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Antidepressivos em depressões bipolares: risco versus eficácia

Antidepressants in bipolar depression: risk versus efficacy

ATUALIZAÇÃO RÁPIDA

Antidepressivos em depressões bipolares: risco versus eficácia

Antidepressants in bipolar depression: risk versus efficacy

Leandro da Costa Lane Valiengo; Leonardo Peroni de Jesus; Marcus Vinicius Zanetti

Instituto e Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Leandro da Costa Lane Valiengo Rua Arthur de Azevedo, 495 05404-011 - São Paulo, SP E-mail: valiengo@iron.com.br

O uso de antidepressivos em depressões bipolares suscita controvérsias tanto em relação à sua real eficácia quanto pelo potencial risco de virada maníaca e indução de ciclagem, relatados de maneira espúria na literatura. Recentemente, Sachs et al.1 publicaram um artigo no The New England Journal of Medicine procurando trazer alguma luz para esse tópico. Para tanto, desenvolveram um ensaio clínico multicêntrico, duplo-cego e controlado com placebo, no qual 366 pacientes com transtorno bipolar do tipo I ou II, em fase depressiva, foram aleatoriamente divididos em dois grupos. O grupo intervenção ativa recebeu medicação antidepressiva - paroxetina (93) ou bupropiona (86) - enquanto o segundo grupo (186) recebeu placebo associado à medicação estabilizadora do humor. Foram utilizados como estabilizadores de humor lítio, valproato/divalproato de sódio, carbamazepina ou outros agentes antimaníacos (ziprasidona, quetiapina, risperidona, aripiprazol e olanzapina). O diagnóstico baseou-se nos critérios do DSM-IV por meio de entrevista clínica estruturada (Structured Clinical Interview for DSM-IV) e, posteriormente, foi confirmado por um entrevistador independente usando o Mini-International Neuropsychiatric Interview (MINI).

O seguimento após o início do tratamento durou 26 semanas, sendo avaliados desfechos de eficácia (pela escala Symptom Subscale for Depression - SUM-D), tolerabilidade e segurança quanto a risco de virada para mania (pela escala Symptom Subscale for Mood Elevation - SUM-ME). Foram considerados pacientes com sucesso de tratamento aqueles que tiveram recuperação (eutimia sustentável por oito semanas seguidas).

Não houve diferença em recuperação duradoura entre os dois grupos. Ocorrência de ciclagem para mania também foi similar para ambos os grupos, assim como outros efeitos adversos. Houve um modesto favorecimento ao grupo com antidepressivo nos desfechos secundários: remissão transitória (no máximo sete semanas de eutimia), ciclagem para mania ou hipomania, sem resposta (sem nenhuma semana de eutimia) e resposta efetiva ao tratamento (50% de melhora no SUM-D basal durante as 16 semanas sem haver ciclagem), que não atingiram significância estatística.

O presente estudo revelou não haver diferenças entre pacientes tratados com estabilizador do humor associado a antidepressivo em relação àqueles que receberam estabilizador do humor associado a placebo. Embora o resultado fale contra a utilização de antidepressivos em uma amostra relativamente semelhante à encontrada na prática clínica, o estudo apresenta alguns aspectos que merecem ser comentados. O primeiro é que os pacientes puderam receber psicoterapia e medicamentos adicionais, o que pode ter beneficiado o grupo placebo. Em segundo lugar, os grupos também não diferiram em relação à ciclagem para mania, um dos efeitos classicamente associados ao uso de antidepressivos, o que fala a favor de um uso relativamente seguro desses medicamentos quando associados a um estabilizador do humor. Entretanto, talvez um dos principais pontos a ser considerado é que o período de oito semanas seja pequeno em se tratando de pacientes bipolares e a estabilidade para esses pacientes precise ser mensurada em períodos maiores. De qualquer modo, esse estudo reduz a expectativa em relação à utilização de antidepressivos em bipolares fundamentada por estudos anteriores, tanto em relação à paroxetina como em relação à bupropiona2,3. Entretanto, vale salientar que o estudo investigou a efetividade de apenas dois antidepressivos, paroxetina e bupropiona, e seria prematuro generalizar esses resultados para outros antidepressivos, particularmente aqueles com diferentes mecanismos de ação. Neste particular, uma recente publicação mostrou superioridade da eficácia de inibidores da monoaminoxidase sobre a paroxetina no tratamento da depressão bipolar4.

Recebido:31/7/2009

Aceito:1/8/2009

  • 1. Sachs GS, Nierenberg AA, Calabrese JR, Marangell LB, Wisniewski SR, Gyulai L, et al. Effectiveness of adjunctive antidepressant treatment for bipolar depression. N Engl J Med. 2007;356(17):1711-22.
  • 2. Gijsman HJ, Geddes JR, Rendell JM, Nolen WA, Goodwin GM. Antidepressants for bipolar depression: a systematic review of randomized, controlled trials. Am J Psychiatry. 2004;161(9):1537-47.
  • 3. Nemeroff CB, Evans DL, Gyulai L, Sachs GS, Bowden CL, Gergel IP, et al. Double-blind, placebo-controlled comparison of imipramine and paroxetine in the treatment of bipolar depression. Am J Psychiatry. 2001;158(6):906-12.
  • 4. Mallinger AG, Frank E, Thase ME, Barwell MM, Diazgranados N, Luckenbaugh DA, et al. Revisiting the effectiveness of standard antidepressants in bipolar disorder: are monoamine oxidase inhibitors superior? Psychopharmacol Bull. 2009;42(2):64-74.
  • Endereço para correspondência:
    Leandro da Costa Lane Valiengo
    Rua Arthur de Azevedo, 495
    05404-011 - São Paulo, SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      2009
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