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A questão do neodesenvolvimentismo e as políticas públicas. Entrevista especial com Rodrigo Castelo

The issue of neo-developmentism and public policies

ENTREVISTA

A questão do neodesenvolvimentismo e as políticas públicas. Entrevista especial com Rodrigo Castelo* * Entrevista publicada originalmente na Revista de Políticas Públicas, do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão, São Luís, v. 17, n. 2, p. 389-393, jul./dez. 2013.

The issue of neo-developmentism and public policies

Entrevistadora: Raquel Raichelis – PUC-SP

Assistente social, doutora em Serviço Social pela PUC-SP, pós-doutora pela Universidade Autônoma de Barcelona, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa Trabalho e Profi ssão do Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social da PUC-SP, Brasil, pesquisadora bolsista produtividade do CNPQ. E-mail:raichelis@uol.com.br

Realizada em novembro de 2013

Rodrigo Castelo formou-se em economia na UFRJ e fez toda a sua pós- -graduação em Serviço Social na UFRJ. Durante o período do doutorado, pes- quisou as ideologias do bloco de poder dominante no Brasil nas últimas décadas, com destaque para o social-liberalismo e o neodesenvolvimentismo. Atualmente é professor da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). Em 2010, organizou uma coletânea chamada Encruzilhadas da América Latina no século XXI, sobre o novo desenvolvimentismo e, em 2013, a editora Expressão Popular lançou o seu livro O social-liberalismo: auge e crise da supremacia burguesa na era neoliberal.

Entrevistadora – Para começar, seria oportuno que você explicitasse o que é o "novo desenvolvimentismo" e por que ele surge na América Latina no fi nal do século passado e ganha foros de um novo projeto de desenvolvimento para os países da periferia capitalista, inclusive no Brasil?

Rodrigo Castelo – O novo desenvolvimentismo tem uma curta e recente história na América Latina. Surge no início do sé- culo XXI — mais precisamente no Brasil com os escritos de Luiz Carlos Bresser Pereira e alguns documentos do empre- sariado nacional — como uma suposta al- ternativa à crise do neoliberalismo. Nasce, portanto, como uma tentativa das classes dominantes e seus ideólogos orgânicos de traçar uma terceira via de desenvolvi- mento, criticando tanto o neoliberalismo do Consenso de Washington quanto o socialismo do século XXI.

Rapidamente grupos ligados à social- -democracia brasileira, que então pas- saram a ocupar palácios, parlamentos e conselhos de administração de estatais e do grande capital, juntaram-se ao novo desenvolvimentismo e passaram a disputá- -lo, visando dar um caráter "social", "estatista" e "nacionalista" à nova ideologia. Criaram uma falsa disputa entre burguesia produtiva e burguesia rentista, Estado e mercado, nacional e estrangeiro, intervencionistas e privatistas, e foram pautados, política e ideologicamente, pelos antigos neoliberais. Continuaram hegemonizados pelas antigas frações dominantes do bloco de poder e passaram a ser linha auxiliar do status quo, influenciando aqui e acolá decisões do governo sem, no entanto, mudar o essencial. Diante dos recentes protestos populares, perderam toda a credibilidade que porventura acumularam nos últimos tempos e hoje buscam se endireitar. Mas ainda deverão permanecer no poder, por conta de ausência de alternativas concretas tanto pela direita quanto pela esquerda.

Como principais propostas, o novo desenvolvimentismo defende: 1) complementariedade da atuação de um Estado forte nas falhas de mercado, com o objetivo de fortalecê-lo, leia-se fortalecer o atual padrão de reprodução do capital imposto desde os anos 1980/90 e aprofundá-lo e consolidá-lo no século XXI; 2) na política econômica: responsabilidade fiscal, superávit primário, metas inflacionárias, câmbio flutuante e tributação regressiva, com intervenções pontuais no câmbio e nos juros; 3) incentivos fiscais, tributários e subsídios para conglomerados do capital monopolista aumentarem suas taxas de lucro, sob o manto de uma política industrial e de inovação tecnológica, a chamada política de "campeãs nacionais"; 4) aumento da massa salarial e do crédito para ampliação do consumo do mercado interno e; 5) nas expressões mais agudas da "questão social", a política social de transferência de renda de larga abrangência e focalizada nas camadas mais miseráveis da nossa sociedade.

Pode-se perceber, em suma, que grande parte da agenda do novo desenvolvimentismo é, com ligeiras mudanças, uma apropriação consciente das antigas e desgastadas medidas neoliberais, destacando- -se as garantias de reativação das taxas de lucro do grande capital e de transferência de quase metade dos recursos do orçamento público para as frações rentistas das classes dominantes.

Entrevistadora – É possível traçar um paralelo entre as propostas atuais e o nacional desenvolvimentismo do período 1950-70? Ou o debate atual é apenas retórico e ideológico?

Rodrigo Castelo – O debate atual tem uma forte base retórica, mas vale lembrar que toda ideologia — por mais alienante e mistificadora que seja — tem um fundamento na atuação concreta de grupos e classes sociais. O novo desenvolvimentismo almeja se legitimar na batalha das ideias como um resgate do nacional- -desenvolvimentismo, mas é tão somente uma pálida sombra do passado. Sua existência está muito fragilizada porque não conta com uma efetiva base social, que foi solapada pelas recentes manifestações massivas de junho/julho. Arrisco dizer que o novo desenvolvimentismo não irá se recuperar desse duro golpe. Talvez tenha entrado na sua crise terminal...

No passado, o nacional-desenvolvimentismo fez a cabeça de amplos setores da esquerda brasileira. Defendeu que a industrialização impulsionada e planejada pelo Estado em comunhão com o grande capital nacional seria capaz de romper com a inserção subordinada do Brasil na divisão internacional do trabalho, desenvolver nossas forças produtivas, gerar emprego e distribuir renda e riqueza com ganhos para capitalistas e trabalhadores. No plano político, mobilizou, de fato, amplas camadas populares, com setores organizados da classe trabalhadora e camponesa voltados para profundas reformas de base. O resultado foi bem diferente e mais amargo: o capital estrangeiro dominou o nacional, a dependência aprofundou-se e a distribuição de renda e riqueza agravou-se junto com a superexploração do trabalho, mas, pelo menos, importantes batalhas foram travadas em nome dos trabalhadores da cidade e do campo.

Hoje nada disto está em questão. Nenhuma reforma foi aprovada nos últimos 25 anos, nem sequer foram pautadas pelos governos do PT e seus aliados quando estes ainda ocupavam a esquerda da cena política. Importantes organizações da classe trabalhadora e da juventude ficaram ainda mais passivas e cooptadas, sem capacidade de mobilização, tendo se tornado inclusive gestores dos fundos de pensão, consultores e lobbistas de grandes empresas. A indústria sofreu duros golpes pela competição externa, e os setores de ponta foram desconstruídos. Na última década decidiram apostar no agronegócio e na mineração como a melhor forma de inserção na nova divisão internacional do trabalho. Os usineiros foram declarados "heróis nacionais", abandonou-se a reforma agrária, diminuiu-se drasticamente a demarcação de terras indígenas e criaram- -se marcos regulatórios mais flexíveis com a destruição ambiental. Por fim, o Estado brasileiro continuou um processo de privatização dos bens públicos na forma de parcerias público-privadas, concessões e venda direta do patrimônio, abdicando da sua capacidade de planejamento da economia nacional.

Ora, se o critério da verdade é a prática, como nos ensinam as teses sobre Feuerbach, isto em nada se assemelha ao nacional- -desenvolvimentismo. É, no fundo, uma decadência ideológica do pensamento social brasileiro e um oportunismo político de setores que antes formaram parte da esquerda. Tenho consciência que esse balanço é duro, mas devemos exercer o pessimismo da razão, conjugando-o ao otimismo da vontade de mudar a nossa realidade a partir de uma militância orgânica em partidos políticos, movimentos sociais, associações profissionais e sindicatos, cooperativas, conselhos etc.

Entrevistadora – Você considera viável a retomada de teses desenvolvimentistas em um contexto de crise da hegemonia neoliberal, mas com o capital financeiro e globalizado seguindo seu rumo sem amarras e sem controle social?

Rodrigo Castelo – Nos anos 1950-70, algumas frações das burguesias latino- -americanas, com relativo apoio popular, tentaram construir os modelos desenvolvimentistas de soberania nacional. Defendeu-se um processo de industrialização — o modelo de substituição de importações — sob a hegemonia do capital industrial e com ações coordenadas pelo planejamento do Estado, que seria então dirigido por uma burocracia progressista supostamente acima dos interesses das classes sociais. O crescimento econômico e o aumento da massa salarial derivados da industrialização atrairiam o apoio de setores da classe trabalhadora, que dariam uma base popular aos projetos de desenvolvimento nacional. No Brasil, Argentina e México, em especial, esses projetos tentaram alçar voo, mas foram abatidos por forças conservadoras internas e externas, tanto do latifúndio quanto do imperialismo, além do empresariado industrial no qual se depositaram falsas esperanças.

A autocracia burguesa espalhou-se por toda a América Latina, sepultando a via nacional-democrática de transformação social. Houve um massacre às organizações e aos militantes que resistiram. Essa foi uma das grandes lições daquela conjuntura, e não devemos esquecê-la jamais, pois é impossível confiar no papel progressista da burguesia. Esta classe, quando consolidou a sua supremacia, tornou-se conservadora e, no caso brasileiro, acentuou o seu caráter reacionário.

Por que agora, em pleno século XXI, com o aprofundamento do imperialismo, da dependência, do latifúndio, da expropriação dos meios de produção dos povos originários e dos camponeses, da superexploração da classe trabalhadora, seria possível retomarmos a antiga tragédia do nacional-desenvolvimentismo? Primeiro, o contexto histórico é totalmente diverso e a história não se repete, a não ser como farsa. Fica no ar uma sensação de saudosismo sem fundamento histórico. Segundo, o antigo projeto se mostrou baseado em ilusões políticas, como os mitos da burguesia nacional, da burocracia estatal neutra e acima das classes, do capitalismo regional autônomo do imperialismo. Ora, o sujeito histórico fiador do nacional- -desenvolvimentismo — a "burguesia nacional" — se mostrou, nos dizeres de Vânia Bambirra, como uma classe dominante dominada, isto é, aliada do imperialismo e do latifúndio, nunca tendo lutado de fato pelos interesses dos trabalhadores. E o Estado, nos momentos de agudização das lutas sociais, afirmou — como sempre faz, ontem e hoje! — seu caráter classista da supremacia burguesa. Por fim, o imperialismo, após a Revolução Cubana, fechou todas as portas do desenvolvimento autônomo e passou a atuar enfaticamente contra todo projeto nacional popular com tendências socialistas, como ocorreu no Chile, Nicarágua, El Salvador e Granada. Ou seja, as classes dominantes sequer permitem uma agenda reformista na América Latina. Por isto temos que queimar a etapa democrático-burguesa e passar direto à socialista com hegemonia do proletariado, tratando as questões nacionais, democráticas, agrárias etc. como elas merecem e os trabalhadores necessitam.

Por esses motivos, não creio que seja possível — nem desejável — ressuscitarmos ou reeditarmos as vias nacional-democrática e democrático-popular. Estas, ou foram derrotadas nos anos 1950-70, ou se mostraram um fracasso no poder com os governos do PT. É preciso ir além desse nível de consciência e organização e retomar o debate do caráter socialista da revolução brasileira, sem repetirmos os erros do passado de uma postura sectária e dogmática.

Entrevistadora – Qual é a crítica marxista ao chamado mito do desenvolvimento capitalista? Que autores marxistas mais contribuem para uma análise crítica desse projeto? Qual a importância da retomada do pensamento social brasileiro e latino- -americano para esse debate?

Rodrigo Castelo – A crítica marxista ao chamado mito do desenvolvimento capitalista começou com o "esboço genial" de crítica à economia política de Engels em 1844 e prosseguiu com seu livro A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Depois Marx seguiu as trilhas do companheiro de lutas e traçou um ambicioso plano de estudos, que deságua no livro I de O capital, obra finalizada com três capítulos primorosos de crítica ao desenvolvimento capitalista: lei geral da acumulação capitalista, a chamada acumulação primitiva e teoria moderna da colonização. Entre esses momentos da juventude e da maturidade, Marx e Engels, ainda marcados por um eurocentrismo bastante forte, fizeram leituras muito instigantes sobre o desenvolvimento capitalista em regiões periféricas do mercado mundial, como Alemanha, Índia, Irlanda e Espanha. Já no final da vida eles escreveram sobre a Rússia e reavaliaram muitas das suas antigas posições teóricas e políticas, admitindo a possibilidade da revolução socialista em regiões de baixo desenvolvimento das forças produtivas capitalistas.

Duas gerações seguintes, um conjunto de revolucionários comunistas se apropriou com muita criatividade das três fontes do marxismo e fez análises concretas de situação concreta do desenvolvimento capitalista na periferia que ainda hoje tem validade, desde que façamos as devidas mediações históricas. Refiro-me a Lênin, Rosa Luxemburgo, Bukhárin, Trotski, Gramsci, Julio Mella, Mao Tsé-tung, José Carlos Mariátegui, Mário Pedrosa, Caio Prado Jr. e outros. Com a vulgata estalinista, muitos desses revolucionários foram esquecidos ou apagados, e leituras esquemáticas e evolucionistas do desenvolvimento capitalista prevaleceram dentro da tradição marxista. É preciso retomar tal tradição para entendermos a nossa peculiar forma de desenvolvimento histórico, que mescla modos de produção diversos dominados pelo capitalismo.

Nos anos 1960-70, surge uma terceira geração de revolucionários aqui na América Latina que resgata tais reflexões no marxismo para entender a nossa situação de dependência interna e externa e os caminhos da revolução. Podemos evocar os nomes de Fidel Castro, Che Guevara, Carlos Marighella, Ruy Mauro Marini, Theotônio dos Santos, Vânia Bambirra, Florestan Fernandes, Jacob Gorender e autores socialistas como André Gunder Frank, Clóvis Moura, Darcy Ribeiro, Francisco de Oliveira, Octavio Ianni, Pablo González Casanova e tantos outros.

Resumidamente, tais autores identificam algumas linhas-mestras sobre o desenvolvimento capitalista: 1) a pobreza não é ausência de riqueza, mas sim resultado de como a riqueza é produzida, distribuída e consumida numa sociedade baseada na propriedade privada e na exploração da força de trabalho — ambas, riqueza e pobreza, formam contrários de uma mesma unidade; 2) o mesmo se aplica ao subdesenvolvimento e à dependência. Estas não são ausência do desenvolvimento capitalista na periferia, mas justamente a forma como se conforma o capitalismo nas regiões dependentes e exploradas. Portanto, socialistas e comunistas não devem contribuir com a burguesia (ou qualquer outra classe dominante) nas suas tarefas de desenvolver o capitalismo, para depois, então, pautarem a transição socialista. Ademais, as classes dominantes estão historicamente vinculadas ao imperialismo e nunca construíram um projeto nacional, muito menos democrático. Quando surgiram movimentos revolucionários e reformistas, estes foram sufocados por contrarrevoluções e revoluções passivas brutais.

Entrevistadora – Quem são os novos intelectuais do novo desenvolvimentismo no Brasil e seus principais espaços acadêmicos e políticos, ou em termos gramscianos, os aparelhos de hegemonia que difundem hoje as ideias e propostas políticas desse projeto?

Rodrigo Castelo – O novo desenvolvimentismo comporta algumas subdivisões internas. Não é um bloco ideológico homogêneo, embora se possa identificar uma hegemonia do chamado social-desenvolvimentismo. Mas vamos começar pela corrente da macroeconomia estruturalista do desenvolvimento: neste grupo despontam Luiz Carlos Bresser Pereira e seus assessores e discípulos, na sua maioria ligados à Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, a Revista de Economia Política e a Associação Keynesiana Brasileira, bem como a outros centros universitários espalhados pelo país (e mundo afora). São politicamente próximos do PSDB e de outros grupos de centro-direita, mas não são quadros partidários. Sua força não deve ser desprezada, pois conseguem, a partir de seus aparelhos privados de hegemonia — financiados com recursos de grandes empresas e com apoio de oligopólios da mídia —, exercer influência em setores do empresariado, governo, intelectualidade e "opinião pública".

Em segundo lugar, temos o autointitulado social-desenvolvimentismo, com destaque para professores universitários dos Institutos de Economia da Unicamp e UFRJ, como os decanos Maria da Conceição Tavares, João Manuel Cardoso de Melo e Luiz Gonzaga Belluzzo, e seus antigos estudantes e hoje personalidades públicas, como Luciano Coutinho, Marcio Pochmann, Ricardo Bielschowsky e Aloisio Mercadante. Eles têm uma ampla organização em aparelhos privados e estatais: Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, Rede Desenvolvimentista, Fundação Perseu Abramo, ministérios governamentais e, principalmente, o BNDES. São próximos do empresariado paulista, de sindicatos e de partidos políticos, em especial o PT, e têm ampla entrada com setores da mídia brasileira. Por terem parte do controle sobre o BNDES — um dos maiores bancos de desenvolvimento capitalista no mundo, com desembolsos anuais na casa de R$ 150 bilhões —, conseguem exercer relativa influência sobre os rumos da política econômica. Neste caso, a ideologia ganha materialidade e interfere, inclusive, no padrão de reprodução do capital, o que não é pouca coisa. Muitos queriam ocupar postos-chave neste aparelho coercitivo de espoliação.

Houve no início do novo desenvolvimentismo uma terceira corrente, a pós-keynesiana, mas esta me parece que foi incorporada pela macroeconomia estruturalista do desenvolvimento. Sempre foram posições muito similares e decidiram cerrar fileiras para disputar a hegemonia no bloco ideológico do novo desenvolvimentismo, ainda sem conquistas expressivas.

Por fim, vale destacar que existem fricções políticas entre tais correntes e elas sobem de tom de acordo com uma conjuntura mais intensa como a atual, mas não se discute o essencial: o caráter capitalista do desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produção e reprodução do capitalismo dependente brasileiro. Ambos os grupos defendem o mesmo projeto estratégico, com diferenças táticas, de ajuste de uma curva macroeconômica (ou micro) qualquer em dois graus para lá, dois para cá. Nada muito substancial que leve a uma avaliação de que o novo desenvolvimentismo estaria em disputa.

Entrevistadora – Qual é, na sua visão, a importância da apropriação deste debate para a análise das políticas sociais implementadas pelo governo brasileiro a partir do governo Lula? Elas poderiam ser chamadas de neodesenvolvimentistas ou são mais uma expressão do social-liberalismo à brasileira?

Rodrigo Castelo – No caso das políticas sociais, o atual padrão de intervenção do Estado na "questão social" é fundamentalmente baseado na ideologia do social- -liberalismo. O neodesenvolvimentismo segue a cartilha neoliberal da equidade, da igualdade de oportunidades e dos programas de transferência de renda de alívio da pobreza, tal qual defendem o Banco Mundial e outros organismos multilaterais desde os anos 1990. Os neodesenvolvimentistas corroboram a assistencialização das políticas sociais e silenciam sobre a privatização da previdência, saúde e educação superior, marcos do social-liberalismo.

O neodesenvolvimentismo vê a redução das desigualdades sociais e o combate ao pauperismo por um viés economicista, de geração de renda nas camadas pobres voltada para a formação de um mercado de massas. O objetivo é gerar uma base econômica de venda interna das mercadorias, portanto, de realização da mais-valia. As principais apostas são no crescimento econômico, na geração de empregos formais, nos aumentos dos salários e do crédito e na alocação de recursos nas políticas de transferência de renda. Ou seja, o mercado é tido pelo neodesenvolvimentismo como o principal meio de melhorar o bem-estar da população, com uma ação auxiliar do Estado no alívio da extrema pobreza e outras expressões mais agudas da "questão social".

Durante um período, as apostas econômicas citadas acima tiveram determinado efeito concreto e os ideólogos neodesenvolvimentistas souberam capitalizar os indicadores sociais. Mas ocultaram o essencial: o crescimento era efêmero e hoje exibe taxas pífias, dignas dos governos FHC; os empregos tinham baixíssimos salários, condição alienante precarizada e a maior taxa de rotatividade do mundo; a dívida contraída nos crediários consome boa parte da renda dos trabalhadores, direcionando frações crescentes dos salários para os rentistas; e os recursos das políticas de transferência de renda não são capazes de atender necessidades humanas de forma humanista. Não devemos naturalizar que benefícios sociais na faixa dos 80, 90, 100 reais per capita irão promover melhorias efetivas na vida de um ser humano. E não estamos falando de um país pobre, sem recursos, pois o Brasil é a sexta maior economia do mundo. No nosso país, não há uma escassez natural, mas sim uma escassez socialmente produzida para mais de uma centena de milhões de brasileiros que não acessam a riqueza nacional, concentrada nas mãos de um punhado de famílias abastadas.

É preciso lutar arduamente contra as novas formas históricas que a lei geral da acumulação capitalista assume no Brasil dependente do século XXI, e não geri-las por meio de políticas econômicas e sociais implementadas nos últimos 10-20 anos. Nada mais atual do que a luta contra o neoliberalismo, que vive uma crise mundial mas ainda mantém a sua supremacia no Brasil (e tantos outros países!), recorrendo cada vez mais a medidas coercitivas.

A esperança desta luta contra o neoliberalismo renasceu com as recentes manifestações populares no mundo inteiro. Espero que tais levantes representem o início do fim do neoliberalismo.

Recebido em 15/5/2014

Aprovado em 9/6/2014

  • *
    Entrevista publicada originalmente na
    Revista de Políticas Públicas, do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão, São Luís, v. 17, n. 2, p. 389-393, jul./dez. 2013.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Set 2014
    • Data do Fascículo
      Set 2014
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