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O uso de biomarcadores no líquido cefalorraquidiano no diagnóstico precoce da doença de Alzheimer

CSF biomarkers in the early diagnosis of Alzheimer’s disease

ATUALIZAÇÃO RÁPIDA

O uso de biomarcadores no líquido cefalorraquidiano no diagnóstico precoce da doença de Alzheimer

CSF biomarkers in the early diagnosis of Alzheimer’s disease

Breno Satler de Oliveira DinizI; Orestes Vicente ForlenzaII

IPsiquiatra e médico pesquisador do Ambulatório de Psicogeriatria – LIM 27 do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IP-HC-FMUSP)

IIPsiquiatra e doutor em Medicina pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade de São Paulo. Coordenador do Ambulatório de Psicogeriatria – LIM-27 do IP-HC-FMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Orestes Vicente Forlenza Laboratório de Neurociências – LIM 27 do IP-FMUSP Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, 785, 3º andar 05403-010– São Paulo, SP E-mail: forlenza@usp.br

Cem anos após a sua caracterização clínica e patológica por Alois Alzheimer, o diagnóstico precoce da doença de Alzheimer (DA) continua a representar um importante desafio na prática médica. Como decorrência do envelhecimento populacional, as estimativas de crescimento da prevalência de DA nas próximas décadas apontam para proporções epidêmicas em escala mundial. Esse cenário só poderá ser modificado com o advento de terapêuticas capazes de prevenir ou modificar a história natural da doença, bloqueando suas principais cascatas patogênicas. É o caso das terapias antiamilóides e das drogas que impedem a hiperfosforilação da proteína Tau, eventos patogênicos ligados, respectivamente, à formação das placas senis e dos emaranhados neurofibrilares.

Um impasse contemporâneo é diferenciar as alterações cognitivas próprias do envelhecimento normal das manifestações das fases iniciais dos transtornos demenciais, particularmente DA. Entre diversas propostas conceituais, destaca-se o comprometimento cognitivo leve (CCL) (Petersen et al., 1999). Embora o CCL seja uma categoria heterogênea do ponto de vista do prognóstico, nela se encontram os indivíduos com alto risco de evoluírem para demência nos anos subseqüentes a esse diagnóstico. Por essa razão, o CCL tem recebido grande destaque nas pesquisas que envolvem as manifestações pré-clínicas da DA (Petersen, 2003).

A caracterização do CCL é um procedimento clínico complexo, que depende da avaliação do desempenho do paciente em testes neuropsicológicos, devidamente aferidos segundo a faixa etária e o nível de instrução dos pacientes. Não obstante estar associada a risco aumentado para uma ulterior deterioração cognitiva, a caracterização do CCL não é sinônimo de DA prodrômica nem incipiente: uma proporção significativa dos pacientes com CCL retorna à função cognitiva normal na evolução, enquanto outros se mantêm estáveis nos seus déficits, não evoluindo para demência.

Nesse contexto, justifica-se a pesquisa de biomarcadores para o diagnóstico precoce da DA. Os biomarcadores com maior potencial de aplicação clínica no futuro próximo, determinados no líquido cefalorraquidiano (LCR), são os títulos do peptídeo beta-amilóide (Ab42) e da proteína Tau (total e fosforilada). Nos pacientes com DA, observam-se diminuição dos níveis de Ab42 e aumento dos títulos de Tau total e fosfo-Tau, em relação aos idosos cognitivamente normais. A combinação dessa análise laboratorial com o diagnóstico clínico demonstrou boa sensibilidade e especificidade para identificar, entre os indivíduos com CCL, aqueles que evoluirão para DA (Hansson et al., 2006). Em outras palavras, os pacientes que preenchiam os critérios diagnósticos para CCL na avaliação inicial e que apresentavam uma combinação desfavorável desses biomarcadores no LCR (isto é, níveis baixos de Ab42 e níveis elevados de Tau total e fosfo-Tau) apresentaram risco 17 vezes maior de desenvolver DA do que aqueles que não tinham alterações nos níveis dessas proteínas no liquor. Além disso, a combinação desses três diferentes marcadores mostrou-se mais sensível para predizer a evolução para DA que cada um isoladamente. Achados semelhantes foram constatados por outros autores (Herukka et al., 2007). Bouwman et al. (2006) demonstraram que a combinação do uso desses marcadores liquóricos de DA com a avaliação estrutural do SNC, especialmente volumetria de hipocampo, é ainda melhor que cada avaliação isoladamente, na busca de fatores preditivos da conversão do CCL para DA.

Por outro lado, esses marcadores liquóricos têm menor poder de discriminar entre os diferentes quadros demenciais (Blennow e Hampel, 2003). Além disso, sua aplicabilidade na rotina clínica de avaliação de quadros cognitivos depara-se com a necessidade de punção lombar para a coleta do LCR. Há também questões metodológicas inerentes aos procedimentos laboratoriais para a dosagem dessas proteínas. Dentro de uma mesma categoria diagnóstica (por exemplo, DA), há variabilidade de resultados (isto é, dos títulos dos marcadores), de acordo com os diferentes protocolos utilizados para a realização do exame. Isso dificulta a generalização dos achados e o estabelecimento dos pontos de corte (Lewczuck et al., 2006). A introdução de novas tecnologias para dosar essas proteínas pode ajudar a diminuir tais dificuldades. Entre elas, a tecnologia xMAP-Luminex (Olsson et al., 2005), que permite a determinação simultânea de vários biomarcadores em uma mesma amostra, com excelente sensibilidade de detecção, e que está disponível no Laboratório de Neurociências – LIM 27 do Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo desde abril de 2007.

Referências

Blennow, K.; Hampel, H. CSF markers for incipient Alzheimer’s disease. Lancet Neurol 2: 605-613, 2003.

Bouwman, F.H. et al. CSF biomarkers and medial temporal lobe atrophy predict dementia in mild cognitive impairment. Neubiol Aging 2006: doi: 10.1016/j.neurobiolaging.2006.05.006.

Hansson, O. et al. Association between CSF biomarkers and incipient Alzheimer’s disease in patients with mild cognitive impairment: a follow-up study. Lancet Neurol 5: 228-234, 2006.

Herukka, S.K. et al. CSF Ab42, Tau and phosphorylated Tau, APOE e4 allele and MCI type in progressive MCI. Neubiol Aging 28: 507-514, 2007.

Lewczuck, P. et al. International quality control survey of neurochemical dementia diagnostics. Neurosci Lett 409:1-4, 2006.

Olsson, A. et al. Simultaneous measurement of b-amyloid(1-42), Total Tau, and Phosphorylated Tau (Thr181) in cerebrospinal fluid by the xMAP techonology. Clin Chemistry 51: 336-345, 2005.

Petersen, R.C. Conceptual overview. In: Petersen, R.C., editor. Mild cognitive impairment. Aging to Alzheimer’s disease. Oxford University Press, Inc, New York, pp. 1-14, 2003.

Petersen, R.C. et al. Mild cognitive impairment: clinical characterization and outcome. Arch Neurol 56:303-308, 1999.

Recebido: 03/04/2007

Aceito: 13/04/2007

  • Endereço para correspondência:

    Orestes Vicente Forlenza
    Laboratório de Neurociências – LIM 27 do IP-FMUSP
    Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, 785, 3º andar
    05403-010– São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Ago 2007
    • Data do Fascículo
      2007
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