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O potencial da rotulação metabólica de 15N para a pesquisa de esquizofrenia

Resumos

Pesquisas em psiquiatria ainda necessitam de estudos não dirigidos por hipóteses para revelar fundamentos neurobiológicos e biomarcadores moleculares para distúrbios psiquiátricos. Metodologias proteômicas disponibilizam uma série de ferramentas para esses fins. Apresentamos o princípio de rotulação metabólica utilizando 15N para proteômica quantitativa e suas aplicações em modelos animais de fenótipos psiquiátricos com um foco particular em esquizofrenia. Exploramos o potencial de rotulação metabólica por 15N em diferentes tipos de experimentos, bem como suas considerações metodológicas.

Esquizofrenia; proteômica quantitativa; rotulação metabólica de 15N; biomarcadores; G72


Psychiatric research is in need of non-hypothesis driven approaches to unravel the neurobiological underpinnings and identify molecular biomarkers for psychiatric disorders. Proteomics methodologies constitute a state-of-the-art toolbox for biomarker discovery in psychiatric research. Here we present the principle of in vivo 15N metabolic labeling for quantitative proteomics experiments and applications of this method in animal models of psychiatric phenotypes, with a particular focus on schizophrenia. Additionally we explore the potential of 15N metabolic labeling in different experimental set-ups as well as methodological considerations of 15N metabolic labeling-based quantification studies.

Schizophrenia; quantitative proteomics; 15N metabolic labeling; biomarker; G72


O potencial da rotulação metabólica de 15N para a pesquisa de esquizofrenia

Michaela D. Filiou

Proteômica e Biomarcadores, Instituto Max Planck de Psiquiatria, Munique, Alemanha

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Michaela D. Filiou Proteomics and Biomarkers – Max Planck Institute of Psychiatry Kraepelinstr. 2 D-80804, Munich, Germany Telefone: +49-89-30622-211. Fax: +49-89-30622-610 E-mail: michaela.filiou@gmail.com

RESUMO

Pesquisas em psiquiatria ainda necessitam de estudos não dirigidos por hipóteses para revelar fundamentos neurobiológicos e biomarcadores moleculares para distúrbios psiquiátricos. Metodologias proteômicas disponibilizam uma série de ferramentas para esses fins. Apresentamos o princípio de rotulação metabólica utilizando 15N para proteômica quantitativa e suas aplicações em modelos animais de fenótipos psiquiátricos com um foco particular em esquizofrenia. Exploramos o potencial de rotulação metabólica por 15N em diferentes tipos de experimentos, bem como suas considerações metodológicas.

Palavras-chave: Esquizofrenia, proteômica quantitativa, rotulação metabólica de 15N, biomarcadores, G72.

A necessidade de análise proteômica quantitativa na pesquisa de esquizofrenia

Nos últimos anos, o desenvolvimento de abordagens holísticas como genômica, transcriptômica, proteômica e metabolômica deu início a aplicações de pesquisas não dirigidas por hipóteses. Nesse caso, populações de genes, proteínas ou metabólitos em dois estados (por exemplo, doença vs. controle) podem ser comparados para a identificação de níveis de expressão diferentes relevantes às alterações fenotípicas observadas. Como o proteoma de um organismo pode refletir mudanças fenotípicas no nível molecular, a análise proteômica se constitui numa valiosa ferramenta para investigar os mecanismos fundamentais envolvidos nas desordens psiquiátricas.

A pesquisa em esquizofrenia sofre de uma falta de correlação molecular com as alterações comportamentais e sintomas da doença observados. Biomarcadores moleculares para esquizofrenia podem auxiliar na avaliação de risco de predisposição, na subcategorização precisa de pacientes, na monitoração da progressão da doença e na descoberta de novos alvos terapêuticos. Para esse fim, a análise proteômica quantitativa tem o potencial de prover informação de biomarcadores moleculares sensíveis e, dessa forma, oferecer valiosas perspectivas no prognóstico, diagnóstico e tratamento da esquizofrenia.

Rotulação metabólica com 15N

Um grande número de abordagens proteômicas quantitativas está disponível e é aplicável à pesquisa de esquizofrenia1. Dentre as abordagens proteômicas, a rotulação metabólica 15N in vivo assegura grande potencial para estudos em modelos animais, bem como em grupos de pacientes. O princípio da rotulação metabólica 15N é baseada na introdução do isótopo estável de nitrogênio 15N em um organismo por meio de uma dieta rotulada com 15N ou meio de crescimento rotulado com 15N. A população proteica rotulada com 15N (espécie rotulada) é, então, comparada à amostra proteica que contém somente isótopos de abundância natural (espécie não rotulada). A introdução do rótulo de isótopo 15N resulta em uma diferença de massa previsível entre o peptídeo etiquetado e sua cópia não rotulada. A quantificação proteica relativa é possível por meio da comparação das intensidades de sinal dos pares peptídicos rotulados/não rotulados de uma dada proteína. Métodos de rotulação metabólica in vivo provêm alta precisão quando comparados a outras abordagens existentes de análise proteômica quantitativa, porque as espécies rotulada e não rotulada são combinadas anteriormente à preparação da amostra, evitando, então, tendências a erros devidos à manipulação experimental. Além da quantificação proteica, a rotulação metabólica 15N permite o estudo de renovação proteica (turnover) mediante a avaliação dos níveis de incorporação de 15N em diferentes pontos no tempo2.

Aplicações da rotulação metabólica 15N em modelos animais e pacientes psiquiátricos

A rotulação metabólica 15N tem sido aplicada a uma abundância de organismos modelos variando de bactérias a roedores e foi recentemente utilizada para rotular modelos de doenças em camundongos3. No contexto da psiquiatria, um protocolo de rotulação metabólica 15N via uma dieta baseada em proteínas de bactéria foi estabelecido e aplicado para estudar o modelo em camundongo de comportamento relacionado a alta (HAB), normal (NAB) e baixa (LAB) ansiedade4. Camundongos NAB rotulados com 15N-labeled foram utilizados como padrões internos, e análises proteômicas quantitativas no córtex cingular, hipocampo e plasma foram realizadas para comparar camundongos HAB e LAB. Essas análises proteômicas revelaram um envolvimento de vias relacionadas à mitocôndria e ao sistema imune na modulação do comportamento relacionado à ansiedade5,6.

A rotulação metabólica 15N também foi aplicada a um modelo em camundongo de esquizofrenia. O lócus primata-específico G72/G30 é um dos achados mais reproduzidos em estudos genéticos de esquizofrenia. Entretanto, a função da proteína correspondente G72 permanece largamente desconhecida. Para investigar a função da proteína G72 in vivo, camundongos transgênicos que carregam uma mutação no lócus gênico G72/G30 e expressam a proteína G72 foram gerados7. Os camundongos transgênicos G72/G30 exibiram sintomas tipo esquizofrenia, incluindo comportamento compulsivo aumentado, coordenação motora prejudicada, sensibilidade aumentada à fenilciclidina, discriminação de odores prejudicada e déficits de aprendizado7,8. Para comparar os proteomas cerebelares de camundongos transgênicos G72/G30 e controles selvagens, camundongos CD1 rotulados com 15N foram utilizados como padrões internos e diversas proteínas relacionadas a vias moleculares afetadas em esquizofrenia foram encontradas como diferencialmente expressas9.

Além de modelos animais, a rotulação metabólica 15N pode ser empregada para examinar amostras humanas por meio da rotulação de linhagens celulares de origem humana e usando-as para comparação com material de pacientes. Linhagens celulares humanas podem ser crescidas em meio rotulado com 15N e as populações proteicas derivadas podem, então, ser utilizadas como padrões rotulados internos para comparações par a par de pacientes e grupos controle. Dessa forma, a rotulação metabólica in vivo no nível de todo o organismo é evitada, enquanto a análise proteômica comparativa ainda se beneficia da alta precisão de quantificação alcançada por esse método.

Considerações metodológicas

Quando aplicando a rotulação metabólica 15N à pesquisa de esquizofrenia, diversas considerações precisam ser levadas em conta. O custo da dieta rotulada com 15N é alto e longos períodos de rotulação são requeridos para organismos complexos (por exemplo, roedores) para que sejam alcançadas altas taxas de incorporação de 15N para comparações em proteômica quantitativa. Importantemente, a introdução do 15N pode ter um efeito no fenótipo comportamental4 ou nos níveis de expressão proteicos10. Como consequência, controles rotulados (utilizando padrões internos rotulados ou rotulação recíproca) deveriam ser implementados no desenho experimental para evitar artefatos causados pelo isótopo 15N afetando os resultados de quantificação relativa das proteínas. Embora os custos da rotulação metabólica de organismos inteiros não seja um fator a ser negligenciado, o método eventualmente resulta em material 15N-rotulado (i.e. , órgãos, sangue, tecido cerebral etc. ), os quais podem ser usados por um grande número de experimentos proteômicos quantitativos. Dada a alta precisão, um menor número de replicatas biológicas comparado a outros métodos quantitativos menos sensíveis pode ser requerido para alcançar resultados de quantificação precisos. Notavelmente, empregando linhagens celulares rotuladas com 15N como padrões proteômicos internos, reduzem-se drasticamente custos e tempo de rotulação para alcançar alta incorporação de 15N, permitindo uma aplicação em rotina dessa metodologia. Deve também ser notado que os desafios computacionais a respeito da avaliação de espectros total ou parcialmente rotulados com 15N têm sido largamente tratados por meio do desenvolvimento de softwares apropriados e fluxogramas de processamento de dados otimizados, os quais tornaram a rápida aquisição de dados possível11,12. Uma avaliação metodológica detalhada da rotulação de 15N em comparação a outros métodos de proteômica quantitativa é discutida em outro lugar13.

Conclusão

Tomados juntos, a rotulação metabólica 15N in vivo provê uma poderosa e versátil ferramenta para a pesquisa de esquizofrenia, que pode ser usada nos estudos de modelos animais ou naqueles baseados em pacientes. A alta precisão de quantificação alcançada por esse método pode lançar luz em novas entidades moleculares relevantes à etiologia da esquizofrenia e contribuir para a descoberta de biomarcadores proteicos. Adicionalmente, o estudo de renovação proteica por meio da rotulação metabólica 15N pode apontar mecanismos do metabolismo proteico pertinentes à fisiopatologia da esquizofrenia.

Agradecimentos

O autor agradece a todos os membros do presente e passado do Grupo de Pesquisa de Proteômica e Biomarcadores no Instituto Max Planck de Psiquiatria, pelas profundas discussões, e a Chris W. Turck e Giuseppina Maccarrone, pela leitura crítica do manuscrito.

O autor declara não haver conflito de interesses.

Recebido: 23/9/2012

Aceito: 7/11/2012

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  • Endereço para correspondência:

    Michaela D. Filiou
    Proteomics and Biomarkers – Max Planck Institute of Psychiatry
    Kraepelinstr. 2
    D-80804, Munich, Germany
    Telefone: +49-89-30622-211. Fax: +49-89-30622-610
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      2013

    Histórico

    • Recebido
      23 Set 2012
    • Aceito
      07 Nov 2012
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