Acessibilidade / Reportar erro

Tabagismo: dos fundamentos ao tratamento

COMENTÁRIO DE LIVRO

Tabagismo: dos fundamentos ao tratamento – Focchi G.R.A., Malbergier A., Ferreira M.P. Lemos Editorial, São Paulo, 2006

Zacaria Borge Ali Ramadam

Professor-associado do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Instituto de Psiquiatria Zacaria Borge Ali Ramadam Rua Ovídeo Pires de Campos, 785 05403-010 – São Paulo – SP E-mail: zramadam@usp.br

Até duas décadas atrás, numerosos hábitos e comportamentos eram tidos como corriqueiros e sequer despertavam interesse entre os profissionais de saúde; entre eles, o tabagismo, que era considerado "um vício elegante".

Filmes clássicos, até os anos 1970, exibiam personagens (homens e mulheres) fumando voluptuosamente, em cenas mais dramáticas.

À exceção do alcoolismo e das chamadas "drogas pesadas", praticamente não existiam pesquisas sobre dependências. Tal panorama mudou radicalmente e, como dizem os autores desse livro, hoje "o tabagismo constitui grave problema de saúde pública em todo o mundo".

Lenta e progressivamente, patologias respiratórias, vasculares, oncológicas e muitas outras foram sendo relacionadas ao tabagismo que, de elegante, vai se tornando inimigo público em vários países.

É verdade que o tabagismo não é indutor de crimes ou condutas anti-sociais, como sói acontecer com o álcool e outras substâncias psicoativas.

Ele é letal, sobretudo, para o dependente. Essa particularidade talvez explique por que tão poucos livros são dedicados ao assunto.

Na literatura médica especializada, é imenso o número de artigos, de todas as especialidades, apontando o tabagismo como fator principal de muitas patologias; contudo, pouco se publica sobre o tabagismo em si, seus mecanismos e tratamentos possíveis.

Por outro lado, convive-se com um grande paradoxo: se, em muitos lugares, o tabagismo vem sendo encarado como inimigo visceral – em todos os sentidos – em diversos países postula-se a descriminalização das "drogas pesadas" a pretexto de facilitar o controle governamental, reduzir o tráfico e a criminalidade conexa.

O argumento é falacioso: produtos absolutamente legais, como pedras preciosas ou petróleo, têm mercados paralelos e alimentam redes subterrâneas de tráfico, ensejando crimes comuns e, sobretudo, poderosa corrupção em altas esferas governamentais de países importantes, longe da alçada do aparelho policial ordinário. Da experiência brasileira, basta lembrar o contrabando de uísque e cigarros "paraguaios" ou dos brinquedos e eletrônicos made in China, todos produtos de consumo livre de sanções penais.

Esses e outros aspectos permitem concluir que o tabagismo, mesmo considerado "um problema de saúde pública em todo o mundo", está longe de ser solucionado e não comporta soluções simplistas, tais como interdições ou proibições rigorosas, posto que envolve lucros financeiros de proporções gigantescas.

Os três primeiros capítulos do livro – Aspectos históricos do tabaco, Aspectos epidemiológicos do tabagismo e Controle do tabagismo – são ricos de informações e dados relevantes, que, no entanto, podem reforçar o ceticismo do leitor em relação ao problema.

Os capítulos referentes ao tratamento, em que pese o otimismo dos autores, mostram que, de todas as drogas psicoativas, a dependência do tabaco é, talvez, a mais difícil de ser estancada.

Tratar de dependentes químicos é tarefa semelhante ao sacrifício de Sísifo, herói da mitologia grega ou, conforme a metáfora popular, é como "enxugar gelo".

Não obstante, os autores, com base na sua experiência e excelente revisão da literatura recente, apresentam modelos e estratégias de tratamento bastante promissoras.

O aspecto preventivo também foi devidamente considerado pelos autores; como se sabe, o período da adolescência constitui a "janela" de maior vulnerabilidade para ingressar no tabagismo.

Comparativamente, é irrisório o número dos que adquirem a dependência após a idade adulta. Embora o livro seja bastante abrangente, observamos uma ênfase nos aspectos neuroquímicos da dependência; porém, uma lacuna importante, a ser preenchida nas próximas edições, seria um capítulo a respeito dos aspectos psicológicos, culturais e ritualísticos do hábito de fumar.

Sabe-se que não basta a química para produzir a dependência: o primeiro cigarro é quase sempre visto como um passaporte para ingresso na vida adulta ou símbolo de liberdade; tempos houve em que simbolizava também a masculinidade.

A marca do cigarro, a configuração do maço, o desenho, o uso dos fósforos ou isqueiros (desde os rudimentares e apenas funcionais, até alguns artísticos e sofisticados); o momento e a "pose" ao acender o cigarro, a contemplação do halo de fumaça, a dissipação momentânea da ansiedade em situações difíceis, enfim, um conjunto de elementos aparentemente pequenos e irrelevantes contribui para a estruturação e a manutenção da dependência, quase tanto quanto os fatores neuroquímicos, já que se mesclam à personalidade do fumante.

Esses aspectos estão apenas insinuados e dispersos entre os vários capítulos da obra.

Os autores são profissionais renomados, com vasta experiência e elevada titulação acadêmica na Universidade de São Paulo e, com notável didática, produziram um texto de leitura agradável (apesar dos dados assustadores!) e fácil até para leigos, excetuando-se alguns capítulos mais técnicos.

Trata-se de um livro atual e indispensável para psiquiatras e médicos em geral, fumantes ou não fumantes.

Recebido: 29/03/2007

Aceito: 02/04/2007

  • Endereço para correspondência:

    Instituto de Psiquiatria
    Zacaria Borge Ali Ramadam
    Rua Ovídeo Pires de Campos, 785
    05403-010 – São Paulo – SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      2008
    Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Rua Ovídio Pires de Campos, 785 , 05403-010 São Paulo SP Brasil, Tel./Fax: +55 11 2661-8011 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: archives@usp.br