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Contemporaneidade dos Programas de Transferência Monetária no Brasil: proteger ou mitigar a pobreza?*SILVA, Maria Ozanira da Silva. Income transfer programs in the context of the covid-19 pandemic and post-pandemic: the reality of Latin America and the Caribbean. Trabalho apresentado na Intrenational Consortium for Social Development (ICSD) Conference, University of Johannesburg, de 13 a 16 de julho de 2021a.

Contemporaneity of the Cash Transfer Programs in Brazil: to protect or to mitigate the poverty?

Resumo:

O artigo aborda Programas de Transferência Monetária no Brasil; o contexto socioeconômico e político; modalidades e orientação político-ideológica dos programas; o Auxílio Emergencial e a substituição do “Bolsa Família” pelo “Auxílio Brasil”. A metodologia contempla resultados de pesquisas; revisão bibliográfica e documental; dados secundários e acesso a websites. Os resultados destacam: funções; mitigação da pobreza e proliferação desses programas, deslocados do Sistema de Proteção Social.

Palavras-chave:
Programas de Transferência Monetária; Sistema de proteção social; Pobreza; Brasil

Abstract:

This article approaches Cash Transfer Programs in Brazil; socioeconomic and political context; modalities and politic-ideological orientation; the Auxílio Emergencial” and the substitution of the “Bolsa Família” by “Auxílio Brasil”. The applied methodology was results of researches; bibliographic and documental studies; secondary data and access to websites. The outcomes pointed out the functions; poverty alleviation and proliferation of those programs displaced of the Social Protection System.

Keywords:
Cash Transfer Programs; Social protection system; Poverty; Brazil

Introdução

O surgimento e o desenvolvimento dos programas de transferência monetária, entendidos como programas que destinam a pessoas ou a famílias um benefício em dinheiro, na qualidade de política de proteção Social no Brasil, têm o ano de 1995 como o marco histórico inicial. A princípio, são programas municipais com a denominação de renda mínima, implementados nas cidades de Campinas, Ribeirão Preto e Santos, em São Paulo. No mesmo ano foi criado o Programa Bolsa Escola em Brasília. Esses programas inspiraram e fomentaram o surgimento de muitos programas similares em municípios e estados brasileiros, em nível nacional. O processo avança uma Rede de Proteção Social,1 1 A Rede de Proteção Social foi uma proposta de articulação de programas compensatórios de transferência monetária, destacando-se o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), o Programa Agente Jovem, o Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação, o Programa Bolsa Alimentação, Auxílio Gás e o Programa Cartão Alimentação. composta, majoritariamente, de programas de transferência monetária. Todavia, o ano de 2003 representa o ponto alto desse processo com a criação do Bolsa Família, que, em 2006, já estava em implementação em todos os municípios brasileiros, atendendo a um quantitativo de público nunca alcançado na história dos programas sociais no Brasil e da América Latina (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2012).

Situando os programas de transferência monetária, especificamente, na América Latina, os anos 1990 são o marco temporal a partir de quando esses programas surgem e se expandem, impulsionados pela necessidade de enfrentamento de uma conjuntura marcada por elevados índices de trabalho precário, informal e de baixa remuneração, de desemprego e, também, elevados índices de pobreza e de extrema pobreza no continente, conjuntura essa que demandou significativa elevação de gastos sociais públicos. Ao mesmo tempo, assiste-se ao deslocamento do processo de universalização da proteção social em curso, interrompido pela adoção de uma prática de intervenção social focalizada na pobreza e na extrema pobreza (SILVA, 2014). Esse deslocamento articula as medidas de proteção social ao desenvolvimento econômico, ao serem consideradas eixo potencializador do desenvolvimento (CEPAL, 2010CEPAL. Panorama Social de América Latina, 2009. Santiago de Chile, 2010. Disponível em: Disponível em: https://www.cepal.org/pt-br/node/25973 . Acesso em: 12 mar. 2020.
https://www.cepal.org/pt-br/node/25973...
). Nesse contexto, o protagonismo dos programas de transferência monetária é ampliado em diversos países da América Latina, tendo como objetivo, em curto prazo, a transferência monetária a famílias ou a indivíduos para mitigar sua situação de pobreza. Em médio e longo prazos, o objetivo era a elevação do capital humano de novas gerações, necessário ao desenvolvimento econômico.

Buscando a contemporaneidade dos programas de transferência monetária, particularmente no Brasil, vivencia-se uma conjuntura marcada pela hegemonia do capital financeiro, em que os programas de transferência monetária tornam-se prevalentes no Sistema de Proteção Social Brasileiro, voltando-se para o cumprimento de três funções: contribuir para a manutenção das economias locais; contribuir para a legitimação de governos, muitas vezes antidemocráticos, mas que precisam da aprovação dos pobres para manter seu poder, tendo também a função de mitigar a situação de pobreza de contingentes populacionais, cada vez mais numerosos, sobretudo, dos que vivem do trabalho informal, sem proteção social e em condições de pobreza e de extrema pobreza (SILVA, 2021bSILVA, Maria Ozanira da Silva (coord.). Relatório final do mapeamento de programas de transferência monetária na América Latina e Caribe. São Luís, 2021b. Mimeo.). No Brasil, essa é uma conjuntura agravada com o desgoverno de Michel Temer (2016-2018) e Jair Bolsonaro (2019-2022), que assumem a presidência da República com o Golpe institucional e midiático de 2016, situação agravada com a crise socioeconômica, sanitária e política em decorrência da pandemia da covid-19, quando se aprofunda um contexto de fortes ameaças ao Sistema de Proteção Social brasileiro, ainda em consolidação, com o aprofundamento de contrarreformas de orientação ultraliberal, no âmbito do denominado ajuste fiscal, implementadas desde o governo Temer e exacerbadas no governo Bolsonaro. Entre tais contrarreformas, destacam-se as reformas trabalhista e previdenciária, que desmontam direitos sociais conquistados em lutas sociais históricas. A essa realidade acrescenta-se a postura de descaso assumida pelo governo Bolsonaro, em face da crise sanitária e social sem precedentes no mundo e, particularmente, no Brasil, marcada por crises econômicas, sociais, sanitárias e política, com a desestruturação do mercado de trabalho e elevados índices de desigualdades, de pobreza, de extrema pobreza, recolocando o país no Mapa da Fome.

É nesse contexto contemporâneo que abordo a transferência monetária no âmbito do Sistema de Proteção Social brasileiro, iniciando pela construção de referências para a compreensão dos Programas de Transferência Monetária, seguindo com a ilustração da realidade desses programas no Brasil com a apresentação e problematização do Auxílio Emergencial, versão 2020 e 2021, a substituição do Bolsa Família pelo Auxílio Brasil, para, finalmente, refletir sobre aspectos básicos qualificadores dos programas de transferência monetária, a título de conclusão.

1. Construindo referências para compreensão dos Programas de Transferência Monetária: concepções, modalidades e fundamentos político-ideológicos

Identificamos, na realidade contemporânea no Brasil, a ampliação do debate, a elaboração de propostas e a implementação de programas de transferência monetária focalizados, trazendo de volta o debate sobre a Renda Básica Universal, colocado na agenda pública em 2004. Todavia, vêm ocorrendo nesse espaço confusões de ordem terminológica e conceitual que precisam ser aclaradas para melhor compreensão e trato sobre o debate e a prática dos programas de transferência monetária. Nesse aspecto, é necessário explicitar o conteúdo conceitual de diferentes modalidades desses programas, bem como aclarar e problematizar perspectivas ideológicas distintas que fundamentam esses programas na contemporaneidade, embora tenha se verificado, no período inicial da implantação desses programas, uma tendência de vinculação com posturas político-ideológicas progressistas:

Todavia, as iniciativas de criação desses programas passaram a receber forte influência de matizes liberais e conservadores, contribuindo para que sua expansão passasse a consolidar os denominados programas de transferência monetária no campo de uma focalização estritamente vinculada à pobreza e à extrema pobreza, e majoritariamente portadores de condicionalidades na educação e saúde a serem cumpridas pelas famílias beneficiárias (SILVA et al., 2020SILVA, M. O. S. et al. Do declínio ao acirramento da pobreza no Brasil nas duas primeiras décadas do século XXI: agravamento das desigualdades no contexto da Covid-19 e respostas do Estado Brasileiro para proteção social. São Luís, 2020. Mimeo., p. 5).

A colocação das autoras sugere que cada programa tem como fundamento uma concepção teórica, política e ideológica, que decorre de uma visão de mundo e de uma concepção de pobreza.

Complementando o entendimento no campo político-ideológico, é necessário destacar que os Programas de Transferência Monetária se apresentam qualificados por algumas modalidades. Há os Programas de Transferência Monetária Focalizados, com ou sem condicionalidades. Entre os primeiros, destaco o Bolsa Família e o Auxílio Brasil e, entre os segundos, programas sem condicionalidades, temos o Benefício Emergencial. A outra modalidade de programas de transferência monetária é representada pela Renda Básica Universal, cujo exemplo mais conhecido é o Alaska Dividendo.2 2 O Alaska Dividendo é mantido pelo Fundo do Alaska. O benefício tem variado de U$ 300,00, no ano de 1989, a U$ 3.269,00, em 2008, quando o preço do petróleo era muito alto. Após 35 anos pagando anualmente igual dividendo a todos, vem se verificando que o Alaska e o Utah são os mais iguais dos 50 estados americanos.

Os programas focalizados são definidos pela inclusão de critérios para acesso do público-alvo, com maior incidência a renda, focando, geralmente, a população pobre e extremamente pobre, pessoas ou famílias; a idade, quando são priorizadas determinadas faixas etárias (crianças, adolescentes, idosos). Alguns programas focalizados incluem a localização da moradia (meio rural, favelas, assentamentos etc.) e determinadas situações de vulnerabilidade (deficiências). A função dos programas focalizados limita-se a mitigar a pobreza ou atender a situações pontuais ou emergenciais (SILVA et al., 2020SILVA, M. O. S. et al. Do declínio ao acirramento da pobreza no Brasil nas duas primeiras décadas do século XXI: agravamento das desigualdades no contexto da Covid-19 e respostas do Estado Brasileiro para proteção social. São Luís, 2020. Mimeo.).

Por sua vez, os programas de transferência monetária, denominados Renda Básica , têm dois qualificadores: universalidade e incondicionalidade, ou seja, é uma transferência monetária periódica, individual, universal e incondicional (RBRB, [2019?]RBRB. Sobre a renda básica. [S. l.: s. n.], [2019?]. Disponível em: Disponível em: http://rendabasica.com.br/sobre-a-renda-basica/ . Acesso em: 18 abr. 2020.
http://rendabasica.com.br/sobre-a-renda-...
), tendo como função distribuir a riqueza socialmente produzida para diminuição da desigualdade e alcance da Justiça Social.3 3 A prática dos programas denominados de Renda Básica ao redor do mundo, na maioria dos casos, são experiências-piloto, limitadas no tempo e direcionadas a atender a determinados segmentos de uma população, portanto não atendem ao critério da universalidade, embora, via de regra, não apresentem condicionalidades. Sobre concepções e práticas de Renda Básica Universal, veja: Torry (2019); e sobre a experiência brasileira de Renda Básica de Cidadania, veja, na obra citada, o capítulo de Silva e Lima (2019, p. 319-338).

A realidade dos Programas de Transferência Monetária no Brasil, situados na contemporaneidade da conjuntura decorrente da pandemia da covid-19, é ilustrada com a apresentação e a problematização dos programas Auxílio Emergencial e a substituição do Bolsa Família pelo Auxílio Brasil.

2. Auxílio Emergencial: caracterização, alcances e limites4 4 As informações indicadas ao logo do texto sobre o Auxílio Emergencial, versões 2020 e 2021, encontram-se nos instrumentos legais de criação desse Programa e no site do Ministério de Cidadania. Disponível em: https://www.gov.br/cidadania/pt-br/servicos/auxilio-emergencial.

O Auxílio Emergencial foi instituído em duas versões. A versão 2020, aprovada pelo Congresso brasileiro e sancionada pela Presidência da República mediante Lei n. 13.982, de 2 de abril de 2020, e a versão 2021, aprovada pelo Congresso brasileiro por meio da Medida Provisória n. 1.039, de 18 de março de 2021. Ambas as versões têm abrangência nacional e objetivam atenuar as consequências decorrentes da ampliação do desemprego, do trabalho informal precarizado, da pobreza e da fome no contexto da pandemia da covid-19. Todavia, é produto de pressão exercida por movimentos da sociedade civil, por profissionais, entre estes economistas, cientistas sociais, assistentes sociais e de pessoas afetadas pela pobreza e o desemprego (RBRB, [2019?]RBRB. “Novo Bolsa Família” é insuficiente e cruel com os mais pobres (nota pública). [2021]. Disponível em: Disponível em: http://rendabasica.com.br/sobre-a-renda-basica/ . Acesso em: 10 ago. 2021.
http://rendabasica.com.br/sobre-a-renda-...
).

É um programa de transferência monetária massivo, sem condicionalidades, mas altamente focalizado. Disponibilizou um benefício mensal no valor de R$ 600,00, no período de abril a agosto de 2020, para até duas pessoas da mesma família, sendo que para as famílias chefiadas por mulheres o valor mensal foi de R$ 1.200,00. De setembro a dezembro de 2020, o valor do benefício foi reduzido para R$ 300,00, mantendo pagamento duplicado para mulheres responsáveis por famílias monoparentais.

O Benefício Emergencial versão 2020, segundo o Portal da Transparência do Governo Federal, atendeu a 68.234.466 pessoas e aplicou R$ 293.337.689.560,00. O público-alvo foi composto de microempreendedor individual; contribuinte individual ou facultativo do Regime Geral da Previdência Social; trabalhador informal inscrito no Cadastro Único do governo federal ou em aplicativo da Caixa Econômica Federal; e beneficiários do Bolsa Família. A esse público foram exigidos os seguintes critérios para acesso ao benefício: ter mais de 18 anos; renda per capita familiar de meio salário mínimo ou renda familiar mensal total de até três salários mínimos; e não ter tido rendimentos tributáveis, em 2018, devendo incluir, no máximo, duas pessoas por família.5 5 Posteriormente, o público-alvo do Benefício Emergencial foi ampliado pelo Projeto de Lei n. 873/2020, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), com a inclusão de catadores de material reciclável, seringueiros, taxistas, mototaxistas, motoristas de aplicativos, manicures, diaristas e pescadores artesanais, permitindo também que mães adolescentes, mesmo com menos de 18 anos, recebessem o benefício.

O Benefício Emergencial criado em abril de 2020 e implementado até dezembro apresentou recorrentes problemas para seu acesso e implementação, tais como: foi utilizado sistema altamente informatizado, desconsiderando que milhões de pessoas elegíveis para receber o benefício viviam em domicílios sem acesso à internet, além de terem dificuldades com o manejo do aplicativo; na implementação, verificou-se falta de planejamento para a distribuição do benefício, gerando aglomerações nas agências bancárias pagadoras, com ampliação da potencialidade de contágio do coronavírus. Verificaram-se, ainda, dificuldades de acesso junto às agências pagadoras; distorções na concessão e denúncia de uso indevido do benefício; falta de transparência na seleção do público demandante; informações desencontradas e atrasos nos pagamentos; demora no processo de análise das solicitações, além de desconsiderar o aparato institucional já consolidado no Cadastro Único do governo federal, que dispõe de 11.908 postos em todos os municípios e a experiência de 18 anos do Bolsa Família. Todavia, em contraposição aos problemas, o Benefício Emergencial, nesse primeiro momento, apresentou contradições e positividades: atendimento massivo no contexto de avanço da pobreza, alcançando 68.234.466 pessoas; não ter condicionalidade; ampliação do espaço para a proteção social, mesmo que emergencial e provisória e, contraditoriamente, explicitou o tamanho da pobreza no Brasil, impulsionando o debate sobre programas de transferência monetária condicionados e de Renda Básica Universal (SILVA; SANTOS; LIMA, 2021SILVA, Maria Ozanira da Silva; SOUSA, Salviana de Maria Pastor Santos; LIMA, Valéria Ferreira Santos de Almada. Auxílio Emergencial e Trabalho do Serviço Social no Contexto da Covid 19. Revista em Pauta, n. 48, p. 107-123, 2021.).

O Benefício Emergencial concedido em 2020 foi suspenso durante os meses de janeiro, fevereiro e março de 2021, sendo recriado em abril, em decorrência de fortes pressões de setores organizados da sociedade, profissionais de diversas categorias, inclusive pressão do Parlamento brasileiro. Ademais, a denominada segunda onda da covid-19 no Brasil limitou possibilidades de retomada da economia, ampliando o desemprego, o trabalho desprotegido, a pobreza, a extrema pobreza e a fome dos que dependiam do Benefício Emergencial interrompido.

Nesse contexto, o governo federal não teve outra saída a não ser reeditar o Benefício Emergencial, mediante a Medida Provisória n. 1.039, de 18 de março de 2021, da Presidência da República/Secretaria-Geral/Subchefia para Assuntos Jurídicos que determina, a princípio, vigência do benefício de abril a julho de 2021, estendida, posteriormente, até novembro, sendo, porém, que a versão 2021 do Benefício Emergencial tem uma proposta mais restritiva quantitativamente e por demais restritiva em termos dos inúmeros critérios para inclusão. Desse modo, o total de beneficiários, segundo o Ministério da Cidadania, foi de 39,3 milhões de pessoas, queda de 42,37% em relação ao total de pessoas atendidas pelo Benefício Emergencial versão 2020, sendo aplicados pelo governo federal, segundo o Portal da Transparência, R$ 605.125.747,00, valor muito inferior ao aplicado em 2020, que foi de R$ 293.337.689.560,00 (BRASIL, 2021dBRASIL. Ministério da Cidadania. Auxílio Emergencial 2021. Brasília, 2021d. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/cidadania/pt-br/servicos/auxilio-emergencial . Acesso em: 9 fev. 2022.
https://www.gov.br/cidadania/pt-br/servi...
).

O Auxílio Emergencial na versão 2021 também não apresentou nenhum tipo de condicionalidade, o que se tornaria inviável por se tratar de um benefício emergencial. Os critérios de inclusão, além de excessivamente numerosos, ampliaram a focalização conservadora que já vinha sendo adotada, indicando amplo espectro de critérios que determinam mais a exclusão do que a inclusão de possíveis beneficiários, mesmo num contexto socioeconômico de ampliação do desemprego, da pobreza, da extrema pobreza e da fome. O valor mensal do benefício foi reduzido pela metade, de modo que para mulheres provedoras de família monoparental, o valor mensal do benefício ficou em R$ 375,00; o valor médio foi limitado a R$ 250,00 e o valor para família unipessoal foi de R$ 150,00. Ademais, os problemas indicados em relação à versão do Auxílio Emergencial de 2020 não foram sanados na versão 2021.

Em sequência às duas versões de Benefício Emergencial, o governo Bolsonaro substituiu o Bolsa Família pelo Auxílio Brasil em novembro de 2021.

3. Substituição da estabilidade do Bolsa Família pela incerteza do Auxílio Brasil

Extinguindo-se a vigência do Benefício Emergencial, criado em março de 2021, aproximando-se o ano eleitoral de 2022 e, sobretudo, a elevada pressão do crescente desemprego, do trabalho informal sem proteção, da fome e a pressão da sociedade organizada, foi entregue, pessoalmente, pelo presidente Bolsonaro ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, a Medida Provisória n. 1.061, de 9 de agosto de 2021. A referida Medida, após quase três anos de governo e nove anúncios frustrados para criação de um grande programa de transferência monetária que tirasse de cena o Bolsa Família, cria o Auxílio Brasil.

O novo programa é regulamentado pelo Decreto n. 10.852, de 8 de novembro de 2021BRASIL. Decreto n. 10.852, de 8 de novembro de 2021. Regulamenta o Programa Auxílio Brasil, instituído pela Medida Provisória n. 1.061, de 9 de agosto de 2021. Diário Oficial da União, Brasília, 2021a. Disponível em: Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-10.852-de-8-de-novembro-de-2021-357706502 . Acesso em: 15 fev. 2022.
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, que, em um longo e confuso texto de 92 artigos, define o conteúdo que qualifica o Auxílio Brasil: objetivos; público-alvo; condições de atendimento e benefícios (BRASIL, 2021bBRASIL. Medida Provisória n. 1.061, de 9 de agosto de 2021. Institui o Programa Auxílio Brasil e o Programa Alimenta Brasil, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 2021b. Disponível em: Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/medida-provisoria-n-1.061-de-9-de-agosto-de-2021-337251007 . Acesso em: 15 fev. 2022.
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/medid...
).

Tem como objetivos: promover a cidadania com garantia de renda e apoiar, por meio dos benefícios ofertados pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS), a articulação de políticas voltadas aos beneficiários; promover, prioritariamente, o desenvolvimento das crianças e dos adolescentes, por meio de apoio financeiro a gestantes, nutrizes, crianças e adolescentes em situação de pobreza ou extrema pobreza; promover o desenvolvimento das crianças na primeira infância, com foco na saúde e nos estímulos às habilidades físicas, cognitivas, linguísticas e socioafetivas, de acordo com o disposto na Lei n. 13.257, de 8 de março de 2016; ampliar a oferta do atendimento das crianças em creches; estimular crianças, adolescentes e jovens a terem desempenho científico e tecnológico de excelência; e estimular a emancipação das famílias em situação de pobreza e extrema pobreza (BRASIL, 2021bBRASIL. Medida Provisória n. 1.061, de 9 de agosto de 2021. Institui o Programa Auxílio Brasil e o Programa Alimenta Brasil, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 2021b. Disponível em: Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/medida-provisoria-n-1.061-de-9-de-agosto-de-2021-337251007 . Acesso em: 15 fev. 2022.
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/medid...
).

O público-alvo do Auxílio Brasil é composto de famílias em situação de extrema pobreza, com renda familiar mensal per capita de até R$ 105,00; famílias em situação de pobreza com renda mensal familiar per capita de R$ 105,01 a R$ 210,00, sendo que as famílias em situação de pobreza e em regra de emancipação só poderão ser atendidas se possuírem em sua composição gestantes ou pessoas com idade até 21 anos incompletos, devendo também se encontrarem inscritas no Cadastro Único com informações atualizadas (BRASIL, 2021cBRASIL. Ministério da Cidadania. Auxílio Brasil. Brasília, 2021c. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/cidadania/pt-br/auxilio-brasil/auxilio-brasil#oque . Acesso em: 9 fev. 2022.
https://www.gov.br/cidadania/pt-br/auxil...
).

Em termos de condicionalidades, o Auxílio Brasil reedita, com algumas adaptações, as condicionalidades do Bolsa Família na educação e na saúde, denominando-as condições para atendimento: comprovar a frequência escolar mensal mínima de 60% para crianças de quatro e cinco anos de idade e de 75% para beneficiários de seis a 21 anos; estar com o calendário nacional de vacinação instituído pelo Ministério da Saúde em dia; acompanhar o estado nutricional de crianças com até sete anos de idade incompletos e, no caso das gestantes, realizar o pré-natal. A permanência da família no Programa fica condicionada à avaliação mensal da situação familiar pela Dataprev, que irá reavaliar se a família permanece com direito ao Auxílio Brasil.

Os benefícios monetários básicos são três, pagos mensalmente: Benefício Primeira Infância para famílias com crianças entre zero e 36 meses incompletos, pago por pessoa que se enquadre nessa situação; Benefício Composição Familiar destinado a famílias que possuam em sua composição gestantes ou pessoas com idade entre três e 21 anos incompletos, pago por pessoa que se enquadre em tais situações, sendo que a família só receberá esse benefício se os jovens de 17 a 21 anos estiverem matriculados na educação básica; e Benefício de Superação da Extrema Pobreza, valor mínimo calculado por pessoa, cuja renda familiar per capita, calculada após o acréscimo dos benefícios Primeira Infância e Composição Familiar, for igual ou inferior ao valor da linha de extrema pobreza.

A família beneficiária pode receber, cumulativamente, os três benefícios básicos especificados, sendo que os benefícios Primeira Infância e Composição Familiar são pagos até o limite de cinco benefícios por família.

Além dos três benefícios básicos, o Auxílio Brasil disponibiliza outros cinco benefícios:

  1. Bolsa de Iniciação Científica Júnior- para estudantes de famílias beneficiárias que tenham se destacado em competições acadêmicas e científicas de abrangência nacional. Os valores do benefício são pagos em 12 parcelas mensais de R$ 100,00 para o estudante e parcela única de R$ 1.000,00 por família;

  2. Auxílio Esporte Escolar - concedido aos estudantes de 12 a 17 anos incompletos de famílias beneficiárias, que se destaquem nos Jogos Escolares Brasileiros. O valor do Auxílio é igual ao Bolsa de Iniciação Científica Júnior;

  3. Inclusão Produtiva Rural - benefício pago em parcelas mensais de R$ 200,00 às famílias beneficiárias que possuam em sua composição agricultores familiares, com comprovação mediante Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, restrito a um auxílio por pessoa e por família;

  4. Inclusão Produtiva Urbana - no valor mensal de R$ 200,00, é pago a beneficiários que comprovem vínculo de emprego com carteira assinada, sendo limitado a um auxílio por família ou por pessoa;

  5. Benefício Compensatório de Transição - é um valor automático complementado na parcela mensal do Auxílio Brasil, pago no limite de um benefício por família e concedido exclusivamente, no mês de novembro de 2021, para famílias que tiveram perdas financeiras na transição do Bolsa Família para o Auxílio Brasil.

Os benefícios só poderão ser pagos por meio de Poupança Social Digital; Conta Corrente de Depósito à vista; Conta Especial de Depósito à vista; e Conta Contábil na plataforma social do Programa.

O valor médio do benefício, em novembro de 2020, foi R$ 224,00; em janeiro de 2021, foi de R$ 407,54 e, em fevereiro, de R$ 400,00, sendo criado em dezembro, por medida provisória, um Benefício Extraordinário com pagamento mínimo total de R$ 400,00. Segundo informações consultadas em Agência Brasil, no ato de sua aprovação, o Auxílio Brasil recebeu R$ 9,4 bilhões de recursos e, para 2021, os recursos foram definidos no orçamento do governo federal (VERDÉLIO, 2021VERDÉLIO, Andreia. Programa Auxílio Brasil recebe recursos de R$ 9,4 bilhões. Agência Brasil, Brasília, 2021. Disponível em: Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2021-11/programa-auxilio-brasil-recebe-recursos-de-r-94- bilhoes . Acesso em: 15 fev. 2022.
https://agenciabrasil.ebc.com.br/politic...
).

A principal justificativa para a criação do Auxílio Brasil se fundamentou na elevação do valor do benefício sem, contudo, considerar que para a elevação do valor monetário do benefício não seria necessário criar um novo programa; sem considerar que o Bolsa Família não foi reajustado nos três anos do governo Bolsonaro e o prometido décimo terceiro benefício só foi pago em 2019. Ademais, os dois principais problemas do Bolsa Família foram desconsiderados: acabar com as filas de espera de famílias que atendem a critérios de elegibilidade, mas não são incluídas, e necessidade de definição de regras de atualização periódica do valor do benefício. Verifica-se também a centralidade das responsabilidades sobre o Programa no Poder Executivo, desconsiderando o caráter descentralizado do Bolsa Família e as instâncias criadas para sua implementação. Assim, fica centrada no Poder Executivo a responsabilidade exclusiva de editar regulamentos relativos a prazos, detalhamento de critérios de acesso e desligamento e valores de benefícios, desconsiderando, portanto, os 18 anos de Bolsa Família e o Cadastro Único. Substitui a relação humanizada entre profissionais dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) com o público demandante por dispositivo eletrônico, desconsiderando a realidade do limitado acesso do público-alvo do Programa à internet e a computadores.

Segundo manifestação pública emitida pela Rede Brasileira de Renda Básica (RBRB, [2021]RBRB. “Novo Bolsa Família” é insuficiente e cruel com os mais pobres (nota pública). [2021]. Disponível em: Disponível em: http://rendabasica.com.br/sobre-a-renda-basica/ . Acesso em: 10 ago. 2021.
http://rendabasica.com.br/sobre-a-renda-...
), sob o título “Novo Bolsa Família”, este é insuficiente e cruel com os mais pobres, o Auxílio Brasil é pior que o Bolsa Família nos seguintes aspectos: os valores dos benefícios e o número de novas famílias a serem incluídas no Programa não são definidos; empurra beneficiários para endividamento mediante crédito consignado; condiciona novos auxílios ao sucesso em jogos esportivos e olimpíadas escolares, sem oferecer condições; é incompreensível para parte dos beneficiários ao fixar uma diversidade de benefícios; não considera apontamentos nem falhas da implementação do Benefício Emergencial; não cria a transição dos dados do Auxílio Emergencial para o Cadastro Único; não dialoga com a realidade econômica que impõe novas respostas para a população brasileira.

Ao também se manifestar publicamente sobre a medida provisória que institui o Auxílio Brasil, o Fórum Nacional de Secretários/as de Estado de Assistência Social (FONSEA) lamenta o governo federal não ter atendido reiteradas solicitações para o diálogo com gestores estaduais, do Distrito Federal, gestores municipais, coordenação do Cadastro Único e do Bolsa Família para discussão conjunta de alterações e criações de programas sociais. Ademais, vêm ocorrendo modificações estruturais no campo das políticas sociais, deslocadas dos ministérios pertinentes para o campo da economia e sem considerar possíveis impactos de alterações no grave cenário de crise social em que vivemos.

Nesse processo são sacrificadas 20 milhões de famílias que vinham, em 2021, recebendo o Auxílio Emergencial, sem orientação nem adoção de qualquer medida de transição. A definição da Linha de Pobreza para delimitação do público-alvo é orientada por critério meramente contábil-financeiro (SPOSATI; MEIRA, 2022SPOSATI, Aldaíza; MEIRA, Paulo de Tarso. A inclusão da exclusão do Auxílio Brasil. São Paulo: Rede Brasileira de Renda Básica, 2022.), desconsiderando as definições internacionais de pobreza usadas pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pelo Banco Mundial. Na prática, isso significa limitar o público-alvo para acesso ao programa. Nesse aspecto, estudo de Sposati e Meira (2022SPOSATI, Aldaíza; MEIRA, Paulo de Tarso. A inclusão da exclusão do Auxílio Brasil. São Paulo: Rede Brasileira de Renda Básica, 2022.), ao tratar da cobertura territorial do Auxílio Brasil entre regiões, estados e municípios brasileiros em face do Auxílio Emergencial e do CadÚnico, indica que 63% dos beneficiários que estavam no Auxílio Emergencial não foram absorvidos, sendo que o percentual de absorção variou pelas regiões e pelos estados, indicando uma cobertura média de 47% das famílias inscritas no CadÚnico.

Essa realidade demonstra que o Auxílio Brasil, o principal e mais abrangente programa de transferência monetária do governo Bolsonaro, não tem como proposta sequer mitigar o caos gerado pelo seu governo, constituindo-se mais num instrumento que complexifica e rebaixa os fundamentos e bases institucionais da proteção social no Brasil. Ademais, a burocratização; a falta de clareza; os inúmeros critérios que mais excluem do que incluem; a centralidade do programa no executivo; a não consideração a instâncias já existentes e experiências anteriores vêm gerando incerteza e insegurança dos que mais necessitam de proteção social (SILVA, 2022bSILVA, Maria Ozanira da Silva. Programas de transferência monetária em implementação no Brasil, pré e durante a pandemia da covid-19: uma abordagem da realidade nacional. São Luís, 2022 (mimeo.)., p. 32).

Convém ainda registrar que uma análise do Auxílio Brasil evidencia que, com a substituição do Bolsa Família pelo Auxílio Brasil, ficamos mais distanciados do debate internacional que se amplia no Brasil sobre a implantação de uma Renda Básica. Isso porque, em abril de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o governo federal implementasse, a partir de 2022, o pagamento referente ao Programa de Renda Básica de Cidadania, instituído em 2004, para todos os brasileiros em situação de pobreza e extrema pobreza (SILVA, 2022SILVA, Maria Ozanira da Silva. Programas de transferência monetária em implementação no Brasil, pré e durante a pandemia da covid-19: uma abordagem da realidade nacional. São Luís, 2022 (mimeo.).). Ao contrário, o Auxílio Brasil, como estruturado, representa um retrocesso ao reforçar a lógica de desempenho, destacando o “esforço” individual para superação da pobreza; ao minimizar obrigações do Estado, por exemplo, no que concerne à criação de creches, estimulando as creches do setor privado; por estimular a inserção de adolescentes, jovens e adultos no mercado de trabalho com recebimento de bônus e sem proteção social; ao propor a substituição de entrevistadores sociais pelo acesso direto com uso de aplicativo, desconsiderando a ampla rede do Sistema Único de Assistência Social em todos os municípios brasileiros.

Em resumo, o Auxílio Brasil, ao substituir o Bolsa Família em novembro de 2021, é produto do Ministério da Economia em atendimento a interesses políticos do presidente Jair Bolsonaro, pretenso candidato à reeleição em 2022. Sem diálogo com os formuladores e executores do Bolsa Família, desconsiderando os 18 anos de experiência exitosa e reconhecida, nacional e internacionalmente, gerando insegurança aos beneficiários, que também não tiveram qualquer participação na formulação do Programa. Estabelece vários benefícios sem a devida clareza quanto a critérios de acesso, atribuição dos benefícios e seus valores; sem a garantia de financiamento e duração; e estabelecendo revisões mensais para permanência ou não da família beneficiária no Programa, com proposta de revisão dos critérios de inserção mensalmente, pelo Serviço de Processamento de Dados (SERPRO).

Ao que se assiste é o avanço do uso da focalização conservadora e controladora no campo das políticas sociais, distanciando o debate e a realidade dos programas de transferência monetária do que vem ocorrendo no resto do mundo, que busca a garantia de renda para todos com a implantação de programas de Renda Básica Universal, mesmo que esses programas venham ocorrendo por uma transição da focalização, sem condicionalidades para a universalidade. A motivação principal foi tirar do imaginário popular a designação Bolsa Família, como mais uma forma de tentar anular a presença do Partido dos Trabalhadores (PT) na sociedade.

4. Conclusão

Nesta conclusão, é fundamental reafirmar que programas de transferência monetária, na qualidade de programas assistenciais não contributivos,6 6 A rigor, os programas sociais financiados com o fundo público, constituído por contribuições de pessoas e empresas, não podem ser considerados não contributivos, pois são financiados com contribuições provenientes de impostos, mesmo que consideradas indiretas em relação aos beneficiários dos programas. vêm assumindo destacado protagonismo na contemporaneidade no âmbito do Sistema Brasileiro de Proteção Social.

Além do Auxílio Emergencial e do Auxílio Brasil, de abrangência nacional, vem se assistindo à criação de programas de transferência monetária emergenciais, pontuais e temporários para atendimento de situações específicas agravadas no contexto da pandemia da covid-19, em todos os estados e em diversos municípios brasileiros. Essa é uma realidade não mais só de prevalência, mas também de proliferação desses programas que, na maioria dos casos, constituem medidas pontuais, temporárias e limitadas a públicos específicos, situando-se à parte da Política de Assistência Social, contribuindo, assim, para desestruturar o Sistema de Proteção Social no Brasil, ainda em formação.

Todavia, a prevalência ou mesmo a proliferação dos programas de transferência monetária no Brasil não ocorre por acaso. Decorre das funções econômicas, políticas e de alívio da pobreza que exercem, ao permitir a sobrevivência de um contingente crescente da população brasileira, embora não o consiga tirar da pobreza.

Ainda como conclusão, cabe reafirmar que temos pelo menos dois grupos de programas de transferência monetária que guardam diferenciação nos fundamentos, nos conteúdos e nos objetivos: Programas de Transferência Monetária Focalizados, com condicionalidades ou sem condicionalidades, e Renda Básica Universal. Os primeiros têm como função mitigar a pobreza e atender a situações emergenciais. A Renda Básica Universal, por sua vez, tem como proposta contribuir para a redistribuição da riqueza socialmente produzida e para a promoção da justiça social. Por conseguinte, as reflexões desenvolvidas colocam a necessidade de reafirmar que os defensores e idealizadores desses programas são referenciados em orientações político-ideológicas diversas, sendo possível pontuar pelo menos dois projetos de sociedade que orientam os programas de transferência monetária:

  1. Um projeto de orientação conservadora, marcado pelo oportunismo que busca popularidade e legitimação política, vendo nos pobres um amplo segmento da população que pode ser manipulado, controlado e submisso em troca de benefícios que garantam minimamente sua sobrevivência. Para este, os pobres devem cumprir exigências para ter acesso ao direito de viver e são controlados por diversos mecanismos burocráticos; o benefício deve ser o menor possível para não desestimular o trabalho, e o objetivo principal é desmontar o Estado de Bem-Estar, precarizando ainda mais a saúde, a educação e o trabalho, no caso brasileiro, na busca de legitimação de um governo ilegítimo, porque é antidemocrático, antipobres e antiminorias;

  2. Um projeto de conteúdo progressista , cujo foco é a redistribuição da riqueza socialmente produzida; é promover a justiça social, garantindo um padrão de vida civilizatório, estimulando a liberdade para fazer opção, inclusive de não se submeter a trabalho degradante e similar ao trabalho escravo. Esse é um projeto que articula as transferências monetárias com a ampliação da rede de proteção social, centrando-se no direito à educação, à saúde e ao emprego. Esse é o projeto que assumo e defendo (SILVA et al., 2020SILVA, M. O. S. et al. Do declínio ao acirramento da pobreza no Brasil nas duas primeiras décadas do século XXI: agravamento das desigualdades no contexto da Covid-19 e respostas do Estado Brasileiro para proteção social. São Luís, 2020. Mimeo.).

Referências

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    » https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2021-11/programa-auxilio-brasil-recebe-recursos-de-r-94- bilhoes
  • 1
    A Rede de Proteção Social foi uma proposta de articulação de programas compensatórios de transferência monetária, destacando-se o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), o Programa Agente Jovem, o Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação, o Programa Bolsa Alimentação, Auxílio Gás e o Programa Cartão Alimentação.
  • 2
    O Alaska Dividendo é mantido pelo Fundo do Alaska. O benefício tem variado de U$ 300,00, no ano de 1989, a U$ 3.269,00, em 2008, quando o preço do petróleo era muito alto. Após 35 anos pagando anualmente igual dividendo a todos, vem se verificando que o Alaska e o Utah são os mais iguais dos 50 estados americanos.
  • 3
    A prática dos programas denominados de Renda Básica ao redor do mundo, na maioria dos casos, são experiências-piloto, limitadas no tempo e direcionadas a atender a determinados segmentos de uma população, portanto não atendem ao critério da universalidade, embora, via de regra, não apresentem condicionalidades. Sobre concepções e práticas de Renda Básica Universal, veja: Torry (2019TORRY, Malcolm (ed.). The Pelgrave international handbook of basic income. Londres: Pelgrave MacMilian, 2019.); e sobre a experiência brasileira de Renda Básica de Cidadania, veja, na obra citada, o capítulo de Silva e Lima (2019SILVA, Maria Ozanira da Silva; LIMA, Valéria Ferreira Sando de Almada. Citizen’s basic income in Brazil: from Bolsa Família to pilot experiences. In: TORRY, Malcolm (ed.). The Pelgrave international handbook of basic income. Londres: Pelgrave MacMilian, 2019. p. 319-338., p. 319-338).
  • 4
    As informações indicadas ao logo do texto sobre o Auxílio Emergencial, versões 2020 e 2021, encontram-se nos instrumentos legais de criação desse Programa e no site do Ministério de Cidadania. Disponível em: https://www.gov.br/cidadania/pt-br/servicos/auxilio-emergencial.
  • 5
    Posteriormente, o público-alvo do Benefício Emergencial foi ampliado pelo Projeto de Lei n. 873/2020, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), com a inclusão de catadores de material reciclável, seringueiros, taxistas, mototaxistas, motoristas de aplicativos, manicures, diaristas e pescadores artesanais, permitindo também que mães adolescentes, mesmo com menos de 18 anos, recebessem o benefício.
  • 6
    A rigor, os programas sociais financiados com o fundo público, constituído por contribuições de pessoas e empresas, não podem ser considerados não contributivos, pois são financiados com contribuições provenientes de impostos, mesmo que consideradas indiretas em relação aos beneficiários dos programas.
  • *
    O presente artigo é produto de estudos desenvolvidos no âmbito do Projeto: Programas de transferência monetária focalizados e de renda básica universal no contexto da pandemia e da pós-pandemia da covid-19: acompanhamento e análise da realidade na América Latina e Caribe, aprovado e financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    16 Mar 2022
  • Aceito
    27 Maio 2022
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