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Depressão, antidepressivos e sistema imune: um novo olhar sobre um velho problema

Depression, antidepressants and immune system: a new look to an old problem

Resumos

CONTEXTO: A hipótese monoaminérgica da depressão não responde a uma série de questões, tais como "quais as causas dos distúrbios monoaminérgicos?" e "como explicar uma taxa de 30% de refratariedade aos antidepressivos?". Sendo assim, outras teorias têm sido propostas, entre elas, aquelas que enfocam as participações dos sistemas imune e endócrino. OBJETIVOS: Analisar criticamente o papel do sistema de resposta imunoinflamatória na depressão e discutir a interação dos antidepressivos com esse sistema, tanto do ponto de vista básico como clínico. MÉTODOS: Realizou-se pesquisa bibliográfica utilizando-se as bases de dados MedLine e SciELO. RESULTADOS: Pacientes vítimas de estresse crônico e depressão apresentam ativação das respostas imunoinflamatórias e do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, os quais, direta ou indiretamente, influenciam a neurotransmissão. Nesse sentido, a utilização de antidepressivos não apenas aumenta a disponibilidade de neurotransmissores na fenda sináptica, mas também induz mudança do padrão de resposta imune Th1 - pró-inflamatório - para o Th2, que é antiinflamatório. Além disso, sabe-se que pacientes não responsivos aos antidepressivos possuem o sistema imuneinflamatório mais ativo. No entanto, há uma série de dados controversos na literatura, havendo indícios de um perfil imune diferente de acordo com o tipo de depressão. CONCLUSÕES: A compreensão de aspectos neuroimunes presentes na depressão poderia contribuir para um melhor entendimento das bases biológicas desse transtorno e, possivelmente, para novas perspectivas na busca de uma terapêutica mais efetiva.

Depressão; inflamação; citocinas; eixo HHA; estresse


BACKGROUND: The monoaminergic hypothesis of depression does not answer certain questions, such as "what are the causes of the monoaminergic disturbances?" and "how to explain the existence of 30% refractory patients to antidepressants?". Therefore, other theories have emerged, such as those focusing on the immune and endocrine systems. OBJECTIVES: To analyze the role of the immune-inflammatory system on depression and, furthermore, the interactions between antidepressants and this system, from basic and clinical points of view. METHODS: Literature review was carried out in the MedLine and SciELO databases. Patients suffering of chronic stress and depression present an activation of both inflammatory responses and hypothalamic-pituitary-adrenal axis, which, directly or indirectly, influence neurotransmission. Therefore, the use of antidepressants not only increases the availability of neurotransmitters in the synaptic cleft, but also changes the pattern of Th1 immune response - pro-inflammatory - to the Th2, which is antiinflammatory. Moreover, it is known that patients who do not respond to antidepressant treatment have hyperactive immune-inflammatory response system. However, there are several controversies in the literature, and evidences suggest a different immune profile according to the type of depression. DISCUSSION: The understanding of the neuroimmune aspects of depression might contribute to a better comprehension of the biological basis of this disorder and, therefore, to a new perspective in the search for a more effective therapy.

Depression; inflammation; cytokines; HPA axis; stress


REVISÃO DA LITERATURA

Depressão, antidepressivos e sistema imune: um novo olhar sobre um velho problema

Depression, antidepressants and immune system: a new look to an old problem

Luciana VismariI; Glaucie Jussilane AlvesII; João Palermo-NetoIII

IDoutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Neurociências e Comportamento do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (NeC-IP/USP)

IIDoutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Patologia Experimental e Comparada do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (VPT-FMVZ/USP)

IIIProfessor livre-docente titular do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (VPT-FMVZ/USP)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: João Palermo-Neto Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo Av. Prof. Dr. Orlando Marques de Paiva, 87 – Cidade Universitária 05508-270 – São Paulo, SP E-mail: jpalermo@usp.br

RESUMO

CONTEXTO: A hipótese monoaminérgica da depressão não responde a uma série de questões, tais como "quais as causas dos distúrbios monoaminérgicos?" e "como explicar uma taxa de 30% de refratariedade aos antidepressivos?". Sendo assim, outras teorias têm sido propostas, entre elas, aquelas que enfocam as participações dos sistemas imune e endócrino.

OBJETIVOS: Analisar criticamente o papel do sistema de resposta imunoinflamatória na depressão e discutir a interação dos antidepressivos com esse sistema, tanto do ponto de vista básico como clínico.

MÉTODOS: Realizou-se pesquisa bibliográfica utilizando-se as bases de dados MedLine e SciELO.

RESULTADOS: Pacientes vítimas de estresse crônico e depressão apresentam ativação das respostas imunoinflamatórias e do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, os quais, direta ou indiretamente, influenciam a neurotransmissão. Nesse sentido, a utilização de antidepressivos não apenas aumenta a disponibilidade de neurotransmissores na fenda sináptica, mas também induz mudança do padrão de resposta imune Th1 – pró-inflamatório – para o Th2, que é antiinflamatório. Além disso, sabe-se que pacientes não responsivos aos antidepressivos possuem o sistema imuneinflamatório mais ativo. No entanto, há uma série de dados controversos na literatura, havendo indícios de um perfil imune diferente de acordo com o tipo de depressão.

CONCLUSÕES: A compreensão de aspectos neuroimunes presentes na depressão poderia contribuir para um melhor entendimento das bases biológicas desse transtorno e, possivelmente, para novas perspectivas na busca de uma terapêutica mais efetiva.

Palavras-chave: Depressão, inflamação, citocinas, eixo HHA, estresse.

ABSTRACT

BACKGROUND: The monoaminergic hypothesis of depression does not answer certain questions, such as "what are the causes of the monoaminergic disturbances?" and "how to explain the existence of 30% refractory patients to antidepressants?". Therefore, other theories have emerged, such as those focusing on the immune and endocrine systems.

OBJECTIVES: To analyze the role of the immune-inflammatory system on depression and, furthermore, the interactions between antidepressants and this system, from basic and clinical points of view.

METHODS: Literature review was carried out in the MedLine and SciELO databases.

Patients suffering of chronic stress and depression present an activation of both inflammatory responses and hypothalamic-pituitary-adrenal axis, which, directly or indirectly, influence neurotransmission. Therefore, the use of antidepressants not only increases the availability of neurotransmitters in the synaptic cleft, but also changes the pattern of Th1 immune response – pro-inflammatory – to the Th2, which is antiinflammatory. Moreover, it is known that patients who do not respond to antidepressant treatment have hyperactive immune-inflammatory response system. However, there are several controversies in the literature, and evidences suggest a different immune profile according to the type of depression.

DISCUSSION: The understanding of the neuroimmune aspects of depression might contribute to a better comprehension of the biological basis of this disorder and, therefore, to a new perspective in the search for a more effective therapy.

Key-words: Depression, inflammation, cytokines, HPA axis, stress.

Introdução

Bases biológicas dos transtornos depressivos

Os transtornos de humor são desordens psiquiátricas em que há um predomínio de alterações de humor e sintomas vegetativos associados (mudanças no apetite, libido, sono, peso), que perduram por semanas a meses. Entre os transtornos de humor, encontram-se aqueles em que predominam sintomas de tristeza e anedonia (depressão) e aqueles em que há excitação e euforia (mania).

Na depressão, segundo os critérios diagnósticos do episódio depressivo maior pelo DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders)1, deve haver obrigatoriamente presença de humor depressivo ou perda de interesse ou prazer durante pelo menos duas semanas, além de uma série de outros sintomas relacionados, tais como alterações psicomotoras e de sono, redução no grau de concentração, variação de peso corporal e perda de energia.

Por mais de três décadas, as bases biológicas dos transtornos depressivos têm sido explicadas por meio da hipótese monoaminérgica da depressão. Essa teoria propõe que a depressão seja conseqüência de uma menor disponibilidade de aminas biogênicas cerebrais, em particular de serotonina, noradrenalina e/ou dopamina. Tal proposição é reforçada pelo conhecimento do mecanismo de ação dos antidepressivos, que se baseia, principalmente, no aumento da disponibilidade desses neurotransmissores na fenda sináptica, seja pela inibição (seletiva ou não) de suas recaptações, seja pela inibição da enzima responsável por suas degradações (inibidores da monoaminoxidase)2,3.

No entanto, apesar de muitos estudos nesta e em outras direções, a etiologia da depressão permanece ainda incerta. Assim, além da teoria monoaminérgica de depressão e de todos os seus desdobramentos (cascatas de sinalização intracelular, modulação da expressão dos genes, participação de fatores neurotróficos, tais como o BDNF), estão sendo discutidas, nos dias atuais, outras hipóteses; entre estas, ganha destaque aquela que enfoca a participação dos sistemas endócrino e imune4,5.

A depressão maior é conhecida por ser acompanhada de uma ativação das respostas imunoinflamatórias. Pacientes com depressão maior apresentam aumento no número de leucócitos sangüíneos periféricos, incremento da razão CD4+/CD8+, elevação na concentração plasmática de proteínas de fase aguda, como a haptoglobina e a proteína C reativa, diminuição na resposta celular a mitógenos, redução do número de linfócitos e da atividade de células NK, alteração na expressão de antígenos, além de um aumento nos níveis sangüíneos de citocinas pró-inflamatórias e seus receptores, tais como IL-6 e IL-23,6. Logo, tem-se sugerido que o aumento na produção de citocinas pró-inflamatórias e um desbalanço na resposta Th1/Th2 poderiam desempenhar um papel relevante na fisiopatologia da depressão.

Em função desses achados, diversas teorias têm implicado a depressão como um fenômeno psiconeuroimunológico. Essas incluem desde modelos ligados ao sistema imunoinflamatório, passando pela hipótese citocinérgica da depressão, até a chamada teoria macrofágica7. Todas essas teorias se baseiam na idéia de que o aumento na produção de citocinas pró-inflamatórias observado na depressão resultaria nos sintomas a ela relacionados, isto é, a depressão seria um tipo especial de "comportamento doentio". Nesse sentido, as citocinas pró-inflamatórias atuariam como neuromoduladores, mediando os aspectos neuroquímicos, neuroendócrinos e comportamentais dos transtornos depressivos8-11.

O impulso inicial para o estudo das relações entre o sistema imune e o sistema nervoso central (SNC) advém de trabalhos clínicos que mostraram que estados físicos e psicológicos de humanos, tais como períodos que antecedem as provas, problemas em família, luto e desemprego, estão intimamente ligados à atividade de neutrófilos e macrófagos, e, entre outros, à redução na atividade de células natural killer (NK) e na resposta de linfócitos a mitógenos12,13. Nesse sentido, Palermo-Neto et al.14 submeteram camundongos adultos às seguintes condições: choque escapável (ES), choque inescapável (IS) ou estresse psicológico (PS) produzido por meio de uma caixa de comunicação, na qual o animal era exposto apenas às respostas produzidas pelo grupo IS ante um choque. Os resultados mostraram altos níveis de estresse nos animais que receberam o choque inescapável e naqueles que passaram pelo estresse psicológico, com diminuição da atividade macrofágica (espraiamento e fagocitose) e redução da resistência orgânica ao crescimento do tumor ascítico de Ehrlich.

O eixo neuroendócrino estudado na depressão é o hipotálamo-hipófise-adrenais (HHA) e sua conexão com estruturas do sistema límbico, como o hipocampo e a amígdala. Sabe-se que na vigência de situações de estresse crônico, assim como na depressão maior, ocorrem maior liberação de CRH e mais estimulação de estruturas do locus coeruleus, com ativação do sistema nervoso simpático15. As catecolaminas liberadas modulam uma série de atividades das células imunes, tais como proliferação de linfócitos e produção de citocinas e anticorpos16. Além disso, relataram-se, nessas condições, estimulação do núcleo dorsal da rafe com aumento do turnover de serotonina no hipotálamo, ambos já relacionados a alguns dos sintomas de ansiedade. Por outro lado e em contrapartida, reconhece-se que algumas citocinas pró-inflamatórias sejam potentes ativadores do eixo HHA10. A liberação de hormônio de liberação de corticotropina (CRH) por elas também ativa regiões do SNC, em especial o eixo HHA, com liberação de glicocorticóides, os quais diminuem a atividade de células NK e a proliferação de linfócitos17.

Métodos

Realizou-se pesquisa bibliográfica utilizando-se as bases de dados MedLine e SciELO. Os termos de busca empregados foram depression, antidepressants, immune, immunity, physiopathology, inflammation, monoamines, cytokine, proinflammatory, Th1, Th2, HPA axis, arachidonic acid, stress, animal, human. Selecionaram-se artigos de revisão e trabalhos realizados com animais e humanos que abordaram o tema principal proposto no título. Após a seleção dos artigos, avaliaram-se as citações bibliográficas deles a fim de identificar os textos de maior relevância e que, eventualmente, não tivessem aparecido no levantamento anterior. Os resultados desse levantamento foram subdivididos para apresentação em duas partes: I. O sistema imunoinflamatório na depressão; II. Antidepressivos e o sistema imunoinflamatório: aspectos básicos e clínicos.

Resultados

Sistema Imunoinflamatório na depressão

As citocinas são proteínas hidrofílicas de baixo peso molecular ou glicoproteínas que participam da comunicação não apenas entre células do sistema imunológico, como se pensava inicialmente, mas também de outras localizadas nos sistemas nervoso e endócrino. A principal produção de citocinas se faz por células do sistema imune periférico, as quais podem adentrar no cérebro através de regiões onde a barreira hematoencefálica está ausente (ex.: órgãos circunventriculares), menos restritiva, como na eminência mediana ou em situações onde esteja comprometida (ex.: esclerose múltipla). Existem, também, sistemas transportadores para citocinas, além de liberação de citocinas pró-inflamatórias por neurônios e células da glia dentro do próprio SNC, como no hipotálamo, hipocampo, núcleos da base, entre outros locais, com a presença de receptores funcionalmente ativos para citocinas em neurônios dessas regiões18-20. Está se tornando cada vez mais claro que os compartimentos centrais e periféricos atuam de forma integrada e, também, que a produção de citocinas passa pelo controle tônico dos sistemas nervosos central e periférico, já que as células imunes apresentam receptores para diversos neurotransmissores, e a ativação desses modula a produção de citocinas20.

Influência do SNC sobre o sistema imune

Uma ativação do sistema de estresse e, conseqüentemente, do sistema nervoso simpático está ligada à liberação de citocinas pró-inflamatórias, como a de IL-6. Por sua vez, desregulação no balanço citocinérgico poderia induzir sintomas depressivos, já que parecem mediar a síndrome do comportamento doentio em humanos e animais, caracterizada por alterações no sono, apetite, atividade, humor, energia e sociabilização. O processo de perda neuronal encontrado em áreas cerebrais específicas de pacientes deprimidos parece correlacionar-se positivamente com alterações no balanço de citocinas inflamatórias na periferia3,13,20. As citocinas também seriam capazes de ativar astrócitos e micróglia, que, por sua vez, produziriam citocinas por mecanismos de feedback18.

Estressores físicos, fisiológicos e psicológicos induzem alterações hormonais e nas vias de neurotransmissão, que podem influenciar a função imune in vivo e in vitro. Zorrila et al.21 constataram leucocitose, redução na contagem de células NK e outras alterações imunes em quadros tanto de depressão maior como em situações de estresse agudo. Alves et al.22 também verificaram experimentalmente a influência de estressores psicólogicos sobre parâmetros imunológicos. Camundongos estressados pela convivência por 11 dias com outro animal da mesma espécie inoculado com tumor de Ehrlich apresentaram diminuição no burst oxidativo e na porcentagem e intensidade de fagocitose de neutrófilos, além de diminuição nos níveis e aumento no turnover de noradrenalina hipotalâmica.

Influência do sistema imune sobre o SNC: participação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal

Várias citocinas pró-inflamatórias são conhecidas pela capacidade que têm de ativar o eixo HHA. Evidências apontam que a hipersecreção de glicocorticóides e de citocinas pró-inflamatórias levaria a um prejuízo na neurotransmissão noradrenérgica e serotonérgica cerebral, alterações estas que se refletiriam em alguns dos sintomas da depressão3,7,10. Sabe-se, também, que a expressão dos receptores 5-HT1A encontra-se sob influência de inibição tônica dos esteróides adrenais no hipocampo, enquanto a expressão de receptores 5-HT2A encontra-se aumentada em situações de estresse crônico15.

Nesse sentido, uma elevação prolongada dos níveis de glicocorticóides, como acontece no estresse crônico e na depressão, levaria à dessensibilização de seus receptores centrais e, provavelmente, dos macrofágicos, o que poderia justificar as diversas alterações imunes já descritas em quadros depressivos. Paralelamente, a exposição prolongada aos hormônios glicocorticóides também seria capaz de reduzir os níveis de noradrenalina no locus coeruleus, correlacionando, dessa forma, o estresse à depressão23.

Há uma série de evidências sobre o papel do CRH liberado pela amígdala na mediação das respostas comportamentais ao estresse, e a elevação nos níveis de IL-6 dentro do sistema nervoso central pode estimular diretamente a produção e secreção de CRH por estruturas límbicas como a amígdala, promovendo alterações comportamentais24. O CRH, por sua vez, ativa macrófagos, monócitos, micróglia e astrócitos para liberarem citocinas pró-inflamatórias15.

Vários mecanismos têm sido propostos para explicar a influência das citocinas pró-inflamatórias na neurotransmissão. Entre eles, estão aqueles ligados à capacidade das citocinas pró-inflamatórias de reduzir a disponibilidade de triptofano para a síntese de serotonina. Uma teoria sugere que as citocinas pró-inflamatórias estariam implicadas na estimulação de aminoácidos que competem com o triptofano pela recaptação dentro do SNC. Outro mecanismo proposto é o de que essas citocinas reduziriam a quantidade do triptofano disponível via ativação da enzima indolamina-2,3-dioxigenase (IDO). Tal enzima converte o triptofano em quinurenina e ácido quinolínico, este último uma substância neurotóxica implicada em transtornos neurodegenerativos e cuja via resulta na produção de metabólitos neurotóxicos presentes em indivíduos deprimidos. O ácido quinolínico é também um agonista de receptores NMDA que prejudica o feedback negativo de glicocorticóides e causa atrofia hipocampal e perda de receptores glicocorticóides15,17,19,25.

Ou seja, em indivíduos deprimidos, haveria aumento nas concentrações de citocinas pró-inflamatórias, o que levaria à ativação da enzima IDO, com conseqüente redução na disponibilidade de serotonina e aumento na liberação de glutamato no estriado e no córtex. Essa hipótese, portanto, une as teorias monoaminérgica e citocinérgica da depressão.

Os resultados das investigações sobre o papel do triptofano em transtornos psiquiátricos, no entanto, são bastante controversos. No histórico desses estudos, já se testou tal substância como antidepressivo, não havendo consenso sobre sua eficácia26. Mais recentemente, pacientes em quadro agudo de mania foram randomizados em dois grupos, que receberam durante 7 dias 1.000 mg/dia de valproato de sódio. Um dos grupos passou por uma rápida depleção de triptofano durante esse período, por meio da administração de uma bebida isenta desse aminoácido. O outro grupo recebeu uma bebida-placebo contendo triptofano. A depleção rápida de triptofano produziu melhora significativa do quadro de mania nos pacientes, sem surgimento de sinais de depressão27.

Bannink et al.28 trataram pacientes oncológicos com IFN-α durante seis meses e avaliaram parâmetros relacionados ao metabolismo do triptofano e às medidas psicométricas em diferentes tempos. Observou-se diminuição significativa no metabolismo do triptofano nesses pacientes, sem, contudo, haver alteração nas medidas psiquiátricas. Esses achados discordam, assim, daqueles que advogam a existência de uma relação entre níveis diminuídos de triptofano e depressão.

A correlação entre sintomas psiquiátricos e níveis aumentados de citocinas também foi descrita em pacientes com câncer, hepatite e esclerose múltipla tratados com citocinas. A administração de IL-1, IL-2 e interferons (IFNs) a humanos produz sintomas comportamentais semelhantes aos observados na depressão, como anedonia, anorexia e transtornos de sono10,29. Capuron et al.30 estudaram 33 pacientes com câncer tratados com IL-2 e/ou IFN-γ. Os resultados mostraram que o tratamento com tais citocinas produziu sintomas depressivos que se correlacionavam com alterações nos níveis de IL-10 – citocina antiinflamatória produzida em resposta à presença de citocinas inflamatórias. Segundo os autores, esses resultados corroboram a hipótese de uma estreita relação entre sintomas depressivos e ativação da rede de citocinas.

Sabe-se, também, que existe alta prevalência de depressão em pacientes com doenças inflamatórias crônicas, como artrite reumatóide. Zautra et al.31 avaliaram pacientes com artrite reumatóide em relação a escores de depressão e parâmetros imunes e de evolução da doença. Os resultados sugeriram que a depressão pode servir como um fator de risco para processos pró-inflamatórios.

Nesse sentido, também se tem estudado a interferência da cascata do ácido araquidônico sobre o sistema serotonérgico. A revisão de Sublette et al.6 mostra que o ácido araquidônico é um regulador negativo da função de receptores 5-HT1A, enquanto a incorporação do ácido araquidônico na membrana parece ser estimulada por agonistas 5-HT1A ou pelo bloqueio de receptores 5-HT2. Também se sabe que, na depressão, ocorre aumento da síntese de prostaglandina E2 (PGE2), e essa prostaglandina estaria implicada em vários dos sintomas da depressão, como padrões de sono alterado, fadiga, menor sociabilização, retardo psicomotor, assemelhando-se esses achados em muito ao que se observa no comportamento doentio.

A PGE2 é conhecida por estimular a produção de citocinas pró-inflamatórias e atua como co-fator na expressão da enzima IDO, responsável pela diminuição na disponibilidade de serotonina. Diversos estudos têm demonstrado níveis elevados de PGE2 no soro, saliva e liquor de pacientes deprimidos, além de maior secreção por linfócitos de pacientes estimulados in vitro17.

Antidepressivos e o sistema imunoinflamatório: aspectos clínicos e básicos

Aspectos clínicos

Os primeiros antidepressivos foram descobertos por acaso, há mais de quarenta anos. No entanto, somente mais tarde se determinou que a ação desses agentes se fazia pela inibição da enzima monoaminoxidase (MAO) ou pelo bloqueio da recaptação de noradrenalina ou serotonina. Essas duas classes de antidepressivos – os inibidores da MAO e os antidepressivos tricíclicos, respectivamente – dominaram o tratamento da depressão durante quase trinta anos, até o final da década de 1980, quando foram introduzidos os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs). Posteriormente, desenvolveram-se outras classes de antidepressivos, cujo mecanismo de ação difere dos demais.

Diversos estudos têm demonstrado o papel de antidepressivos na resposta inflamatória, com resultados indicando downregulation na produção de citocinas pró-inflamatórias in vitro e mudança de padrão Th1 para Th2, que são antiinflamatórias e protetoras. Logo, a neuroproteção e/ou proliferação de células neuronais seria o mais provável mecanismo molecular da terapia antidepressiva, já que o tratamento crônico com antidepressivos também é responsável pelo aumento de fatores neurotróficos, como o BDNF (fator neurotrófico derivado do cérebro)3,5,17.

Szuster-Ciesielska et al.29 compararam a influência de antidepressivos tricíclicos (imipramina), heterocíclicos (mianserina) e do lítio na produção de citocinas por células mononucleares do sangue periférico de voluntários sadios. Os resultados mostraram que todos os antidepressivos aumentaram a produção de citocinas antiinflamatórias, inibindo aquela das pró-inflamatórias. Altas concentrações de imipramina e mianserina também inibiram o burst oxidativo de neutrófilos, sugerindo tais fatos um efeito imunorregulatório dos antidepressivos na função de leucócitos humanos.

Vários tratamentos antidepressivos podem afetar a produção e a ação de citocinas tanto no SNC como no sistema imune. Um estudo recente mostrou que a produção não estimulada de IL-6 no período de pré-tratamento com antidepressivos foi significativamente menor em pacientes que responderam ao tratamento e bastante aumentada naqueles que não responderam, quando comparados aos controles. Os valores pós-tratamento não diferiram entre pacientes e controles3.

O'Brien et al.32 avaliaram os níveis de citocinas pró e antiinflamatórias (IL-6, TNF-α, sIL-6R, IL-8 e IL-10) em três grupos: pacientes com depressão maior resistentes à terapêutica com ISRS, pacientes eutímicos resistentes à terapêutica com ISRS e controles saudáveis. Os pacientes deprimidos apresentaram níveis aumentados de citocinas pró-inflamatórias IL-6 e TNF-α quando comparados aos controles saudáveis. Os pacientes eutímicos não diferiram do grupo controle. Não houve diferenças nos níveis de citocinas antiinflamatórias. Os resultados sugeriram a necessidade de supressão das citocinas pró-inflamatórias para a recuperação de um quadro depressivo, mesmo em pacientes resistentes à terapêutica antidepressiva com ISRS.

Efeito de antidepressivos em modelos experimentais de inflamação

A atividade antiinflamatória da fluoxetina – um inibidor seletivo de recaptação de serotonina – foi estudada no modelo da inflamação induzida por carragenina. A administração de fluoxetina (10 a 60 mg/kg, IP), tanto aguda como cronicamente, produziu diminuição significativa do edema de pata induzido pela injeção do agente flogístico carragenina. Tal efeito antiedema foi parcialmente suprimido pelo tratamento com o antagonista opióide naloxona33.

Bianchi et al.34 observaram que a administração aguda de fluoxetina (2,5, 5,0 e 10,0 mg/kg, IP) reduziu significantemente o edema de pata induzido por levedura em ratos. Tal efeito antiedema foi bloqueado por adrenalectomia e hipofisectomia, e o uso de um antagonista de CRH não influenciou o efeito inicial observado. Esses resultados sugeriram a participação do eixo HHA, sem participação direta do CRH, no efeito antiedema induzido pela fluoxetina. Dados da literatura indicam também possível influência dos mecanismos neuronais espinais envolvendo receptores GABAA no desenvolvimento da inflamação periférica.

Posteriormente, a clomipramina foi testada in vitro (10-4 a 10-7M) e in vivo (10,0, 20,0 e 40,0 mg/kg) quanto à sua capacidade de influenciar a mobilidade espontânea e a quimiotaxia de macrófagos peritoneais de ratos induzida por N-formil-L-metionil-L-leucil-fenilalanina (FMLP). Em ambos os casos, a clomipramina reduziu tanto a mobilidade como a quimiotaxia. Sabe-se que existem receptores em células imunes para esses antidepressivos tricíclicos e que sua interação com macrófagos diminui suas funções. Acredita-se que esses efeitos sejam decorrentes de sua estrutura química, já que fármacos não tricíclicos como a fluoxetina não apresentam tal efeito35. Resultado semelhante já havia sido observado em outro estudo, em que apenas os tricíclicos clomipramina e nortriptilina foram capazes de bloquear a migração espontânea e aquela induzida por FMLP de polimorfonucleares humanos in vitro36.

Bianchi et al.37 verificaram que diferentes doses de clomipramina e fluoxetina reduziram o edema produzido pela implantação de carragenina no dorso de ratos, com diminuição da concentração e da atividade de PGE2. Os resultados sugeriram que o efeito antiinflamatório da fluoxetina é mediado pela liberação de glicocorticóides produzidos via aumento dos níveis de serotonina no SNC e que o efeito da clomipramina envolveria principalmente mecanismos neuroimunes, via inibição da ação da substância P, a qual é fundamental para a inflamação neurogênica.

Um estudo mais recente avaliou os efeitos antiinflamatórios e antinociceptivos de diferentes antidepressivos no edema de pata induzido por carragenina e no ensaio para sensibilidade dolorosa por estimulação elétrica da cauda. Os tricíclicos imipramina (3,7, 7,5 e 15 mg/kg), amitriptilina (5, 10 e 20 mg/kg) e clomipramina (16 e 32 mg/kg) produziram efeitos antiinflamatórios. O heterocíclico trazodona inibiu significativamente o edema na maior dose usada (40 mg/kg). A fluoxetina causou inibição de 20,7% do edema na dose de 10 mg/kg. Em contraste, a sertralina (ISRS) causou aumento dose-dependente do edema de pata. Todos os antidepressivos se mostraram antinociceptivos, sendo a amitriptilina e a trazodona os mais efetivos. Tais resultados sugerem, então, que os ISRSs possam modular a resposta inflamatória de forma diferente daquela envolvida com os mecanismos de ação sobre a dor38.

Em um estudo anterior, a imipramina (5 mg/kg, 2 meses) mostrou efeito antiinflamatório sobre o modelo da inflamação induzida por carragenina em ratas. Várias hipóteses tentaram explicar tal resultado, que seria decorrente da supressão da produção de CRH no SNC ou de mecanismos simpatolíticos. No entanto, a imipramina também induziu aumento na expressão do complexo de histocompatibilidade principal (Major Histocompability Complex – MHC) de classe II nas células do sangue periférico. Logo, o mecanismo exato de seu efeito antiinflamatório ainda necessita de investigações mais detalhadas39.

Estudos in vitro mostraram que a amitriptilina e a fluoxetina, mesmo em presença de citocinas pró-inflamatórias, diminuíram a síntese de óxido nítrico e de prostaglandina E2 quando adicionados à cultura de células sinoviais humanas40. As interações entre os sistemas catecolaminérgico e inflamatório se mostram importantes já que alguns antiinflamatórios possuem efeitos antidepressivos, particularmente os inibidores da enzima cicloxigenase do tipo 2 (COX-2), e a maioria dos antidepressivos pode modular a resposta imune, mostrando inclusive efeito antiinflamatório17,20,29,37,38. No entanto, há observações clínicas de que os antiinflamatórios não-esteroidais (AINEs), conhecidos por inibir a síntese de prostaglandinas, produziriam piora dos sintomas depressivos, o que não foi confirmado em outros estudos6.

Outros trabalhos também verificaram que tanto a amitriptilina como a imipramina, dois antidepressivos tricíclicos, seriam capazes de ativar em camundongos a enzima 15-hidroxiprostaglandina desidrogenase, responsável por degradar prostaglandinas, sendo este mais um possível mecanismo antiinflamatório41.

A utilização crônica de antidepressivos também leva à modificação na expressão de receptores glicocorticóides centrais, com restabelecimento do perfil de feedback negativo, e a alterações na transmissão monoaminérgica que, em conjunto com os glicocorticóides, modulam as respostas imunes42.

A influência dos antidepressivos sobre a função imune é tamanha que alguns trabalhos têm proposto sua utilização como imunoestimulantes, prevenindo e revertendo infecções, além de apresentarem propriedades antivirais e antiparasitárias43,44.

Sendo assim, o tratamento com antidepressivos, por estimular a produção de citocinas antiinflamatórias, inibindo aquelas com padrão Th1, levaria a uma diminuição na produção central de NO e PGE2; diminuiria a resistência dos receptores de glicocorticóides, restaurando a atividade do eixo HHA prejudicada pelas citocinas; inibiria a ativação da enzima IDO e a conseqüente alteração na neurotransmissão serotonérgica e catecolaminérgica, reduzindo, dessa forma, a sintomatologia depressiva9,10,42.

Contradições da hipótese citocinérgica da depressão

Apesar dos diversos relatos na literatura sobre as alterações imunes observadas em pacientes deprimidos, é importante ressaltar que tal perfil pró-inflamatório não é comum a todos os tipos de depressão nem a todos os pacientes45. Rothermundt et al.46 verificaram que pacientes com depressão não-melancólica apresentaram maior contagem de leucócitos, linfócitos e células NK no estágio agudo da doença e após duas e quatro semanas de tratamento com antidepressivos, sem, contudo, haver alteração na produção de citocinas. Os pacientes melancólicos, no entanto, apresentaram contagens normais de células, mas diminuição na produção de citocinas de padrão Th1 (IL-2 e IFN-gama) e também de IL-10 – uma citocina imunorreguladora negativa – durante a fase aguda da doença, seguida de normalização com a melhora do quadro clínico. Sendo assim, verifica-se um padrão imune diferente conforme o tipo de depressão46.

Em um estudo mais recente, tanto pacientes melancólicos como não-melancólicos apresentaram aumento na produção de IL-2 durante a fase aguda da doença, quando comparados aos de um grupo saudável. Durante o período de remissão do quadro, essa diferença desapareceu. No entanto, observou-se aumento da razão CD4+/CD8+ e nos níveis de CD4+ apenas nos pacientes melancólicos, podendo este último parâmetro ser considerado um marcador de estado do paciente. Os autores sugeriram que haveria a existência de um processo inflamatório em pacientes com depressão melancólica47.

Em outro estudo, mulheres diagnosticadas com diferentes subtipos de transtorno depressivo maior foram avaliadas quanto aos níveis de citocinas pró-inflamatórias e cortisol. De maneira interessante, não se observaram diferenças entre os pacientes com depressão e indivíduos de um grupo controle saudável em relação a esses parâmetros. No entanto, após o tratamento com antidepressivos, houve aumento significativo dos níveis das citocinas pró-inflamatórias IL-1β, IL-6 e IFN-γ, independentemente do subtipo de depressão (melancólico ou não melancólico, agudo ou crônico, episódico ou recorrente, severo ou moderado). De acordo com os autores, outros estudos deveriam ser realizados, padronizando-se o tipo de antidepressivo utilizado, a duração do tratamento e os fatores que levam o paciente ao estresse, tais como a hospitalização48.

Kaestner et al.45 verificaram que pacientes com depressão melancólica apresentaram níveis menores das citocinas IL-1β, IL-1RA e maior relação 1L-1RA/IL-1β, dados estes compatíveis com a ativação do eixo HHA observada no estágio agudo da doença. Em contrapartida, o perfil pró-inflamatório dos pacientes não-melancólicos durante a depressão aguda – com níveis mais elevados de IL-1β, IL-1RA e menor relação 1L-1RA/IL-1β – estava de acordo com os níveis normais de ACTH e cortisol observados tanto na fase aguda da doença como no período de remissão desta.

Ainda mais contraditórios são os dados de um estudo realizado com crianças/adolescentes com quadros de depressão (8 a 14 anos de idade) e distimia (6 a 14 anos de idade). Os níveis de citocinas apresentaram-se alterados apenas nos pacientes distímicos, havendo aumento nos níveis de IL-1β e diminuição nos níveis de TNF-α quando comparados aos controles saudáveis e aos deprimidos. Quando se buscou correlação entre níveis de citocinas e escores de ansiedade e depressão, observou-se que os níveis de IL-1β corelacionavam-se positivamente com os escores de ansiedade e depressão e negativamente com a idade dos pacientes, enquanto os níveis de TNF-α correlacionam-se negativamente com os escores de depressão. Nos pacientes distímicos, não houve nenhuma correlação entre esses parâmetros, não ficando claro qual o papel das citocinas nesses transtornos49.

Apesar de grande parte dos trabalhos observar um papel antiinflamatório dos antidepressivos, tanto em modelos animais como em humanos, uma série de estudos encontrou resultados contraditórios e divergentes.

Hinze-Selch et al.50 avaliaram os níveis de citocinas de pacientes deprimidos antes e durante seis semanas de tratamento com os antidepressivos amitriptilina, nortriptilina ou paroxetina e também naqueles sem tratamento. O tratamento com paroxetina não produziu alterações nos níveis de TNF-α nem do receptor solúvel de TNF-α (sTNFR) quando comparados aos pacientes sem tratamento. No entanto, o tratamento com os tricíclicos amitriptilina/nortriptilina induziu aumento nos níveis circulantes da fração p75 do sTNFR, além de tendência de aumento na sua fração p-55 e nos níveis de TNF-α.

Em outro trabalho foram avaliados os níveis circulantes de IL-6, IL-10 e IL-1Ra de pacientes em estado clínico agudo de depressão e após seis semanas de tratamento com antidepressivos. O tratamento com antidepressivos não produziu efeito significativo sobre o nível dessas citocinas, que se encontravam ligeira, mas não estatisticamente aumentadas antes do tratamento51.

Em um estudo in vitro, compararam-se três grupos: pacientes deprimidos resistentes à medicação, tratados com fluoxetina, controles saudáveis pareados por idade e voluntários sadios jovens. As células sangüíneas coletadas dos três grupos foram estimuladas com fitoemaglutinina e LPS, com ou sem incubação com diversos antidepressivos. Os resultados indicaram que a adição de imipramina, venlafaxina, 1,5-hidroxitriptofano e a combinação de 1,5-hidroxitriptofano e fluoxetina aumentaram a produção de IL-6, conhecida como citocina pró-inflamatória, que já era elevada nos pacientes deprimidos. Nenhum dos fármacos testados afetou a produção de TNF-α52.

As discrepâncias observadas nos diferentes estudos podem ser devidas às diferenças nas metodologias, à heterogeneidade da população estudada e, conforme discutido ao longo do trabalho, ao tipo de depressão envolvida no estudo53.

Discussão e conclusão

Considerações finais

A teoria monoaminérgica da depressão, apesar de amplamente estudada e discutida nas últimas quatro décadas, deixa sem resposta uma série de questões, tais como "quais as causas dos distúrbios monoaminérgicos?"; "como explicar uma taxa de refratariedade de 30% ao tratamento com antidepressivos?", "por que o efeito antidepressivo demora mais de 15 dias para ser iniciado?". Neste sentido, as teorias que implicam a depressão como um fenômeno neuroimunológico vieram, não para negar, mas para complementar o que já estava estabelecido.

Lanquillon et al.54 verificaram que a produção não-estimulada de IL-6 no período pré-tratamento é menor em pacientes que responderam à terapia com antidepressivos e maior em pacientes que não responderam à terapêutica. Após o tratamento, os valores de IL-6 não diferiram entre os grupos. Sendo assim, os níveis dessa interleucina poderiam ser um bom indicativo da responsividade ou não dos pacientes ao antidepressivo quando da sua admissão. Kulmatycki e Jamali19, em revisão recente, sugerem que o sistema de resposta inflamatória é mais pronunciado em pacientes que não respondem à farmacoterapia antidepressiva. Pacientes não responsivos a antidepressivos possuem maior porcentagem de células T CD4+ e na razão CD4+/CD8+ e menor porcentagem de células T CD8+ do que pacientes responsivos à terapia e controles normais55. Sendo assim, tem-se sugerido que a avaliação desses parâmetros poderia auxiliar no tratamento de pacientes refratários à medicação.

Apesar dos dados controversos da literatura, o envolvimento do sistema imunológico nos quadros depressivos necessita de maiores estudos a fim de avaliar sua participação na etiologia ou nas conseqüências de um transtorno depressivo, além de suas interações com os sistemas de neurotransmissão. Essa maior compreensão poderá contribuir para o melhor entendimento das bases biológicas da depressão e, possivelmente, para a geração de novas perspectivas na busca de uma terapêutica mais efetiva.

Recebido: 07/02/2008

Aceito: 14/05/2008

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  • Endereço para correspondência:

    João Palermo-Neto
    Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo
    Av. Prof. Dr. Orlando Marques de Paiva, 87 – Cidade Universitária
    05508-270 – São Paulo, SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Nov 2008
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      14 Maio 2008
    • Recebido
      07 Fev 2008
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