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Tributo a Robert W. Kerwin (1955-2007)

EDITORIAL

Tributo a Robert W. Kerwin (1955-2007)

Geraldo Busatto Filho

Professor-associado do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Editor da área de artigos originais da Revista de Psiquiatria Clínica

Este texto tem o propósito de servir como tributo à importante contribuição prestada pelo cientista britânico Robert William Kerwin, falecido recentemente, à psiquiatria brasileira como um todo e, mais especificamente, ao Departamento e Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (IPQ-HC-FMUSP).

Na história da psiquiatria mundial do nosso tempo, Rob Kerwin será certamente lembrado como um dos maiores expoentes do movimento que levou, a partir da década de 1980, ao notável florescimento das aplicações das neurociências ao estudo da fisiopatologia e da terapêutica dos transtornos mentais, mediante o emprego das técnicas emergentes de biologia molecular, neuroimagem e várias outras.

No início da sua trajetória profissional na área médica, Rob Kerwin adquiriu uma sólida formação científica em farmacologia, incluindo um título de Ph.D. que lhe foi outorgado aos 25 anos pela Universidade de Bristol, em 1980. Já em 1988, Rob completou seu treinamento em psiquiatria no Maudsley Hospital da Universidade de Londres e, numa ascensão meteórica, alcançou dois anos mais tarde os postos de senior lecturer em Psiquiatria e Neurociências, no Instituto de Psiquiatria da Universidade de Londres, e de consultant psychiatrist, no Maudsley Hospital.

Foi nessa época, mais precisamente em abril de 1990, que Rob veio pela primeira vez ao Brasil. Tal visita fez parte de um programa de intercâmbio organizado pelos professores Valentim Gentil Filho e José Roberto de Albuquerque Fortes, por meio do qual foram financiadas, ao longo de cinco anos e com apoio do British Council e da Fapesp, visitas de cientistas britânicos a São Paulo e de profissionais do nosso IPQ-HC-FMUSP ao Instituto de Psiquiatria de Londres. Durante uma estada de quase 20 dias conosco, Rob ministrou com profundidade e didatismo cursos sobre Neuroquímica e Psicofarmacologia das Psicoses e discutiu inúmeros projetos de pesquisa com nossos profissionais, sempre com paciência e cortesia. Numa época em que as neurociências eram valorizadas de forma ainda muito tímida pelos psiquiatras brasileiros, a primeira visita de um psicofarmacologista de vanguarda como Rob teve grande impacto entre nós. Ele mesmo se mostrou tocado com a acolhida recebida e com o potencial de trocas entre os dois centros, comprometendo-se a incentivar o treinamento de nossos profissionais na aplicação de novas técnicas de neurociências às pesquisas em psiquiatria.

Segundo seu interesse em contribuir com o IPQ-HC-FMUSP, Rob Kerwin concedeu a mim e à Dra. Valéria Bigliani, ambos egressos do programa de residência médica em Psiquiatria, o privilégio de sermos supervisionados diretamente por ele em cursos de Ph.D. na Universidade de Londres. Ao longo de tal treinamento, ficou claro que Rob estava cioso da importância de encaminhar ao Brasil psiquiatras preparados para atuar independentemente em áreas de pesquisa ainda pouco exploradas em nosso país. Assim, a orientação dada por ele transcendeu os limites da simples elaboração das nossas teses e instigou-nos a retornar ávidos por e confiantes em inaugurar novos campos de pesquisa, empenhados em contribuir para a assimilação em nosso meio de dois hábitos fundamentais: o de produzir, com regularidade, artigos para publicação em periódicos internacionais de impacto, reportando os resultados de nossas pesquisas, e o de obter verbas, aqui e no exterior, para garantir a continuidade do financiamento dos nossos estudos.

Em Londres, nos anos que se seguiram, Rob continuou liderando um grupo altamente produtivo de pesquisadores dedicados à aplicação de técnicas de neuroimagem funcional, genética, biologia molecular e neuroquímica post-mortem ao estudo de diferentes categorias de transtornos mentais. As contribuições acadêmico-científicas de Rob à frente desse grupo levaram-no a conquistar, com pouco mais de 40 anos, duas posições de grande prestígio: a de titular da cadeira de Neurofarmacologia Clínica no Instituto de Psiquiatria e a de chefe do Departamento de Farmacologia Clínica do Kings College School of Medicine and Dentistry da Universidade de Londres.

Depois de sua memorável passagem pelo Brasil em 1990, Rob ainda visitou nosso país três outras vezes, atendendo a convites para participar de congressos aqui organizados. Na última dessas ocasiões, em abril de 2002, Rob estava lutando para recuperar sua melhor forma física, mas fez questão de honrar seu compromisso de comparecer às celebrações do cinqüentenário do nosso IPQ-HC-FMUSP, ministrando a palestra de abertura do ciclo de conferências celebrado ao longo desse ano.

Tendo acompanhado a trajetória brilhante de Rob Kerwin e usufruído dos seus ensinamentos ao longo de vários anos, fui testemunha de que o peso das responsabilidades advindas do seu sucesso profissional nunca obscureceu seu entusiasmo científico, sua generosidade, seu apreço pelos jovens em início de carreira e seu foco certeiro sobre as pesquisas com maior potencial prático para aliviar o sofrimento dos portadores de transtornos mentais. Essas qualidades fizeram de Rob um grande cientista e um grande homem, e é por esses atributos que ele será lembrado sempre com enorme estima, admiração e gratidão em nossa instituição.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Ago 2007
  • Data do Fascículo
    2007
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