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Avaliação de traços de personalidade em pacientes com fobia social

Resumos

CONTEXTO: Os sintomas de transtornos de personalidade (Eixo II) comumente encontrados em pacientes com fobia social se sobrepõem com os sintomas que descrevem o transtorno pelo Eixo I. OBJETIVO: O presente estudo teve por objetivo avaliar traços de personalidade em pacientes com diagnóstico de fobia social. MÉTODO: Cento e oito sujeitos com idade entre 18 e 65 anos foram avaliados pelo Inventário de Temperamento e Caráter de Cloninger. RESULTADO: Os pacientes com fobia social diferiram dos dados normativos nos seguintes traços de personalidade: Busca à Novidade, Fuga de Danos, Persistência, Autodirecionamento e Autotranscendência. CONCLUSÃO: Esses achados apontam para uma sobreposição entre a descrição dos traços de personalidade citados por Cloninger e a descrição dos sintomas de fobia social do DSM-IV, Eixo I.

Traços de personalidade; fobia social; temperamento; caráter


BACKGROUND: The symptoms of personality disorders (Axis II) commonly found in social phobia patients overlap highly with the symptoms that typify the Axis I disorder and are thus linked to diagnostic process in symptomatic patients. OBJECTIVE: The aim of the present study was to evaluate personality traits of social phobia patients. METHOD: One hundred and eight subjects were selected, from 18 to 65 years of age, who fulfilled the criteria of social phobia. The Cloninger's Temperament and Character Inventory (TCI) was applied. RESULTS: Social phobia patients differed in normalized data in the following personality traits: Novelty Seeking, Harm Avoidance, Persistence, Self Directedness, and Self-Transcendence. DISCUSSION: These findings point to a high overlap between Cloninger's description of the observed predominant personality traits and DSM-IV Axis I symptoms description for social phobia.

Personality traits; social phobia; temperament; character


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação de traços de personalidade em pacientes com fobia social

Mariângela Gentil Savoia; Tito Paes de Barros Neto; Andrea Machado Vianna; Márcio Bernik

Ambulatório de Ansiedade, Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (IPq-HCFMUSP)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Mariângela Gentil Savoia Ambulatório de Ansiedade, Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas, FMUSP Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, 785 05403-010 – Caixa postal 3671, São Paulo, SP Telefax: +55 (11) 3069-6988 E-mail: mangy.savoia@globo.com

RESUMO

CONTEXTO: Os sintomas de transtornos de personalidade (Eixo II) comumente encontrados em pacientes com fobia social se sobrepõem com os sintomas que descrevem o transtorno pelo Eixo I.

OBJETIVO: O presente estudo teve por objetivo avaliar traços de personalidade em pacientes com diagnóstico de fobia social.

MÉTODO: Cento e oito sujeitos com idade entre 18 e 65 anos foram avaliados pelo Inventário de Temperamento e Caráter de Cloninger.

RESULTADO: Os pacientes com fobia social diferiram dos dados normativos nos seguintes traços de personalidade: Busca à Novidade, Fuga de Danos, Persistência, Autodirecionamento e Autotranscendência.

CONCLUSÃO: Esses achados apontam para uma sobreposição entre a descrição dos traços de personalidade citados por Cloninger e a descrição dos sintomas de fobia social do DSM-IV, Eixo I.

Palavras-chave: Traços de personalidade, fobia social, temperamento, caráter.

Introdução

Fobia social é geralmente associada a traços de personalidade, como timidez excessiva. Por outro lado, os sintomas de transtornos de personalidade (Eixo II) comumente encontrados em pacientes com fobia social se sobrepõem aos sintomas que descrevem o transtorno pelo Eixo I e, portanto, são altamente prevalentes nesses pacientes1-4. Por outro lado, a avaliação dimensional de traços de personalidade é mais estável ao longo do tempo5 e pode ser útil para avaliar indivíduos com um diagnóstico de Eixo I.

Entre as avaliações dimensionais de traços de personalidade, o Inventário de Temperamento e Caráter de Cloninger (TCI)6-7 fornece uma base teórica e uma abordagem sistemática para medir a personalidade em dimensões, que podem ser testadas experimentalmente. Ele descreve sete dimensões de personalidade independentes. Quatro delas − Busca de Novidades (NS), Esquiva de Danos (HA), Dependência de Recompensa (RD) e Persistência (P) − são consideradas as dimensões de temperamento. Os outros três itens são considerados como dimensões de caráter: Autodirecionamento (SD), Cooperatividade (C) e Autotranscendência (ST).

O TCI foi empregado em estudos anteriores com pacientes com Fobia Social. Um deles8 comparou o perfil de personalidade no TCI de 13 pacientes com fobia social em relação a voluntários normais, relatando aumento de traços de esquiva e temperamento introvertido (HA). Da mesma forma, Pélissolo et al.9 relataram escores mais altos em HA e mais baixos em P, SD, C e ST em 31 pacientes com fobia social, sugerindo também um temperamento ansioso e evitativo e um caráter imaturo. Kim e Hoover10 também encontraram um aumento significativo de HA em 47 pacientes com fobia social em relação ao grupo controle. Pacientes com fobia social foram caracterizados por apresentar ansiedade antecipatória, baixa tolerância à frustração e uma dependência intensa de gratificações externas11.

O objetivo deste estudo foi avaliar os traços de personalidade de pacientes com fobia social.

Método

Cento e oito pacientes, a partir de demanda espontânea do nosso ambulatório, com idade entre 18 e 65 anos (média ± DP, 34 ± 9,46 anos), sendo 56 homens e 52 mulheres, foram selecionados para esse estudo. Eles preencheram os critérios diagnósticos para fobia social após a entrevista do SCID-IV12. Os critérios de inclusão foram uma pontuação de pelo menos 4 no item gravidade da escala de Impressão Clínica Global (CGI)13, iguais ou superiores a 17 na escala de Esquiva e Desconforto Social, SAD14, e 24 na escala de Medo da Avaliação Negativa − FNE14. Os pontos de corte na SAD e FNE foram definidos pelos autores da escala. Os avaliadores foram psiquiatras com experiência em ensaios clínicos. Tendo em vista a longa duração do estudo e a existência de pacientes com dupla condição placebo, os pacientes com diagnóstico de depressão maior, segundo DSM-IV, ou com escore no BDI > 3015 ou com pontuação na HAMD > 2116, ou com ideação suicida, não foram incluídos no estudo. Os pacientes que apresentaram qualquer outro diagnóstico psiquiátrico primário do DSM-IV, que não o de fobia social ou doença orgânica, não foram incluídos no estudo.

A tradução para o português do TCI17 foi aplicada para os pacientes incluídos e que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Este estudo foi avaliado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição onde a pesquisa foi realizada.

A análise multivariada (T2 de Hotelling Estatística18) foi utilizada para comparar as pontuações dos pacientes do presente estudo no TCI com os dados normativos. Os intervalos de confiança foram estabelecidos para as sete variáveis (escores TCI), a fim de determinar em qual variável (ou quais) apresentou diferenças.

Resultados

Os escores no TCI dos 108 pacientes com diagnóstico de fobia social diferiam dos escores normatizados (T2 Estatística: 714,13, p < 0,001, Tabela 1). Os intervalos de confiança (95%) para as sete variáveis apresentaram diferenças entre os sujeitos e os dados normatizados abaixo para NS, P, SD e ST e acima para HA (Tabela 2).

Discussão

Os resultados do presente estudo sugerem que a fobia social não é totalmente compreendida como um transtorno do Eixo I. Além de alta comorbidade com transtornos do Eixo II1-3, também é observada uma alta sobreposição entre a descrição dos sintomas do Eixo I, de acordo com o DSM-IV, e a descrição dos traços observados nas dimensões do TCI.

Na presente amostra, os pacientes com fobia social ficaram abaixo da média em NS, SD e ST e P e acima da média em HA. Kim e Hoover10 também encontraram um aumento significativo de HA em 47 pacientes com fobia social em relação ao grupo controle.

De acordo com a teoria de Cloninger, NS é um viés hereditário na ativação ou iniciação de comportamentos como a atividade exploratória em resposta à novidade e prevenção ativa de frustração. Escores mais elevados correlacionam-se inversamente à rigidez e à introversão. Já SD é um traço de caráter adquirido, formulado em diferentes aspectos, tais como autodeterminação, responsabilidade por suas próprias escolhas de controle e compromisso com um determinado objetivo ou finalidade. As pontuações mais baixas se relacionam com responsabilizar os outros, não atingir os objetivos, apatia e recusa de si mesmo. Da mesma forma, P é descrito como perseverança em responder de certa maneira, apesar de frustração e cansaço. ST geralmente se refere à identificação com o todo unificado.

O item que teve escore acima da média foi esquiva de danos. Segundo a teoria de Cloninger, HA é também um traço de temperamento herdado. Escores mais altos referem-se a inibição comportamental, pessimismo e comportamentos de esquiva passiva, como o medo da incerteza e timidez.

Essas características correspondem às descrições clínicas dos pacientes com fobia social, sujeitos que evitam ficar em destaque em qualquer situação, agindo de acordo com regras muito rígidas de comportamento, que, em teoria, controlam a ansiedade antecipatória, devido ao medo do desconhecido e à timidez. Tomadas em conjunto essas características, levam a uma má qualidade de vida, que também é impactada por uma incapacidade de definir metas claras e objetivas. Considerando que a fobia social é um transtorno de evolução crônica, a sobreposição dos critérios diagnósticos do Eixo II, principalmente o transtorno de personalidade evitativa, parece estar relacionada com a gravidade4.

Os resultados deste estudo estão de pleno acordo com Marteinsdottir et al.11, que, apesar de uma pequena amostra, também observaram que as medidas dos traços de personalidade do TCI foram altamente relacionadas ao diagnóstico do DSM-IV de fobia social. Os resultados também replicam parcialmente os de Pélissolo et al.9, sugerindo um temperamento ansioso e evitativo e um caráter imaturo.

Ao se levar em consideração que a amostra é de um centro de pesquisa e serviço e, portanto, é uma amostra de conveniência, os resultados do presente estudo devem ser generalizados com cautela, e a replicação dessa pesquisa em outros centros de estudo pode aumentar a validade externa dos dados.

Como conclusão, os dados do presente estudo sugerem que os traços de personalidade geralmente encontrados em pacientes com fobia social estão altamente correlacionados com a descrição dos sintomas de fobia social no Eixo I dos manuais diagnósticos.

Este estudo foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) 97/11285-1.

Recebido: 17/4/2009

Aceito: 29/7/2009

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    Mariângela Gentil Savoia
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Maio 2010
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Aceito
      29 Jul 2009
    • Recebido
      17 Abr 2009
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