2003; Lundström et al., 2003).

Diferentes estudos abordaram a morbimortalidade de pacientes que apresentaram delirium. Levkoff et al. (1992) observaram taxas de mortalidade duas vezes maiores (26,4%) entre os indivíduos que tiveram delirium durante suas respectivas internações hospitalares, em seis meses de acompanhamento. Também em seguimento de seis meses, Murray et al. (1993) encontraram sinais de deterioração física em mais da metade dos pacientes que tiveram delirium, ou seja, o dobro do prejuízo evidenciado em pacientes sem tal antecedente. O'Keeffe e Lavan (1997) identificaram uma associação direta entre a ocorrência de delirium e o tempo de permanência hospitalar, além de maiores taxas de admissão em unidades de terapia intensiva (36% contra 13%). Mais recentemente, Cole et al. (2003) verificaram que 44% dos pacientes que apresentaram delirium durante uma dada internação hospitalar evoluíram, ao longo de um seguimento de 12 meses após a alta, com deterioração física ou mental, necessitando de institucionalização.

No contexto das cirurgias ortopédicas, observou-se que a ocorrência de delirium aumenta o risco de complicações pós-operatórias e prolonga o período de recuperação, aumentando o tempo de hospitalização (Rogers et al., 1989). Delirium ocorre em até 65% dos pacientes idosos submetidos à cirurgia do quadril, além de associar-se como fator independente à pior recuperação funcional (Marcantonio, et al., 2001; Gustafon et al., 1988; Gruber-Baldini et al., 2003; Lundström et al., 2003). Estados confusionais foram observados em 40,5% dos indivíduos operados por fratura de colo de fêmur e em 14,7% daqueles submetidos à artroplastia (Galanakis et al., 2001).

Fatores de risco

Delirium é uma síndrome multifatorial e vários fatores de risco exercem efeito no desencadeamento desta desordem neuropsíquica (Francis e Kapoor, 1990). Em contextos clínicos, os fatores mais comumente associados são: (1) idade avançada; (2) presença de doença clínica com comprometimento do estado geral de saúde (Millar, 1981; Williams et al., 1985a; Rockwood, 1989; Francis et al., 1990; Levkoff et al., 1992); (3) presença de demência ou outros acometimentos do sistema nervoso central (SNC) (Erkinjuntti et al., 1986; Gustafson et al., 1988; Schor et al., 1992); (4) polifarmacoterapia, particularmente se, entre as múltiplas medicações em uso, incluem-se drogas com ação anticolinérgica, anti-histamínica, sedativo-hipnóticos ou narcóticos, que conferem risco duas a três vezes maior para o desenvolvimento do delirium (Seymour e Pringle, 1983; Leipzig et al., 1987; Cantu e Korek, 1991).

Estudos realizados em contextos cirúrgicos sugeriram que não é o procedimento cirúrgico em si que leva ao aumento no risco de delirium (Schor et al., 1992), e sim os fatores clínicos, hemodinâmicos e farmacológicos associados. Entre eles, desidratação (Levkoff et al., 1986), hipotensão peri-operatória, baixo débito cardíaco, hipóxia no pós-operatório e o uso de medicações com propriedades anticolinérgicas (Millar, 1981; Seymour et al., 1983; Williams et al., 1985b; Gustafson et al., 1988; Schor et al., 1992; Han et al., 2001). O tipo de anestesia (geral ou bloqueio raqui-medular) parece não influenciar na incidência do delirium peri-operatório (Riis et al., 1983; Ghoneim, et al., 1988; Warren et al., 1990). A hipoalbuminemia é um achado freqüente em pacientes com delirium (Levkoff et al., 1988; Dickson, 1991). Sua relação com o risco de delirium pode ser indireta, uma vez que sinaliza a ocorrência de desnutrição ou doenças mais graves, que responderiam pelo risco mais expressivo. Alternativamente, a hipoalbuminemia pode afetar a farmacocinética das medicações utilizadas, por permitir menor disponibilidade de ligação protéica, aumentando assim o risco de toxicidade em SNC (Trzepacz et al., 1990). Litaker et al. (2000) observaram a relação entre determinadas variáveis clínicas e o risco de desenvolvimento de delirium em pacientes submetidos a cirurgias eletivas. Destacaram: a história prévia de delirium, a idade avançada (maior ou igual a 70 anos), a preexistência de comprometimento cognitivo, a ocorrência de limitações funcionais no pré-operatório. Consumo excessivo de álcool e o uso de analgésicos opiáceos antes da admissão hospitalar também aumentaram o seu risco.

Doenças psiquiátricas conferem maior risco para o desenvolvimento do delirium, possivelmente em parte pela utilização de medicamentos com ação central (Morse e Lirin, 1969; Gustafson et al., 1988; Folks et al., 1988). Outras condições que parecem estar associadas são: privação de sono, prejuízo sensorial, incontinência urinária e fecal e mudanças ambientais (Levkoff et al., 1986).

Fisiopatologia do delirium

O delirium é, portanto, visto como uma perturbação das funções neurais decorrente de distúrbios sistêmicos (Lipowski, 1989). Trata-se, por conseguinte, de distúrbio reversível de base metabólica. A sua fisiopatologia ainda é pouco entendida, mas sabe-se que existe envolvimento das vias neurais dependentes da transmissão dopaminérgica, serotoninérgica, colinérgica e histaminérgica (Brown, 2000).

Adicionalmente, a atividade neural depende da reserva de substratos para o metabolismo aeróbio, tais como oxigênio, glicose e fosfatos. Anormalidades do metabolismo oxidativo comprometem a manutenção dos gradientes iônicos, alterando os potenciais elétricos e a repolarização da membrana neuronal, levando à depressão da atividade cerebral. A síntese de neurotransmissores e a depuração de neurotoxinas são também prejudicadas (Francis e Kapoor, 1990; Baethmann e Kempski, 1992).

Os neurônios mais sensíveis a tais insultos são predominantemente os colinérgicos, histaminérgicos e monoaminérgicos (Nicoll et al., 1990). Desse modo, postula-se que condições que levem ao comprometimento das vias colinérgicas e histaminérgicas exerçam papel preponderante no desencadeamento do delirium (Golinger et al., 1987; Trzepacz et al. 1995; Winawer, 2001).

Os neurônios colinérgicos perfazem 25% das células cerebrais e estão particularmente envolvidos nos processos cognitivos e atencionais. A acetilcolina é o principal modulador das funções dos neurônios corticais e hipocampais. Além dos efeitos decorrentes da baixa disponibilidade sináptica de acetilcolina, no nível do primeiro mensageiro, a disfunção colinérgica está associada ao comprometimento da transdução de sinais no nível pós-sináptico (segundos e terceiros mensageiros), resultando em prejuízos ao metabolismo neuronal e na regulação gênica. Na hipóxia, tanto a síntese quanto a liberação de acetilcolina estão prejudicadas (Gibson e Blass, 1976).

Hall e Popkin (1977) e Gollinger et al. (1987) observaram associação entre a ação de substâncias anticolinérgicas e o delirium. Mais recentemente, em um estudo transversal com 67 idosos portadores de doenças sistêmicas agudas, Flacker et al. (1998) relataram uma associação positiva entre as concentrações séricas de substâncias anticolinérgicas e a ocorrência do delirium.

Outros estudos relatam que episódios de delirium associados a diferentes etiologias têm em comum a atividade colinérgica diminuída na formação reticular (Lipowski, 1990; Flacker et al., 1998; Tune e Egeli, 1999). Durante o estresse oxidativo, a diminuição de síntese e liberação da acetilcolina são anteriores às demais alterações no metabolismo neuronal (Itil e Fink, 1966; Park et al., 1987). Em última análise, tais disfunções, envolvendo neurônios colinérgicos, resultam em alterações cognitivas e atencionais (Ashe e Weinberger, 1991).

A histamina é outro importante modulador das funções neurais. Tanto receptores histamínicos do tipo H1 quanto H2 alteram a polarização e a homeostase elétrica dos neurônios hipocampais e corticais (Schwartz et al., 1991). Portanto, a ação de drogas anti-histamínicas pode levar ao delirium (White e Rumbold, 1988). Por outro lado, em condições associadas ao excesso de liberação de histamina, tais como no estresse cirúrgico e na hipóxia, ocorre indução de mecanismos de apoptose neuronal (Adachi et al., 1991, Fujitani et al., 1996). Assim, acredita-se que tanto o excesso quanto a deficiência de histamina podem estar envolvidos na fisiopatologia do delirium (Brown e Stoudemire, 1989).

A hipóxia pode também levar ao aumento da liberação e à diminuição da recaptura da dopamina (Flacker e Lipsitz, 1999). Sabe-se que a hiperestimulação dopaminérgica pode exercer efeitos tóxicos ao metabolismo neuronal, pela formação de radicais livres, bem como alterar sua função, através da potencialização da atividade glutamatérgica (Pellegrini-Giampietro et al., 1990). O glutamato exerce ação central na lesão neuronal mediada por cálcio (excitotoxicidade), mas não é suficiente para precipitar a lesão sem a ação concomitante da dopamina (Globus et al., 1990).

Outro mecanismo proposto para a fisiopatologia do delirium envolve os níveis de cortisol. Aumentos agudos (muitas vezes iatrogênicos) do cortisol levam a disfunções hipocampais transitórias. Isso é compatível com o fato de que doenças crônicas que cursam com hipercortisolemia, como, por exemplo, a doença de Cushing, levam à redução do volume hipocampal (Starkman et al., 1992; Kiraly et al., 1997). Esse processo está associado a disfunções mitocondriais e a mecanismos de morte neuronal por apoptose (Zamzami et al., 1995; Demonacos et al., 1996). O aumento de cortisol basal é comum no período pós-operatório (Dahanukar et al., 1996). Além disso, sugere-se que pacientes com alterações mitocondriais prévias teriam maior predisposição a desenvolver delirium (Hashimoto et al., 1997).

Relação entre delirium e demência

Evidências de disfunção colinérgica na doença de Alzheimer foram demonstradas há mais de 20 anos, através de estudos necroscópicos, observando-se redução da atividade das enzimas colina-acetiltransferase (ChAT) e acetilcolinesterase (AChE), respectivamente responsáveis pela síntese e degradação da acetilcolina, em núcleos colinégicos do prosencéfalo basal (Davies e Maloney, 1976). Em seguida, tais achados foram associados ao grau de acometimento cognitivo e à presença de placas senis e emaranhados neurofibrilares em tecidos cerebrais (Wilcock et al., 1982; Mountjoy et al., 1983). Associações altamente significativas foram estabelecidas entre a redução da atividade da ChAT cortical, a contagem de placas senis e os escores dos testes psicométricos (Perry et al., 1977). Quanto maior o comprometimento cognitivo no ano do óbito, maior a densidade de placas senis e menor a atividade colinérgica global.

Formou-se, assim, a base de sustentação para a hipótese colinérgica da doença de Alzheimer. Desta hipótese decorre a valorização do papel da acetilcolina cortical no comportamento e, sobretudo, na memória, e nela se apóiam os fundamentos da terapia de reposição colinérgica na doença de Alzheimer (Bartus et al., 1982).

A influência dos mecanismos colinérgicos na fisiopatologia do delirium já foi caracterizada (acima). Na literatura recente, drogas de ação colinérgica foram utilizadas com êxito no manejo clínico do delirium em pacientes idosos. Por exemplo, Wengel et al. (1999) descreveram caso de paciente de 76 anos portador de doença de Alzheimer e submetido à artroplastia de joelho, em que o delirium pós-operatório foi revertido mediante o tratamento com o inibidor da acetilcolinesterase cloridrato de donepezil. Fisher (2001) relatou o caso de uma paciente de 70 anos que apresentou delirium pela intoxicação pelo lítio, e que obteve recuperação completa do quadro confusional mediante tratamento com rivastigmina.

Uma vez que a doença de Alzheimer e o delirium têm na disfunção colinérgica mecanismo etiopatogênico comum, hipotetiza-se que os indivíduos com demência são particularmente suscetíveis ao delirium. De fato, estudos disponíveis na literatura mostram que a constatação de episódio de delirium aumenta a sensibilidade para o diagnóstico de demência já existente (Rockwood et al., 1999; Rahkonen et al., 2001). Esses autores realizaram estudos prospectivos com indivíduos idosos portadores de doenças sistêmicas, agrupados segundo a ocorrência ou não de delirium, e observaram maior risco de evolução para demência entre aqueles que apresentaram um ou mais episódios de delirium.

Recentemente, Lundström et al. (2003) avaliaram as funções cognitivas de pacientes submetidos a artroplastias de quadril, devido a fraturas de colo de fêmur, também classificados segundo a ocorrência ou não de delirium pós-operatório. Os grupos foram seguidos prospectivamente por período de quatro anos, constatando-se maior incidência de síndromes demenciais (69%) entre os indivíduos que apresentaram delirium, contra a incidência de 20% entre aqueles que não o apresentaram. Isso mostra que a sua ocorrência em indivíduos cognitivamente intactos sinaliza maior vulnerabilidade para a demência.

Recebido: 30/03/2005 - Aceito: 28/04/2005

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  • Endereço para correspondência

    Priscilla Wacker
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    Av. Dr. Ovídio Pires de Campos, 785
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Ago 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2005

    Histórico

    • Recebido
      30 Mar 2005
    • Aceito
      28 Abr 2005
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