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A propósito de um caso de mania unipolar

CARTA AO EDITOR

A propósito de um caso de mania unipolar

Rui LopesI; Jacinto AzevedoI, II; Rosário CurralI, II; Manuel EstevesI, II; Rui CoelhoI, II; António Roma-TorresI

IHospital São João, Porto, Portugal

IIDepartamento de Neurociências Clínicas e de Saúde Mental, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Porto, Portugal

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rui Lopes. Serviço de Psiquiatria, Hospital São João. Alameda Professor Hernâni Monteiro 4200-319 - Porto, Portugal Telefone: +351225512100. Telefax: +351225512334 E-mail: rui.lopess@gmail.com

MFS, mulher de 52 anos, professora primária, recorreu à urgência por causa de insônia total, excesso de autoconfiança e envolvimento em múltiplas atividades com duração de uma semana. Apresentava-se com irritabilidade, agitação, elação do humor, verborreia, desinibição sexual, atividade delirante persecutória, ausência de insight. Tinha história de três episódios maníacos prévios, tendo ocorrido o primeiro 10 anos antes, e não possuía episódios depressivos anteriores. Manteve bom nível de funcionamento entre os episódios maníacos. Descreveu-se como uma pessoa muito criativa, amigável, sociável e responsável. Exame físico e neurológico dentro da normalidade. Realizou avaliações sanguíneas básicas, TAC cerebral, pesquisa de drogas de abuso e EEG, sem alterações relevantes. Foi internada numa unidade de psiquiatria e tratada com 2 mg de risperidona e 1.000 mg de divalproato de sódio, ocorrendo remissão dos sintomas no final de 16 dias.

A nossa hipótese diagnóstica é mania unipolar. Tal como descrito nesta vinheta clínica, existe um número considerável de doentes com episódios de mania recorrentes, na ausência de episódios depressivos1. Em 1953, Kleist sugeriu pela primeira vez a mania unipolar como uma entidade distinta2,3. No entanto, poucos anos depois, Angst e Perris demonstraram uma forte associação clínica e genética da mania unipolar com a perturbação bipolar, pelo que a perspectiva de ser uma entidade particular era um artefacto4,5. A mudança de polaridade pode ocorrer, e alguns pacientes são diagnosticados com mania unipolar dado que um episódio depressivo ainda não ocorreu, podendo variar entre 5,9 e 27,7 anos5.Esse fato pode ser um aspecto prático importante, visto que um episódio depressivo leve pode passar despercebido ou ocorrer num contexto de uma perturbação de adaptação. Apesar de não serem consensuais os critérios para o seu diagnóstico, o mais aceito atualmente consiste na presença de pelo menos três episódios maníacos na ausência de episódios depressivos nos últimos 10 anos.

A sua prevalência nos países ocidentais varia de 5% a 28% entre todos os casos de doença bipolar6. Dados recentes demonstraram uma idade de início mais precoce (23 anos) comparativamente com os doentes bipolares (26 anos)7, mas semelhanças na idade média do primeiro tratamento ou internamento1,8.Adicionalmente, aparenta ser mais comum nas mulheres, e não parecem existir diferenças significativas relativamente ao estado marital, nível de educação, situação profissional e raça1.Foi igualmente relatada uma menor pontuação na gravidade dos índices de incapacidade social, familiar e de trabalho, o que pode ter implicações prognósticas1.

Adicionalmente, comparando com os doentes bipolares, os doentes com mania unipolar exibem frequentemente humor expansivo, confusão, labilidade emocional, temperamento hipertímico, sintomas psicóticos (especialmente delírios persecutórios) e abuso de substâncias, mas apresentam menos alucinações auditivas, fuga de ideias, taxas de suicídio, ciclos rápidos, hostilidade e ansiedade. Nos estudos de neuroimagem, foi observada uma menor largura do terceiro ventrículo, bem como menores taxas de sulcamento nos córtices parietoccipitais9.

Embora inicialmente se considerasse a ausência de diferenças respeitantes ao tratamento, dados recentes apontam para uma resposta inferior ao lítio e para a necessidade de um estabilizador de humor adicional10. Consequentemente, a consideração da mania unipolar como um subtipo do transtorno bipolar poderá ainda constituir-se útil para detecção precoce e optimização da resposta terapêutica.

Recebido: 4/1/2012

Aceito: 13/2/2012

Serviço de Psiquiatria, Hospital São João; Departamento de Neurociências Clínicas e de Saúde Mental, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Porto, Portugal.

  • 1. Perugi G, Passino MCS, Toni C, Maremmani I, Angst J. Is unipolar mania a distinct subtype? Compr Psychiatry. 2007;48:213-7.
  • 2. Bartsch AJ, Neumarker KJ, Franzek E, Beckmann H. Karl Kleist, 1879-1960. Am J Psychiatry. 2000;157:703.
  • 3. Angst J, Marneros A. Bipolarity from ancient to modern times: conception, birth and rebirth. J Affect Disord. 2001;67:3-19.
  • 4. Young AH, Marek S, Patterson RM. Unipolar mania. In: Figueira ML, Akiskal H, editors. Clinical aspects of mania. Paris: Wolters Kluwer Health; 2009. p. 39-45.
  • 5. Perris C. A study of bipolar (manic-depressive) and unipolar recurrent depressive psychoses. Acta Psychiatr Scand. 1966;194(Suppl.):1-89.
  • 6. Perris C. The distinction between bipolar and unipolar affective disorders. In: Paykel ES, editor. Handbook of affective disorders. London: Churchill Livingstone; 1982. p. 45-68.
  • 7. Shulman KI, Tohen M. Unipolar mania reconsidered: evidence from an elderly cohort. Br J Psychiatry. 1994;164:547-9.
  • 8. Pfohl B, Vasquez N, Nasrallah H. Unipolar vs. bipolar mania: a review of 247 patients. Br J Psychiatry. 1982;141:453-8.
  • 9. Murkherjee S, Scnur DB, Reddy R, Unipolar mania reconsidered: a CT scan study. Biol Psychiatry. 1992;31:248A.
  • 10. Palha AP, Arrojo M. Manía unipolar. La controversia se mantiene. Actas Esp Psiquiatr. 2001;29(1):126.
  • Endereço para correspondência:

    Rui Lopes. Serviço de Psiquiatria, Hospital São João. Alameda Professor Hernâni Monteiro
    4200-319 - Porto, Portugal
    Telefone: +351225512100. Telefax: +351225512334
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2012
    • Data do Fascículo
      2012
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