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A relação entre a não adesão ao tratamento e falsas crenças de pacientes bipolares e seus familiares

The relationship between non-adherence to treatment and false beliefs of bipolar patients and their families

CARTA AO EDITOR

A relação entre a não adesão ao tratamento e falsas crenças de pacientes bipolares e seus familiares

The relationship between non-adherence to treatment and false beliefs of bipolar patients and their families

Karina de Barros PellegrinelliI; Mireia C. RosoI; Ricardo Alberto MorenoII

IPrograma de Transtornos Afetivos (GRUDA), Departamento e Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-HCFMUSP)

IIDiretor do GRUDA, Departamento e Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Ricardo A. Moreno Programa de Transtornos Afetivos (GRUDA), Departamento e Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, 785. CEAPESQ, 3º andar, Ala Norte, sala 12 05403-010 - São Paulo, SP Telefax: +55 (11) 3069-6648 E-mail: rmoreno@hcnet.usp.br

A baixa adesão à medicação entre os pacientes bipolares é conhecida e é um fator importante no insucesso do tratamento de alguns casos. A percepção do paciente a respeito da doença e da importância da medicação influencia na sua adesão1. Sendo assim, quanto mais informados sobre a doença, como ela se manifesta, os tratamentos disponíveis e sua importância para se obter estabilização do quadro clínico, mais aumenta a adesão ao tratamento, levando a melhor desfecho2,3.

Fatores psicossociais como personalidade, estilo cognitivo, presença de emoção expressa na família, eventos vitais estressantes e suporte emocional também parecem contribuir em 25% a 30% nas alterações no curso da doença, influenciando na recuperação sintomática e na qualidade de vida4,5. A baixa adesão ao tratamento medicamentoso ainda é o fator responsável pelo maior número de recaídas. A literatura evidencia que os fatores mais relacionados à baixa recuperação sintomática e funcional são não adesão6, presença de sintomas entre episódios7, uso de antipsicóticos, baixo funcionamento pré-mórbido, comorbidade com transtorno de personalidade8 e prejuízo cognitivo relacionado com o transtorno do humor9.

Nos últimos anos, muitos pesquisadores têm se dedicado a avaliar os motivos da baixa adesão ao tratamento, não apenas no que diz respeito ao transtorno bipolar, mas em relação a doenças crônicas em geral. Um estudo feito com pacientes japoneses com doenças crônicas identificou, entre outros tópicos, que a baixa adesão à medicação está associada a crenças pessoais a respeito da doença, não valorização da relação de confiança com o médico, maior valorização dos possíveis efeitos colaterais da medicação e pouca compreensão de sua necessidade10.

Bowskill et al.5, em 2007, avaliaram 223 pacientes membros do Manic Depression Fellowship (MDF), e aqueles que reportaram baixa adesão à medicação tiveram alta insatisfação com a informação fornecida; já os que reportaram alta adesão tiveram baixa insatisfação com a informação. Isso parece demonstrar a associação entre a informação correta e a boa adesão.

Sendo assim, é importante que a psicoeducação associada ao tratamento do transtorno bipolar (TB) inclua não apenas a informação sobre a doença e seu tratamento, mas leve em consideração as crenças inadequadas dos pacientes que podem atrapalhar na assimilação da informação prestada e consequentemente atrapalhar na adesão ao tratamento e na obtenção de bons resultados. Por isso, o Programa de Transtornos Afetivos do IPq-HCFMUSP realizou um estudo-piloto acerca das principais crenças errôneas dos pacientes e familiares presentes em seus Encontros Psicoeducacionais abertos. Para isso, foi elaborado um questionário que consistia de 32 afirmações (verdadeiras e falsas) a respeito da doença, de seu tratamento, da importância da família e da prevenção de recaídas. Os sujeitos participantes do estudo foram instruídos a atribuir a cada afirmação o critério de verdadeira (V) ou falsa (F). Sessenta e dois sujeitos participaram do estudo. Os resultados demonstraram que 40% dos sujeitos têm crenças errôneas a respeito da natureza biológica da doença, da importância do apoio da família e dos efeitos da medicação.

As principais crenças errôneas levantadas foram:

1. O TB é um problema psicológico.

2. O tratamento medicamentoso pode comprometer a vida do paciente mais do que melhorá-la (relação risco x benefício)

.3. O TB é emocional, e não biológico.

4. O TB não é um transtorno mental ou uma doença médica.

5. A medicação, além de causar dependência, é prejudicial.

6. A família tem um papel prejudicial no tratamento.

7. A cura é possível.

Essas crenças foram semelhantes às encontradas em outros estudos6,5,1,11 com portadores de doenças mentais e crônicas.

Os resultados deste estudo levantam algumas questões importantes a respeito do tipo de informação que precisa ser dada ao paciente e seus familiares a fim de melhorar a adesão ao tratamento:

(a) É importante o esclarecimento a respeito da natureza biológica do TB a fim de separar fatores biológicos dos sociais que podem ser gatilhos para um novo episódio12.

(b) Deve ficar clara a ausência de evidência de cura do transtorno, mas a possibilidade de controle dele, como em doenças crônicas em geral. Essa informação pode frustrar pacientes e familiares quando eles percebem que o tratamento é para a vida toda, mas, a partir da aceitação desse fato e havendo uma relação de cumplicidade e confiança entre médico, psicoterapeuta e paciente, o tratamento torna-se mais eficiente.

(c) A família deve ser incluída e orientada desde o início, a fim de que sua participação no tratamento, no controle de recaídas e na melhora da comunicação possa favorecer a manutenção da estabilidade.

(d) Finalmente, é fundamental que se ressalte e esclareça a importância do tratamento farmacológico para a obtenção de bons resultados e os possíveis efeitos colaterais da medicação, bem como as alternativas para amenizá-los.

Esses são pontos cruciais não só para melhorar a compressão da doença e seu tratamento, garantindo maior adesão, mas também para diminuir o estigma e o preconceito que ainda afetam os portadores desse transtorno e seus familiares.

Recebido: 15/10/2009

Aceito: 2/12/2009

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  • Endereço para correspondência:

    Ricardo A. Moreno
    Programa de Transtornos Afetivos (GRUDA), Departamento e Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Set 2010
    • Data do Fascículo
      2010
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