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Psicoterapia psicanalítica breve

COMENTÁRIO DE LIVRO

Zacaria Borge Ali Ramadam

Professor-Associado do Departamento de Psiquiatria da FMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Instituto de Psiquiatria Rua Ovídeo Pires de Campos, 785 05403-010 – São Paulo – SP E-mail: zramadam@usp.br

Psicoterapia psicanalítica breve – Theodor Lowenkron, Editora Artmed, Porto Alegre, 2006

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a prática de psicoterapia breve requer muito boa formação, exaustivo treinamento e experiência do psicoterapeuta.

Freud, como pioneiro que foi, chegou a fazer algumas análises curtas de uns poucos pacientes, sobretudo ricos e famosos que, não residentes em Viena, lá permaneciam por breves temporadas, atraídos pelo prestígio e carisma do criador da Psicanálise.

Embora tenha, no princípio, apoiado iniciativas de alguns discípulos, como Rank e Ferenczi, no sentido de abreviar o processo analítico, o velho mestre, porém, nunca foi entusiasta desse tipo de trabalho, mostrando-se reservado e cético em relação a seus resultados.

É que, se por um lado a psicoterapia breve busca atender a pressões e demandas dos pacientes (sobretudo e, mais do que nunca, nos tempos atuais), por outro lado, a economia de tempo – e dinheiro – colide com alguns dos mais sólidos pilares do edifício psicanalítico.

Basta lembrar que um dos pontos mais polêmicos entre os psicanalistas ortodoxos e Jacques Lacan – que se tornou dissidente – foi sua proposta de modificar a duração (geralmente encurtando) das sessões de análise.

Com efeito, abreviar as sessões, e o número delas, significa introduzir uma pressão externa no processo de livre-associação e no fluxo natural do tempo interior do paciente. Afunilando o processo, é preciso que o analista seja muito experiente e sagaz para delimitar o foco, bem como adequar o momento e o conteúdo de suas intervenções. Sem tais cautelas, a psicoterapia pode tornar-se uma psicopedagogia de senso comum repleta de estereótipos e jargões psicologizantes, ou mesmo um processo de sugestão explícita, em que o paciente não elabora seus conflitos, não ganha autonomia, nem amadurece.

Por esses e muitos outros motivos técnicos e teóricos, os psicanalistas que trabalham com psicoterapia breve, cautelosamente, em geral, designam essa atividade como "psicoterapia psicodinâmica", indicando assim que, mesmo baseados na teoria, reservam o adjetivo "psicanalítico" para práticas mais ortodoxas.

No caso em pauta, o livro Psicoterapia psicanalítica breve revela, pelo título, que o autor não receia ser acusado de heresia, embora não seja o primeiro a usar tal expressão.

Prof. Lowenkron é altamente qualificado: além de membro efetivo da Sociedade de Psicanálise do Rio de Janeiro, é livre-docente e professor adjunto de Psiquiatria e Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFRJ, além de professor de Pós-Graduação Stricto Sensu da mesma Universidade. O livro originou-se de sua tese de doutorado, sob orientação de Prof. E. Portella Nunes, também psiquiatra e psicanalista, professor emérito daquela Universidade.

A obra foi bem acolhida pelo público interessado, porém suscita alguns comentários: a primeira parte (154 páginas) constitui uma extensa revisão histórica e atualização do tema, feita com profundidade e consistência, analisando os melhores e mais importantes textos publicados sobre o assunto, desde os primeiros escritos de Freud. Entretanto, apenas citou, em três parágrafos, alguns autores brasileiros, omitindo grande número deles. Contudo, esta é, talvez, a parte mais interessante da obra.

Ainda quanto às citações, muitos trabalhos escritos originalmente em alemão são citados ora pelo título em inglês, ora em castelhano, ou mesmo em português, dependendo da fonte consultada, porém nem sempre o leitor é avisado que se trata de tradução: isto se verifica particularmente em relação aos textos de Freud, Rank e Ferenczi, podendo confundir leitores menos informados.

Seguindo o modelo tradicional das teses acadêmicas, a segunda parte, que se inicia no capítulo 4, leva o título geral de "Apresentação e discussão de extrato da pesquisa de campo", em que são apresentadas transcrições dos diálogos de sessões videogravadas, feitas em ambulatório numa sala com espelho unidirecional, usada para o ensino de alunos de graduação em Medicina. Esse dispositivo (sala de espelho), que foi usado no Instituto de Psiquiatria da USP desde os tempos do Prof. Pacheco e Silva, tem escassa utilidade didática, posto que o paciente, por motivos éticos, deve ser informado e consentir a prática, o que torna a situação artificial, ansiogênica e estimuladora de núcleos paranóides, quer do paciente, quer do terapeuta.

As distorções daí decorrentes são de tal ordem que nenhum psicanalista nem pesquisadores mais rigorosos reconhecem a validade desse procedimento. Há controvérsias, porém a maioria das opiniões desaconselha o seu uso.

Apesar disso, muitos pacientes se sentem beneficiados, talvez pelo clima de interesse e acolhimento em relação a seus conflitos, engendrado durante o processo, permitindo abstrair a situação persecutória.

Nesse material transcrito, observa-se que numerosas intervenções do terapeuta têm caráter pedagógico (para os pacientes) e algumas contaminações do jargão psicanalítico; outras vezes o terapeuta parece tentar induzir o paciente a adotar "interpretações" que, no fundo, parecem clichês da teoria psicanalítica.

Isso não diminui a importância nem o valor do material apresentado, considerando-se as circunstâncias em que o trabalho se desenvolveu, cujas dificuldades não escaparam à argúcia de prof. Lowenkron.

Nas conclusões, o autor destaca a importância desse trabalho no ensino de graduação em Medicina e na residência e adverte sobre as limitações do método, reconhecendo suas diferenças com a psicanálise-padrão; justifica-se, porém, assinalando seu propósito de conjugar ensino e terapia.

O texto é bastante claro, de leitura agradável, sem preciosismos técnicos, de fácil entendimento para médicos generalistas e estudantes não iniciados em psicanálise.

Produto de árduo esforço para vencer os desafios de psicanalisar e ensinar – tarefas que Freud considerava muito difíceis –, o livro já obteve reconhecimento pleno dos leitores, visto que já se encontra em 2ª edição.

Recebido: 31/08/2006

Aceito: 01/09/2006

  • Endereço para correspondência:

    Instituto de Psiquiatria
    Rua Ovídeo Pires de Campos, 785
    05403-010 – São Paulo – SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Abr 2007
    • Data do Fascículo
      2007
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