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O tratamento de longo prazo está indicado para pacientes com doença de Alzheimer?

Long-term use of cholinesterase

CARTAS E PONTO DE VISTA

O tratamento de longo prazo está indicado para pacientes com doença de Alzheimer?

Long-term use of cholinesterase

Cássio Machado de Campos Bottino

Médico assistente e coordenador do Projeto Terceira Idade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (PROTER-IPq-HC-FMUSP), Professor de Pós-Graduação do Departamento de Psiquiatria da FMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência PROTER-IPq-HC-FMUSP Rua Ovídio Pires de Campos, 785 05403-010 – São Paulo – SP

O uso de drogas inibidoras da colinesterase (ChEIs) para o tratamento de pacientes com doença de Alzheimer (DA) leve a moderada começou com a utilização da tacrina, em meados da década de 1990. A segunda geração de medicamentos (donepezil, galantamina e rivastigmina) trouxe avanços em relação à tolerabilidade, tornando-se o padrão de tratamento atual para os pacientes com DA.

Para aprovar seu uso, os organismos reguladores internacionais (por exemplo, o FDA americano) exigem que sejam feitos dois ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos, controlados com placebo, com duração de seis meses e com medidas de eficácia primária que avaliem a cognição e a melhora clínica global.

Algumas metanálises investigaram a eficácia e a tolerabilidade dos ChEIs para tratar os pacientes com DA leve a moderada, como a publicada recentemente por Lanctôt et al. (2003). Nesta metanálise, os autores revisaram 16 estudos, nos quais 5.159 pacientes foram tratados com droga ativa (donepezil, galantamina ou rivastigmina) e 2.795 com placebo, por pelo menos, 12 semanas. A proporção média de respondedores (reposta global) aos ChEIs comparados aos pacientes tratados com placebo foi de 9% [IC 95% (6% – 12%)]. A taxa de eventos adversos dos pacientes tratados com droga ativa foi de 8% [IC 95% (5% – 11%)], comparada à taxa dos pacientes que receberam placebo. O ‘número necessário para tratar’ (NNT), para beneficiar um paciente adicional foi sete (IC 95% 6 – 9), para se obter estabilização ou melhora. Em resumo, o tratamento com ChEIs pode resultar em efeito terapêutico modesto, mas significativo; com NNT, para beneficiar um paciente adicional, pequenos; e taxas modestas, mas significativamente mais altas, de eventos adversos1.

Entretanto, quando a decisão envolve tratar os pacientes com DA por longo prazo, as evidências científicas são em número menor e com alguns resultados discordantes. Por exemplo, temos estudos publicados como o de Lopez et al. (2002), que retrospectivamente compararam 135 pacientes com DA tratados com ChEIs comparados com 135 pacientes que nunca haviam recebido ChEIs, pareados por idade, escolaridade, duração dos sintomas e desempenho cognitivo. Os pacientes tratados estavam melhores com relação ao desempenho cognitivo e funcional após um ano e o uso de ChEIs diminuiu o risco de admissão em casas de repouso. Em outro estudo, Geldmacher et al. (2003) relataram o seguimento de 671 pacientes com DA, que haviam participado de ensaios clínicos randomizados com donepezil. Os grupos para comparação foram definidos se os pacientes tivessem recebido uma dose efetiva de donepezil (> 5 mg/dia; > 80% de aderência) por determinado número de semanas, durante a fase duplo-cego, a fase aberta, em ambas, ou em nenhuma fase. Os resultados foram ajustados para idade, gênero, escore basal do Mini-Exame do Estado Mental (MEEM), se o cuidador era um cônjuge, continuidade do cuidado, e uso de outros ChEIs depois dos ensaios clínicos. Os resultados mostraram que a dose de donepezil 5 mg/dia, ou superior, estava associada a retardo significativo para internação em casas de repouso, sendo observada uma relação dose-resposta cumulativa. Quando o donepezil foi utilizado em dose efetiva por, pelo menos, nove a 12 meses, estimativas conservadoras apontaram o ganho de tempo de 17,5 meses para a institucionalização permanente em casas de repouso3.

Entretanto, em outro estudo publicado recentemente (AD2000) foram avaliados, prospectivamente, 565 pacientes com DA leve a moderada, que iniciaram um ensaio de 12 semanas, sendo randomicamente alocados para donepezil (5 mg/dia) ou placebo. Os 486 pacientes que completaram esta fase foram re-randomizados, em novo ensaio duplo-cego, para donepezil (5 ou 10 mg/dia) ou placebo, sendo acompanhados por até cinco anos. A cognição melhorou, em média, 0,8 pontos no MEEM (IC 95% 0,5 – 1,2; p < 0,0001), e o funcionamento nas atividades de vida diária (AVD) melhorou 1 ponto na escala Bristol de AVDs (0,5 – 1,6; p < 0,0001), com donepezil, nos primeiros dois anos. Por outro lado, não foram observados benefícios significativos com donepezil, em relação à institucionalização (42% versus 44%, em três anos) ou progressão da incapacidade (58% versus 59%, em três anos). O risco relativo (RR) de institucionalização no grupo tratado com droga ativa foi 0,97 (IC 95% 0,72 – 1,30) e o RR de progressão da incapacidade foi 0,96 (IC 95% 0,74 – 1,24). Os autores relataram ainda que, em relação a sintomas psicológicos e comportamentais, custos do cuidado formal, tempo do cuidador não remunerado, eventos adversos e mortes, não foram observadas diferenças entre os grupos de pacientes tratados com donepezil 5 e 10 mg, e placebo.

Como bem destacou Schneider (2004), em editorial comentando os resultados do estudo AD2000, esses achados de um estudo prospectivo, randomizado, feito sem o apoio da indústria farmacêutica contrapõem-se a resultados publicados anteriormente com ChEIs, especialmente aqueles citados anteriormente com o uso em longo prazo de donepezil. Enquanto não tivermos resultados de outros estudos de longo prazo, placebo-controlados; estudos de longo prazo, comparando os diferentes ChEIs existentes para uso clínico; e estudos publicados com os resultados dos ChEIs em sujeitos com comprometimento cognitivo leve (MCI).

A decisão sobre o tratamento de longo prazo dos pacientes com DA continuará sendo feita baseada na resposta individual do paciente e na experiência de seu médico.

Referências bibliográficas

COURTNEY, C.; FARRELL, D.; GRAY, R. et al.; AD2000 Collaborative Group. - Long-term donepezil treatment in 565 patients with Alzheimer’s disease (AD2000): randomised double-blind trial. Lancet 26;363(9427):2105-15, 2004.

GELDMACHER, D.S.; PROVENZANO, G.; MCRAE, T.; MASTEY, V.; IENI, J.R. - Donepezil is associated with delayed nursing home placeme)nt in patients with Alzheimer’s disease. J Am Geriatr Soc 51(7):937-44, 2003.

LANCTÔT, K.L.; HERRMANN, N.; YAU, K.K.; KHAN, L.R.; LIU, B.A.; LOULOU, M.M.; EINARSON, T.R. - Efficacy and safety of cholinesterase inhibitors in Alzheimer’s disease: a meta-analysis. CMAJ 16;169(6):557-64, 2003.

LOPEZ, O.L.; BECKER, J.T.; WISNIEWSKI, S.; SAXTON, J.; KAUFER, D.I.; DEKOSKY, S.T. - Cholinesterase inhibitor treatment alters the natural history of Alzheimer’s disease. J Neurol Neurosurg Psychiatry 72(3):310-4, 2002.

SCHNEIDER, L.S. - AD2000: donepezil in Alzheimer’s disease. Lancet 26;363(9427):2100-1, 2004.

Recebido: 13/07/2005 - Aceito: 25/07/2005

  • Endereço para correspondência

    PROTER-IPq-HC-FMUSP
    Rua Ovídio Pires de Campos, 785
    05403-010 – São Paulo – SP
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Fev 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005
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