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As três tsunamis da Psiquiatria

The three disasters that devastated psychiatric phenomenology

PONTO DE VISTA

Nota do Redator

O debate que se segue foi desencadeado pelo comentário abaixo, do Prof. Dr. Guido Arturo Palomba sobre o artigo de F. B. Scagliusi e colaboradores, intitulado "Tradução da escala de desejo de aceitação social de Marlowe & Crowne para a língua portuguesa", publicado na Rev Psiq Clin 31 (6): 272-75, 2004. O ponto de vista do Prof. Palomba foi comentado por Laura Guerra e Clarice Gorenstein, que vêm pesquisando e desenvolvendo o uso de diferentes escalas psicométricas e por Táki Athanássios Cordás, um dos co-autores do trabalho comentado.

As três tsunamis da Psiquiatria

The three disasters that devastated psychiatric phenomenology

Guido Arturo Palomba

Psiquiatra Forense

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Rua Manoel da Nóbrega, 2064 04001-006 – São Paulo – SP

A primeira mega onda destrutiva sobre a psiquiatria veio com a CID-10 e a DSM-IV, nos anos 1990 (cujo "abalo sísmico" se deu pouco antes, nos anos 1980, com a entrada da CID-9 e a do DSM III–R).

O estrago foi avassalador, atingindo em cheio a nosografia e a psicopatologia, até então ditadas pela etimologia, pela história, pela doutrina, pelos livros-textos. Estes últimos foram varridos da face da psiquiatria, que ficou encharcada pelos catalogões CID e DSM, as "bíblias" dos psiquiatras modernos. Bumke, Bleuler, Kraepelin, Kretschmer, Jaspers, Ey, Mayer-Gross, juntamente com centenas de outros grandes, morreram afogados pela imensa onda.

A segunda tsunami dá-se com a primazia do resultado do exame subsidiário sobre o exame clínico.

Essa onda arrasou o raciocínio clínico. Não há mais valorização do exame direto do paciente. A emissão de pósitrons, a ressonância magnética, o expert-system e outros assemelhados, dizimaram a semiologia psiquiátrica, vieram os psiquiatras cibernéticos de última geração, que, diante do ser humano e suas infinitas combinações bio-psicossocio-religiosoculturais, acreditam mais na especificidade e nos resultados da máquina, do que na própria intuição, sensopercepção, raciocínio lógico e inteligência.

Essa onda gigante matou a soberania clínica. Agora a eficiência está na máquina... e, conseqüentemente, a deficiência, no psiquiatra.

A terceira tsunami é a vinda desses imbecis (in, negação; bacillum, bastão, in bacillum, sem o bastão, o apoio da inteligência) inventários ou escalas de medição, previamente fabricados, que o psiquiatra pede para o paciente marcar com um "x", se falso ou verdadeiro ou algo que o valha.

Essa onda destrói, completamente, qualquer possibilidade de arte dentro da psiquiatria. Nivela tudo pelo mais baixo grau de primariedade. Esses ditos instrumentos parecem aqueles testezinhos de revistas populares para meninas adolescentes, os quais, ao final, de 0 a 5 pontos, de 5 a 10 e de 10 a 15, dizem se o namorado gosta dela ou se é do tipo espontâneo, inibido ou atirado.

O momento é delicado, pois as ondas geraram montanhas de entulho, e nelas as pragas disseminam-se com facilidade. E já tem várias que vicejam à tripa-forra, por exemplo, a doença de Alzheimer, que na escumalha boiante é tida como doença senil, quando, em verdade, é pré-senil, descrita por Alois Alzheimer, em 1907. O leitor não entendeu a gravidade desse fato ou acha isso um absurdo?

São as tsunamis arrasadoras de doutrina, que a quase todos leva de roldão!

Recebido: 15/02/2005

  • Endereço para correspondência

    Rua Manoel da Nóbrega, 2064
    04001-006 – São Paulo – SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Jul 2005
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