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O "social" no interior do projeto neodesenvolvimentista

The "social" within the neodevelopmental project

Resumos

O presente artigo analisa a produção teórica dos neodesenvolvimentistas buscando evidenciar sua agenda para o Estado e a política social. Identifica que a plataforma da política social neodesenvolvimentista está centrada na implementação de medidas redistributivas voltadas para a inclusão social via consumo de massa; conforma um modelo de política social como fator de crescimento econômico; e ainda, propõe um novo tipo de Estado, que passa a ser um grande consumidor dos bens e serviços sociais mercantilizados.

Neodesenvolvimentismo; Estado; Política social


In this article it is analyzed the theoretical neodevelopmental production, focusing on its agenda for the State and the social policy. It was identified that the platform of the neodevelopmental social policy is centered in the implementation of redistributive measures aimed at social inclusion through mass consumption; it conforms a model of social policy as an economic growth factor; and, besides that, it proposes a new kind of State, which becomes a great consumer of traded goods and social services.

Neodevelopment; State; Social policy


ARTIGOS

O "social" no interior do projeto neodesenvolvimentista* * O presente artigo é fruto de tese de doutorado.

The "social" within the neodevelopmental project

Mariana Pfeifer

Doutora em Educação pela Educação da Universidade Federal do Paraná, professora adjunta do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina/SC, Brasil. E-mail: mariana.pfeifer@ufsc.br

RESUMO

O presente artigo analisa a produção teórica dos neodesenvolvimentistas buscando evidenciar sua agenda para o Estado e a política social. Identifica que a plataforma da política social neodesenvolvimentista está centrada na implementação de medidas redistributivas voltadas para a inclusão social via consumo de massa; conforma um modelo de política social como fator de crescimento econômico; e ainda, propõe um novo tipo de Estado, que passa a ser um grande consumidor dos bens e serviços sociais mercantilizados.

Palavras-chave: Neodesenvolvimentismo. Estado. Política social.

ABSTRACT

In this article it is analyzed the theoretical neodevelopmental production, focusing on its agenda for the State and the social policy. It was identified that the platform of the neodevelopmental social policy is centered in the implementation of redistributive measures aimed at social inclusion through mass consumption; it conforms a model of social policy as an economic growth factor; and, besides that, it proposes a new kind of State, which becomes a great consumer of traded goods and social services.

Keywords: Neodevelopment. State. Social policy.

Introdução

A plataforma neodesenvolvimentista vai incluir a dimensão social como um dos elementos indispensáveis para o desenvolvimento econômico. Esta é uma das diferenças fundamentais posta pelos neodesenvolvimentistas em relação ao antigo nacional-desenvolvimentismo, que relegava a dimensão social a segundo plano. O Novo Desenvolvimentismo vai resgatar a perspectiva de "crescimento com equidade", tal como proposta pela Cepal nos anos 1980. A partir da análise dos textos dos neodesenvolvimentistas, suas concepções e orientações, pode-se evidenciar uma agenda clara para a política social no interior do Pacto Neodesenvolvimentista.1 1 . O Pacto Neodesenvolvimentista "pressupõe a construção de um acordo nacional dirigido pelo segmento dos empresários industriais nacionais e firmado entre os diferentes segmentos de classe no país. Enquanto proposta político-econômica, o Novo Desenvolvimentismo apresenta um receituário que engloba, por um lado, um conjunto de recomendações micro e macroeconômicas e, por outro, uma estratégia ideopolítica assentada em concepções relativas ao mercado, Estado, sociedade civil, classes, globalização, entre outros conceitos que lhe dão sustentação teórica e política e que evidenciam a existência de uma nova ofensiva burguesa no Brasil, agora alicerçada em outro bloco que disputa a direção da sociedade brasileira do século XXI" (Pfeifer, 2013, p. 11). Esfumaçada pelo discurso de combate a pobreza, de superação da desigualdade, de inclusão social, de incorporação dos setores excluídos e de retomada da intervenção social do Estado, a lógica colocada pelo projeto neodesenvolvimentista vai delimitar uma nova modalidade de política social, centrada, por um lado, na implementação de medidas redistributivas voltadas para a inclusão de amplos setores populacionais ao consumo de políticas sociais, consubstanciando o que chamo aqui de inclusão social via consumo de massa, e por outro, conformando um modelo de política social como fator de crescimento econômico. Essa plataforma da política social neodesenvolvimentista, funda um novo Estado, intitulado aqui de Estado mediador consumidor, visto que passa a ser um grande consumidor dos bens e serviços sociais mercantilizados.

A identificação das determinações colocadas para a política social no interior da estratégia neodesenvolvimentista torna-se de fundamental importância por evidenciar algumas questões e indicações analíticas como: tendências que essa corrente vem impondo ao Estado e às políticas sociais; compreensão da política social enquanto sistema intersetorial e evidência dos campos e áreas que a política neodesenvolvimentista vem priorizando do ponto de vista do gasto social e dos objetivos socioeconômicos; e ainda, possibilita identificar o lugar em que os neodesenvolvimentistas inserem a política social no âmbito de sua estratégia de recomposição da acumulação capitalista nacional.

Cabe ressaltar que o entendimento aqui arrolado tem como pressuposto a compreensão de que as políticas sociais respondem ao conjunto de necessidades sociais humanas, quais sejam: saúde, moradia, alimentação, educação, saneamento, previdência, inclusão digital, entre outros. Todas essas demandas são historicamente construídas, portanto, no devir histórico, essas necessidades humanas se reconfiguram, desaparecem e/ou novas são criadas, concomitante ao grau de desenvolvimento da sociedade. Compreende-se, ainda, que as políticas sociais são tanto públicas quando privadas, isto é, existem instituições prestadoras de serviços sociais com institucionalidade pública estatal (genuinamente pública e gratuita), públicas não estatais (sem fins lucrativos, todavia, privadas; e pagas ou filantrópicas) e privadas (com fins lucrativos e pagas).2 2 . Por exemplo, no campo da política social de saúde, temos tanto instituições públicas estatais (postos de saúde, Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), hospitais etc.), quanto públicas não estatais (a exemplo dos hospitais filantrópicos), e instituições privadas (clínicas e hospitais particulares ou por planos de saúde). O mesmo ocorre na política social de educação superior, composta por um conjunto de instituições públicas estatais (universidades e institutos federais, estaduais e municipais), quanto públicas não estatais (universidades confessionais, por exemplo), e instituições privadas (faculdades, centros universitários e universidades privadas). Essa consideração cabe igualmente às demais áreas e setores de políticas sociais.

Concepção neodesenvolvimentista de Estado

Marcio Pochmann3 3 . Pochmann vem publicando um sem-número de artigos, livros e capítulos de livros, sobretudo a partir de 2001. O currículo de Marcio Pochmann na Plataforma Lattes do CNPq registra 112 artigos publicados em periódicos, 44 livros publicados/organizados, 113 capítulos de livros, 162 artigos em jornais de notícias e muitas outras publicações em anais de eventos. Efetivamente, sua atuação tem se utilizado fortemente dos "aparelhos privados de hegemonia" do meio acadêmico e a mídia para a publicização de suas ideias neodesenvolvimentistas. Os veículos em que publica abarcam desde os ligados às correntes críticas até as agências burguesas. Seus estudos giram em torno do mundo do trabalho e, mais recentemente, as políticas sociais do governo petista e os impactos das políticas de transferência de renda na classe trabalhadora. é um dos economistas novo-desenvolvimentistas que abordam a perspectiva social deste projeto. Além de robustecer a corrente neodesenvolvimentista com diretrizes e concepções voltadas para o combate à pobreza e à desigualdade, resgatando o intervencionismo estatal, afirma e demonstra a operação de uma inflexão na política nacional a partir da primeira década do século XXI. Segundo ele, "a nova economia política ganhou dimensão até então inédita e contribuiu decisivamente para a melhora socioeconômica generalizada no país" (Pochmann, 2012a, p. 1). Na esteira de Bresser-Pereira - o principal intelectual e mentor do Novo Desenvolvimentismo -, os escritos de Pochmann parecem estar fundados em uma grande preocupação ético-política com a desigualdade social e com a preservação do meio ambiente. Sua proposta tem como núcleo a refundação do Estado dos países latino-americanos e caribenhos como condição básica para um "novo salto desenvolvimentista" que compatibilize o desenvolvimento econômico com o social. Em suas palavras,

não obstante os obstáculos históricos e limites impostos ao avanço do sistema de bem-estar social, os países da região possuem, atualmente, a inédita oportunidade política de consolidar o rumo de um novo desenvolvimento, capaz de combinar melhora econômica com avanço social. O futuro socialmente justo e economicamente sustentável torna-se possível a partir de uma maioria política que assuma o protagonismo de conceber, junto com o povo, o que historicamente lhe foi negado: o bem-estar coletivo, (Pochmann, 2012b, p. 21)

O projeto neodesenvolvimentista aponta para a consolidação de um tipo de "Estado neointervencionista" (Diniz e Boschi, 2013). Seu papel não se coloca mais como produtor direto de bens e serviços, como um "Estado-empresário" (Oreiro e Paula, 2009) tal como ocorreu no contexto do nacional-desenvolvimentismo. Asseguram que o projeto novo-desenvolvimentista não propõe a redução do tamanho do Estado, mas sim a sua reconstrução "tornando-o mais forte, e mais capaz no plano político, regulatório e administrativo, além de financeiramente sólido" (Oreiro e Paula, 2009, p. 6). O escopo de sua intervenção está na coordenação econômica e social, isto é,

O neointervencionismo representa, assim, um modelo híbrido de coordenação econômica efetuada de maneira centralizada e a partir do mercado. Nesse sentido, a nova modalidade de intervenção não representa uma volta ao estado produtivo, mas apenas um maior grau de coordenação estatal da esfera econômica, com maior espaço para as atividades de regulação e controle, com esquemas de intervenção na esfera da produção que não ocupam papel central, senão estratégico. (Diniz e Boschi, 2013, p. 32)

E ainda, cabe ao Estado conduzir

uma estratégia nacional de desenvolvimento que promova políticas voltadas ao progresso técnico e a introdução de novas técnicas de produção, o desenvolvimento de mecanismos nacionais de financiamento do investimento com poupança doméstica, políticas econômicas redutoras de incertezas inerentes ao mundo financeiramente globalizado e o desenvolvimento de instituições específicas adequadas ao desenvolvimento (como o desenvolvimento do capital humano através da educação pública). (Oreiro e Paula, 2009, p. 6)

A conceituação do Estado também pode ser encontrada no texto de Bresser-Pereira e Theuer (2012), publicado na revista Economia e Sociedade, onde apresentam um "tipo ideal" de "Estado novo-desenvolvimentista" e indicam um receituário com uma lista de políticas que o Estado deve seguir, dentre as quais seu papel na produção, no planejamento, sua função estratégica, responsabilidade fiscal, política de juros, de câmbio e de inflação, desenvolvimento social etc. Dizem que "um Estado novo-desenvolvimentista não tem necessariamente de seguir todas as políticas aqui apresentadas - estas podem ser pensadas como um tipo ideal -, mas deve ter uma estratégia de desenvolvimento nacional apoiada por uma coalizão política desenvolvimentista" (Bresser-Pereira e Theuer, 2012, p. 824; grifos meus).

Bresser-Pereira e Theuer caracterizam o "Estado novo-desenvolvimentista" evidenciando suas diferenças em relação ao Estado liberal e ao Estado nacional-desenvolvimentista. Vejamos o que eles argumentam: o Estado liberal é um Estado mínimo, voltado apenas para a garantia dos direitos civis e para o cumprimento dos contratos, e não deve intervir na economia, deixando para o mercado sua própria regulação; o Estado nacional-desenvolvimentista foi, segundo eles, intervencionista direto; seu objetivo era a promoção do desenvolvimento econômico, buscando a superação da dependência dos países ricos, e suas estratégias vinculavam-se à promoção da indústria interna mediante a industrialização substitutiva de importações e a exportação de bens manufaturados. Para eles, esse Estado inseriu-se na economia como regulador e produtor, defendia "uma melhor distribuição de renda, mas não tinha uma política de bem-estar social" (Bresser-Pereira e Theuer, 2012, p. 822). Já o Estado novo-desenvolvimentista seria uma instituição adaptada aos novos temos, ao "pós-neoliberalismo", ao capitalismo global cujo jogo econômico gira em torno da competição entre Estados-nação. Continuaria tendo como sustentação as ideias keynesianas e estruturalistas, contudo sua fundamentação teórica estaria assentada na macroeconomia estruturalista do desenvolvimento de Bresser-Pereira.4 4 . Para saber sobre a macroeconomia estruturalista do desenvolvimento de Bresser-Pereira, consulte os seus livros Macroeconomia da estagnação: crítica a ortodoxia convencional no Brasil pós-1994, publicado em 2007 pela Editora 34, e Globalização e competição: por que alguns países emergentes têm sucesso e outros não, de 2009, pela Editora Elsevier. O Estado novo-desenvolvimentista, para Bresser-Pereira e Theuer (2012, p. 812), "compete com outros países no quadro da globalização, aproveita melhor um mercado interno capitalista, é democrático e deve ser social ou inclusivo".

No que se refere ao plano econômico, o Estado novo-desenvolvimentista tem papel estratégico na condução da política macroeconômica - taxa de câmbio competitiva, controle da taxa de juros e do déficit público - e na regulação dos mercados financeiros. No âmbito político, exige a formação de um acordo político, articulando diferentes segmentos de classes ao pacto neodesenvolvimentista e tem como adversários os capitalistas monopolistas, os rentistas e os interesses estrangeiros. Além disso, no plano social, o Estado novo-desenvolvimentista quer ser "um Estado que, além de desenvolvimentista, seja de bem-estar social" (Bresser-Pereira e Theuer, 2012, p. 824; grifos meus), isto é, "pretende ser também um desenvolvimentismo 'social' - um desenvolvimentismo que também está preocupado com a distribuição mais igualitária de benefícios na sociedade" (Idem, p. 822), para o que lança mão de um conjunto de políticas sociais e redistributivas.

Ao contrário dos escritos de 2007 e 2009, em que restringe seu conceito de desenvolvimento ao aspecto econômico, nesse texto de 2012, em coautoria com Theuer, Bresser-Pereira traz nova determinação à sua concepção de desenvolvimento, qual seja: "o desenvolvimento para os novos-desenvolvimentistas é visto não só como crescimento econômico e a industrialização, mas também como a redução das desigualdades sociais e melhoria no padrão de vida da população" (Idem, p. 823). Nesse sentido, é possível afirmar que a incorporação do "social" como elemento constituinte do neodesenvolvimentismo não é dada nas primeiras formulações produzidas pelo seu fundador, o economista Bresser-Pereira, mas que é incorporado ao discurso ao longo de sua construção teórico-política, no decorrer da década de 2000, com a colaboração de outros economistas neodesenvolvimentistas.

De fato, é a partir de 2005, com o livro Novo desenvolvimentismo: um projeto nacional de crescimento com equidade social, organizado por João Sicsú, Luiz Fernando de Paula e Renaut Michel (2005), que o social entra mais centralmente na pauta neodesenvolvimentista. No livro, artigos de economistas keynesianos vão abordar diferentes elementos do processo de desenvolvimento brasileiro, trazendo contribuições e propostas voltadas ao crescimento com distribuição de renda. Para tanto, dedicaram-se a questões relativas para o pleno emprego; analisaram as causas da concentração de renda, do desemprego, da exclusão social e da estagnação econômica no Brasil. De suas análises, os diversos autores trazem elementos que avigoram a perspectiva redistributiva do projeto neodesenvolvimentista, evidenciando que "o crescimento econômico deve ser tratado como o principal objetivo da política econômica para minorar o problema estrutural da desigualdade no Brasil" (Silva e Michel, 2005, p. 179).

Suas alternativas redistributivas e de crescimento giram em torno de propostas relativas a políticas de tecnologia e emprego, microcrédito como política de geração de emprego e renda, modernização do sistema financeiro brasileiro, debatem a questão da dívida pública, questões macroeconômicas, aumento dos gastos públicos em infraestrutura para geração de empregos, entre outras. Em suas palavras: "talvez o mais importante seja não deixar que a agenda nacional perca o foco na questão distributiva. Tanto tempo de negligência com os aspectos sociais nos abriga a priorizar o combate às desigualdades" (Silva e Michel, 2005, p. 186). O artigo de Salm (2005), que trata do desemprego e exclusão social, critica as perspectivas que dão prioridade às políticas assistencialistas e focalizadas nas populações mais pobres em detrimento de políticas com potencial redistributivo. Pode-se evidenciar, tal como será mostrado ao longo das páginas que se seguem, que a noção de redistribuição passa pelo crescimento da renda como forma de acesso ao bem-estar e, deste modo, tem-se que o conceito neodesenvolvimentista de desigualdade se refere à desigualdade de renda, portanto a desigualdade na posse dos meios de pagamento necessários à compra dos bens e serviços que satisfaçam as necessidades de bem-estar social - evidencia-se aqui o alicerce ideopolítico que sustenta a política neodesenvolvimentista de redistribuição com base no crescimento da renda. Em Salm (2005, p. 195) podemos encontrar uma definição acerca da ideia de crescimento com redistribuição:

"Crescimento com redistribuição" consiste, portanto, em canalizar os recursos propiciados pelo crescimento para investimentos que venham a elevar a produtividade tanto dos segmentos atrasados como das atividades que atendam às necessidades básicas e, dessa forma, promover a inclusão social, seja pelo lado da geração de empregos de melhor qualidade, seja pela ampliação do acesso dos mais pobres a bens e serviços essenciais por meio da queda em seus preços relativos.

Nesse ambiente, Aloizio Mercadante Oliva é um novo-desenvolvimentista que tem importante atuação no campo político e ligação à figura de Lula e aos governos petistas. Em sua tese de doutorado, defendida em 2010 no Instituto de Economia da Unicamp e dedicada a Lula, Mercadante Oliva analisou os dois mandatos do ex-metalúrgico e assegurou que as bases do Novo Desenvolvimentismo ali foram implantadas no Brasil, especialmente no campo social. Não obstante suas mais de quinhentas páginas parecerem um relatório de governo, trazem importantes contribuições para compreender os pressupostos neodesenvolvimentistas e as articulações entre as políticas econômicas e sociais implementadas na gestão federal no período. Mercadante Oliva defende a tese segundo a qual "no governo Lula as políticas de distribuição de renda e de inclusão social ganham uma centralidade antes completamente inexistente" (Mercadante Oliva, 2010, p. 19). Nesse sentido, indica que, ao contrário do nacional-desenvolvimentismo - que ajuizava que as desigualdades sociais seriam resolvidas pelo mercado de trabalho e pelo desenvolvimento econômico, sendo que as políticas de cunho social deveriam ser implementadas de forma compensatória e marginal, com investimento apenas em educação universal -, as bases do Novo Desenvolvimentismo se diferenciam, pois têm atuação "sistemática e enfática" do Estado, buscando combater a exclusão social. Mercadante Oliva assegura que o modelo de Estado que vem se delineando com os governos petistas está rompendo com a perspectiva economicista presente tanto no neoliberalismo quanto no desenvolvimentismo, os quais marginalizaram o campo social. Segundo ele, o Estado neodesenvolvimentista é

uma espécie de produto híbrido que preserva a função do Estado de guardião do marco macroeconômico e resgata, da concepção desenvolvimentista, suas prerrogativas como instância de regulação das relações econômicas e de orientação e planejamento do desenvolvimento econômico e social. Além disso, incorpora ao modelo de intervenção, como um terceiro e essencial componente, a regulação do processo de distribuição da renda, ausente em ambos os modelos anteriores, e que expressa o compromisso do Estado com o combate à pobreza e com o esforço de homogeneização social do país. (Mercadante Oliva, 2010, p. 238-239)

Concepção neodesenvolvimentista de política social

Pochmann (2012b) vai compreender a política social a partir do que chama de "políticas de segurança social" e caracteriza-a em três grupos: políticas de proteção social, em que inclui a previdência, a assistência social e a saúde; políticas de promoção social e políticas de educação, cultura e trabalho; e políticas de infraestrutura social, formada pelos campos da habitação, urbanismo e saneamento. Já Oreiro e Paula (2009) diferenciam duas qualidades de políticas sociais: programas sociais universalizantes, ao que incluem educação e saúde; e programas focalizados, em que citam os programas de renda mínima. Estas últimas são identificadas por esses neodesenvolvimentistas como políticas compensatórias, as quais, segundo eles,

vieram para ficar na agenda de política governamental, dado o seu forte e comprovado efeito positivo sobre a renda dos segmentos mais desassistidos, ensejando melhorias na distribuição de renda. Programas como Bolsa Família devem ser ampliados e aprimorados, mas deve-se ter consciência que têm efeitos limitados. Ou seja, devem ser vistos como soluções emergenciais necessárias e complementares, e não soluções permanentes. (Oreiro e Paula, 2009, p. 12; grifos meus)

No que se refere à organização dos sistemas de políticas sociais, Mercadante Oliva (2010, p. 159) assevera que a categoria distintiva da gestão novo-desenvolvimentista é a ação sistemática e enfática da "intervenção reguladora do Estado na distribuição da renda social". Indica ainda a inclusão das políticas de renda mínima dos governos petistas junto ao arcabouço da consolidação das leis sociais:

Um dos primeiros passos, nesse sentido, é a chamada Consolidação das Leis Sociais. Ela deve envolver um esforço de regulamentação de programas que foram criados nos últimos anos, para transformá-los em políticas de Estado, de caráter estável e duradouro, com fontes próprias de custeio que não concorram com as fontes originais de financiamento da seguridade social. (Mercadante Oliva, 2010, p. 477)

Neste sentido, pode-se observar que o Pacto Neodesenvolvimentista já avança sobre a sociedade política e busca alternativas para a manutenção das já criadas estruturas neodesenvolvimentistas. Asseveram, ainda, ser necessário modernizar e racionalizar recursos e procedimentos estatais. Nesse campo, a orientação vai à esteira gerencial de Bresser-Pereira da década de 1990 e toma a lógica do custo-benefício, da eficácia e efetividade, como parâmetros da gestão das políticas públicas, além, é claro, da perspectiva de descentralização do Estado, com a transferência de serviços sociais e científicos para instituições não estatais e a afirmação de parcerias público-privadas e medidas de privatização. Cabe ressaltar que o discurso novo-desenvolvimentista coloca-se contra as privatizações. Contudo, um olhar mais atento encontra a privatização camuflada na implementação de concessões, parcerias público-privadas e, bem recentemente, nos leilões das bacias de petróleo, que privatizam os recursos naturais do país, entre outros.

Considerando as observações do neodesenvolvimentista Pochmann sobre a política econômica e a política social dos governos petistas, suas análises vão afirmar que há uma mudança significativa de orientação estratégica desses governos sob os auspícios do novo-desenvolvimentismo:

A recuperação do papel do Estado a partir do governo Lula se mostrou essencial para que o Brasil pudesse retornar à luta pela superação do subdesenvolvimento, cujos resultados positivos começaram rapidamente a aparecer com o crescimento econômico duas vezes maior que na década de 1990 (com a consequente volta ao posto do 8º PIB mundial), combinado com a redistribuição da renda, sobretudo na base da pirâmide social, e elevação da participação do rendimento do trabalho na renda nacional (44% em 2010). Para isso, foi necessário recompor as empresas e bancos estatais, ampliar o universo de funcionários públicos por substituição dos terceirizados na execução das políticas de Estado e inovar as ações públicas, como nos casos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para infraestrutura, do Programa Nacional de Habitação Popular (Minha Casa, Minha Vida), da exploração do petróleo no pré-sal, do alargamento da saúde, da educação, eletrificação, entre tantos outros exemplos. O Brasil emergiu com vontade própria, e a capacidade de se reorganizar em torno de um novo projeto de desenvolvimento nacional foi liderada por importante convergência política conduzida pelo governo Lula. (Pochmann, 2011, p. 17)

Pochmann admite que a forte ênfase nas políticas sociais adotadas pelos governos petistas e recomendadas pelos novo-desenvolvimentistas não tem meramente objetivos sociais. Ao contrário, enfatiza que a dinâmica econômica nacional está profundamente relacionada ao comportamento do gasto social público, ao passo que, ao possibilitar o acesso a bens e serviços sociais mediados pelo consumo - isto é, mediante políticas públicas que promovem o acesso população aos serviços sociais privados de saúde e educação, bem como a transferência direta de renda para alavancar o consumo -, o conjunto de políticas sociais públicas acaba por fortalecer o setor privado desse e de outros segmentos. Portanto, serve aos dois lados da moeda: "o gasto social, ao mesmo tempo em que representa uma ferramenta fundamental na promoção da coesão da sociedade brasileira, torna-se cada vez mais o multiplicador da incorporação pelo mercado de consumo" (Pochmann, 2011, p. 19). E ainda, considera a política de inserção de amplos segmentos populacionais ao sistema bancário e de crédito como uma política inclusiva que facilita o acesso das camadas populares ao consumo de bens e serviços sociais. Nisso incluem-se as mais diferentes formas de financiamento popular, como na área da habitação, com o programa Minha Casa, Minha Vida e, até mesmo na educação superior pelo programa Fundo de Financiamento Estudantil, o Fies.

Carneiro (2013, p. 201) avaliou que o crescimento econômico teve grande investida a partir de 2004, impulsionado pelo aumento do consumo das famílias. O primeiro elemento responsável pelo fenômeno seria o incremento do crédito, "ajudado por inovações financeiras importantes, como o crédito consignado". O segundo fator que contribuiu para a indução do aumento do consumo interno foi o aumento da renda. "Essa melhoria na distribuição, por sua vez, decorre de fatores associados ao gasto público e, mais diretamente, às transferências e ao incremento real do salário mínimo" (Carneiro, 2013, p. 204). Os resultados da inserção dos segmentos de baixa renda no sistema financeiro, segundo Pochmann (2011, p. 27) trouxe os seguintes resultados:

A presença das operações de crédito no total do Produto Interno Bruto cresceu de 24,2%, em 2002, para 45%, em 2009. Com isso, o volume de recursos pertencente aos financiamentos às pessoas físicas foi multiplicado por mais de quatro vezes entre 2003 e 2009 [...]. Também no âmbito das operações de crédito cabe ressaltar o avanço do financiamento para a habitação que subiu de 25,7 bilhões, em 2004, para 80 bilhões, em 2009.

No mesmo sentido, Cepêda (2012, p. 85) vai considerar que a estratégia novo-desenvolvimentista que "combina políticas de crescimento com políticas de distribuição", sendo as últimas o "epicentro do projeto e acompanhadas de políticas de estímulo produtivo", vão dar um plus no processo desenvolvimentista. Cepêda indica que o consumo e a renda popular têm um papel estratégico no processo de desenvolvimento social e econômico, cujo estímulo deve ser propiciado mediante políticas voltadas à transferência direta de renda, que impactam "na inclusão dos segmentos de exclusão mais radical ao universo de uma economia monetarizada" (Cepêda, 2012, p. 85) e para a transferência indireta de renda, via bens, serviços e patrimônio, os quais "produzem inclusão desses atores na apropriação de maiores cotas de bem-estar e qualidade de vida, mas também ampliam a consciência de Sujeito político (portador e demandador de direitos) (Idem, p. 85). Segundo essa autora (p. 86), as políticas de transferência de renda, tanto direta quando indireta, têm uma funcionalidade múltipla, econômica e política, isto é,

econômica - pois aquecem mercado, servindo como meio de dinamismo e estímulo à produção industrial, comércio, serviços (a via do consumo de massa é, em boa medida, parente do modelo mercado interno do velho desenvolvimentismo); e política - pois ao incluir como consumidor ou proprietário, a lógica dessa inserção, inicialmente econômica, assenta-se no princípio do direito e da cidadania, como parcela do contrato social que possibilita requerer a promoção do bem-estar como uma das tarefas do Estado.

Com isto, pode-se observar que o discurso que avaliza uma "generalizada melhoria do quadro social" permite evidenciar uma tendência da política social brasileira do século XXI, no contexto neodesenvolvimentista, que se pode chamar de inclusão social via consumo de massa. Isto, pois, o mote das políticas de transferência de renda, assim como das políticas públicas voltadas para a inclusão social consubstanciadas em diversas modalidades de bolsas de estudos no ensino superior, pagamento de leitos em hospitais privados, subsídios para financiamentos, entre outras, retratam que, atualmente, o acesso aos bens e serviços sociais considerados no âmbito das necessidades humanas e no escopo da cidadania, vem sendo possibilitado não mais pela operacionalização direta do Estado na sua provisão - dentro da esfera pública estatal e de gratuidade, caracterizado por um Estado provedor -, mas sim, verifica-se que as políticas públicas sociais passam a viabilizar o acesso aos bens e serviços sociais utilizando-se dos recursos públicos para a compra de vagas, de bens e de serviços oferecidos e comercializados pelo setor privado: temos aí a fundação de um novo Estado, que poderíamos chamar de Estado mediador consumidor. Verifica-se, assim, uma tendência geral no neodesenvolvimentismo: o Estado é o grande consumidor dos bens e serviços sociais mercantilizados.

A lógica do que aqui se chama de inclusão social via consumo de massa está presente nas análises de neodesenvolvimentistas como em Pochmann (2012a, p. 1) quando afirma que "as evidências do processo de expansão do bem-estar são expressão do padrão de inclusão possibilitado pela ampliação do consumo". Guido Mantega, outro neodesenvolvimentista, fez uma avaliação no mesmo sentido: "Eu chamo esse novo ciclo de social-desenvolvimentismo porque é um crescimento que ocorre concomitantemente ao aumento da renda da população, aumento do poder aquisitivo e fortalecimento do mercado de massa" (Valor Online, 2007). Os neodesenvolvimentistas Diniz e Boschi (2013, p. 29-30) pensam da mesma forma, indicando que a incorporação social "deve ser entendida hoje como uma dimensão central do processo de desenvolvimento, quanto mais não fora, pelo fato de que essas políticas significam a incorporação de amplos segmentos ao consumo, favorecendo, assim, uma dinâmica de crescimento orientada para o mercado interno".

Mercadante Oliva utiliza-se de Celso Furtado para fundamentar a ação social do Estado neodesenvolvimentista e colabora para a compreensão aqui avalizada de política social enquanto inclusão social via consumo de massa. Segundo Furtado, para resolver o problema da pobreza é necessário que a população participe do processo de distribuição de renda, isto é, "é necessário estar habilitado por títulos de propriedade e/ou pela inserção qualificada no sistema produtivo" (Furtado, 1992, p. 55; grifo meu). Para Furtado, nas sociedades subdesenvolvidas esse "processo de habilitação" encontra-se bloqueado, porque nesses países há um problema estrutural que exclui extensas parcelas da população do consumo e das oportunidades, assim como existe uma condição de "privação original" do acesso a direitos como moradia, educação de qualidade, saúde, terra, entre outros, que acaba por criar um círculo vicioso de reprodução da pobreza de geração em geração. Segundo Furtado, essa questão estrutural não pode ser enfrentada somente pelo crescimento econômico e pela mediação do mercado. Nas palavras dele (1992, p. 55), a "pobreza em massa, característica do subdesenvolvimento, tem com frequência origem em uma situação de privação original do acesso à terra e à moradia. Essa situação estrutural não encontra solução através dos mecanismos dos mercados". O rompimento deste ciclo vai depender de medidas ativas do Estado no sentido de eliminar o chamado "bloqueio do processo de habilitação".

Com isto, pode-se evidenciar um dos elementos de sustentação da perspectiva que chamo de inclusão social via consumo de massa, considerando que a exclusão é entendida por essa corrente como exclusão do mercado de consumo, portanto, seu oposto, a inclusão, deve ser a inclusão no mercado de consumo. O cidadão não é portador de direitos, mas é consumidor e proprietário. Essa leitura leva a crer que o pensamento neodesenvolvimentista entende que o atendimento das necessidades humanas de indivíduos e famílias deve ocorrer via consumo dos bens e serviços que respondam a tais necessidades, e não via garantia e provisão pública, estatal e gratuita, que é pressuposto ético-político na análise aqui desenvolvida. Cabe ao Estado, na perspectiva neodesenvolvimentista, garantir formas por meio das quais os indivíduos e as famílias possam comprar os bens e serviços sociais que satisfaçam suas necessidades humanas. Para tanto, a perspectiva de intervenção social estatal deve garantir mecanismos de distribuição da renda social não mediante a provisão direta e gratuita do Estado, mas ele criando as condições para que tanto os indivíduos sociais e famílias quanto o próprio Estado consumam bens e serviços sociais disponibilizados no mercado pelas empresas privadas e instituições públicas não estatais. O Estado deve se colocar como indutor, não como o gestor direto das instituições prestadoras de serviços sociais, delegadas as responsabilidades de gestão institucional aos gestores das organizações não estatais e privadas, ao que se inclui a definição dos padrões de qualidade e de prestação dos serviços sociais, com parcas e limitadas medidas de fiscalização pública. É nesse sentido que se vê as políticas sociais públicas dos governos petistas, tais como: políticas de valorização salarial e de renda mínima, isenções, subsídios fiscais e gasto social público em serviços privados de saúde, educação, saneamento básico, habitação, entre outros. Aqui se inserem também as políticas de incentivo e promoção à entrada no mercado de trabalho, como as políticas de educação superior e capacitação profissional, por exemplo; afinal, na sociedade neodesenvolvimentista a inclusão social ocorre via consumo de bens e serviços sociais que satisfaçam as necessidades humanas. Portanto, as políticas sociais precisam colocar nas mãos da população os meios de pagamento necessários para tal - diga-se, dinheiro. Portanto a política social neodesenvolvimentista é uma política que inverte os direitos de cidadania em direitos do consumidor. A propalada melhoria do bem-estar social - associada à expansão do gasto social público, o estímulo ao crédito popular, ao consumo e à produção, valorização e ampliação do poder de compra do salário mínimo, aquecimento do mercado de trabalho, entre outros - que os dados dos governos petistas apontam, significa efetivamente que a família brasileira passou a ter meios para pagar plano de saúde, universidade e escola privadas, financiamento habitacional, financiamento de carro, entre outros, mesmo que à custa de endividamento desenfreado. A esse respeito Mercadante Oliva (2010, p. 159) afirma:

Então, desbloquear o processo de habilitação supõe democratizar o acesso à propriedade, como forma de redistribuição da capacidade potencial de geração de renda e do direito de se apropriar dela. Supõe, também, universalizar o acesso à educação pública de qualidade, como mecanismo de capacitação tecnológica e científica dos trabalhadores, de desenvolvimento do seu potencial humano e de ampliação das oportunidades de inserção no sistema produtivo. Além disso, dada a tendência à concentração da produção, do capital e da renda, inerente à lógica do mercado, o desbloqueio do processo de habilitação implica a intervenção reguladora do Estado na distribuição da renda social. Evidentemente, esse processo pode ser mais amplo e profundo à medida que o dinamismo da economia e seu padrão tecnológico permitam expandir a produtividade agregada e o emprego e sustentar a trajetória de expansão da renda social.

Por outro lado, e contraditoriamente à homilia da centralidade da ação social estatal, vê-se que o discurso da estratégia neodesenvolvimentista leva a crer que a adoção de uma estratégia nacional de desenvolvimento que compatibilize crescimento econômico com equidade social vai depender de as taxas de crescimento econômico ser mantidas em patamares elevados, como forma de garantir recursos para reduzir as desigualdades sociais, tanto do ponto de vista do financiamento das políticas sociais, quanto da ampliação do mercado de trabalho e elevação do salário mínimo, decorrentes do fortalecimento do mercado interno. Como afirmam Oreiro e Paula (2009, p. 11-12),

na perspectiva novo-desenvolvimentista o crescimento econômico é condição necessária mas não suficiente para resolver o problema da miséria e da desigualdade social que marca a sociedade brasileira. Maior crescimento econômico permite gerar mais empregos e ao mesmo tempo elevar a arrecadação tributária que pode ser utilizada na implementação de programas sociais.

Os neodesenvolvimentistas carecem de um consenso no que se refere às fontes de financiamento da política social neodesenvolvimentista. Já em 2010 Mercadante Oliva havia indicado o importante papel dos recursos do Pré-Sal para dinamizar a política social brasileira: "[...] seria conveniente canalizar boa parte desses recursos para essas finalidades, de modo a financiar o salto de qualidade que a educação e a pesquisa em ciência e tecnologia demandam" (p. 493). Nesse sentido, a recente decisão de Dilma de destinar percentual dos royalties do pré-sal para a educação insere-se mais nas recomendações neodesenvolvimentistas do que nas manifestações populares de junho de 2013. Tem-se aqui, novamente, a incorporação das demandas populares no interior do Pacto Neodesenvolvimentista.

Pode-se evidenciar ainda nessa corrente uma concepção que pode ser chamada de política social como fator de crescimento. As políticas sociais neodesenvolvimentistas têm como foco o que Diniz e Boschi (2013, p. 40) muito claramente indicam da seguinte forma:

De fato, a possibilidade aberta pela inclusão social como sustentáculo deste modelo é vista como fundamental, tanto no sentido de permitir uma alternativa de crescimento voltada ao mercado interno e à qual se alia o tamanho da população, quanto no sentido de direcionar o crescimento para aqueles setores e regiões menos favorecidos e, portanto, com mais potencial para a implementação de esforços paralelos em termos de melhoria de infraestrutura, indústria e outros. Em outras palavras, a política social seria a alavanca para a revitalização do capitalismo nacional e uma reestruturação de setores da população e de regiões com capacidade de atração de investimentos. (Grifos meus)

Entende-se que os neodesenvolvimentistas despertaram para o potencial econômico do mercado interno brasileiro, tal como seu principal intelectual Bresser-Pereira havia alertado.5 5 . Sobre isso, consultar: Pfeifer, 2013. Sendo um país de grandes proporções populacional e territorial, a inserção do contingente populacional historicamente à margem das benesses do desenvolvimento da sociedade representou um grande impulso ao capitalismo nacional, consubstanciado na criação de medidas para sustentar um consumo de massa. Dentre as medidas, grande parte insere-se no escopo das políticas sociais neodesenvolvimentistas, como diz Mercadante Oliva (2010, p. 29),

A transferência massiva e condicional de renda, o acesso ao crédito para consumo e produção e à terra, a sistemática e substantiva ampliação no poder de compra do salário mínimo, o acesso facilitado à moradia popular, o investimento em serviços públicos destinados aos setores populares, como o Luz para Todos, a ampliação das oportunidades na área educacional, além de muitas outras vertentes da política social, contribuíram decisivamente para a forte dinamização do mercado interno de consumo de massa, verificada no governo Lula, que teve papel decisivo na alavancagem da demanda agregada e no impulso ao crescimento econômico.

Mercadante Oliva (2010, p. 20) avalia que, de fato, o governo Lula seguiu o receituário neodesenvolvimentista, segundo o qual a política social pública deve ser utilizada para dinamizar o mercado interno. Avalia que o governo do ex-metalúrgico inseriu o social como um dos "eixos estruturantes do Novo Desenvolvimentismo brasileiro", o que representou um momento ímpar na histórica do desenvolvimento econômico brasileiro. Para ele (2010, p. 20), no governo de Lula "o crescimento econômico é acompanhado por um substantivo, consciente, sistemático e bem-sucedido esforço de distribuição de renda, incorporação dos excluídos ao mercado de consumo e ampliação das oportunidades para os segmentos mais pobres da sociedade". Nesse campo, entra em cena o papel dos gastos sociais públicos como fator de incremento do consumo interno. A significativa ampliação dos gastos sociais estatais operada nos governos petistas teve potencial de dinamizar a economia capitalista nacional, segundo Mercadante Oliva (2010, p. 476), "em virtude da grande importância dos complexos industriais e de serviços nas áreas sociais, de sua participação nas compras governamentais e de seu impacto direto e indireto na geração de emprego e renda".

O gasto público durante o governo Lula, e especialmente durante o governo Dilma, pode ser caracterizado como consumista. No período, puderam-se observar grandes obras de infraestrutura, altos investimentos, incentivos e financiamentos voltados para a construção de hidrelétricas e rodovias, expansão da exploração de madeira, minérios, pecuária e monocultura da soja e cana-de-açúcar, alargamento da produção das commodities, como o etanol, a soja e a pecuária. Tais intentos não ocorreram sem impactos no meio ambiente e superexploração dos recursos naturais do país, além do tencionamento com as comunidades tradicionais e locais. Não obstante o discurso segundo o qual os governos petistas teriam estancado o processo de privatizações no país, pode-se analisar que o modelo neodesenvolvimentista de privatização ocorre em forma de "concessão", mediante, por exemplo, as parcerias público-privadas (PPPs). O caso das rodovias é emblemático, pois o Estado investe grandes quantias de recursos para a construção e recuperação de linhas rodoviárias e depois repassa para a iniciativa privada explorar os ativos.6 6 . "Com esse pacote de concessões de rodovias e ferrovias, transfere-se para a iniciativa privada a manutenção, construção e exploração de 7,5 mil quilômetros de rodovias e 10 mil quilômetros de ferrovias, sem contar com a incorporação de aeroportos e portos, em processo de efetivação. Os investimentos são da ordem de R$ 133 bilhões para um período de 25 anos, sendo que R$ 79,5 bilhões serão investidos nos primeiros cinco anos. O braço financeiro do Estado, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), financiará 80% dos projetos. Para acompanhar a privatização foi criada uma agência reguladora: a Empresa de Planejamento e Logística (EPL)" (IHU, 2013). E ainda, o gasto público é direcionado para a desoneração tributária do capital produtivo, tal como a redução do IPI de produtos da linha branca e automóveis. Todas essas são, sem dúvida, medidas pródigas para o capital.

Por outro lado, o economista Pedro Paulo Zahluth Bastos levanta a questão de que a política de inclusão e redistribuição talvez não sustente o desenvolvimento econômico no longo prazo. Segundo ele, "parece irrealista supor que, em uma economia capitalista, o critério do benefício social orientará sempre as decisões de política econômica" (Bastos, 2012, p. 796), e conclui,

Embora a redistribuição de renda e a redução das desigualdades possam ser finalidades prioritárias da política econômica, é pouco provável que se sustentem por muito tempo como os motores mesmos do desenvolvimento capitalista. A própria ativação de um círculo virtuoso entre redistribuição de renda e expansão do mercado interno de massas pressiona os estrangulamentos da estrutura produtiva e logística e, dadas as descontinuidades de escala de oferta, exige a expansão dos investimentos adiante da demanda corrente. Com isso, surgem pressões sobre o orçamento fiscal que concorrem com novas solicitações redistributivas sobre o gasto social. Essa concorrência é pequena nos estágios iniciais de expansão do investimento público (e dos subsídios ao investimento privado), mas tende a agravar-se com o tempo. (Bastos, 2012, p. 795-796)

Deste modo, não é só no plano econômico que a política social neodesenvolvimentista tem proficuidade, mas também no interior do Pacto Neodesenvolvimentista o gasto social público do Estado novo-desenvolvimentista tem conveniência, tendo em vista que o "acordo desenvolvimentista dentro da coalizão de classes também não é, necessariamente, permanente. Ele precisa ser constantemente reconstruído, pois a possibilidade de que ele se desfaça ou rache está sempre presente" (Bresser-Pereira e Theuer, 2012, p. 23). Assim, "o aumento dos gastos sociais é crucial para este Estado, porque, no quadro da democracia, os eleitores exigem do Estado o aumento de gastos em educação, saúde, assistência social e seguridade social" (Idem, p. 814). Nesse mesmo intuito, pode-se evidenciar que o jogo político de coalizões e troca de benefícios, próprios da consolidação do Pacto Neodesenvolvimentista e já alertado por Bresser-Pereira, também faz parte da construção do conjunto de políticas sociais, como indicam Diniz e Boschi (2013, p. 30):

as políticas nessa área vão fundamentalmente depender da forma como são implementadas, do jogo político entre os atores que estão encarregados de executar as políticas, da natureza das coalizões de governo que se logra estabelecer para o suporte a uma plataforma desenvolvimentista.

Notas finais

A partir deste estudo, pôde-se evidenciar que os elementos do projeto neodesenvolvimentista acerca do desenvolvimento social apresentam-se de forma extremamente contraditória, e é justamente nessa contradição que reside sua potencialidade construtora de hegemonia, pois os elementos de sua proposta incorporam, por um lado, as históricas bandeiras dos movimentos populares e setores críticos mais radicais; e por outro, no mesmo movimento, congregam as demandas das elites empresariais nacionais e setores da direita. Numa mescla de esquerda, centro-esquerda, social-democracia e direita liberal, cabe evidenciar que seu sincretismo político (não se sabe se mais à direita ou mais à esquerda, tendo em vista a inflexão operada nos partidos de esquerda no século XXI) se mostra competente para a consolidação do acordo nacional em torno do Pacto Neodesenvolvimentista. Seu projeto para as políticas sociais acaba despolitizando os processos sócio-históricos de sua conquista ao levá-las para dentro do Pacto Neodesenvolvimentista. E, ao plantar os sentidos da inclusão social via consumo de massa no âmbito das políticas sociais, as demandas populares são levadas para o interior do Estado neodesenvolvimentista, retorcendo o significado histórico de construção da cidadania social alicerçada no dever da provisão pública, estatal e gratuita, e, no mesmo movimento, acabam conquistando o consentimento e o conformismo de diferentes segmentos de classe e, consequentemente, sua adesão ao Pacto Neodesenvolvimentista, o que pode estar contribuindo para o enfraquecimento dos movimentos populares e sindicais mais combativos. Como disse Cepêda (2012, p. 86), "a inclusão é termo (se não moeda) de extremo valor e poder na construção dos compromissos sociais" e conclui: "as políticas públicas mudaram de rumo, redefinindo prioridades e instrumentos a ponto de permitir a legítima suposição de um novo pacto social em andamento" (p. 87). Pode-se inferir, ainda, que o consumo popular de bens e serviços sociais, impulsionado pelas políticas estatais, serve aos interesses de acumulação do capital, por um lado, e promove uma cultura empreendedora que responsabiliza indivíduos e famílias pelo acesso mercantil de seu bem-estar social, trazendo novamente a questão social para o foro privado e tentando desvinculá-la de sua raiz estrutural comum, isto é, ao processo de produção e reprodução do capital e suas formas de exploração e concentração.

Deixo aqui as portas abertas para pesquisadores, profissionais e militantes tecerem suas considerações e contribuírem para que evidenciemos os rebatimentos do Pacto Neodesenvolvimentista nas diversas áreas da política social.

Recebido em: 11/7/2014

Aprovado em: 4/8/2014

  • BASTOS, Pedro Paulo Zahluth. A economia política do novo-desenvolvimentismo e do social desenvolvimentismo. Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, número especial, p. 779-810, dez. 2012.
  • BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos; THEUER, Daniela. Um Estado novo-desenvolvimentista na América Latina? Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, número especial, p. 811-829, dez. 2012.
  • CARNEIRO, Ricardo. Oportunidades e riscos pós-crise. In: BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos (Org.). O que esperar do Brasil? Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013.
  • CEPÊDA, Vera Alves. Inclusão, democracia e novo-desenvolvimentismo: um balanço histórico. Estudos Avançados, v. 26, n. 75, p. 77-90, maio/ago. 2012.
  • DINIZ, Eli; BOSCHI, Renato. Uma nova estratégia de desenvolvimento? In: BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos (Org.). O que esperar do Brasil? Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013. p. 25-59.
  • FURTADO, Celso. Brasil: a construção interrompida. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
  • IHU (Instituto Humanitas Unisinos). Especial 2012: o modelo neodesenvolvimentista do governo Dilma. Ecodebate, 3/1/2013 Disponível em: <http://www.ecodebate.com.br/2013/01/03/especial-2012-o-modelo-neodesenvolvimentista-do-governo-dilma/>. Acesso em: 20 ago. 2013.
  • MERCADANTE OLIVA, Aloizio. As bases do novo desenvolvimentismo no Brasil: análise do governo Lula (2003-2010). Tese (Doutorado) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010.
  • OUREIRO, José Luis; PAULA, Luiz Fernando de. Novo desenvolvimentismo e a agenda de reformas macroeconômicas para o crescimento sustentado com estabilidade de preços e equidade social. Texto preliminar para discussão, versão 19/10/2009. Disponível em: <http://www.ppge.ufrgs.br/akb/clipping/18.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2013.
  • PFEIFER, Mariana. Bresser-Pereira e o pacto neodesenvolvimentista. Temporalis, ano 13, n. 26, p. 11-36, jul./dez. 2013. Disponível em: <http://www.periodicos.ufes.br/temporalis/article/view/6066/4946>. Acesso em: 20 ago. 2013.
  • POCHMANN, Marcio. A nova economia política brasileira. Le Monde Diplomatique Brasil Disponível em: <http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1179>. Acesso em: 30 maio 2012.
  • POCHMANN, Marcio. Políticas sociais e padrão de mudanças no Brasil durante o governo Lula. Ser Social, Brasília, v. 13, n. 28, p. 12-40, jan./jun. 2011.
  • ______. Novo desenvolvimentismo como resposta à crise global. In: CASTRO, Daniel; MELO, José Marques de (Orgs.). Panorama da Comunicação e das telecomunicações no Brasil Brasília: Ipea, 2012b. v. 1.
  • SALM, Cláudio. Estagnação Econômica, Desemprego e Exclusão Social. In: SICSÚ, João; PAULA, Luiz Fernando de; MICHEL, Renaut. Novo desenvolvimentismo: um projeto nacional de crescimento com equidade social. Barueri: Manole; Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2005.
  • SICSÚ, João; PAULA, Luiz Fernando de; MICHEL, Renaut. Novo desenvolvimentismo: um projeto nacional de crescimento com equidade social. Barueri: Manole; Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2005.
  • SILVA, José Cláudio Ferreira da Silva; MICHEL, Renaut. A macroeconomia da concentração de renda e da estagnação. In: SICSÚ, João; PAULA, Luiz Fernando de; MICHEL, Renaut. Novo desenvolvimentismo: um projeto nacional de crescimento com equidade social. Barueri: Manole; Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2005.
  • VALOR ONLINE. Brasil entrou no novo ciclo econômico do social-desenvolvimentismo, avalia Mantega. Publicado em: 6 set. 2007. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/economia/ultnot/valor/2007/09/06/ult1913u75518.jhtm>. Acesso em: 20 ago. 2013.
  • *
    O presente artigo é fruto de tese de doutorado.
  • 1
    . O Pacto Neodesenvolvimentista "pressupõe a construção de um acordo nacional dirigido pelo segmento dos empresários industriais nacionais e firmado entre os diferentes segmentos de classe no país. Enquanto proposta político-econômica, o Novo Desenvolvimentismo apresenta um receituário que engloba, por um lado, um conjunto de recomendações micro e macroeconômicas e, por outro, uma estratégia ideopolítica assentada em concepções relativas ao mercado, Estado, sociedade civil, classes, globalização, entre outros conceitos que lhe dão sustentação teórica e política e que evidenciam a existência de uma nova ofensiva burguesa no Brasil, agora alicerçada em outro bloco que disputa a direção da sociedade brasileira do século XXI" (Pfeifer, 2013, p. 11).
  • 2
    . Por exemplo, no campo da política social de saúde, temos tanto instituições públicas estatais (postos de saúde, Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), hospitais etc.), quanto públicas não estatais (a exemplo dos hospitais filantrópicos), e instituições privadas (clínicas e hospitais particulares ou por planos de saúde). O mesmo ocorre na política social de educação superior, composta por um conjunto de instituições públicas estatais (universidades e institutos federais, estaduais e municipais), quanto públicas não estatais (universidades confessionais, por exemplo), e instituições privadas (faculdades, centros universitários e universidades privadas). Essa consideração cabe igualmente às demais áreas e setores de políticas sociais.
  • 3
    . Pochmann vem publicando um sem-número de artigos, livros e capítulos de livros, sobretudo a partir de 2001. O currículo de Marcio Pochmann na Plataforma Lattes do CNPq registra 112 artigos publicados em periódicos, 44 livros publicados/organizados, 113 capítulos de livros, 162 artigos em jornais de notícias e muitas outras publicações em anais de eventos. Efetivamente, sua atuação tem se utilizado fortemente dos "aparelhos privados de hegemonia" do meio acadêmico e a mídia para a publicização de suas ideias neodesenvolvimentistas. Os veículos em que publica abarcam desde os ligados às correntes críticas até as agências burguesas. Seus estudos giram em torno do mundo do trabalho e, mais recentemente, as políticas sociais do governo petista e os impactos das políticas de transferência de renda na classe trabalhadora.
  • 4
    . Para saber sobre a macroeconomia estruturalista do desenvolvimento de Bresser-Pereira, consulte os seus livros
    Macroeconomia da estagnação: crítica a ortodoxia convencional no Brasil pós-1994, publicado em 2007 pela Editora 34, e
    Globalização e competição: por que alguns países emergentes têm sucesso e outros não, de 2009, pela Editora Elsevier.
  • 5
    . Sobre isso, consultar: Pfeifer, 2013.
  • 6
    . "Com esse pacote de concessões de rodovias e ferrovias, transfere-se para a iniciativa privada a manutenção, construção e exploração de 7,5 mil quilômetros de rodovias e 10 mil quilômetros de ferrovias, sem contar com a incorporação de aeroportos e portos, em processo de efetivação. Os investimentos são da ordem de R$ 133 bilhões para um período de 25 anos, sendo que R$ 79,5 bilhões serão investidos nos primeiros cinco anos. O braço financeiro do Estado, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), financiará 80% dos projetos. Para acompanhar a privatização foi criada uma agência reguladora: a Empresa de Planejamento e Logística (EPL)" (IHU, 2013).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Dez 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2014

    Histórico

    • Aceito
      04 Ago 2014
    • Recebido
      11 Jul 2014
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