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Não é coisa da sua cabeça: o que você precisa saber sobre ansiedade, depressão e outros transtornos emocionais que atingem uma em cada três pessoas

COMENTÁRIO DE LIVRO

Não é coisa da sua cabeça – O que você precisa saber sobre ansiedade, depressão e outros transtornos emocionais que atingem uma em cada três pessoas

Alexandre Andrade Loch


Médico psiquiatra pela Universidade de São Paulo (USP), coordenador de atendimento do Ambulatório de Psicoses do Laboratório de Neurociências (LIM-27), Instituto de Psiquiatria, Faculdade de Medicina da USP. Graduando em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP

Endereço para correspondência

Autores: Naiara Magalhães, José Alberto de Camargo

Belo Horizonte: Editora Gutenberg, 2012

Quando procuramos saber mais sobre a história da psiquiatria e das doenças mentais, encontramos à nossa disposição um conjunto eclético de leituras: desde o relato sensato e profundamente embasado em dados científicos de Edward Shorter em sua "History of Psychiatry"1, até o fantástico desenvolvimento filosófico-arquivístico de Foucault com sua "A História da Loucura"2. Apesar da grande variedade de discursos e de opiniões que essas leituras apresentam, todas elas concordam veementemente em um ponto: o estigma da doença mental existe desde tempos imemoriáveis, muito antes mesmo do nascimento da disciplina psiquiatria.

Pode-se equivocadamente pensar que a questão do preconceito contra o transtorno mental e contra o seu portador é coisa do passado, assunto da Idade Média, do famoso tempo da caça às bruxas. Hoje em dia, após quase duzentos anos de psiquiatria e com tantas descobertas sobre o cérebro, proporcionadas pelas neurociências, seria incompatível a persistência de tal sorte de discriminação, oriunda de tempos tão arcaicos. Ledo engano.

Se olharmos a literatura internacional sobre o estigma das doenças mentais, veremos que a cada ano brotam mais e mais publicações de todas as partes do mundo sobre o assunto3. A própria Revista de Psiquiatria Clínica algumas edições anteriores apresentou resultados do primeiro estudo nacional no Brasil sobre o tema4. Já se tem claro, por exemplo, que o estigma causa imensos prejuízos para os portadores de transtornos mentais: anos de atraso entre o início da doença e o diagnóstico, recusa em procurar ajuda para evitar a discriminação, falta de recursos na rede pública para o tratamento, e assim por diante5.

Uma vez que a questão do estigma é atual, persistente e altamente danosa, como combatê-la?

Informação. Este é um dos pilares principais nessa luta. E é necessário que essa informação seja precisa, que ela seja embasada cientificamente e que seja acessível à pessoa que não tem conhecimento técnico sobre saúde mental6,7.

Os autores Naiara Magalhães e José Alberto de Camargo conseguiram atingir esse objetivo primorosamente com a obra "Não é coisa da sua cabeça".

O capítulo inicial é um dos mais robustos e conceitualmente lapidados. "Para começo de conversa" inicia-se com o relato da situação de invisibilidade social de uma pessoa com perturbações mentais, situação essa na qual muitos enfermos se encontram. As cifras são altas e impressionam: as pessoas convivem em média 13 anos com depressão antes de procurar pela primeira vez o tratamento. Em outro ponto do livro esse número sobe para impressionantes 36 anos quando falamos das fobias. Os autores apontam como grandes responsáveis para esse prejuízo às pessoas a falta de informação e o estigma. Utilizando entrevistas com profissionais de grande renome na saúde mental do Brasil, explicam, então, com impressionante clareza como a doença mental é resultado de injúrias sociais e biográficas aliadas a um "solo bioquimicamente fecundo", o cérebro vulnerável. No final do capítulo são colocados seus objetivos: clarear os tortuosos caminhos da mente e proporcionar uma "convivência mais pacífica com as doenças da alma".

O capítulo 2 segue a mesma linha de explanar, de maneira bastante simples e acessível, as linhas gerais da epidemiologia psiquiátrica, discorrendo sobre os principais fatores de risco para o desenvolvimento de distúrbios mentais.

Os capítulos 3 a 8 passam, então, a discorrer sobre os mais diversos transtornos mentais: depressão, ansiedade, uso patológico de álcool e outras drogas, transtorno bipolar, esquizofrenia e mal de Alzheimer. Todos são repletos de opiniões, descrições e recomendações dos maiores especialistas de cada área no país. Os capítulos trazem histórias contundentes do sofrimento psíquico; para o profissional de saúde mental, a impressão é a de que se está a "passar um caso clínico" para discussão. Para o leitor leigo, a impressão é a de familiaridade, é a de que a descrição "lembra alguém que ele conhece". Os casos clínicos são de grande riqueza de detalhes, e muitas vezes são comoventes: como o do engenheiro com depressão que escondeu da família seu estado patológico por anos para não transparecer fraqueza, e hoje, após o tratamento, fez questão de ter seu nome revelado no livro. Ou o de Maurício, que por causa de seu transtorno obsessivo-compulsivo está sendo processado pelo Estado, que lhe exige que pague R$ 1.400.000,00 a título de indenização por prejuízos ao erário público. E ainda o relato do insidioso e penoso processo de psicotização de Elisa, que culminou com uma internação e diversas perdas em sua vida. Finalizando boa parte dos capítulos, há instrumentos autoaplicáveis de rastreamento para o transtorno tratado naquela sessão.

O capítulo 9 traz ótimas recomendações para os familiares de portadores de transtornos mentais sobre como eles podem ajudar. Apenas para exemplificar as excelentes sugestões, os autores orientam que as famílias afastem as culpas que em geral rondam o aparecimento da doença mental no ente querido, e que ajustem as expectativas de forma realista; duas questões com as quais os profissionais de saúde geralmente se deparam no manejo dessas famílias.

Na penúltima parte do livro, a saúde mental no Sistema Único de Saúde é abordada. Dentre outras coisas, é apontado o que se chama de estigma organizacional: a falta de recursos, a desorganização dos serviços, a desassistência dos indivíduos.

Por fim, "Melhor prevenir que remediar" encerra a obra com sugestões fundamentais para a prevenção dos distúrbios psiquiátricos: hábitos de vida que ajudam a manter a mente saudável, e dicas sobre como ajudar a prevenir que seus filhos tenham experiências que possam se tornar campos férteis para o desenvolvimento de transtornos mentais.

Enfim, o livro de Naiara Magalhães e José Alberto de Camargo é uma contribuição fundamental para a conscientização da população sobre as manifestações dos distúrbios mentais e a necessidade de tratá-los. Ele é um instrumento valiosíssimo de informação, que pretende desmistificar a doença mental para o leigo e possivelmente incitá-lo a procurar ajuda se for o caso. É também peça fundamental na luta contra o estigma da doença mental ao informar o público e desmanchar o tabu que há em se estar psiquicamente adoentado. Afinal, se você de fato está em sofrimento psíquico, "não é coisa da sua cabeça".

Referências

  • 1. Shorter E. A History of Psychiatry from the era of the asylum to the age of Prozac. New York: John Wiley & Sons; 1997.
  • 2. Foucault M. A história da loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva; 1997.
  • 3. Schomerus G, Schwahn C, Holzinger A, Corrigan PW, Grabe HJ, Carta MG, et al. Evolution of public attitudes about mental illness: a systematic review and meta-analysis. Acta Psychiatr Scand. 2012;125(6):440-52.
  • 4. Loch AA, Hengartner MP, Guarniero FB, Lawson FL, Wang YP, Gattaz WF, et al. O estigma atribuído pelos psiquiatras aos indivíduos com esquizofrenia. Rev Psiq Clín. 2011;38(5):173-7.
  • 5. Rüsch N, Angermeyer M, Corrigan PW. Mental illness stigma: concepts, consequences, and initiatives to reduce stigma. Eur Psychiatry. 2005;20(8):529-39.
  • 6. Guarniero FB, Bellinghini RH, Gattaz WF. O estigma da esquizofrenia na mídia: um levantamento de notícias publicadas em veículos brasileiros de grande circulação. Rev Psiq Clín. 2012;39(3):80-4.
  • 7. Loch AA, Hengartner MP, Guarniero FB, Lawson FL, Wang YP, Gattaz WF, et al. The more information, the more stigma towards schizophrenia: Brazilian general population and psychiatrists compared. Psychiatry Res. 2013;205(3):185-91.
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    Alexandre Andrade Loch. Instituto de Psiquiatria, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      2013
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