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As três tsunamis da psiquiatra, mensurar, não desumanizar

(continued) defining, measuring, and communicating manifestations of mental functioning

PONTO DE VISTA

As três tsunamis da psiquiatra, mensurar, não desumanizar

(continued) defining, measuring, and communicating manifestations of mental functioning

Táki Athanássios Cordás

Coordenadora do Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Ambulim-IPq-HC-FMUSP)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Ambulim-IPq-HC-FMUSP Rua Ovídio Pires de Campos, 785, 2º and 05403-010 – São Paulo – SP Fone: (11) 3069-6975

A Carta do Dr. Palomba embora encontre como meio de manifestação o artigo "Tradução da escala de desejo de aceitação social" em que figuro como co-autor, tem um sentido muito mais amplo na crítica aos critérios diagnósticos, aos exames complementares, às escalas e aos instrumentos utilizados para pesquisas.

Como não é possível entender se as críticas do missivista são para os critérios diagnósticos operacionais ou às classificações psiquiátricas em geral, já que os critica indistintamente, gostaria de tecer breves comentários.

Em primeiro lugar, lembrar que a classificação é um processo pragmático pelo qual a complexidade de fenômenos é reduzida, para que seja possível incluí-los em categorias de acordo com critérios preestabelecidos.

As classificações psiquiátricas, na ausência de adequado conhecimento da etiologia e da fisiopatologia dos quadros, têm consistido no agrupamento de categorias com base em características fenomenológicas compartilhadas.

A intenção última é, sem dúvida, o tratamento e a prevenção, bem como, o conhecimento da história natural, o que não pode ser feito sem uma linguagem comum e elevado nível de concordância entre profissionais de todo o mundo.

Essa preocupação, em utilizar uma linguagem comum, é muito mais precoce do que a onda destrutiva dos anos 1980 e 1990, à qual se refere o Dr. Palomba.

Para evitar partir dos longínquos gregos, inicio apenas em 1889, quando o Congresso Internacional de Ciências Mentais, realizado em Paris, sob a coordenação de Morel, adotou uma classificação psiquiátrica de 11 categorias as quais "a maioria estava de acordo" e omitindo "aquelas que dividiam as opiniões" (Sadock e Sadock, 2005).

Em 1948, a Organização Mundial de Saúde, pela primeira vez, incluiu a classificação das doenças psiquiátricas, posteriormente revista pelo psiquiatra inglês Erwin Stengel, no intuito de alcançar aceitação mundial, sugerindo que todos os diagnósticos pudessem ser descritos operacionalmente, sem teorias etiológicas e de maneira a mais clara possível.

Essa posição marca todas as classificações posteriores e os glossários psiquiátricos, inclusive o Great Britain's Glosssary of Mental Disorders, de 1968, sob a direção de Aubrey Lewis, um nome que mereceria compor com os outros citados pelo Dr. Palomba.

Assim, embora muito distantes de serem definitivas (a ciência nunca o é) as atuais classificações incorporaram, ou tentaram, o melhor do conhecimento psiquiátrico legado de Bleuler, Kraepelin, Kurt Schneider e outros.

O que, talvez, possa ter se afogado são as idéias baseadas em doutrinas e livros-textos que não resistiram à verificação heurística.

Segundo, como é sobejamente conhecido várias doenças médicas produzem síndromes psiquiátricos, tais como, delirium, demência, ansiedade, depressão e alucinações entre outras, e as causas clínicas devem ser excluídas e a boa prática médica não pode prescindir dessa pesquisa em consonância com a história e o exame clínico.

Quanto à suposta primazia do resultado dos exames complementares sobre a clínica, não apenas em psiquiatria, mas em todas as especialidades médicas, louvada seja!

Sem essa possibilidade, o diagnóstico precoce e a prevenção de boa parte das doenças, antes que o mais acurado dos semiólogos as detectasse clinicamente, não ocorreria.

Por fim, o Dr. Palomba não economiza adjetivos para referir-se às escalas de avaliação clínica em Psiquiatria.

Cumpre recordar que, com fins epidemiológicos e de pesquisa clínica, os psiquiatras sempre tiveram enorme dificuldade em objetivar conceitos psicopatológicos e o uso de escalas encoraja essa possibilidade.

As escalas de avaliação psiquiátrica, introduzidas nos anos 1960, nunca foram vistas como um substituto ao diagnóstico, nem como a base única para uma decisão clínica.

A necessidade da construção de inventários e escalas é inalienável da discussão anterior sobre critérios operacionais e tem o objetivo de aumentar a concordância entre investigadores, seja lá que línguas falem, e possibilitar comparação de resultados.

Não é do escopo dessa resposta discutir os princípios teóricos, experimentais e estatísticos que norteiam a elaboração de escalas, nem a necessidade de preencher os critérios de confiabilidade e validade, mas gostaria de apontar algumas razões que são internacionalmente aceitas:

  • pesquisar e identificar indivíduos que necessitam de tratamento médico;

  • auxiliar no diagnóstico clínico;

  • avaliar aspectos clínicos que se encontram além do diagnóstico, como a intensidade dos sintomas;

  • monitorar efeitos positivos e negativos de tratamentos farmacológicos ou não;

  • razões administrativas de saúde pública e para avaliações forenses.

Finalmente, de maneira justa o Dr. Palomba teme a desumanização da prática clínica, entregue ao frio tecnicismo.

Creio, no entanto, que aqui não devemos incorrer em um erro de avaliação, a exemplo, do que ocorreu no início da Revolução Industrial, quando operários desempregados atacavam as máquinas, que supostamente haviam roubado seus empregos, sem perceber que seu real inimigo era outro.

Tenho certeza de que o Dr. Palomba comigo concorda que a desumanização da prática médica não tem no tomógrafo o seu principal vilão.

Referência bibliográfica

Sadock, B.J.; Sadock, V. - Comprehensive textbook of Psychiatry. 8th Ed. Lippincolt Williams & Wilkis, Philadelphia, 2005.

Recebido: 23/02/2005

  • Endereço para correspondência

    Ambulim-IPq-HC-FMUSP
    Rua Ovídio Pires de Campos, 785, 2º and
    05403-010 – São Paulo – SP
    Fone: (11) 3069-6975
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Jul 2005
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