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Neoliberalismo, conservadorismo religioso e opressões de gênero e sexualidade no Brasil

Neoliberalism, religious conservatism and oppressions based on gender and sexuality in Brazil

Resumo:

O presente artigo tem por objetivo analisar as confluências entre a agenda neoliberal capitalista e o conservadorismo moralista religioso, sobretudo as alianças de ocasião travadas por ambos, observadas por Vaggione et al. (2020VAGGIONE, Juan Marco; MACHADO, Maria das Dores Campos; BIROLI, Flávia. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020. Livro eletrônico.). Com ênfase nas opressões de gênero e sexualidade fomentadas pelo conservadorismo de matriz cristã, são traçadas perspectivas de resistência pelo Serviço Social brasileiro, em especial considerando a profunda relação entre este e os Movimentos Sociais.

Palavras-chave:
Neoliberalismo; Conservadorismo; Movimentos Sociais; Serviço Social

Abstract:

This article aims to analyze the confluences between the neoliberal capitalist agenda and religious moralist conservatism, especially the occasional alliances made by both, observed by Vaggione et al. (2020VAGGIONE, Juan Marco; MACHADO, Maria das Dores Campos; BIROLI, Flávia. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020. Livro eletrônico.). Emphasizing the oppression of gender and sexuality fostered by conservatism of Christian origin, perspectives of resistance by the Brazilian Social Service are outlined, especially considering the deep relationship between it and the Social Movements.

Keywords:
Neoliberalism; Conservatism; Social Movements; Social Work.

Introdução

A perversidade da agenda neoliberal para a classe trabalhadora tem sido objeto de intensa pesquisa e crítica a partir do Serviço Social brasileiro, sobretudo pela peculiar violência do desmonte de políticas públicas e pela responsabilização individualizadora das famílias, desamparadas numa conjuntura de crescente empobrecimento e concentração de capital (Yazbek, 2012YAZBEK, Maria Carmelita. Pobreza no Brasil contemporâneo e formas de seu enfrentamento. Serviço Social & Sociedade, São Paulo: Cortez, n. 110, p. 288-322, abr./jun. 2012. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/sssoc/n110/a05n110.pdf . Acesso em: 2 ago. 2022.
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; 2014YAZBEK, Maria Carmelita. A dimensão política do trabalho do assistente social. Serviço Social & Sociedade, São Paulo: Cortez, n. 120, p. 677-693, out./dez. 2014. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/sssoc/n120/05.pdf . Acesso em: 2 ago. 2022.
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).

Ao mesmo tempo, observa-se o recrudescimento de projetos políticos conservadores em diversos cantos do globo, não se tratando de mera coincidência a eleição recente de governos de extrema-direita em diversos países, como Argentina, Brasil, Estados Unidos, Hungria e Polônia, mas de ação internacional de grupos e setores do espectro político conservador, sendo talvez um dos mais emblemáticos exemplos o intenso envolvimento de Steve Bannon, articulador de campanha de Trump, na eleição de Bolsonaro no Brasil (Behring, 2021BEHRING, Elaine Rossetti. Fundo público, valor e política social. São Paulo: Cortez, 2021.).

Nessa conjuntura, percebe-se a associação entre a agenda neoliberal e os discursos moralizantes de ordem religiosa cristã, reforçando a já mencionada responsabilização das famílias sob o prisma de sua sacralização, fenômeno esse que tem sido a tônica política do Poder Executivo federal desde as eleições de 2018. Ao mesmo tempo, atacam-se com violência os direitos de mulheres, LGBTQIA+, população negra, povos originários e comunidades tradicionais.

A partir das perspectivas críticas, diversas análises estão sendo desenvolvidas a respeito do entrelaçamento discursivo e político do ideário neoliberal e do conservadorismo religioso, buscando-se compreender essa contraditória tessitura entre crenças e falas aparentemente incompatíveis - por exemplo, o discurso antiaborto autoproclamado em defesa da vida e defesa de acesso amplo e irrestrito a armas de fogo.

Fundamentando-se em pesquisas realizadas em diversas conjunturas latino-americanas, Vaggione et al. (2020VAGGIONE, Juan Marco; MACHADO, Maria das Dores Campos; BIROLI, Flávia. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020. Livro eletrônico.) identificaram um padrão de discurso e de ação política não apenas na América Latina, mas principalmente nos Estados Unidos e em países do continente europeu sob governos de extrema-direita, como a Hungria: uma confluência entre os discursos neoliberais e diversos discursos religiosos conservadores cristãos, decorrentes do que identificaram como alianças de ocasião entre setores da economia neoliberal e setores religiosos moralistas, ao que denominaram neoconservadorismo.

O presente artigo tem por objetivo dissecar essa conjuntura neoliberal conservadora que ganha cada vez mais espaço no globo, sobretudo no Brasil, para analisar os respectivos impactos para a defesa intransigente de direitos humanos pelo Serviço Social, destacando desafios e possibilidades de resistência e ruptura. Trata-se de artigo que expõe parte da pesquisa em curso pelo autor no doutorado em Serviço Social na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), sob a orientação da Profa. Dra. Rosangela Dias Oliveira da Paz - a quem, inclusive, deve-se registrar profundo agradecimento.

Para tanto, está dividido em quatro partes. Na primeira parte, são analisadas as alianças políticas de ocasião entre setores neoliberais e religiosos conservadores. Na segunda parte, analisam-se a incorporação e a reificação de pautas sobre gênero, raça e sexualidade pelo neoliberalismo e o problema do chamado “neoliberalismo progressista”. Na terceira parte, elaboram-se possibilidades de resistência do Serviço Social brasileiro a essa conjuntura. Na quarta e última parte, são apresentadas as conclusões.

1. Neoliberalismo e moralismo religioso

Sobre a lógica neoliberal, ensina-nos Chaui (2020CHAUI, Marilena. O totalitarismo neoliberal. Anacronismo e Irrupción, Buenos Aires, v. 10, n. 18, maio/out. 2020. Disponível em: Disponível em: https://publicaciones.sociales.uba.ar/index.php/anacronismo/article/view/5434 . Acesso em: 2 ago. 2022.
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), tudo é empresa, da mesma forma que todas as pessoas não são mais cidadãs nem titulares de direitos, mas ativos sujeitos a investimentos e responsáveis pelo êxito econômico (Brown, 2015BROWN, Wendy. El pueblo sin atributos: la secreta revolución del neoliberalismo. Tradução para o espanhol: Víctor Altamirano. Barcelona: Malpaso, 2015. Livro eletrônico.). Na Assistência Social, por exemplo, temos o desmantelamento tanto concreto quanto discursivo da ideia de políticas amplas que se consagrou na figura do SUAS (Sistema Único de Assistência Social), promovendo-se a distribuição de farelos de política social na forma de políticas focalizadas, setorizadas e que não almejam, de forma alguma, a superação das desigualdades, tratando pobres como ativos da mesma forma que os ativos financeiros de mercado, que podem ou não merecer investimentos em si (Yazbek, 2012YAZBEK, Maria Carmelita. Pobreza no Brasil contemporâneo e formas de seu enfrentamento. Serviço Social & Sociedade, São Paulo: Cortez, n. 110, p. 288-322, abr./jun. 2012. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/sssoc/n110/a05n110.pdf . Acesso em: 2 ago. 2022.
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).

Isso não significa, entretanto, que o Estado neoliberal seja realmente mínimo: no neoliberalismo real - aquele que efetivamente se implementou e não o que fora idealizado pelos seus pensadores -, nunca se cogitou que o Estado pudesse se ausentar de garantir a existência e a proficiência dos mercados. Como nos informa Behring (2021BEHRING, Elaine Rossetti. Fundo público, valor e política social. São Paulo: Cortez, 2021.), o desmonte é apenas no que tange aos direitos sociais, não nas estruturas mínimas de manutenção dos mercados e da acumulação capitalista.

O neoliberalismo não é, unicamente, uma expressão contemporânea do modo capitalista de produção, não se limitando apenas às relações produtivas e ao conflito entre capital e trabalho, ainda que atravessado por diversas mediações. O neoliberalismo é algo que invade as relações sociais no nível mais profundo, tomando-se como racionalidade hegemônica.1 1 “Na realidade, essas novas formas políticas exigem uma mudança muito maior do que uma simples restauração do ‘puro’ capitalismo de antigamente e do liberalismo tradicional. Elas têm como principal característica o fato de alterar radicalmente o modo de exercício do poder governamental, assim como as referências doutrinais no contexto de uma mudança das regras de funcionamento do capitalismo. Revelam uma subordinação a certo tipo de racionalidade política e social articulada à globalização e à financeirização do capitalismo. Em uma palavra, só há ‘grande virada’ mediante a implantação geral de uma nova lógica normativa, capaz de incorporar e reorientar duradouramente políticas e comportamentos numa nova direção [...]” (Dardot; Laval, 2016, p. 228).

Por essa razão, a culpabilização de famílias e indivíduos por sua pobreza não decorre exclusivamente do viés econômico mais óbvio do neoliberalismo, mas de sua própria racionalidade, sua concepção teórico-prática de mundo. O familismo, por exemplo, objeto de críticas análises pelo Serviço Social brasileiro,2 2 “A ideia central da proposta familista reside na afirmação da tradição secular que existem dois canais naturais para satisfação das necessidades dos indivíduos: a família e o mercado. Somente quando esses falham é que interferência pública deve acontecer, e de maneira transitória. Então a ideia que vem embutida no campo da incorporação da família na política social é a ideia de falência da família, ou seja, a política pública acontece prioritariamente, de forma compensatória e temporária, em decorrência da sua falência no provimento de condições materiais e imateriais de sobrevivência, de suporte afetivo e de socialização de seus membros. Isso corresponde a uma menor provisão de bem-estar por parte do Estado” (Mioto, 2010, p. 169-170). é eminente expressão dessa racionalidade hegemônica contaminante de toda a sociabilidade capitalística contemporânea, vivenciado nas trágicas perspectivas de cerceamento das políticas sociais, focalização das remanescentes e culpabilização direta pelo Estado de quem delas necessite.3 3 “São submetidas à comprovação vexatória de sua condição - expressa em contrapartidas e condicionalidades - em que são destacadas suas pretensas inabilidade, incompetências, fracassos individuais, afastando a família do seu papel protetor do Estado. Dentro dos critérios de elegibilidade e permanência para a proteção estatal, estão ainda a ativação para o emprego, conformando o chamado workfare, que coloca o acesso ao mercado de trabalho como contrapartida ao acesso às políticas” (Duarte, 2017, p. 203).

Mas a manutenção de um Estado garantidor do funcionamento dos mercados e das estruturas necessárias à acumulação capitalista não é a única incoerência entre teoria e prática neoliberal.

Tanto Dardot e Laval (2016DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. Tradução: Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2016. Livro eletrônico.) quanto Brown (2019BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no Ocidente. Tradução: Mario Antunes Marino e Eduardo Altheman C. Santos. São Paulo: Filosófica Politeia, 2019.) demonstraram exaustivamente que, entre as diferentes vertentes neoliberais, a mais radical e, em tese, mais influente nos debates econômicos nunca teve uma perspectiva moralizante: muito pelo contrário, Friedrich Hayek rejeitava firme e efusivamente qualquer intervenção estatal tanto nos mercados quanto na vida privada, rechaçando o que denominava “engenharia social” e, assim, demarcando substancial discordância com os ordoliberais. No nível puramente teórico, o neoliberalismo mais extremado hayekiano permaneceu coerentemente fiel à sua ideia de um Estado mínimo.

Não obstante, grupos e personalidades da política intrinsecamente ligados ao neoliberalismo nunca deixaram de se apegar a pautas morais conservadoras, perseguindo minorias e defendendo retrocessos em termos de direitos civis: Donald Trump, Viktor Orbán e Jair Bolsonaro, cada qual com suas peculiaridades, projetaram-se em discursos de simultânea defesa de liberdade econômica, autoritarismo estatal nacionalista e ojeriza a tudo que não fosse o homem branco cis-hétero cristão, ainda que suas ações políticas nem sempre tenham seguido essa direção no plano da Realpolitik.

Como se explica, então, que se sentem à mesma mesa em reuniões ministeriais um fervoroso neoliberal privatista, como Paulo Guedes, e uma soldada das cruzadas morais neopentecostais, como Damares Alves?

Hayek, como nos explica Brown (2019BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no Ocidente. Tradução: Mario Antunes Marino e Eduardo Altheman C. Santos. São Paulo: Filosófica Politeia, 2019.), apegava-se à ideia da tradição como transmissora e mantenedora da moralidade, ao mesmo tempo que desprezava ideários democráticos de soberania popular. Mas o neoliberalismo posto em prática não ignorou a esfera privada das pessoas, sobretudo pela responsabilização e culpabilização das famílias no tocante ao provimento mais essencial e básico de condições materiais de subsistência - o que, conceitualmente, fundou-se na defesa veemente hayekiana da chamada esfera pessoal protegida, uma garantia de liberdade contra a ação do Estado que deslegitima essa última.4 4 “Os contornos da esfera protegida parecem estabelecer por si mesmos os limites da intervenção do Estado: toda intromissão deste último nessa esfera constituirá um atentado arbitrário aos direitos do indivíduo, de modo que se teria aqui o critério que permite discriminar as intervenções legítimas das ilegítimas [...]” (Dardot; Laval, 2016, p. 204-205).

Ao mesmo tempo que o neoliberalismo, à primeira vista, parece se restringir ao domínio econômico, a sustentação teórica de uma necessária defesa da esfera pessoal e protegida embasa a desresponsabilização social do Estado, razão pela qual, conforme Brown (2019BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no Ocidente. Tradução: Mario Antunes Marino e Eduardo Altheman C. Santos. São Paulo: Filosófica Politeia, 2019., p. 132-133), essas duas facetas do neoliberalismo:

[...] operam juntas, conceitual e praticamente: o desmonte da provisão pública vai rotineiramente de par com normas da esfera privada estendida para deslegitimar o conceito de provisões de bem-estar social e o projeto de democratização dos poderes sociais de classe, raça, gênero e sexualidade. À medida que a vida cotidiana é mercantilizada de um lado e “familiarizada” de outro pela racionalidade neoliberal, estes processos gêmeos contestam os princípios de igualdade, secularismo, pluralismo e inclusão, junto com a determinação democrática de um bem comum.

São as alianças políticas de ocasião entre grupos e setores eminentemente distintos entre si que justificam a gritante incoerência do neoliberalismo real em relação às suas matrizes teóricas (Brown, 2019BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no Ocidente. Tradução: Mario Antunes Marino e Eduardo Altheman C. Santos. São Paulo: Filosófica Politeia, 2019.). Mas com o que ou com quem, exatamente, os setores políticos e econômicos neoliberais se aliam? Tomaremos as respostas a essa pergunta de Brown (2019BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no Ocidente. Tradução: Mario Antunes Marino e Eduardo Altheman C. Santos. São Paulo: Filosófica Politeia, 2019.), de Vaggione et al. (2020VAGGIONE, Juan Marco; MACHADO, Maria das Dores Campos; BIROLI, Flávia. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020. Livro eletrônico.) e, ainda, de Fraser (2020FRASER, Nancy. O velho está morrendo e o novo não pode nascer. Tradução: Gabriel Landi Fazzio. São Paulo: Autonomia Literária, 2020.).

Partindo dos estudos de Brown (2015BROWN, Wendy. El pueblo sin atributos: la secreta revolución del neoliberalismo. Tradução para o espanhol: Víctor Altamirano. Barcelona: Malpaso, 2015. Livro eletrônico.), Vaggione et al. (2020VAGGIONE, Juan Marco; MACHADO, Maria das Dores Campos; BIROLI, Flávia. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020. Livro eletrônico.) olham para a América Latina e a chegada ao poder de projetos políticos de direita radical, como é o caso brasileiro a partir das eleições de 2018. Neles, enxergam semelhanças sócio-históricas e políticas que remontam também ao fenômeno estadunidense de fortalecimento do Partido Republicano e à eleição presidencial de Donald Trump, identificando alianças de ocasião entre o neoliberalismo e setores religiosos conservadores católicos e evangélicos.

As autoras e o autor (Vaggione; Machado; Biroli, 2020VAGGIONE, Juan Marco; MACHADO, Maria das Dores Campos; BIROLI, Flávia. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020. Livro eletrônico.) propõem, então, cinco dimensões de análise, sendo a primeira o próprio conceito de neoconservadorismo, o qual abarcaria simultaneamente católicos e evangélicos, que, historicamente, eram contrários a iniciativas ecumênicas intentadas na segunda metade do século XX.

O neoconservadorismo concatenaria alguns valores compartilhados entre católicos e evangélicos, apesar de esses dois grupos lidarem com diferentes ênfases a respeito desses valores: enquanto católicos teriam alguma tolerância maior à homossexualidade, ao sustentar que homossexuais deveriam receber alguma espécie de acolhimento ainda que sem o reconhecimento das suas uniões e arranjos sociofamiliares, a questão do aborto seria, para eles, um ponto intransigível de inadmissíveis exceções; já no tocante aos evangélicos, haveria para alguns segmentos certa tolerabilidade em relação ao tema do aborto, mas um rechaço absoluto às pautas LGBTQIA+ e aos direitos pleiteados por essa população, do casamento à criminalização da homofobia (Vaggione; Machado; Biroli, 2020VAGGIONE, Juan Marco; MACHADO, Maria das Dores Campos; BIROLI, Flávia. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020. Livro eletrônico.).

Identificam, assim, que o principal traço de união entre esses dois grupos antes historicamente rivais na disputa por fiéis é a agenda antigênero, contrapondo-se a direitos sexuais e reprodutivos de mulheres e de pessoas LGBTQIA+ (Vaggione; Machado; Biroli, 2020VAGGIONE, Juan Marco; MACHADO, Maria das Dores Campos; BIROLI, Flávia. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020. Livro eletrônico.).

A segunda dimensão é a da juridificação da moralidade, trazendo para o debate jurídico valores morais e religiosos de regulação da sexualidade. Da perspectiva católica, esse processo teria raízes com o próprio jusnaturalismo, tendo-se intensificado no final dos anos 1990 com a crescente proteção dos direitos sexuais e reprodutivos pelos tratados e por outros documentos jurídicos da ONU, ao que se organizaram frentes reacionárias delineadas como discursos de defesa dos direitos humanos - daí se falar, por exemplo, nos direitos humanos do nascituro contra o aborto e de crianças e adolescentes contra a banalização do divórcio (Vaggione; Machado; Biroli, 2020VAGGIONE, Juan Marco; MACHADO, Maria das Dores Campos; BIROLI, Flávia. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020. Livro eletrônico.).

Já os pentecostais, reconhecidos como hegemônicos na América Latina, também se utilizam do que as autoras e o autor (Vaggione; Machado; Biroli, 2020VAGGIONE, Juan Marco; MACHADO, Maria das Dores Campos; BIROLI, Flávia. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020. Livro eletrônico.) denominaram gramática dos direitos humanos para a defesa de suas posições morais e religiosas, direcionando, porém, todos os seus esforços jurídicos e políticos contra a chamada “ideologia de gênero”, justificando-se, em tese, estar defendendo direitos humanos das famílias, dos nascituros e até mesmo o direito à liberdade religiosa.

Sobre a famigerada “ideologia de gênero”, aliás, é importante tecer algumas considerações. Segundo Miskolci e Campana (2017MISKOLCI, Richard; CAMPANA, Maximiliano. “Ideologia de gênero”: notas para a genealogia de um pânico moral contemporâneo. Sociedade e Estado, Brasília, v. 32, n. 3, p. 725-747, set./dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/se/a/Ns5kmRtMcSXDY78j9L8fMFL/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 2 ago. 2022.
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) e Miskolci (2018MISKOLCI, Richard. Exorcizando um fantasma: os interesses por trás do combate à “ideologia de gênero”. Cadernos Pagu, Campinas, n. 53, 2018. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8653409 . Acesso em: 2 ago. 2022.
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), dois momentos histórico-políticos seriam cruciais para a sedimentação da expressão e sua circulação entre setores religiosos conservadores: a Conferência Episcopal da Igreja Católica do Peru, em 1998, e a publicação do livro La ideología de género. El género como herramienta de poder, de autoria do argentino Jorge Scala.

Conceitualmente, porém, a noção de uma dita “ideologia de gênero” teria como principal base os escritos de Joseph Ratzinger de 1997, antes de seu pontificado, criticando o conceito de gênero em contraposição aos movimentos na ONU de incorporação das questões de gênero nas concepções de direitos humanos - em especial, a Conferência Mundial de Beijing sobre a Mulher, organizada pela ONU em 1995, na qual se substituiu o termo “mulher” por “gênero” (Miskolci; Campana, 2017MISKOLCI, Richard; CAMPANA, Maximiliano. “Ideologia de gênero”: notas para a genealogia de um pânico moral contemporâneo. Sociedade e Estado, Brasília, v. 32, n. 3, p. 725-747, set./dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/se/a/Ns5kmRtMcSXDY78j9L8fMFL/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 2 ago. 2022.
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).

A ideia de “ideologia de gênero” e, mais especificamente, de que seria algo maléfico a ser fortemente combatido por cristãos alastrou-se não apenas na América Latina, ganhando fôlego também na Europa (Miskolci; Campana, 2017MISKOLCI, Richard; CAMPANA, Maximiliano. “Ideologia de gênero”: notas para a genealogia de um pânico moral contemporâneo. Sociedade e Estado, Brasília, v. 32, n. 3, p. 725-747, set./dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/se/a/Ns5kmRtMcSXDY78j9L8fMFL/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 2 ago. 2022.
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). Entretanto, foi no continente latino-americano que ela se enrobusteceu, sobretudo em reação aos avanços na conquista de direitos pela população LGBTQIA+, em especial a aprovação do casamento homoafetivo na Argentina e no Brasil - o que Miskolci (2018MISKOLCI, Richard. Exorcizando um fantasma: os interesses por trás do combate à “ideologia de gênero”. Cadernos Pagu, Campinas, n. 53, 2018. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8653409 . Acesso em: 2 ago. 2022.
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) chama de “disparador do pânico moral sobre a ‘ideologia de gênero’”.

Miskolci (2018MISKOLCI, Richard. Exorcizando um fantasma: os interesses por trás do combate à “ideologia de gênero”. Cadernos Pagu, Campinas, n. 53, 2018. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8653409 . Acesso em: 2 ago. 2022.
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) também chama a atenção para o fato de que, no Brasil, a despeito de aparentemente a luta contra a “ideologia de gênero” ser mais atribuída aos evangélicos - principalmente em virtude da sua articulação no Poder Legislativo federal contra o chamado “kit gay”, material de prevenção à homofobia nas escolas -, é certo que o núcleo católico nunca deixou de encampar essa cruzada moralizante.

A terceira dimensão apontada por Vaggione et al. (2020VAGGIONE, Juan Marco; MACHADO, Maria das Dores Campos; BIROLI, Flávia. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020. Livro eletrônico.), inclusive, está diretamente ligada aos Poderes e à representatividade política: o neoconservadorismo se dá em contextos democráticos, valendo-se tanto da abertura política do debate público como dos sistemas pluripartidários. Destacam, ainda, que, a despeito de a maioria da literatura nas Ciências Sociais apontar unicamente para movimentos sociais, organizações e atores coletivos de esquerda nos contextos de redemocratização latino-americana, é certo que diversos atores e organizações conservadoras também passarão a ocupar espaços públicos e políticos, inclusive na perspectiva de disputa por projetos políticos e por quadros do Estado.

Sua análise se confirma, por exemplo, quando se tem notícia na grande imprensa de que a chamada Bancada Evangélica, no primeiro semestre de 2022, já reuniria 181 deputados, dispersos em 80% dos partidos na Câmara ao longo de praticamente todo o espectro político: de um tradicional partido de esquerda, como Partido dos Trabalhadores, até uma sigla bem à direita, como o Partido Liberal (Estadão Conteúdo, 2022ESTADÃO CONTEÚDO. Bancada evangélica já alcança 80% dos partidos na Câmara. CartaCapital, São Paulo, 22 maio 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/bancada-evangelica-ja-alcanca-80-dos-partidos-na-camara/ . Acesso em: 2 ago. 2022.
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).

Todavia, essa operabilidade em contextos democráticos é, como apontam Vaggione et al. (2020VAGGIONE, Juan Marco; MACHADO, Maria das Dores Campos; BIROLI, Flávia. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020. Livro eletrônico.), eminentemente contraditória, já que, na prática, os setores que compõem o chamado neoconservadorismo acabam por defender práticas iliberais, autoritárias e até mesmo contrárias à ciência, por exemplo, a censura de pautas e temas nos ambientes escolares e a tenebrosa “cura gay”.

Destacam, ainda, que a eleição em 2018 de um presidente, a seu sentir, de extrema-direita e identificado com o neoconservadorismo foi responsável por um notável crescimento da ocupação de cargos públicos relevantes no Poder Executivo federal, muitas vezes ocupados diretamente por pastores e demais líderes religiosos (Vaggione; Machado; Biroli, 2020VAGGIONE, Juan Marco; MACHADO, Maria das Dores Campos; BIROLI, Flávia. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020. Livro eletrônico.).

A quarta dimensão apontada diz respeito à transnacionalidade do neoconservadorismo, caracterizada principalmente por articulações e redes de entidades e organizações religiosas conservadoras, como a Political Network for Values/Red Política por los Valores, com integrantes oriundos de vários lugares do planeta (Vaggione; Machado; Biroli, 2020VAGGIONE, Juan Marco; MACHADO, Maria das Dores Campos; BIROLI, Flávia. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020. Livro eletrônico.).

Finalmente, a quinta dimensão elencada diz respeito à convergência entre neoconservadorismo e neoliberalismo, no sentido de considerarem a família central às suas concepções de sociedade (Vaggione; Machado; Biroli, 2020VAGGIONE, Juan Marco; MACHADO, Maria das Dores Campos; BIROLI, Flávia. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020. Livro eletrônico.) - articulando a um só tempo responsabilização das famílias, familismo, desmonte neoliberal de políticas sociais e imposição da racionalidade neoliberal hegemônica.

Em síntese, para Vaggione et al. (2020VAGGIONE, Juan Marco; MACHADO, Maria das Dores Campos; BIROLI, Flávia. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020. Livro eletrônico., p. 95), sua proposta em torno do conceito de neoconservadorismo é, tecnicamente, uma referência teórica para a concomitância das cinco dimensões desenvolvidas e anteriormente mencionadas, reportando-se, em realidade, a:

[...] alianças entre atores adversos; juridificação dos conflitos políticos de caráter moral; desenvolvimento em contexto liberal-democrático, mas participando, no início do século, de processos iliberais e de erosão das democracias; caráter transnacional; e relação com o neoliberalismo, sobretudo na perspectiva da responsabilização das famílias em meio a processos amplos de privatização e mercantilização.

2. Neoliberalismo e a captura das pautas progressistas

É importante anotar que o neoliberalismo, tanto como agenda político-econômica quanto como racionalidade, ostenta uma elasticidade teórica e operativa extremamente perversa e permeável, sendo capaz de, ao mesmo tempo, aliar-se ao conservadorismo religioso sem deixar de desenvolver uma faceta supostamente humanitária, fetichizando como mercadorias pautas legítimas de movimentos sociais. Trata-se, com efeito, do que Fraser (2020FRASER, Nancy. O velho está morrendo e o novo não pode nascer. Tradução: Gabriel Landi Fazzio. São Paulo: Autonomia Literária, 2020.) denominou “neoliberalismo progressista” a partir de sua análise dos processos socioeconômicos e políticos nos Estados Unidos, mas que, como categoria, aplica-se também aos demais países inseridos no capitalismo global.

Para a filósofa, a ascensão do projeto político democrata com a gestão Clinton consolidou um desmantelamento neoliberal do Estado sob uma aparência progressista, vencendo seus dois principais oponentes: os setores políticos ainda ligados ao keynesianismo do New Deal e o que chamou de neoliberalismo reacionário, representado principalmente pelo Partido Republicano, que “[...] conciliava uma política neoliberal de distribuição similar com uma política de reconhecimento diferente, reacionária [...]” (Fraser, 2020FRASER, Nancy. O velho está morrendo e o novo não pode nascer. Tradução: Gabriel Landi Fazzio. São Paulo: Autonomia Literária, 2020., p. 44).

A eleição de Trump, em sua perspectiva, liga-se diretamente ao fato de que a acelerada financeirização e globalização econômicas estadunidenses, aliadas à sua desindustrialização, gerou uma espécie de vácuo decorrente da ausência de representatividade da classe trabalhadora pelos dois blocos (neoliberalismos progressista e reacionário), que não foi devidamente preenchido por projetos políticos criticamente antineoliberais (Fraser, 2020FRASER, Nancy. O velho está morrendo e o novo não pode nascer. Tradução: Gabriel Landi Fazzio. São Paulo: Autonomia Literária, 2020.).

Desse vácuo, consolidado pela manutenção das políticas neoliberais pelos mandatos de Obama e não preenchido nem por um projeto à esquerda, como do democrata Bernie Sanders - chamado pela autora de populismo progressista -, nem por um projeto popular, como o que se esboçou nas manifestações do movimento Occupy Wall Street, emergiu a figura de um político supostamente antineoliberal e comprometido com um viés estritamente conservador - o que chamou, referindo-se ao projeto trumpista, de populismo reacionário (Fraser, 2020FRASER, Nancy. O velho está morrendo e o novo não pode nascer. Tradução: Gabriel Landi Fazzio. São Paulo: Autonomia Literária, 2020.).

Não obstante, salienta a filósofa, Trump em nada se mostrou um antineoliberal: “[...] ativou a velha tática comercial fraudulenta de ‘estelionato eleitoral’, abandonando as políticas distributivas populistas prometidas em sua campanha” (Fraser, 2020FRASER, Nancy. O velho está morrendo e o novo não pode nascer. Tradução: Gabriel Landi Fazzio. São Paulo: Autonomia Literária, 2020., p. 53), tentando manter agarrado seu eleitorado por vociferantes discursos nacionalistas, xenófobos e discriminatórios.

Se retirarmos os nomes dos personagens envolvidos, as análises de Fraser (2020FRASER, Nancy. O velho está morrendo e o novo não pode nascer. Tradução: Gabriel Landi Fazzio. São Paulo: Autonomia Literária, 2020.) pareceriam relatar os últimos 20 anos de política pós-redemocratização no Brasil, em especial o processo eleitoral de 2018, no qual uma figura política caricata, agressivamente verborrágica e articulada em torno de um discurso vago de mudança “do que está aí” chegou ao Palácio do Planalto.

Tanto lá como aqui, as promessas de mudança e de moralização rapidamente foram substituídas por ações contraditórias e, em certa medida, um “estelionato eleitoral”: o radical discurso de combate à corrupção deu lugar a escândalos de corrupção; as promessas de melhoria econômica nacional e para a população como um todo se esvaíram com resultados desastrosos em termos de câmbio, inflação e geração de empregos; uma crescente histeria conservadora que, ao mesmo tempo que desvia a atenção dos fracassos políticos, sociais e econômicos, justifica o desmonte de setores como meio ambiente, cultura e direitos humanos, transferindo-se seus recursos ao agronegócio e a outros aliados políticos.

Em essência, o processo político que vimos desde as eleições de 2018 é extremamente semelhante ao processo estadunidense trumpista, bem como outras guinadas neoconservadoras, como na Hungria de Viktor Orbán. É, portanto, um fenômeno global, inclusive com interconexões dos mesmos agentes envolvidos.

Ainda, é preciso se atentar ao alerta de Fraser (2020FRASER, Nancy. O velho está morrendo e o novo não pode nascer. Tradução: Gabriel Landi Fazzio. São Paulo: Autonomia Literária, 2020.) no sentido de se evitar ilusões com a incorporação de pautas ditas progressistas por setores da economia neoliberal, como se tem visto, por exemplo, na fetichização de pautas dos movimentos feministas, negros e LGBTQIA+ como mercadorias, conferindo-se uma nova roupagem à mesma lógica de exploração capitalista, ao mesmo tempo que a escalada neoliberal corrói direitos sociais e amplifica a pauperização da classe trabalhadora.

Um projeto político verdadeiramente progressista e que não sucumba rapidamente às investidas das alianças do neoliberalismo com os setores conservadores, concordando com Fraser (2020FRASER, Nancy. O velho está morrendo e o novo não pode nascer. Tradução: Gabriel Landi Fazzio. São Paulo: Autonomia Literária, 2020.), deve partir de uma resposta concreta às demandas dos movimentos sociais de grupos oprimidos por questões de raça, sexualidade e gênero; e, também, de respostas à classe trabalhadora como um todo, considerando, principalmente, que a esmagadora maioria de quem integra referidos grupos oprimidos está na classe trabalhadora.

3. O Serviço Social brasileiro e as possibilidades de resistência

Para o acumulado teórico do Serviço Social brasileiro, a imperatividade de uma práxis de contraponto ao neoliberalismo é questão cristalina, tendo em vista a absoluta incompatibilidade deste com uma sociedade orientada pela radicalidade democrática e pela emancipação humana, que orientam axiologicamente o projeto ético-político profissional.

Com efeito, o Serviço Social se posiciona como profissão crítica perante os desafios à garantia de direitos e ao enfrentamento das desigualdades próprias do modo capitalista de produção, que se acirram com o avanço de uma agenda neoliberal e suas nefastas consequências: desmantelamento do Estado e o desmonte de políticas sociais em políticas setorizadas, relegadas à iniciativa privada e sua lógica de mercado, e resumidas quase exclusivamente à transferência de renda para o alívio - e não o efetivo combate - da pobreza (Yazbek, 2012YAZBEK, Maria Carmelita. Pobreza no Brasil contemporâneo e formas de seu enfrentamento. Serviço Social & Sociedade, São Paulo: Cortez, n. 110, p. 288-322, abr./jun. 2012. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/sssoc/n110/a05n110.pdf . Acesso em: 2 ago. 2022.
https://www.scielo.br/pdf/sssoc/n110/a05...
; 2014YAZBEK, Maria Carmelita. A dimensão política do trabalho do assistente social. Serviço Social & Sociedade, São Paulo: Cortez, n. 120, p. 677-693, out./dez. 2014. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/sssoc/n120/05.pdf . Acesso em: 2 ago. 2022.
https://www.scielo.br/pdf/sssoc/n120/05....
).

Da mesma forma, é notória a íntima e recíproca relação entre o Serviço Social e os movimentos sociais. Conforme lecionam Duriguetto e Bazarello (2015DURIGUETTO, Maria Lúcia; BAZARELLO, Raphael Dutra. Movimentos sociais e Serviço Social: termos do debate. Temporalis, Vitória, v. 15, n. 29, p. 133-155, 2015. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.ufes.br/temporalis/article/view/9414 . Acesso em: 2 ago. 2022.
https://periodicos.ufes.br/temporalis/ar...
), a proximidade do Serviço Social com os movimentos sociais adquire especial intensidade após o momento histórico de ressignificação da profissão entre os anos 1980 e 1990, quando surgem, ainda que timidamente, propostas teórico-metodológicas de atuação de assistentes sociais na práxis articulada com referidos movimentos, tanto pelas estratégias de educação popular quanto pela própria categoria do intelectual orgânico gramsciano.

Essa aproximação, por sua vez, só foi possível historicamente em virtude de um longo processo de reedificação profissional iniciado com o Movimento de Reconceituação: ocasião de uma primeira leitura do método em Marx a partir dos anos 1960, ainda que precariamente enviesado por se circunscrever muito mais à leitura de comentaristas do que ao próprio texto marxiano (Netto, 2011NETTO, José Paulo. Capitalismo monopolista e Serviço Social. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2011.).

Não obstante, referidas leituras, a despeito de suas limitações téorico-­-metodológicas, sedimentaram as bases para a profunda transformação profissional posterior, especialmente ao se considerar o profícuo contato entre o Serviço Social e os movimentos sindicalistas emergentes na virada da década de 1970 para a de 1980, bem como a defesa comum de direitos sociais e trabalhistas, inclusive da própria profissão (Abramides, 2016ABRAMIDES, Maria Beatriz Costa. 80 anos de Serviço Social no Brasil: organização política e direção social da profissão no processo de ruptura com o conservadorismo. Serviço Social & Sociedade, São Paulo: Cortez, n. 127, p. 456-475, set./dez. 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/sssoc/n127/0101-6628-sssoc-127-0456.pdf . Acesso em: 2 ago. 2022.
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).

Assim, a profissão é repensada e refundada em termos fundamentadamente mais críticos, pautados especialmente pelo rompimento da lógica assistencialista-caritativa burguesa própria do primeiro-damismo e da filantropia, reconhecendo sua população usuária como titular de direitos sociais em face do Estado (Yazbek, 2008YAZBEK, Maria Carmelita. Estado e políticas sociais. Revista Praia Vermelha, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, 2008. Disponível em: Disponível em: http://www.ess.ufrj.br/ejornal/index.php/praiavermalha/article/view/39/24 . Acesso em: 2 ago. 2022.
http://www.ess.ufrj.br/ejornal/index.php...
). Consolida-se um novo projeto ético-político com amplas expressões em todas as dimensões profissionais. Nas palavras de Abramides (2016ABRAMIDES, Maria Beatriz Costa. 80 anos de Serviço Social no Brasil: organização política e direção social da profissão no processo de ruptura com o conservadorismo. Serviço Social & Sociedade, São Paulo: Cortez, n. 127, p. 456-475, set./dez. 2016. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/sssoc/n127/0101-6628-sssoc-127-0456.pdf . Acesso em: 2 ago. 2022.
https://www.scielo.br/pdf/sssoc/n127/010...
, p. 470), a consolidação desse projeto político “é a expressão madura de consolidação da direção social da profissão dos anos 1980”.

Esse novo projeto, por sua vez, sedimenta na profissão por meio do Código de Ética um compromisso de defesa intransigente de direitos humanos (Iamamoto, 2013IAMAMOTO, Marilda Villela. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 24. ed. São Paulo: Cortez, 2013.) e, mais ainda, na lição de Martinelli (2015MARTINELLI, Maria Lúcia. O Serviço Social e a consolidação de direitos: desafios contemporâneos. Serviço Social e Saúde, Campinas, v. 10, n. 2, p. 1-17, 2015. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/sss/article/view/8634843 . Acesso em: 2 ago. 2022.
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
, p. 6-7): “Assume a democracia como valor ético-político central, considerando-a a única organização político-social capaz de assegurar a explicitação dos valores essenciais da liberdade e da equidade”.

A partir dessa trajetória forjada pela proximidade e pela troca com os movimentos sociais, pode-se sustentar que o Serviço Social brasileiro só conseguirá fazer frente aos ataques neoliberais e conservadores religiosos de maneira concreta se, por meio desse diálogo, forem sedimentadas as bases críticas, simultaneamente, ao moralismo dos projetos de poder, católicos e pentecostais, e aos ataques vorazes aos direitos da classe trabalhadora.

Significa dizer, então, que se contrapor ao neoliberalismo sem um aprofundamento nas pautas dos movimentos feministas, LGBTQIA+ e negros só faz resistência a uma parcela das nefastas alianças de ocasião firmadas nos projetos de direita em curso e é, portanto, insuficiente.

Denunciar o vilipêndio do valor constitucional da justiça social sem desconstruir a culpabilização também religiosa das famílias, e desconsiderando o fato de que as pessoas oprimidas por questões de raça, gênero e sexualidade integram quase em sua inteireza a classe trabalhadora, implica subestimar a força dessa duradoura aliança, capaz de falsear a realidade apreendida por meio do discurso religioso.

Da mesma forma, contrapor-se apenas às opressões machistas, racistas e homofóbicas do moralismo religioso conservador implica ignorar não só o ataque a direitos da classe trabalhadora, mas também a perversa capacidade dos setores neoliberais de forjarem alianças de ocasião até mesmo com setores progressistas, incorporando e tornando mercadorias as pautas dos movimentos sociais.

Silvia Federici (2021FEDERICI, Silvia. O patriarcado do salário: notas sobre Marx, gênero e feminismo. Tradução: Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2021. v. 1., p. 92), uma das maiores feministas marxistas da atualidade, alertou-nos sobre a importância de avançarmos a partir das categorias analíticas marxianas do capitalismo, renovando suas bases e considerando tanto as transformações socioeconômicas desde sua obra, como também dialogando com questões de enorme relevância política trazidas pelos “movimentos sociais do último meio século que trouxeram ao cenário mundial sujeitos que a teoria de Marx ignorou ou marginalizou” - tendo sido ela própria (Federici, 2017FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e a acumulação primitiva. Tradução: Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante, 2017.), aliás, uma das autoras a contribuir com a percepção do trabalho doméstico feminino não remunerado como trabalho necessário à acumulação capitalista e, portanto, impassível de ser ignorado por uma análise materialista histórica.

E é nessa esteira que a radicalidade democrática e a defesa intransigente dos direitos humanos, pilares ético-políticos da profissão, demandam um aprofundamento teórico-metodológico que considere as violências fundadas em gênero e sexualidade, reconhecendo a sua perversa importância e utilidade para o funcionamento da acumulação capitalista sob o neoliberalismo.

Considerações finais

As chamadas alianças de ocasião entre a agenda político-econômica do neoliberalismo e setores do conservadorismo religioso cristão, como vimos, configuram uma das mais perversas ofensivas a direitos na contemporaneidade.

O capitalismo neoliberal, na presente conjuntura, associa o desmonte de políticas públicas com a crescente culpabilização dos indivíduos e suas famílias. Impondo uma gestão empresarial de todas as relações sociais, o neoliberalismo trata as próprias pessoas como ativos financeiros, fetichizando todas as atividades humanas de forma ainda mais aguda.

Se tudo é empresa - a escola, o museu, o Estado e as próprias famílias -, em uma lógica de mercado, o insucesso dessas “empresas” decorreria exclusivamente da sua má gestão. Nesses termos, portanto, o já muito denunciado familismo é revigorado em termos ainda mais perversos, sob um falacioso discurso meritocrático.

O conservadorismo religioso dominante, de matriz cristã, posiciona a família no seio da sociedade, e justifica as cruzadas morais travadas contra os direitos de mulheres e da população LGBTQIA+ como defesa de uma família quixotesca, ameaçada pelos moinhos de vento da “ideologia de gênero” - ficção conceitual que personifica todas as lutas e os movimentos sociais contrários às opressoras relações sociais patriarcais, machistas e cis-heteronormativas.

Compartilhando uma ênfase na família por diferentes fundamentos, neoliberalismo e conservadorismo religioso apoiam-se mutuamente nesse perverso encontro. As escaladas de projetos políticos de extrema-direita ao redor do mundo, inclusive e especialmente no Brasil, denotam essa operação conjunta, sendo extremamente valorosa e útil à agenda neoliberal a cruzada moral religiosa em defesa da família: o discurso moralista impõe o dever de fortalecimento do modelo de família nuclear burguesa, única responsável pela pobreza e pelo inacesso a direitos sociais, retirando o Estado e seus deveres constitucionais do centro do debate e, assim, legitimando o desmonte neoliberal das políticas públicas.

Para poder resistir efetiva e criticamente, o Serviço Social brasileiro deve partir de seu acumulado téorico-metodológico cada vez mais na direção de compreender as intrincadas relações entre neoliberalismo e conservadorismo religioso: os ataques neoliberais aos direitos da classe trabalhadora são justificados pelo discurso moral cristão de dita defesa da família. Ao mesmo tempo, os ataques conservadores aos direitos de mulheres e LGBTQIA+, sob a falsa categoria da “ideologia de gênero”, enrobustecem a culpabilização das famílias ao reforçar a imposição do modelo de família burguesa e, ainda, legitimam a desresponsabilização de um Estado neoliberal existente unicamente para maximizar a acumulação de capital.

A defesa intransigente de direitos humanos, por sua vez, deve fazer frente simultânea ao neoliberalismo e ao conservadorismo religioso, ciente de que alianças de ocasião podem ser sempre desfeitas ou repactuadas, evitando a sedutora armadilha do neoliberalismo progressista - aquele se apropria de pautas de movimentos sociais, como os de mulheres, LGBTQIA+ e antirracistas, fetichiza-as e lhes retira a amplitude política, reduzindo-as a meras demandas identitárias -, mas, principalmente, partindo da compreensão de que todos esses ataques são mediações das desigualdades e das contradições capitalistas.

Referências

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    » https://www.scielo.br/pdf/sssoc/n120/05.pdf
  • 1
    “Na realidade, essas novas formas políticas exigem uma mudança muito maior do que uma simples restauração do ‘puro’ capitalismo de antigamente e do liberalismo tradicional. Elas têm como principal característica o fato de alterar radicalmente o modo de exercício do poder governamental, assim como as referências doutrinais no contexto de uma mudança das regras de funcionamento do capitalismo. Revelam uma subordinação a certo tipo de racionalidade política e social articulada à globalização e à financeirização do capitalismo. Em uma palavra, só há ‘grande virada’ mediante a implantação geral de uma nova lógica normativa, capaz de incorporar e reorientar duradouramente políticas e comportamentos numa nova direção [...]” (Dardot; Laval, 2016DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. Tradução: Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2016. Livro eletrônico., p. 228).
  • 2
    “A ideia central da proposta familista reside na afirmação da tradição secular que existem dois canais naturais para satisfação das necessidades dos indivíduos: a família e o mercado. Somente quando esses falham é que interferência pública deve acontecer, e de maneira transitória. Então a ideia que vem embutida no campo da incorporação da família na política social é a ideia de falência da família, ou seja, a política pública acontece prioritariamente, de forma compensatória e temporária, em decorrência da sua falência no provimento de condições materiais e imateriais de sobrevivência, de suporte afetivo e de socialização de seus membros. Isso corresponde a uma menor provisão de bem-estar por parte do Estado” (Mioto, 2010MIOTO, Regina Célia. Família, trabalho com famílias e Serviço Social. Serviço Social em Revista, Londrina, v. 12, n. 02, p. 136-176, jan./jun. 2010. Disponível em: Disponível em: https://www.uel.br/revistas/uel/index.php/ssrevista/article/view/7584/6835%20;%20http://periodicos.ufes.br/abepss/article/view/22530/15027 . Acesso em: 2 ago. 2022.
    https://www.uel.br/revistas/uel/index.ph...
    , p. 169-170).
  • 3
    “São submetidas à comprovação vexatória de sua condição - expressa em contrapartidas e condicionalidades - em que são destacadas suas pretensas inabilidade, incompetências, fracassos individuais, afastando a família do seu papel protetor do Estado. Dentro dos critérios de elegibilidade e permanência para a proteção estatal, estão ainda a ativação para o emprego, conformando o chamado workfare, que coloca o acesso ao mercado de trabalho como contrapartida ao acesso às políticas” (Duarte, 2017DUARTE, Joana Maria Gouveia Franco. Trabalho social com famílias: das determinações sócio-históricas aos subsídios para o trabalho profissional cotidiano. 2017. Tese (Doutorado em Serviço Social) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017., p. 203).
  • 4
    “Os contornos da esfera protegida parecem estabelecer por si mesmos os limites da intervenção do Estado: toda intromissão deste último nessa esfera constituirá um atentado arbitrário aos direitos do indivíduo, de modo que se teria aqui o critério que permite discriminar as intervenções legítimas das ilegítimas [...]” (Dardot; Laval, 2016DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. Tradução: Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2016. Livro eletrônico., p. 204-205).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    04 Ago 2022
  • Aceito
    19 Set 2022
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