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Medida da aliança parental: validação portuguesa e construção de uma versão reduzida

Parenting alliance measure: a portuguese validation and development of a short-form version

Resumos

OBJETIVO: A Medida de Aliança Parental (PAM) avalia a qualidade da relação interparental na prestação de cuidados da criança. O presente artigo apresenta a validação de uma versão portuguesa da medida, bem como examina as qualidades psicométricas de uma versão reduzida com 6 itens do instrumento (PAM-R). MÉTODO: A amostra foi constituída por 182 pais (63% mães), dos quais 72 preencheram um instrumento de avaliação dos problemas de ajustamento psicológico das crianças. RESULTADOS: As análises fatoriais confirmatórias não corroboraram a estrutura dos dois modelos testados. No entanto, excelentes valores foram encontrados nos índices de adequação do modelo da PAM-R. Não foram encontrados erros de especificação no modelo unidimensional testado, o que suporta a validade fatorial da versão reduzida da PAM. A PAM-R apresentou excelentes valores de consistência interna e uma correlação negativa e significativa com a medida de problemas de ajustamento das crianças. CONCLUSÕES: PAM-R emerge como uma medida que possibilita a avaliação do impacto das dimensões familiares no funcionamento e desenvolvimento psicológico das crianças, em contextos de prestação de cuidados de saúde primários.

Aliança parental; avaliação psicológica; validação; coparentalidade


OBJECTIVE: The Parenting Alliance Measure (PAM) assesses the quality interparental relationship in childbearing. The present study aims to validate the Portuguese version of this measure and also develop and examine the psychometric properties of a 6-items short-version of PAM (PAM-R). METHOD: The sample was composed by 182 parents (63% mothers), 72 of them filled in a questionnaire regarding psychological adjustment problems of their children. RESULTS: Confirmatory Factorial Analyses did not support the structure of the PAM's two tested models. However, PAM-R showed excellent fit. Specification errors were not found in the tested unidimensional model that supports the factorial validity of the short-version of PAM. The PAM-R showed excellent values of internal consistency and a significant and negative correlation between PAM-R and children's behavior problems was found. DISCUSSION: PAM-R emerges as a measure that enables the assessment of the effects of the family dimensions on children's psychological development and adjustment in primary health care settings.

Parenting alliance; assessment; validation; coparenting


ARTIGO ORIGINAL

Medida da aliança parental: validação portuguesa e construção de uma versão reduzida

Diogo Lamela; Maria Castro; Bárbara Figueiredo

Escola de Psicologia, Universidade do Minho, Braga, Portugal

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Diogo Lamela Escola de Psicologia, Universidade do Minho, Campus de Gualtar 4710-057 - Braga, Portugal E-mail: dlamela@ese.ipvc.pt

RESUMO

OBJETIVO: A Medida de Aliança Parental (PAM) avalia a qualidade da relação interparental na prestação de cuidados da criança. O presente artigo apresenta a validação de uma versão portuguesa da medida, bem como examina as qualidades psicométricas de uma versão reduzida com 6 itens do instrumento (PAM-R).

MÉTODO: A amostra foi constituída por 182 pais (63% mães), dos quais 72 preencheram um instrumento de avaliação dos problemas de ajustamento psicológico das crianças.

RESULTADOS: As análises fatoriais confirmatórias não corroboraram a estrutura dos dois modelos testados. No entanto, excelentes valores foram encontrados nos índices de adequação do modelo da PAM-R. Não foram encontrados erros de especificação no modelo unidimensional testado, o que suporta a validade fatorial da versão reduzida da PAM. A PAM-R apresentou excelentes valores de consistência interna e uma correlação negativa e significativa com a medida de problemas de ajustamento das crianças.

CONCLUSÕES: PAM-R emerge como uma medida que possibilita a avaliação do impacto das dimensões familiares no funcionamento e desenvolvimento psicológico das crianças, em contextos de prestação de cuidados de saúde primários.

Palavras-chave: Aliança parental, avaliação psicológica, validação, coparentalidade.

Introdução

Ao longo das últimas décadas, a investigação tem consistentemente demonstrado uma relação direta entre a saúde psicológica e física das crianças e variáveis familiares, tais como a qualidade da relação conjugal e da relação pais-criança (parentalidade) e o funcionamento familiar1-4. Mais recentemente, a investigação tem também revelado que a aliança parental é uma variável que assume igualmente relevo empírico na compreensão do funcionamento psicológico das crianças5,6. A aliança parental (ou coparentalidade) é, então, definida como o envolvimento conjunto e harmonioso de ambos os pais na prestação de cuidados aos filhos em comum7-9. Weissman e Cohen (1985), em um dos artigos fundacionais do estudo e conceitualização da aliança parental, delimitaram o constructo em função de quatro características: o investimento de cada pai na criança, a valorização de cada um dos progenitores da qualidade parental do outro pai, a valorização que ambos os pais fazem do envolvimento do outro progenitor na vida da criança e, finalmente, a vontade de comunicação entre os pais sobre a prestação de cuidados à criança.

Dessa forma, do ponto vista teórico, o equilíbrio e a reciprocidade das relações interparentais (aliança parental) no cuidado das crianças parecem funcionar como um elemento nuclear para a compreensão dos processos familiares e da saúde biopsicossocial das crianças6,10. Por exemplo, em uma metanálise recente sobre a relação entre a aliança parental e o ajustamento psicossocial das crianças5, em que foram integrados 59 estudos com resultados obtidos com 10 824 famílias, foi demonstrado que, globalmente, a aliança parental estava significativamente associada a problemas de externalização e internalização das crianças, mesmo após ter sido controlado o efeito das relações conjugais e da qualidade da parentalidade individual5. Adicionalmente, analisando os dados dos estudos longitudinais incluídos na pesquisa, essa metanálise revelou que a aliança parental predizia mudanças nos problemas de ajustamento das crianças no futuro. Essa investigação corroborou que essa relação significativa entre aliança parental e o desajustamento das crianças parece ser moderada por algumas variáveis contextuais, tais como a idade da criança. Por exemplo, foi demonstrado que a associação positiva entre o desacordo interparental na prestação de cuidados à criança (uma dimensão da aliança coparental) e os problemas de internalização era mais elevada nos estudos que usaram dados de crianças mais novas. Os autores do estudo metanalítico levantam a hipótese de que o poder explicativo da aliança parental na predição dos problemas de ajustamento dos filhos pode reduzir à medida que as crianças ficam mais velhas, uma vez que, do ponto desenvolvimental, outras fontes de socialização, como os pares, começam a produzir maior influência nos processos e resultados desenvolvimentais das crianças em idade escolar e dos adolescentes, ao contrário do que acontece nas crianças mais novas5.

A operacionalização da aliança parental como constructo psicológico tem aproximadamente três décadas. No início do estudo da aliança parental, esse constructo era tradicionalmente medido com recurso a medidas que examinavam a relação conjugal (i.e., interação amorosa e íntima entre o casal) e não diretamente a aliança parental (i.e., interação pai-mãe na prestação de cuidados aos filhos), o que se assumia como uma limitação metodológica no seu estudo empírico. Contudo, na última década, foi publicado um conjunto de medidas de autorrelato para avaliar a aliança parental (para revisão das medidas ver Lamela et al.6). O primeiro instrumento a ser construído para medir o construto foi, no entanto, o Parenting Alliance Measure11-13, desenvolvido por Abidin et al. nos Estados Unidos. Essa medida, que é uma versão revista do Parenting Alliance Inventory11, é uma das mais utilizadas na investigação internacional e avalia a percepção que cada um dos pais apresenta sobre a relação coparental com o outro progenitor do seu filho. Sustentada nos contributos de Weissman e Cohen14, a PAM mede, mais concretamente, a comunicação entre a díade coparental sobre as práticas educativas, o compromisso conjunto na educação da criança, bem como sobre a compreensão das dificuldades e potencialidades do outro pai. O instrumento avalia as dimensões exclusivamente associadas com a aliança parental, o que permite sua utilização com pais divorciados.

Estudos anteriores de Abidin et al. apontam para dois modelos fatoriais confirmatórios. Inicialmente, os resultados sobre a estrutura interna da PAM, obtidos por meio da análise dos dados de 1.200 mães e pais, indicavam uma estrutura unifatorial, sugerindo a aliança parental como construto unidimensional11,12. Resultados de estudos posteriores sobre a validade de construto revelaram também a adequação de um modelo de dois fatores da PAM12,13: o fator Respeito (3 itens) e o fator Comunicação e Trabalho em Equipe (17 itens)13. Desse modo, os autores sugerem que as estruturas uni e bidimensionais são ambas possíveis de serem adotadas na interpretação dos resultados obtidos com a medida, sendo que, por um lado, a estrutura de dois fatores pode ser aplicada quando se pretende uma avaliação mais diferenciada das componentes que compõem a aliança parental, ao passo que a estrutura de um fator pode ser utilizada quando o objetivo é proceder a uma estimação global da percepção dos pais sobre sua aliança parental13.

O presente estudo tem dois objetivos principais. O primeiro foi desenvolver e validar uma versão portuguesa da PAM. Para tal efeito, foram testados os dois modelos confirmatórios da estrutura interna da PAM testados na versão norte-americana: o modelo de um fator e o modelo de dois fatores. O segundo objetivo centrou-se no desenvolvimento de uma versão reduzida da PAM (PAM-R). Duas razões motivaram a construção de uma versão reduzida do instrumento. Em primeiro, dado que a investigação empírica demonstra que a aliança parental é uma variável familiar preditora do ajustamento psicológico das crianças, uma versão reduzida da PAM poderá traduzir-se em um ganho de eficácia na avaliação de variáveis ambientais explicativas do desenvolvimento das crianças nos serviços de saúde primários e especializados. Em segundo, uma versão com um número significativamente menor de itens poderá ser útil para projetos de investigação que recorram a uma bateria de avaliação extensa, já que reduz o tempo de preenchimento. Para o desenvolvimento da versão reduzida da PAM, foram seguidos os procedimentos metodológicos indicados na literatura psicológica15 para a maximização da validade de construto e da confiabilidade de versões reduzidas de instrumentos. Em primeiro, foram selecionados os itens que demonstraram elevadas correlações com o total da PAM. Assim, realizou-se uma análise das correlações item-total da PAM, a fim de identificar os itens que individualmente revelavam elevada correlação (> ,70) com o total da escala. Foram identificados, neste processo, 12 itens. Seguidamente, desses 12 itens, foram selecionados aqueles que apresentavam maior validade facial (i.e., os itens que surgiram como os indicadores mais óbvios e claramente capturavam conceitualmente o construto avaliado). A análise da validade facial dos itens foi conduzida pelos autores do presente estudo. Em uma primeira fase, cada um dos autores identificou individualmente dos 12 itens os que melhor representavam o construto aliança parental; em seguida, os autores em conjunto chegaram ao consenso sobre quais os itens que apresentavam maior validade facial. De acordo com esses critérios, seis itens foram selecionados e incluídos na versão reduzida da PAM. Finalmente, a consistência interna e a validade de critério foram avaliadas, a fim de confirmar a qualidade psicométrica da versão portuguesa da PAM e da PAM-R.

Método

Participantes e procedimentos

O presente estudo é composto por 183 participantes (116 mães, 63%). A média de idade dos participantes foi de 38,8 anos (DP = 6,9 anos, variação entre 27 e 67 anos), sendo que 111 participantes se encontravam casados ou em união de fato (61%) e 72 pais eram divorciados (39%). Considerando os anos de escolaridade, 25,7% da amostra tinha até 9 anos de educação, 20% tinham 12 anos e 53,3% relataram ter uma escolaridade no nível dos estudos universitários. Considerando os anos de escolaridade, 25,7% da amostra tinha até 9 anos de educação, 20% tinham 12 anos e 53,3% relataram ter frequência em estudos universitários. Em média, os participantes tinham 1,7 filho (DP = ,84; variação entre 1 e 7 filhos). A média de idade das crianças que eram o foco do preenchimento da PAM e da PAM-R foi de 7,3 anos (DP = 3,82 anos), sendo 56% das crianças do gênero feminino.

Os participantes são oriundos de duas amostras distintas. Os dados de 111 participantes (amostra dos pais casados/união de fato) foram recolhidos expressamente para o presente estudo em jardins de infância de uma zona urbana do Norte de Portugal. Por outro lado, os dados dos 72 participantes divorciados são provenientes de um estudo sobre a adaptação ao divórcio de pais récem-divorciados. Os dados dos pais divorciados foram recolhidos na Conservatória do Registro Civil (equivalente aos Cartórios de Registro Civil no Brasil) de uma cidade do Norte de Portugal, no momento após os participantes terem oficializado e legalizado o divórcio.

A fim de recolher os dados dos participantes casados/união de fato, as direções pedagógicas dos jardins de infância foram previamente contactadas pela equipe de investigação, para apresentar os objetivos da pesquisa e solicitar sua aplicação a pais cujos filhos frequentavam aqueles estabelecimentos de educação. Após a validação ética do estudo pelas direções pedagógicas dos jardins de infância, um membro da equipe de investigação apresentou os objetivos da pesquisa aos pais, sendo a bateria de questionários (uma ficha sociodemográfica e os questionários de autorrelato) entregue em um envelope aos pais que concordaram participar na investigação e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foi solicitado aos participantes que preenchessem os questionários em casa e os entregassem no envelope selado ao professor da turma do filho. O envelope fornecido pela equipe de investigação não tinha qualquer elemento que pudesse identificar o participante. Os envelopes com os questionários eram recolhidos diretamente pelos membros da equipe de investigação junto dos professores (taxa de resposta de 76%).

No caso da amostra com os participantes recém-divorciados, a validação ética da recolha de dados foi concedida pelos serviços centrais e locais da Conservatória do Registro Civil de Portugal. No momento de oficialização legal do divórcio, os participantes foram contatados por um membro da equipe de investigação, que lhes providenciava informação sobre os objetivos do estudo. Após terem assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, os pais que concordaram em participar na investigação forneceram os dados sociodemográficos (e.g., nome, endereço e contato telefônico). Foram entregues a cada participante a bateria de questionários (uma ficha sociodemográfica e os questionários de autorrelato) e um envelope pré-pago, sendo solicitado que preenchessem os questionários em casa e os enviassem por correio (taxa de resposta de 81%).

Medidas

O Parenting Alliance Measure12 é um inventário de autorrelato de 20 itens. Os itens são classificados em uma escala tipo Likert, variando entre 1 de (discordo totalmente) e 5 (concordo totalmente). Considerando o sistema de cotação do instrumento, quanto maior for a pontuação (mínimo = 20 e máximo = 100), maior a aliança parental na díade (não existem itens com valores invertidos). As análises fatoriais desenvolvidas com o instrumento revelaram que dois modelos apresentaram níveis satisfatórios de adequação aos dados: o modelo unifatorial, em que todos os 20 itens compõem um constructo latente único e global e o modelo bifatorial, em que a saturação dos itens da PAM distribuía-se por dois fatores: o fator Respeito, composto por 3 itens (e.g., "O pai/a mãe do meu filho acredita que eu sou um bom pai/uma boa mãe") e fator Comunicação e Trabalho em Equipe, composto por 17 itens (e.g., "O pai/a mãe do meu filho e eu fazemos uma boa equipe").

A versão portuguesa da PAM foi traduzida, adaptada e validada de acordo com o procedimento back-translation por dois tradutores independentes. Eventuais discrepâncias de tradução foram identificadas e discutidas pelos tradutores com vista a ser alcançado acordo numa versão comum. A versão americana da PAM demonstrou valores elevados de consistência interna (α de Cronbach), quer para o total da escala (,97), quer para as subescalas Respeito (,82) e Comunicação e Trabalho em Equipe (,97)13. A versão reduzida da PAM é composta por 6 itens, selecionados dos 20 itens da PAM. Os procedimentos de cotação e interpretação dos resultados são iguais aos da PAM. Assim, tal como na PAM, os itens da PAM-R são cotados numa escala tipo Likert de 5 pontos, variando entre o discordo totalmente e o concordo totalmente (variação entre 6 e 30), em que elevados scores representam maior aliança parental entre os pais. De igual modo, tal como nas considerações teóricas que orientaram os autores no desenvolvimento inicial da PAM11, no presente estudo, foi assumido que a PAM-R avaliava a aliança parental como um constructo composto exclusivamente por uma dimensão latente global, tendo sido, por isso, testada uma estrutura fatorial unidimensional da medida. Desse modo, a PAM-R possibilita uma estimativa global da percepção que cada pai apresenta da sua aliança parental.

Child Behavior Checklist (CBCL; Achenbach, 1991) é um instrumento de autorrelato parental de avaliação de problemas comportamentais e emocionais das crianças durante os últimos seis meses. A CBCL produz resultados sobre o funcionamento da criança em oito síndromes (e.g., ansiedade/depressão e comportamento agressivo), que se organizam em dois agrupamentos - agrupamento de problemas internalização e agrupamento de problemas externalização - que, somados, produzem o score total da escala de problemas de comportamento da criança. São, igualmente, fornecidos pontos de corte entre o funcionamento adaptativo e o funcionamento clinicamente relevante. De acordo com as regras de interpretação da CBCL, quanto maior a pontuação obtida, maiores são os problemas de ajustamento16. A CBCL é um dos instrumentos com maior difusão internacional no estudo do funcionamento psicossocial das crianças, com consistentes evidências de validade e confiabilidade17. Os valores de alfa da versão americana da escala total dos problemas de comportamento da CBCL são elevados (,96)16. Estudos preliminares da versão portuguesa da CBCL confirmam suas qualidades psicométricas18. No presente estudo, apenas os pais divorciados com filhos com idades entre os 6 e os 18 anos preencheram a CBCL (n = 72).

Procedimento estatístico

Para a avaliação da validade constructo da PAM e da PAM-R, foi conduzida uma análise fatorial confirmatória (AFC) (AMOS 18.0) com a finalidade de testar os dois modelos alternativos da estrutura interna da PAM. Foi utilizado o método estimador de máxima verosimilhança. Foram relatados quatro índices de adequação dos modelos testados: o Comparative Fit index (CFI), o Normed Fit Index (NFI), o Tucker-Lewis Index (TLI), e o Root-Mean-Square Error of Approximation (RMSEA). Valores superiores a ,95 nos índices CFI, NFI e TLI e um valor RMSEA igual ou inferior a ,05 indicam uma boa adequação do modelo testado19. Em seguida, a consistência interna da PAM-R foi aferida por meio do coeficiente de alfa de Cronbach. Tradicionalmente, valores iguais ou superiores a ,70 indicam bons níveis de fiabilidade20. Finalmente foram conduzidas duas correlações de Pearson, com intuito de suportar a validade da PAM-R: em primeiro, testou-se uma correlação entre a PAM-R com outro constructo teoricamente associado - nomeadamente o grau de ajustamento psicossocial das crianças, avaliado pela CBCL - e, em segundo, foi testada uma correlação entre o total da PAM e o total da PAM-R.

Resultados

Primeiramente, a estrutura de dois fatores (respeito e comunicação e trabalho em equipe) da PAM proposta pelos autores foi testada por meio de uma análise fatorial confirmatória13. Os índices de adequação revelaram uma pobre adequação do modelo de dois fatores, sugerindo que essa estrutura interna não pode ser assumida (CFI = ,87; NFI = ,83; TLI = ,86; RMSEA = ,12). Em seguida, foi testada a estrutura de um fator da PAM. Igualmente, os dados não suportaram a estrutura unifatorial da PAM, apresentando valores de adequação muito similares aos da estrutura de dois fatores (CFI = ,89; NFI = ,85; TLI = ,87; RMSEA = ,107). Considerando os índices de modificação das duas estruturas fatoriais testadas, vários itens foram removidos por meio de um procedimento stepwise, no entanto, a adequação das estruturas duo e unifatorais não foi atingida. Seguidamente, a estrutura unifatorial da PAM-R foi testada por meio de uma análise fatorial confirmatória. Como apresentado na tabela 1, os coeficientes de regressão estandardizados (coeficientes de saturação) variaram entre ,83 e ,90. Foram encontrados excelentes valores de adequação do modelo fatorial (CFI = ,99; NFI = ,98; TLI = ,98; RMSEA = ,05), claramente superiores ao valores recomendados como adequados para a confirmação do modelo fatorial testado19. Adicionalmente, com base na análise dos índices de modificação e dos resíduos estandardizados, não foram detectados erros de especificação, o que suporta a validade fatorial da PAM-R.

Na tabela 2, estão descritos os dados descritivos (média e desvio-padrão) dos itens e do total da PAM-R, bem como as correlações corrigidas item-total. As correlações corrigidas item-total variaram entre ,81 e ,89. A consistência interna da PAM-R foi de ,95. Em seguida, foi encontrada uma correlação negativa, moderada e significativa entre a PAM-R e a CBCL (r = -.39, p < .01). Finalmente, foi igualmente encontrada uma correlação elevada, positiva e significativa entre o total da PAM e o total da PAM-R (r = .97, p < .001).

Discussão

A presente investigação avaliou as propriedades psicométricas da PAM e da sua versão reduzida. Os resultados obtidos com a amostra de pais portugueses suportam a utilização da PAM-R. No entanto, os resultados da análise fatorial confirmatória não sustentaram as estruturas internas testadas da PAM. A não adequação dos modelos testados da PAM pode ter sido consequência do tamanho da amostra. Apesar de o tamanho amostral do presente estudo cumprir os critérios para a condução adequada de uma análise fatorial confirmatória com modelos não complexos21,22, alguns autores sugerem que CFA testadas com amostras inferiores a 200 participantes podem contribuir para alguma instabilidade da solução fatorial23. Por outras palavras, amostras que não são compostas por um elevado número de participantes apresentam maior risco de gerar soluções fatoriais não satisfatórias, por isso são recomendados estudos futuros com a PAM, a fim de reanalisar sua estrutura fatorial para a população portuguesa.

Dada a não adequação dos modelos confirmatórios, as restantes análises quanto à consistência interna e à validade foram apenas conduzidas para a PAM-R, sendo apenas utilizado o total da PAM para efeito de avaliar a validade da PAM-R. Por outro lado, os excelentes valores dos índices de adequação do modelo testado na AFC confirmaram a estrutura unidimensional da PAM-R. O valor da consistência interna da PAM-R é elevado, o que indica que essa nova medida é confiável e precisa. O valor de consistência interna obtido na PAM-R é similar ao valor encontrado na versão original americana da PAM de 20 itens, o que pode sugerir que, apesar da redução do número de itens, a PAM-R não viu significativamente diminuída sua confiabilidade e precisão de medida. Dessa forma, a PAM-R parece respeitar os dois critérios recomendados na investigação internacional para verificação da qualidade psicométrica das versões abreviadas: confiabilidade e validade de constructo15.

No entanto, apesar de trazerem vantagens para a investigação empírica e para os contextos de aplicação clínica, as versões reduzidas de instrumentos conduzem inevitavelmente à perda de alguma informação sobre o constructo avaliado. Nessa linha, a versão PAM-R permite apenas avaliar a visão global da coparentalidade, não possibilitando uma avaliação mais refinada e diferenciada das suas duas componentes (i.e., fatores extraídos nas análises fatorais da versão norte-americana: respeito e comunicação e trabalho em equipe), o que deve ser lido como uma limitação da versão abreviada do instrumento. Assim, o objetivo da PAM-R não é substituir a versão da PAM com 20 itens. A PAM-R foi desenvolvida, tal como descrito anteriormente, para medir as diferenças interindividuais no constructo aliança parental, tendo sido, por isso, conceitualizada como uma medida unidimensional. Essa forma abreviada da PAM não é aconselhada para a avaliação das dimensões da PAM extraídas nas análises fatoriais confirmatórias testadas mais recentemente com a versão original norte-americana13, uma vez que os itens que compõem a PAM-R foram selecionados como sendo os mais representativos do constructo global da aliança parental e não como os mais representativos das suas componentes. Dessa forma, caso os investigadores ou clínicos tenham como objetivo a discriminação entre as duas componentes da aliança parental, é recomendada a administração da PAM.

Adicionalmente, além de evidenciar uma correlação linear com o total da PAM, o total da PAM-R mostrou-se significativa e negativamente correlacionado com a medida de problemas de ajustamento das crianças. Esse dado, para além do seu relevo para a validação psicométrica da PAM-R, tem um valor clínico de particular interesse. Indo de encontro com os resultados produzidos pela investigação internacional5,10, 24-28, o presente estudo deu indicações que o ajustamento psicossocial das crianças parece estar associado à qualidade da relação interparental na prestação de cuidados instrumentais e emocionais às crianças6,8. Consequentemente, o presente estudo demonstrou que o ajustamento e a saúde mental infantil devem ser analisados à luz dos processos familiares. Nesse sentido, os dados deste estudo parecem recomendar a introdução de rotinas avaliativas do funcionamento familiar para aumentar a eficácia da intervenção pediátrica, uma vez que essa variável parece apresentar forte poder preditivo e explicativo do ajustamento psicossocial das crianças29-31. De fato, nossos dados sugerem que a PAM-R pode ser um recurso importante para o despiste da qualidade da relação parental nos serviços de saúde mental infantil e familiar.

Apesar dos seus contributos, o artigo deve ser lido tendo em conta algumas limitações metodológicas. Em primeiro, o tamanho amostral não permitiu a estratificação dos participantes por idade, gênero, estado civil e idade dos filhos. Em segundo, os valores de consistência interna foram utilizados como único critério de avaliação da confiabilidade da medida. Futuras investigações deverão conduzir análises de confiabilidade teste-reteste, a fim de examinar a estabilidade temporal do constructo. Em terceiro, o design do presente estudo não incorporou outras medidas do constructo da aliança parental, a fim de permitir o teste da validade convergente da PAM; tal fato deve-se à não existência, pelo do nosso conhecimento, de outros instrumentos validados para a população portuguesa sobre o mesmo constructo. Em estudos posteriores, deverá ser considerada a introdução de instrumentos que possibilitem análises de validade convergente e divergente da medida, com o objetivo de consolidar a evidência da validade da PAM-R. Finalmente, tal como já apontado em investigações prévias32, dado que a PAM-R não foi administrada autonomamente mas sim extraída a partir dos dados da PAM-20 itens, é possível que as propriedades psicométricas da PAM-R possam ser mais reduzidas quando for aplicada individualmente no futuro. No entanto, alguns autores32 também sugerem que a versão reduzida pode produzir resultados com melhor qualidade psicométrica, uma vez que, dada sua facilidade e rapidez na aplicação, pode prevenir algumas das limitações (e.g., cansaço, motivação) que tendem a enviesar as respostas dos participantes.

A investigação empírica tem demonstrado sistematicamente que o funcionamento familiar é uma variável robusta na compreensão da saúde física e mental das crianças2,4,33. Em decorrência da clareza teórica do constructo que avalia, da sua dimensão reduzida, do tempo necessário na sua aplicação, da sua estrutura psicométrica e da facilidade de cotar e interpretar os dados, a PAM-R surge como um instrumento que pode aumentar a eficácia da avaliação do impacto das dimensões familiares (neste caso a aliança parental) no funcionamento e desenvolvimento psicológico das crianças, em contextos de prestação de cuidados de saúde primários, independentemente da configuração estrutural da família34.

Recebido: 29/7/2012

Aceito: 4/6/2013

Instituição onde o trabalho foi elaborado: Escola de Psicologia, Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057, Braga, Portugal.

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  • Endereço para correspondência:

    Diogo Lamela
    Escola de Psicologia, Universidade do Minho, Campus de Gualtar
    4710-057 - Braga, Portugal
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jan 2014
    • Data do Fascículo
      2013

    Histórico

    • Recebido
      29 Jul 2012
    • Aceito
      04 Jun 2013
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