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Serviço Social e as relações sociais de classe, gênero, raça/etnia e a perspectiva decolonial

Social Work and the class, gender, race/ethnicity social relations and the decolonial perspective

Este número da revista Serviço Social & Sociedade vem a público num momento muito emblemático da sociedade brasileira.

O processo eleitoral de 2022 e a polarização da sociedade em torno das candidaturas ao Executivo, sobretudo o federal, evidenciaram o acirramento da luta de classes e o crescimento exponencial de uma ideologia de extrema-direita permeando o tecido social de maneira funda e alargada.

A ampliação de perspectivas antidemocráticas, reacionárias, racistas e xenofóbicas é um fenômeno mundial. Tais ideários se alastram em países mais ou menos democráticos e com diferentes inserções no chamado mundo globalizado.

No Brasil, o que fez com que as ideologias de direita, conservadoras, mas também reacionárias e até neofacistas, ganhassem tanto destaque e adesão popular? Seria esse um reflexo do fenômeno mundial? Ou seria algo inusitado, como “um raio em céu azul”? Realmente, foi num curto espaço de tempo que tais ideologias passaram a ser amplamente difundidas e se espraiaram por todas as classes sociais e pelas diferentes regiões do país? A resposta a essas questões é um tanto complexa e exige perspectiva de totalidade, pois é fundamental apreender as particularidades objetivas e subjetivas que compõem o fenômeno como tal.

É evidente que a conjuntura mundial traz rebatimentos diretos sobre a realidade brasileira, e a maior expressão disso foi o avanço do neoliberalismo a partir da década de 1990, ideário que contribuiu para o acirramento das desigualdades sociais, mas também para fortalecer a competitividade, o individualismo, a meritocracia, entre outros valores que, com certeza, contribuem para o avanço de perspectivas contrárias aos direitos humanos.

É preciso, no entanto, deixar bastante nítido que em meio a essa realidade complexa, movente e permeada por contradições, um conjunto de determinantes se compõe para que o acirramento das desigualdades e da violência se torne fenômeno cada vez mais presente nas diferentes sociabilidades. Para discutir o crescimento das ideologias de extrema-direita, é preciso que as análises se reportem não só aos elementos subjetivos sobre os quais se assentam esses ideários, mas também à base material que os sustentam e fortalecem. Daí a necessidade da apreensão do fenômeno numa perspectiva de totalidade e das mediações impostas pela realidade do capital e as particularidades específicas que a formação sócio-histórica traz em cada país.

O acirramento das tensões sociais que se espalham em nível planetário é resultante de relações construídas pela ordem do capital em sua fase monopólica e financeirizada, cuja hipertrofia do setor rentista e improdutivo provoca uma crise que se arrasta desde 2008. Para além da crise econômica e da concentração cada vez mais intensa da riqueza em poucas mãos, uma crise ambiental assola de maneira cada vez mais profunda a sociabilidade atual, a ponto de colocar em risco a vida no planeta.

Na configuração atual do sistema mundo, a hegemonia global das sociedades do capital, em suas versões monopólicas e financeirizadas, acentua os mecanismos de extração da mais-valia; a lógica de captura incessante do lucro provoca cada vez mais concentração econômica. A produção anárquica e desenfreada produz um poder altamente destrutivo e que não se refere apenas ao arsenal bélico, mas também à própria lógica na condução da vida que vai inviabilizando o futuro das novas gerações. A descartabilidade, o desperdício, a obsolescência programada contribuem para a mercantilização e o esgotamento dos recursos naturais de maneira incompatível com a reprodução da vida e da biodiversidade. Do ponto de vista social, a miséria e a abundância seguem lado a lado, em meio à concentração cada vez maior da riqueza, a ponto de um terço da população terrestre viver em situação de fome ou sem água potável. Contra fatos não há argumentos. Enquanto os mais ricos do mundo detêm 11% da riqueza global e são 0,01% da população, os mais pobres somam 50% da população e detêm apenas 2% da riqueza (Bassi, 2021BASSI, Fernanda. Bilionários detêm 11% da riqueza do mundo; 50% mais pobres detêm só 2%. Poder 360, 7 dez. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.poder360.com.br/internacional/bilionarios-detem-11-das-riquezas-do-mundo-50-mais-pobres-tem-so-2/ . Acesso em: 10 out. 2022.
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).

Ziegler (2013ZIEGLER, Jean. Destruição em massa: a geopolítica da fome. Tradução: José Paulo Netto. São Paulo: Cortez, 2013.), em seu livro Destruição em massa: a geopolítica da fome, denuncia a existência de um terço da população do planeta em situação de fome, quando a produção de alimentos disponível poderia alimentar quase duas vezes a população mundial. Ele afirma: “A fome é o escândalo do nosso século” (Ziegler, 2013ZIEGLER, Jean. Destruição em massa: a geopolítica da fome. Tradução: José Paulo Netto. São Paulo: Cortez, 2013.), pois se dá em meio à abundância de recursos que são controlados pelos grandes conglomerados internacionais. Os dados de concentração da riqueza evidenciam o antagonismo construído pela sociedade do capital: o relatório da Oxfam, intitulado Lucrando com a dor (2022)OXFAM. Lucrando com a dor. 2022. Disponível em: file:///C:/Users/DELL/Downloads/Oxfam-Media-Brief-BR-Lucrando-com-a-Dor-Davos-2-sem-embargo.pdf. Acesso em: 10 out. 2022., revela os dados de concentração de renda e desigualdades, aprofundados durante a pandemia da covid-19: a fortuna dos bilionários aumentou, em 24 meses, o equivalente a 23 anos; os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres, cada vez mais pobres.

No Brasil, é necessário identificar as particularidades da composição da sociedade, de maneira a apreender algo fundamental para entender o contexto político e social desta segunda década do século XX: mecanismos estruturais construídos historicamente foram fundamentais para que as ideias de extrema-direita ganhassem robustez com muita facilidade; um caldo cultural marcado objetivamente por profundas desigualdades sociais - acirradas nos últimos anos pela crise do capital e pelas ideias neoliberais -, pelo racismo, pelo machismo e pelo heteropatriarcalismo.

Esses elementos combinados forneceram um terreno fértil para que perspectivas contrárias aos direitos humanos e antidemocráticas vicejassem em todas as classes sociais, a ponto de o processo eleitoral ter sido marcado por tensões que envolveram não só a escolha dos governantes, mas que também colocaram risco à democracia representativa - mesmo em sua versão burguesa -, e evidenciaram que existem projetos políticos antagônicos em disputa na sociedade brasileira.

Esta edição da revista Serviço Social & Sociedade traz como tema as relações sociais de classe, sexo/gênero, raça/etnia e a questão da decolonialidade. São temas que dialogam diretamente com os elementos que explicam a sociedade brasileira, suas contradições e estruturas extremamente violentas, a partir de suas raízes assentadas sob as bases coloniais, com uma estrutura de classe extremamente desigual, racializada e heteropatriarcal. Como afirma o artigo de Cristiane Sabino que abre esta edição da revista: o racismo é uma das mais consistentes armas ideológicas de dominação na sociedade capitalista, e a ele acrescentamos também o heteropatriarcalismo. Ambos os fenômenos reproduzem a violência estrutural e institucional e estão assentados sobre a materialidade da vida em sociedade, definindo a estratificação do trabalho e do poder entre e interclasses sociais; um processo que envolve, de maneira geral, negros, mulheres e população LGBTQI+, mas que afeta em especial mulheres pobres, pessoas trans e negras que se tornam alvos das maiores discriminações.

Os estudos e a compreensão sobre as desigualdades sociais, étnico-raciais, de gênero e de sexualidade, estruturais na formação sócio-histórica brasileira e da América Latina, desvelam perspectivas críticas sobre o processo colonial e de seus aspectos fundantes do capitalismo e do eurocentrismo.

Anibal Quijano (2005QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais - perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Clacso, 2005.), escritor peruano, foi um dos principais pesquisadores do pensamento decolonial, desenvolvendo uma análise histórica da formação do capitalismo com base no processo de colonialismo e da globalização, iluminando a constituição da América como um novo padrão de poder mundial, fundamentado no capitalismo colonial, moderno e eurocentrado. Quijano cunhou o termo colonialidade do poder e influenciou um campo de pesquisas conhecido como giro decolonial. Elemento central em seus estudos é a classificação da população mundial de acordo com a ideia de raça, expressão da dominação colonial, e, consequentemente, a invisibilidade do racismo na América Latina, que remete às estruturas e aos sistemas de poder.

A decolonidade deve ser compreendida como perspectiva crítica, teórica e política, “que viabilize a exteriorização do colonialismo/colonialidade não os desfazendo ou revertendo-os num pós-colonialismo, mas sim superando-os” (Silveira; Nascimento; Zalembessa, 2021SILVEIRA, Jucimeri I.; NASCIMENTO, Sergio L.; ZALEMBESSA, Simões. Colonialidade e decolonialidade na crítica ao racismo e às violações: para refletir sobre os desafios da educação em direitos humanos. Educar em Revista, Curitiba, v. 37, e71306, 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/er/a/X3D3CtSHRk4kKkTfC9HGbHF/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 1 set. 2022.
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, p. 3).

Ou ainda, como afirma Quijano (2005QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais - perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: Clacso, 2005., p. 139), [...] “é tempo de aprendermos a nos libertar do espelho eurocêntrico onde nossa imagem é sempre, necessariamente, distorcida. É tempo, enfim, de deixar de ser o que não somos”.

Nesse sentido, ao nos debruçarmos sobre a formação sócio-histórica brasileira, é fundamental utilizarmos como uma das lentes o conceito de racismo estrutural proposto por intelectuais como Silvio Almeida (2018ALMEIDA, Silvio. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018.), Tereza Martins e Nelmires Silva (2020MARTINS, Tereza Cristina Santos; SILVA, Nelmires Ferreira da (org.). Racismo estrutural, institucional e Serviço Social. São Cristóvão: Editora UFS, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.abepss.org.br/arquivos/anexos/racismo-estrutural-202006251609458647220.pdf . Acesso em: 10 out. 2022.
https://www.abepss.org.br/arquivos/anexo...
). A linha de pensamento que orienta esses estudos aponta para a necessidade de entendermos que as bases que sedimentam a sociedade brasileira são compostas de racismo, ou seja, as relações sociais são atravessadas por hierarquias raciais.

Almeida (2018ALMEIDA, Silvio. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018.) relata que o racismo não é uma patologia social nem um desarranjo institucional, já que decorre do modo normal pelo qual o processo social acontece, não se resumindo a comportamentos individuais nem institucionais. O autor afirma que numa sociedade em que o racismo é regra e não exceção, ele se materializa por processos histórico-políticos, jurídicos e econômicos. Para articularmos raça à classe, consideremos o caráter econômico. Quando analisa o processo econômico brasileiro, Almeida (2018ALMEIDA, Silvio. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018.) é enfático ao colocar que a desigualdade é o elo que liga as teorias econômicas, já que, apesar de se expressarem por dados estatísticos e matemáticos, seu entendimento relaciona-se aos inúmeros conflitos presentes na sociedade. A forma objetiva de manifestação do racismo via processo econômico é exemplificada pelo autor através da carga tributária, uma vez que, no Brasil, incide sobre consumo e salários (peso maior para pessoas pobres e assalariadas), diferentemente do que ocorre com o patrimônio e a renda (comum às pessoas mais ricas). A partir dessa análise, podemos afirmar que fatores como a tributação aprofundam o empobrecimento da população negra, indígena, estendendo-se à população LGBTQI+, porque são os grupos que recebem os menores salários, quando os recebem. Além disso, Almeida (2018ALMEIDA, Silvio. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018.) conclui que o racismo normaliza a superexploração, visto que as remunerações são pagas abaixo do valor necessário à reposição da força de trabalho, e conta com mais exploração física da classe trabalhadora. Logo, independentemente de horas trabalhadas, o sustento das famílias é um grande desafio, em especial para mulheres negras chefes de família.

Como afirmam Teresa Martins e Nelmires Silva (2020MARTINS, Tereza Cristina Santos; SILVA, Nelmires Ferreira da (org.). Racismo estrutural, institucional e Serviço Social. São Cristóvão: Editora UFS, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.abepss.org.br/arquivos/anexos/racismo-estrutural-202006251609458647220.pdf . Acesso em: 10 out. 2022.
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), numa sociedade em que a raça e a etnia são determinações fundamentais nas condições de vida e morte, a realidade concreta tem demonstrado o quanto as desigualdades sociais se manifestam de forma agudizada ao articularmos gênero/sexo, raça/etnia e classe. Em tempos obscuros, tal agudização se formata pela via do genocídio, através de cortes orçamentários nas políticas sociais e do descaso com as políticas de enfrentamento ao racismo, ao sexismo e à LGBTQI+fobia.

O pleito eleitoral para a Câmara dos Deputados e Senado, ocorrido neste ano de 2022, nos alerta para os desafios a serem enfrentados. A Gênero e Número, associação que produz e distribui jornalismo e informação orientados por dados e análises sobre questões urgentes de gênero e raça, em publicação de 4 de outubro de 2022, informou que, embora tenha havido um aumento do número de mulheres na Câmara, passando dos 15%, de 2018, para 18%, no presente ano, a paridade está aquém do ideal, já que as mulheres representam 52% da população brasileira. Desse percentual, mais de 41 milhões são de mulheres negras. Mesmo assim, a representação entre as deputadas federais continua sendo de maioria branca (64%). Negras representam 32% e indígenas, 4%. Nesse processo, foram eleitas as primeiras duas deputadas trans da história do parlamento. Quanto ao Senado, o número de parlamentares mulheres se manteve em 14 (Associação Gênero e Número, 2022ASSOCIAÇÃO GÊNERO & NÚMERO. Mais mulheres, mais negros, menos avanço. 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.generonumero.media/reportagens/mais-mulheres-mais-negros-menos-avanco/ . Acesso em: 12 out. 2022.
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). Além disso, os mandatos que trazem em suas agendas interesses da classe trabalhadora, que englobam o enfrentamento ao racismo, ao classismo, ao sexismo e à LGBTQI+fobia, necessitarão de apoio de várias áreas da sociedade, já que a extrema-direita teve um aumento exponencial tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal.

A ofensiva do capital tem seguido de forma galopante. As determinações de gênero, raça e classe têm se expressado nos cortes orçamentários na educação, na saúde, na assistência social e na segurança pública. O atual teto de gastos prevê redução de R$ 63 bilhões nos investimentos públicos para o ano de 2023, comparando-se ao que foi destinado em 2016. O Auxílio Brasil, caso seja continuado, deverá ter o valor de R$ 600,00 reduzido para R$ 400,00. É preciso lembrar que o custo médio da cesta básica está em R$749,78 (EBC, 2022EMPRESA BRASIL DE COMUNICAÇÃO (AGÊNCIA BRASIL). Valor da cesta básica cai em agosto em 16 capitais, diz Dieese. 6 set. 2022. Disponível em: Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2022-09/valor-da-cesta-basica-cai-em-agosto-em-16-capitais-diz-dieese#:~:text=Em%20agosto%2C%20a%20cesta%20mais,R%24%20717%2C82) . Acesso em: 11 out. 2022.
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).

A redução de recursos está prevista, também, para o Programa Farmácia Popular do BrasilBRASIL. Programa Farmácia Popular. Brasília: Departamento de Assistência Farmacêutica (DAF). Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos (SCTIE), 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/farmacia-popular . Acesso em: 11 out. 2022.
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. Esse programa tem como objetivo complementar a disponibilização de medicamentos utilizados na Atenção Primária à Saúde (APS), por meio de parceria com farmácias e drogarias da rede privada; os principais medicamentos são para o tratamento de hipertensão, diabetes tipo II e asma, doenças que incidem em maior número sobre a população negra e a indígena.

A educação tem sido, sistematicamente, impactada com as reduções orçamentárias constantes. Das creches aos investimentos no ensino superior, o que temos presenciado é a tentativa de desmonte e a mercantilização da educação em todos os níveis. Assim, conquistas importantes têm sido ameaçadas, como a merenda e o transporte escolares, a assistência estudantil, o financiamento de bolsas e a ameaça constante de descontinuidade das ações afirmativas, sobretudo as cotas raciais nas universidades públicas.

No que se refere à segurança pública, os esforços concentrados em ações de repressão em detrimento das ações de prevenção e inteligência fazem com que grupos específicos vivenciem os efeitos da necropolítica instaurada sob a justificativa de guerra às drogas. Além disso, o Brasil tem promovido, especialmente após 2019, uma corrida armamentista civil, mediante a facilitação para aquisição de armas de fogo por ditos colecionadores, atiradores e caçadores. Os efeitos dessa abertura indicam a possibilidade de aumento de feminicídios, ataques à população LGBTQI+, pessoas negras e indígenas. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022. Disponível em: Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/06/anuario-2022.pdf?v=5 . Acesso em: 11 out. 2022.
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, houve uma redução de investimentos em segurança entre 2020 e 2021, com queda de 0,8%.

Diante desses fatos, é possível identificar que a parcela da população que mais sofre com a austeridade fiscal são mulheres, populações negra e indígena, além da população LGBTQI+, aprofundando desigualdades de gênero/sexo, raça/etnia e classe. Por isso, é oportuno o chamamento de Martins e Silva (2020MARTINS, Tereza Cristina Santos; SILVA, Nelmires Ferreira da (org.). Racismo estrutural, institucional e Serviço Social. São Cristóvão: Editora UFS, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.abepss.org.br/arquivos/anexos/racismo-estrutural-202006251609458647220.pdf . Acesso em: 10 out. 2022.
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, p. 5), já que “na sociedade brasileira, arrancar do silêncio o racismo estrutural que alicerça as suas relações sociais é um exercício de monta, no sentido de deslegitimar o discurso ideológico burguês das relações harmoniosas entre os grupos étnico-raciais”. Logo, tornam-se urgentes e imperativas estratégias e ações contundentes de enfrentamento, ao que Gracyelle Costa Ferreira (2022FERREIRA, Gracyelle Costa. Na terra de Dandara e Zumbi, reafirmamos nossa força coletiva. In: ENCONTRO NACIONAL DO CONJUNTO CFESS-CRESS, 49, 2022, Alagoas. Anais [...]. Alagoas, 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=miVnYOrSuG0 . Acesso em: 12 out. 2022.
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) denomina “neomalthusianismo militarizado” e o que Guilherme Almeida (2020ALMEIDA, Guilherme Silva de. Notas sobre a complexidade do neoconservadorismo e seu impacto nas políticas sociais. Katálysis [on-line], Florianópolis, v. 23, n. 3, p. 720-731, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1982-02592020v23n3p720. Acesso em: 12 out. 2022.
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, p. 720) descreve como “aspectos da moralidade conservadora de um ‘novo homem’”, historicamente presentes no Brasil. Ambos os autores identificam a agudização do “sexismo, misoginia, moralismo sexual, masculinidade tóxica, contencionismo, biologicismo essencializador, familismo, maternalismo, adultocentrismo, LGBTIQ+fobia, censura, perseguição a dissidentes, ataques à discussão de gênero e racismo” (Almeida, 2020ALMEIDA, Guilherme Silva de. Notas sobre a complexidade do neoconservadorismo e seu impacto nas políticas sociais. Katálysis [on-line], Florianópolis, v. 23, n. 3, p. 720-731, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1982-02592020v23n3p720. Acesso em: 12 out. 2022.
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, p. 726). Enfrentar as desigualdades de classe, gênero/sexo, raça/etnia requer esforços coletivos e comprometidos com uma sociabilidade emancipadora de fato. É nesse caminho que a presente edição, através dos escritos que seguem, pretende contribuir para que o Serviço Social materialize valores e princípios éticos legitimados ao longo de seu desenvolvimento no Brasil.

Neste número, dialogando com o tema da decolonialidade e do Serviço Social, apresentamos um conjunto de artigos sobre a temática étnico-racial, relacionados à exploração do trabalho, ao racismo institucional e à trajetória de mulheres negras numa instituição de ensino superior federal; e a presença e a permanência de indígenas e quilombolas nos cursos de uma faculdade federal durante o período da pandemia de covid-19.

Comparecem também artigos que refletem sobre a colonialidade e a decolonialidade como possibilidades analíticas e interventivas para o Serviço Social; e, em particular, destacando a criminologia crítica e as aproximações com os princípios éticos do Serviço Social; um estudo sobre a questão penitenciária e as pessoas LGBTIQI+; e, ainda, a atuação dos assistentes sociais nas Varas da Família em situações de abuso sexual intrafamiliar.

Trazemos também mais dois artigos cuja temática de gênero é o principal foco de análise: um que problematiza e relaciona o neoliberalismo e as opressões de gênero e sexualidade, desencadeadas a partir do conservadorismo religioso, outro que apresenta os avanços e os retrocessos presentes nas legislações e nas políticas voltadas para mulheres. Fechando os artigos desta edição da revista, está o debate sobre o conceito de juventude, uma discussão fundamental que é feita a partir de uma perspectiva lukacsiana, fundamental para evitar “uma ontologia depreciativa do humano”.

Por fim, nesta edição prestamos uma femenagem às professoras Maria Carmelita Yazbek e Maria Lúcia Martinelli, importantes intelectuais do Serviço Social brasileiro, que participaram ativamente do Conselho da revista desde seus primórdios, contribuindo com a perspectiva crítica do Serviço Social, a produção de conhecimentos e a linha editorial. Nossos agradecimentos e reconhecimentos pelos saberes construídos coletivamente.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023
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