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As vozes do Programa Criança Feliz: desafios e potencialidades

The voices of the Program Criança Feliz: challenges and potentiality

Resumo:

Realizou-se pesquisa em três municípios com participantes do Programa Criança Feliz (PCF), que visa promover o desenvolvimento integral infantil. Familiares e equipes foram entrevistados, com posterior análise qualitativa, fundamentada pela teoria de Winnicott. Os resultados mostram que burocracia, insegurança jurídica e financeira fragilizam o PCF, enquanto visita domiciliar e fortalecimento de vínculos auxiliaram as famílias a estarem atentas às necessidades infantis.

Palavras-chaves:
Desenvolvimento Infantil; Família; Políticas Públicas; Winnicott

Abstract:

The research was held in three Brazilian cities with participants from Program Criança Feliz (PCF), which aims to stimulate integral development. Family members and staff were interviewed, with posterior qualitative analysis, based on Winnicott’s theory. The results show that bureaucratic, legal and financial issues make the PCF fragile, whereas home visiting and bond strengthening helped families to be attentive towards children’s needs.

Keywords:
Child Development; Family; Public Policies; Winnicott

Introdução

O Programa Criança Feliz (PCF) é um programa do governo federal, que foi instituído pelo Decreto n. 8.869, de 05 de outubro de 2016, tendo como fundamento a Lei n. 13.257, de 08 de março de 2016, conhecida como o Marco Legal da Primeira Infância. A Primeira Infância (PI) é o período que abrange os primeiros 72 meses de vida da criança. (Brasil, 2016BRASIL. Decreto n. 8.869, de 05 de outubro de 2016. Institui o Programa Criança Feliz. Brasília, DF: Presidência da República [2016]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/d8869.htm . Acesso em: 14 ago. 2018.
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).

Os objetivos do PCF são a promoção do desenvolvimento infantil integral na primeira infância; apoio à gestante e à família para o nascimento e nos cuidados perinatais; colaboração no exercício da parentalidade, fortalecendo os vínculos e o papel das famílias para o desempenho da função de cuidado, proteção e educação de crianças na faixa etária de até seis anos; mediação do acesso da gestante, das crianças na primeira infância e das suas famílias a políticas e serviços públicos. (Brasil, 2016BRASIL. Decreto n. 8.869, de 05 de outubro de 2016. Institui o Programa Criança Feliz. Brasília, DF: Presidência da República [2016]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/d8869.htm . Acesso em: 14 ago. 2018.
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)

O PCF foi criado apesar dos cortes de gastos públicos, sem esclarecer suas justificativas de investimentos naquele momento preciso, demonstrando clara falta de objetividade na responsabilização estatal na aplicação de tais gastos, o que impede a verificação de transparência da gestão de recursos públicos. (Sposati, 2017SPOSATI, A. Transitoriedade da felicidade da criança brasileira. Serv. Soc. Soc. São Paulo, n. 130, p. 526-546, set/dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/sssoc/a/Smtp6TKG4qhNwz4P6KkLpBd/?format=pdf . Acesso em: 23 abr. 2020.
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)

Sobre o PCF, Arcoverde et al. (2019ARCOVERDE, A. C. B.; ALCANTARA, E. C.; BEZERRA, J. C. A responsabilização da família na cena contemporânea: particularizando o Programa Criança Feliz. EM PAUTA, Rio de Janeiro, v. 17, n. 44, p. 181-195, 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaempauta/article/download/45221/30951 . Acesso em: 23 abr. 2020.
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) entendem a proposição do programa como uma maneira de transferir funções estatais para o âmbito familiar, de forma que a família passa a ser única responsável pela proteção de seus membros, e que os pais devem desempenhar adequadamente os papéis de cuidado e proteção dos filhos, sem nenhum apoio, podendo ter um efeito moralizador.

A ação principal do Programa Criança Feliz é a Visita Domiciliar (VD). Os visitadores sociais têm a tarefa de fortalecer o vínculo entre o cuidador principal e a criança, para que seja estimulado o desenvolvimento infantil através da brincadeira. (Brasil, 2016BRASIL. Lei n. 13.257, de 8 de março de 2016. Dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância e altera a Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), o Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-lei n. 5.452, de 1o de maio de 1943, a Lei n.11.770, de 9 de setembro de 2008, e a Lei n. 12.662, de 5 de junho de 2012. Brasília, DF: Presidência da República [2016]. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13257.htm . Acesso em: 14 ago. 2018.
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)

O visitador, então, entra na casa das famílias e é capaz de identificar as demandas sociais, encaminhando-as ao supervisor, que é o articulador entre tais encaminhamentos e as respectivas políticas públicas. (Brasil, 2017BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário. Programa Criança Feliz: a Intersetorialidade na Visita Domiciliar. Brasília, DF, 2017.)

Assim, a estratégia da VD fortalece vínculos familiares, através de atividades lúdicas. Com o aprimoramento das habilidades maternas, é possível estabelecer maior capacidade de enfrentamento e resolução de problemas, assim como “a aquisição de mais conhecimentos sobre saúde, desenvolvimento e bem-estar infantil, materno e familiar.” (GONÇALVES et al., 2019GONÇALVES, T. R.; DUKU, E.; JANUS, M. Developmental Health in the context of an early childhood program in Brazil: the “Primeria Infância Melhor” experience. Cad. Saúde Pública . Rio de Janeiro, v. 35, n. 3, 00224317, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X00224317. Acesso em: 23 abr. 2020
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, p. 6).

Considerando o fortalecimento comunitário, a abordagem da VD mostra-se como importante estratégia de saúde pública, pois conecta os serviços de saúde, educação e proteção social. (HILÁRIO et al., 2022HILÁRIO, J. S.; HENRIQUE, N. C.; SANTOS, J. S.; ANDRADE, R. D.; FRACOLLI, L. A.; MELLO, D. F. Desenvolvimento infantil e visita domiciliar na primeira infância: mapa conceitual. Acta Paul Enferm. São Paulo, v. 35, eAPE003652, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.37689/acta-ape/2022AR03653. Acesso em: 13 jan. 2023.
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)

Por outro lado, questiona-se sobre a invasão de privacidade das famílias e o custo-benefício que se pode ter com as atividades em domicílio e de forma individual. Ainda, questiona-se sobre a resolução de problemas de forma individualizada, privatizando as demandas públicas no domicílio, eximindo o Estado de seus deveres. (Sposati, 2017SPOSATI, A. Transitoriedade da felicidade da criança brasileira. Serv. Soc. Soc. São Paulo, n. 130, p. 526-546, set/dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/sssoc/a/Smtp6TKG4qhNwz4P6KkLpBd/?format=pdf . Acesso em: 23 abr. 2020.
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)

Ainda, Sposati (2017SPOSATI, A. Transitoriedade da felicidade da criança brasileira. Serv. Soc. Soc. São Paulo, n. 130, p. 526-546, set/dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/sssoc/a/Smtp6TKG4qhNwz4P6KkLpBd/?format=pdf . Acesso em: 23 abr. 2020.
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) aponta para o fato da escolarização mínima de nível médio dos visitadores sociais, os quais entram com contato com as necessidades e precariedades de condições das famílias sem receberem formação técnica adequada pelo Estado.

Sposati (2017SPOSATI, A. Transitoriedade da felicidade da criança brasileira. Serv. Soc. Soc. São Paulo, n. 130, p. 526-546, set/dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/sssoc/a/Smtp6TKG4qhNwz4P6KkLpBd/?format=pdf . Acesso em: 23 abr. 2020.
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) reflete sobre a intersetorialidade do Programa, apontando para a sobreposição do investimento na infância, que já é proposto pelas demais políticas públicas, como saúde, educação, assistência social, justamente por ser um campo legislado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Arcoverde et al. (2019ARCOVERDE, A. C. B.; ALCANTARA, E. C.; BEZERRA, J. C. A responsabilização da família na cena contemporânea: particularizando o Programa Criança Feliz. EM PAUTA, Rio de Janeiro, v. 17, n. 44, p. 181-195, 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaempauta/article/download/45221/30951 . Acesso em: 23 abr. 2020.
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) ressaltam que as prefeituras municipais devem recompor seu quadro de pessoal para cumprirem as regras do programa e receberem os recursos federais, pelo número de visitas realizadas. Assim, as famílias passam a ser meios de trocas de recursos, contabilizadas como metas mensais de atendimento para ganhos municipais.

Ainda, “o Programa Criança feliz prioriza o ‘terceiro setor’, reforçando a responsabilização da sociedade civil pela execução da política sem garantia de sua direção.” (ARCOVERDE et al., 2019ARCOVERDE, A. C. B.; ALCANTARA, E. C.; BEZERRA, J. C. A responsabilização da família na cena contemporânea: particularizando o Programa Criança Feliz. EM PAUTA, Rio de Janeiro, v. 17, n. 44, p. 181-195, 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaempauta/article/download/45221/30951 . Acesso em: 23 abr. 2020.
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, p. 189)

Existe falta de clareza na responsabilização do Estado em relação aos gastos para o programa e não há clareza dos resultados esperados nem previsão de profissionalização dos agentes operadores, o que pode gerar precarização dos serviços. (Sposati, 2017SPOSATI, A. Transitoriedade da felicidade da criança brasileira. Serv. Soc. Soc. São Paulo, n. 130, p. 526-546, set/dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/sssoc/a/Smtp6TKG4qhNwz4P6KkLpBd/?format=pdf . Acesso em: 23 abr. 2020.
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)

Ainda, há indícios de subfinanciamento e falta de segurança jurídica, pois o PCF não se trata de lei federal. Dessa forma, não há garantias em relação à continuidade do programa ou em relação à regularidade dos repasses ou da atualização dos valores repassados. (Sposati, 2017SPOSATI, A. Transitoriedade da felicidade da criança brasileira. Serv. Soc. Soc. São Paulo, n. 130, p. 526-546, set/dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/sssoc/a/Smtp6TKG4qhNwz4P6KkLpBd/?format=pdf . Acesso em: 23 abr. 2020.
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)

Em um estudo sobre o impacto do PCF no desenvolvimento infantil, Santos et al. (2022) apontam para a fragilidade da gestão municipal do programa, apresentando alta rotatividade, seleção, treinamento e contratos de trabalho inadequados dos visitadores sociais, baixos salários, falta de supervisão e baixa fidelidade ao desenho do PCF nas intervenções domiciliares.

Por outro lado, o PCF foi instituído baseado em achados de autores como Winnicott, Bowlby, Spitz, Vygotsky, que enfatizaram a importância dos vínculos afetivos e dos cuidados recebidos na infância para a constituição do sujeito. (Brasil, 2017BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário. Programa Criança Feliz: a Intersetorialidade na Visita Domiciliar. Brasília, DF, 2017.)

Winnicott (2005WINNICOTT, Donald Woods. A família e o desenvolvimento individual . Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2005.) considera o papel do ambiente como promotor e facilitador do desenvolvimento. Para ele, um ambiente suficientemente bom propiciado pela mãe devotada comum, aquela que se adapta sensivelmente às necessidades de seu bebê, permite que o potencial inato para o desenvolvimento emocional possa se realizar. Dessa forma, o ambiente suficientemente bom funda as bases para o desenvolvimento saudável do indivíduo, dando ênfase à relação inicial desenvolvida entre a mãe e o seu bebê. Tem-se, assim, uma valorização das relações e do afeto. (Winnicott, 2005WINNICOTT, Donald Woods. A família e o desenvolvimento individual . Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2005.)

Gonçalves et al. (2019GONÇALVES, T. R.; DUKU, E.; JANUS, M. Developmental Health in the context of an early childhood program in Brazil: the “Primeria Infância Melhor” experience. Cad. Saúde Pública . Rio de Janeiro, v. 35, n. 3, 00224317, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X00224317. Acesso em: 23 abr. 2020
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) corroboram a importância do investimento na PI, pois evidências apontam para as consequências a longo prazo que as experiências físicas e neurobiológicas têm nesse período da vida.

Souza, Felipe e Gradim (2019SOUZA, M. C.; FELIPE, A. O. B.; GRADIM, C. V. C. Understanding the Family relationship towards child growth and development. J. res.: fundam. care online. v. 11, n. 3, p. 694-699, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.9789/2175-5361.2019.v11i3.694-699. Acesso em: 12 dez. 2022.
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) alertam que esse período da infância é o melhor estágio para prevenção e promoção das questões de saúde pública, já que os pais estão desejantes para aprender a cuidar de seus filhos.

Winnicott (2017WINNICOTT, Donald Woods. A Criança e o seu mundo. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 2017.) enfatiza que é na infância que reside a base para a saúde mental e, a longo prazo, para a maturidade em termos do adulto que pode se identificar com a sociedade.

Gonçalves et al. (2019GONÇALVES, T. R.; DUKU, E.; JANUS, M. Developmental Health in the context of an early childhood program in Brazil: the “Primeria Infância Melhor” experience. Cad. Saúde Pública . Rio de Janeiro, v. 35, n. 3, 00224317, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-311X00224317. Acesso em: 23 abr. 2020
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
) referem a importância do investimento de cuidados às gestantes e às crianças pequenas, como o meio de melhor custo-benefício para reduzir a pobreza e fomentar o crescimento econômico.

Merrick e Guinn (2018MERRICK, M. T.; GUINN, A. S. Child abuse and neglect: breaking the intergenerational link. Am J Public Health. Maryland, v. 108, n. 9, p. 1117-1118, set. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6085055/pdf/AJPH.2018.304636.pdf . Acesso em: 23 abr. 2020.
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) ressaltam que a promoção de um ambiente seguro, estável e de relações acolhedoras pode servir como estratégia para conquistar metas de saúde, bem-estar e produtividade.

Assim, o desenvolvimento humano apropriado depende, em sua maior parte, de cuidados recebidos na infância, e isso também determinará suas habilidades futuras para se relacionar e regular as emoções. (Souza, Felipe e Gradim, 2019SOUZA, M. C.; FELIPE, A. O. B.; GRADIM, C. V. C. Understanding the Family relationship towards child growth and development. J. res.: fundam. care online. v. 11, n. 3, p. 694-699, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.9789/2175-5361.2019.v11i3.694-699. Acesso em: 12 dez. 2022.
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)

Reconhece-se atualmente que o afeto é o alicerce do desenvolvimento intelectual e emocional, trazendo importância às práticas parentais responsivas, aos vínculos, aos cuidados, ao brincar, ao olhar. “Pesquisas mostram que crianças que recebem tais cuidados se tornarão adultos saudáveis e produtivos, com maior nível de escolaridade, maior renda e com menor risco para marginalidade e doenças.” (Nobrega e Oliveira, 2022NOBREGA, J. C. C.; OLIVEIRA, T. M. Atendimento on-line e a possibilidade da constituição psíquica de um bebê. In: VELANO, M.; PRADO, E. A.; DELFINI, P.; SANTOS, I. S.; MUNHOZ, T. N.; BARCELOS, R. S.; BLUMENBERG, C.; BORTOLOTTO, C. C.; MATIJASEVICH, A.; SALUM, C.; SANTOS JÚNIOR, H. G.; MARQUES, L.; CORREIA, L.; SOUZA, M. R.; LIRA, P. I. C.; PEREIRA, V.; VICTORA, C. G. Avaliação do Programa Criança Feliz: um estudo randomizado em 30 municípios brasileiros. Ciência & Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 27, n. 12, p. 4341-4363, 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/h7WtvjjnNzxbDssY6hQ4j6C/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 13 jan. 2023.
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, p. 156)

A presença de relações acolhedoras e um ambiente seguro e estável podem minimizar os efeitos da transmissão de violência intergeracional. (Merrick e Guinn, 2018MERRICK, M. T.; GUINN, A. S. Child abuse and neglect: breaking the intergenerational link. Am J Public Health. Maryland, v. 108, n. 9, p. 1117-1118, set. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6085055/pdf/AJPH.2018.304636.pdf . Acesso em: 23 abr. 2020.
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)

O Marco Legal da Primeira Infância (Lei n. 13.257, de 08 de março de 2016) estabelece que as políticas públicas monitorem, coletem dados e avaliem os serviços oferecidos às crianças. Portanto, é preciso conhecer os fatores associados ao desenvolvimento infantil, além das características das famílias usuárias das políticas públicas, para poder auxiliar gestores na identificação de fatores de risco e de proteção na base das intervenções. (Munhoz et al., 2022MUNHOZ, T. N.; SANTOS, I. S.; BLUMENBERG, C.; BARCELOS, R. S.; BORTOLOTTO, C. C.; MATIJASEVICH, A.; SANTOS JÚNIOR, H. G.; SANTOS, L. M.; CORREA, L. L.; SOUZA, M. R.; LIRA, P. I. C.; ALTAFIM, E. R. P.; MACANA, E. C.; VICTORA, C. G. Fatores associados ao desenvolvimento infantil em crianças brasileiras: linha de base da avaliação do impacto do Programa Criança Feliz. Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro, v. 38, n. 2, e00316920, 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/5CYG4C6xR5yQzbfqYsjx5zp/?format=pdf⟨=pt . Acesso em: 13 jan. 2023.
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)

Dessa forma, o questionamento deste trabalho é: qual a percepção dos participantes (familiares e equipe) sobre o Programa Criança Feliz?

Método

O estudo foi realizado em três cidades do Estado de São Paulo, de acordo com amostra de conveniência, denominadas de municípios A, B e C.

Foram coletados dados sociodemográficos dos participantes e realizadas entrevistas semiestruturadas para acesso às observações e percepções dos sujeitos de pesquisa.

As entrevistas foram transcritas e realizada análise qualitativa dos dados coletados, de acordo com a investigação compreensiva psicanalítica e o método da livre inspeção do material. Foram eleitas categorias e subcategorias, que então foram interpretadas pela abordagem psicanalítica da teoria winnicottiana do desenvolvimento emocional.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, de acordo com o Parecer Consubstanciado n. 4.152.953.

Resultados e discussão

A primeira autora do trabalho, que é psicóloga, foi a supervisora do PCF no município A, e, portanto, não foi entrevistada. Entretanto, é preciso reforçar que por fazer parte da equipe do programa, a pesquisadora tinha conhecimento prévio de decretos, formulários, normas técnicas sobre o PCF, inclusive tendo contato com as famílias atendidas e conhecendo as cuidadoras que foram entrevistadas.

Foram realizadas 9 entrevistas no município A, 4 no município B e 6 no município C, totalizando 19 entrevistas.

Ressalta-se que como o número de participantes de pesquisa foi reduzido, não houve a pretensão de produzir resultados e análises generalizáveis sobre o PCF, mas buscou-se apreendê-lo em caráter exploratório, já que ainda há poucos estudos sobre o tema.

Também, considera-se importante contextualizar o momento da pandemia de covid-19, que se instalou no Brasil na segunda quinzena de março de 2020, demandando medidas restritivas de isolamento social. Dessa forma, foi preciso adaptar questões metodológicas, sendo que as entrevistas passaram a ser no formato virtual, a partir de 2021.

Portanto, as entrevistas realizadas de forma presencial (13) foram feitas em locais de órgãos públicos, como o CRAS (município A) e Secretaria da Assistência Social (município B), enquanto as entrevistas remotas (7) foram feitas pela plataforma Google Meet, para realizar a gravação, com agendamento prévio dos participantes de pesquisa para ambas as modalidades.

A primeira parte das entrevistas continha questões relacionadas ao contexto sociodemográfico dos participantes. Porém, tais dados não serão todos abordados nesse artigo por limitações de formato.

Pela perspectiva qualitativa da pesquisa, alguns pontos chamaram a atenção.

A primeira questão é o objeto de trabalho do PCF, ou seja, a família como sendo o principal alvo de intervenções do programa. Arcoverde et al. (2019ARCOVERDE, A. C. B.; ALCANTARA, E. C.; BEZERRA, J. C. A responsabilização da família na cena contemporânea: particularizando o Programa Criança Feliz. EM PAUTA, Rio de Janeiro, v. 17, n. 44, p. 181-195, 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaempauta/article/download/45221/30951 . Acesso em: 23 abr. 2020.
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) demonstram preocupação em relação à centralização e a ressignificação da família para o PCF, colocando tal instituição como mecanismo fundamental para assumir as necessidades sociais, privatizando os cuidados e as responsabilidades sociais, correspondentes ao Estado.

Além disso, é preciso considerar o recorte financeiro do programa, ao escolher as famílias de baixa renda e em vulnerabilidade social como público-alvo, demarcando um caráter assistencialista e de higienismo social do PCF, de acordo com padrões burgueses de criação e educação dos filhos. (Arcoverde et al., 2019ARCOVERDE, A. C. B.; ALCANTARA, E. C.; BEZERRA, J. C. A responsabilização da família na cena contemporânea: particularizando o Programa Criança Feliz. EM PAUTA, Rio de Janeiro, v. 17, n. 44, p. 181-195, 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaempauta/article/download/45221/30951 . Acesso em: 23 abr. 2020.
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)

A partir da leitura exaustiva das entrevistas transcritas, foi possível eleger 2 grandes categorias e 9 subcategorias: Burocracia (Verba, Motorista, Política de Governo x Política de Estado, Acesso a direitos; Acesso à informação e Vínculo empregatício) e Vínculos Afetivos (Desenvolvimento infantil integral, Fortalecimento de vínculos e Brincadeira). Assim, foi possível apreender questões importantes sobre o cotidiano da vivência dos participantes do PCF, relacionando-as a fragilidades e potencialidades.

1. Burocracia: Aborda questões da estrutura política do PCF, previstas pelas normas do programa, que foram percebidas como facilitadoras ou dificultadoras da execução.

1.1. Verba: Corresponde ao financiamento do PCF, sendo que o município recebe uma verba federal, de acordo com o número de visitas realizadas; porém, existe a necessidade de uma contrapartida financeira do município, que se sobrecarrega com as despesas necessárias ao programa.

Assim, a dificuldade enfrentada é o financiamento do governo federal, que exige que seja contratado um número fixo de pessoal para coordenação, supervisão e visitadores baseado na meta de visitas; porém, o valor recebido é variável de acordo com o número de visitas.

Dessa maneira, é preocupante que o trabalho das visitas domiciliares se torne “mecânico, tecnicista”, como se fosse um troca simples entre a visita e o recebimento da verba, pela exigência do número de VDs. Além disso, a gestão dos recursos financeiros é feita por pessoas que não atuam na prática do programa, como em visitas domiciliares e contato com as famílias, e podem não destinar recursos para compra de materiais necessários ao cotidiano das VDs.

Assim, acontece a disponibilização individual de materiais (município C), ou seja, alguns visitadores sociais disponibilizam recursos próprios para levar para as atividades domiciliares, o que demonstra fragilidade e escassez de recursos financeiros públicos para o programa, que pode acarretar diferentes manejos e distorções na metodologia do PCF.

Ainda houve caso de venda de rifas pelos trabalhadores do PCF (município C) para que fosse possível realizar encontros de grupos com os familiares, assim como grande procura por doações de materiais e coleta de materiais recicláveis.

Outro ponto abordado foi a instabilidade do sistema eletrônico do PCF (município C), que dificulta a alimentação de dados e pode “penalizar” o município, que deixa de receber a verba corretamente, se o Ministério da Cidadania não tiver os dados completos.

Apesar de haver uma regulamentação em relação ao valor destinado para cada visita realizada, não há clareza na responsabilização do Estado em relação aos gastos do programa. Assim, o repasse do governo federal se mostra passível de cobrir apenas 50% das despesas. (Sposati, 2017SPOSATI, A. Transitoriedade da felicidade da criança brasileira. Serv. Soc. Soc. São Paulo, n. 130, p. 526-546, set/dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/sssoc/a/Smtp6TKG4qhNwz4P6KkLpBd/?format=pdf . Acesso em: 23 abr. 2020.
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)

Nesta subcategoria, foi levantada a questão da interrupção do programa na cidade A, como se a verba federal destinada ao programa e a contrapartida municipal não tivessem sido suficientes, em razão de gastos com a equipe e com a dificuldade na contabilização das visitas.

1.2. Motorista: Para haver VDs, que são a principal ferramenta de acesso às famílias, tornou-se necessário que as Prefeituras disponibilizassem um motorista, para visitas em bairros distantes e segurança dos visitadores. Existem municípios que disponibilizaram bicicletas para os trabalhadores e até visitadores que se dispõem a realizar as visitas a pé.

No entanto, muitas vezes, quando há motorista, este é compartilhado entre o PCF e outro órgão público, como o CRAS ou CREAS, dificultando o tempo necessário às atividades.

Quando há sobreposição de trabalho do motorista, pela redução de provimento orçamentário das políticas de proteção social, é possível pensar na desresponsabilização social por parte do governo, impondo uma política econômica neoliberal, com restrição de acesso a bens e serviços. (Arcoverde et al., 2019ARCOVERDE, A. C. B.; ALCANTARA, E. C.; BEZERRA, J. C. A responsabilização da família na cena contemporânea: particularizando o Programa Criança Feliz. EM PAUTA, Rio de Janeiro, v. 17, n. 44, p. 181-195, 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaempauta/article/download/45221/30951 . Acesso em: 23 abr. 2020.
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)

Além disso, as equipes da Secretaria da Assistência Social apresentaram dificuldades de aceitação do PCF e demonstraram resistência em se tornarem parceiros do programa, dificultando a agenda dos motoristas para o PCF.

A questão de falta de motorista para as atividades do PCF foi a razão apontada pela coordenação no município A para a interrupção do programa. Na época, houve a aposentadoria de três motoristas da pasta da Assistência Social, impossibilitando a continuação das VDs. Em tal município, não foi autorizada pela coordenadora do PCF a realização das visitas através de bicicleta ou a pé, pela segurança dos trabalhadores sociais.

Entende-se, assim, que as condições sociais precárias fragilizam os vínculos familiares e comunitários, assim como a fragilidade dos vínculos aumenta as chances de as famílias se colocarem em situações de risco social, como em um ciclo que se retroalimenta.

1.3. Política de Governo x Política de Estado: Engloba uma questão de incerteza da continuidade do PCF em decorrência da insegurança jurídica e das mudanças de gestão política federal e/ou municipal.

Explica-se que uma “política de Governo” é realizada durante o período de um mandato eleitoral, de forma transitória, enquanto uma “política de Estado” se mostra como uma política pública de garantia de direitos, presente na Constituição Federal.

Sposati (2017SPOSATI, A. Transitoriedade da felicidade da criança brasileira. Serv. Soc. Soc. São Paulo, n. 130, p. 526-546, set/dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/sssoc/a/Smtp6TKG4qhNwz4P6KkLpBd/?format=pdf . Acesso em: 23 abr. 2020.
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) aponta para a falta de segurança jurídica do PCF, pois o programa não foi instituído por uma lei federal. Assim, não há garantias sobre a continuidade do programa, assim como sobre a regularidade e atualização dos repasses financeiros aos municípios.

Por outro lado, se existe uma continuação do programa, é possível o fortalecimento das políticas públicas no âmbito social, pois o PCF, segundo os entrevistados, cobre um buraco que as políticas de Assistência Social apresentam, em termos de falta de estrutura pessoal, especialmente em grandes cidades, como em C.

Assim, depois da aceitação do programa pelas equipes e fortalecimento do PCF nos municípios, os participantes reivindicavam a continuação das atividades e declararam satisfação em relação às VDs (municípios A, B e C).

1.4. Acesso a Direitos: Aponta para um fortalecimento da autonomia familiar e do acesso a direitos, sendo que os visitadores sociais serviram como ponte entre os serviços públicos e o domicílio, na tentativa de tirar as famílias do local de invisibilidade e exclusão, promovendo o protagonismo, especialmente das mulheres, chefes de famílias.

É possível o fortalecimento das políticas públicas no âmbito social, pois o PCF, segundo os entrevistados, cobre um buraco que as políticas públicas apresentam, em termos de falta de estrutura pessoal, especialmente em grandes cidades, como duas das cidades pesquisadas.

Dessa maneira, é possível que as famílias tenham maior contato com serviços de saúde; com acompanhamento do esquema vacinal, checagem de peso, consultas ginecológicas, visitas ao dentista; segurança alimentar, por meio da concessão de cestas básicas; acesso a vagas de creche, além de possibilidade de participação em eventos culturais e festivos, como dia das crianças e festa de Natal, com transporte gratuito.

Outra questão apresentada pelos participantes é a identificação de casos de violências domésticas, seja entre adulto-criança ou entre adultos, através da visita domiciliar. Dessa forma, foi possível dar visibilidade a essas dificuldades vividas pela família e encaminhar as demandas para serviços da rede, como CREAS e Conselhos Tutelares.

Segundo Winnicott (2005WINNICOTT, Donald Woods. A família e o desenvolvimento individual . Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2005.), as boas condições de cuidados ambientais no início do desenvolvimento da criança proporcionam um sentido de segurança, que, por sua vez, transforma-se em autocontrole. Dessa maneira, em um estágio mais avançado do desenvolvimento, na adolescência, o indivíduo não mais precisa de um controle externo parental.

1.5. Acesso à Informação: Diz respeito às orientações aos cuidadores, para ampliar o olhar sobre práticas parentais.

As famílias perceberam que estavam melhores informadas, especialmente sobre políticas públicas, direitos, desenvolvimento infantil, brincadeira, além de se sentirem acolhidas em suas demandas emocionais.

Foi relatado que, através das intervenções domiciliares, foi possível proporcionar um espaço de reflexão sobre práticas parentais de educação, inclusive inibindo maneiras violentas de corrigir as crianças.

Conhecer e saber da importância desses processos de facilitação e de promoção do desenvolvimento da criança possibilitou aos pais uma aproximação da experiência de seus filhos e permitiu dar condições ao amadurecimento.

Nessa fase inicial, são necessárias para a criança a estabilidade e a continuidade do ambiente, tanto nos aspectos físicos quanto emocionais, para que haja administração de cada estágio, elaboração dos conflitos, sem a perda da espontaneidade. (Winnicott, 2005WINNICOTT, Donald Woods. A família e o desenvolvimento individual . Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2005.)

Winnicott (2017WINNICOTT, Donald Woods. A Criança e o seu mundo. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 2017.) destaca que os pais devem ser sempre esclarecidos sobre as necessidades dos filhos e as causas subjacentes (inconscientes), mas não aconselhados ou instruídos em relação a um método. Ainda deve-se dar aos pais espaço para experimentar e cometer erros, aprendendo às próprias custas.

Além do acesso à informação entre família e serviço, foi possível destacar a troca de informações dentro da própria equipe do PCF. A equipe de visitadores sociais do município C demonstrou a importância de estar em um ambiente diversificado em relação a profissionais (como psicólogas, pedagogas e assistentes sociais) com trocas de informações técnicas, podendo aprimorar as atuações durante as visitas domiciliares, além do acolhimento de questões emocionais difíceis vividas pelos visitadores dentro das casas.

Ademais, foi possível apreender a abertura dos serviços da rede intersetorial, que entenderam o propósito do PCF de garantia de direitos da população e passaram a encaminhar famílias que poderiam ser beneficiadas pelas atividades do programa.

1.6. Vínculo Empregatício: Pelo vínculo empregatício dos visitadores (estágio e/ou prestação de serviço), foi possível observar o desligamento e contratação de novos visitadores sociais, e o consequente rompimento dos vínculos entre trabalhadores e famílias, o que dificulta o fortalecimento de vínculos comunitários e continuidade dos serviços.

De acordo com os visitadores sociais de C, existe uma diferença de carga horária entre estagiário e prestador de serviço, sendo que o primeiro cumpre 6 horas diárias enquanto o prestador cumpre 8 horas. Dessa forma, havia mais contratação de estagiários, mesmo tendo um tempo limite de serviço pela lei de estágio, e consequente desligamento.

Para Arcoverde et al. (2019ARCOVERDE, A. C. B.; ALCANTARA, E. C.; BEZERRA, J. C. A responsabilização da família na cena contemporânea: particularizando o Programa Criança Feliz. EM PAUTA, Rio de Janeiro, v. 17, n. 44, p. 181-195, 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaempauta/article/download/45221/30951 . Acesso em: 23 abr. 2020.
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), a possibilidade de contratação de organizações do terceiro setor reforça a ideia de que a sociedade civil deve ser responsável pela execução do programa, sendo contrária às políticas da Assistência Social. Dessa forma, as autoras questionam se os recursos desse programa não poderiam ser destinados aos serviços já existentes dentro dessa política.

Ainda, com a terceirização do contrato, inclusive de supervisores, através de OSC, a equipe percebe a fragilidade do vínculo empregatício, pela possiblidade de não renovação do contrato anual, gerando insegurança, instabilidade e rotatividade.

Por outro lado, foi percebido pela equipe do município B que a contratação de uma Organização da Sociedade Civil possibilitaria mudanças vantajosas, como aumento de carga horária dos visitadores sociais, que como MEI poderiam realizar 8h; flexibilidade de horários, além de aumento no salário dos visitadores, que não se limitaria ao salário de estágio, e a possibilidade de renovação dos contratos por mais de dois anos consecutivos. Também poderia ser contratado um motorista exclusivo.

2. Vínculo Afetivo: Diz respeito às questões afetivas e de vinculação familiar e comunitária, que foram descritas como promotoras de desenvolvimento emocional infantil e fortalecedoras dos vínculos familiares.

2.1. Desenvolvimento Infantil Integral: As visitas domiciliares possibilitaram, tanto para os trabalhadores como para os familiares, prestarem mais atenção aos cuidados e às necessidades dos filhos, assim como estarem atentos a aspectos amplos da criança, não só de suas necessidades físicas, mas de personalidade e de necessidades emocionais.

A visita domiciliar, através das atividades voltadas especialmente ao fortalecimento dos laços entre criança e adulto, proporcionou um espaço para a promoção do status de sujeito do bebê, colocando-o como foco, não apenas como receptáculo dos desejos e percepções maternas, mas como ser humano que também apresenta desejos e necessidades.

É possível dizer que a equipe “emprestou” um olhar técnico e diferenciado voltado às necessidades das crianças, existindo, dessa forma, momentos de transformação do olhar da família para a promoção do desenvolvimento integral infantil.

Assim, o visitador social propicia uma oportunidade aos pais de extrapolarem suas funções de provedores de condições fisiológicas, para promoverem sujeitos de desejo, integrados e criativos.

2.2. Fortalecimento Dos Vínculos Familiares e Comunitários: As atividades do PCF proporcionaram aos familiares espaço para reconhecimento da importância da vinculação afetiva entre os membros familiares, além de terem a possibilidade de estarem em um serviço/ambiente acolhedor, sensível, de apoio emocional e empoderamento.

Nesse contexto de vínculos e de afetos, os visitadores sociais cumprem um papel, que seja de dar foco e iluminar a relação mãe-criança para que se construa algo de prazeroso durante a visita, e que se prolongue para além da visita, através da brincadeira.

Assim, a experiência da visita social, empodera a cuidadora a olhar para sua relação singular com seu bebê e poder tomar decisões baseadas em seus sentimentos e percepções, o que se torna diferente de seguir manuais técnicos e normas direcionadas por alguém que desconhece a rotina familiar e é distante da dupla mãe-bebê.

Ainda, além da necessidade de as crianças serem olhadas e cuidadas, as famílias também precisam do reconhecimento de suas necessidades (como moradia, recursos comunitários, cultura familiar, estrutura familiar) para que através desse atendimento e cuidado, elas se tornem mais empoderadas e capazes de protegerem seus filhos.

Ademais, a estrutura da visitação domiciliar semanal possibilita a vinculação entre serviço e família, que se vê confiante para abrir seu espaço mais íntimo e mostrar as demandas mais precárias.

2.3. Brincadeira: Mostra-se como importante ferramenta para o fortalecimento dos vínculos familiares e a promoção do desenvolvimento infantil, seja físico, emocional e social, e isso pode ser reconhecido pelas famílias.

O momento lúdico da visita domiciliar propicia para a cuidadora um olhar de prazer para a relação com seu filho, vendo-se potente para transmitir conhecimentos e afetos. Tornou-se um momento de descontração, de leveza na relação familiar, com o compromisso da atenção cuidadosa para o desenvolvimento infantil.

O brincar se tornou uma forma de aproximar cuidador e criança, possibilitando momentos de união e de prazer, exclusivos às crianças e suas necessidades. Tais momentos são fontes ricas de aprendizagem social e emocional.

O desejo de brincar indica que existe vida interior pessoal no bebê. Assim, a mãe pode estar atenta a essa necessidade de seu filho, entregando-lhe sua disposição lúdica, para que possa desabrochar a riqueza íntima do bebê e, assim, os dois viverem a melhor parte da relação. (Winnicott, 2017WINNICOTT, Donald Woods. A Criança e o seu mundo. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 2017.)

A brincadeira, então, pode servir de experiência de trocas afetivas e fortalecimento dos vínculos familiares e sociais, trazendo segurança, confiança e autonomia para as crianças. Dessa maneira, a criança pode experimentar liberdade e potencializar sua criatividade, apropriando-se de sua realidade e recursos.

É uma inversão de olhares, em que o prazer e a ludicidade se apresentam para edificar o desenvolvimento infantil e as relações familiares, sendo possível um tempo e espaço de crescimento e afetos conjuntos.

Conquanto seja fácil perceber que as crianças brincam por prazer, é muito mais difícil para as pessoas verem que as crianças brincam para dominar angústias, controlar ideias ou impulsos que conduzem à angústia se não forem dominados. (Winnicott, 2017WINNICOTT, Donald Woods. A Criança e o seu mundo. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 2017., p. 162)

Conclusões

Por um lado, o PCF trouxe foco para as questões de prioridades para a Primeira Infância, sendo que a visita domiciliar possibilitou a aproximação entre o público prioritário e os serviços públicos já existentes nos municípios, como os de saúde e outros da assistência social. Também possibilitaram sentimentos de existência, de pertencimento e de maior integração entre famílias, comunidades e serviços.

Dessa forma, embora tenha havido muita resistência de início, o PCF oportunizou a entrada de famílias que não eram assistidas pela política da Assistência Social e outras, para serem olhadas e cuidadas, promovendo a garantia de direitos e divulgando informações importantes para o empoderamento das famílias acompanhadas.

Desta forma, as famílias devem ser protegidas e ter seus direitos garantidos pelo Estado, assim como devem também ter autonomia e ser validadas em suas peculiaridades e particularidades para promoverem o desenvolvimento de seus membros, afirmando suas culturas familiares e comunitárias com liberdade.

Nessa direção, a contrapartida financeira municipal, demandada pelo programa, foi apontada como a principal determinante para o encerramento das atividades no município A, sendo que as dificuldades financeiras apareceram também nos outros municípios estudados, refletidos no compartilhamento de motorista com outras equipes da Assistência Social, equipe de visitadores sociais incompleta, falta de materiais para uso durante as visitas domiciliares e sobreposição de cargos da equipe gestora. Ressalta-se, então, sobrecarga orçamentária de uma política pública já precarizada antes mesmo da instituição do Programa Criança Feliz.

Ademais, o sistema informacional do PCF foi relatado como difícil de manejar e de alimentar, existindo, ainda, a possibilidade de falsificação na alimentação do sistema, imposta pelo condicionamento do recebimento de verba ao número de visitas domiciliares realizadas.

Compreendeu-se que a continuação do PCF se deu pela particularização dos esforços, principalmente, dos visitadores sociais, que, da mesma forma como as famílias estão sendo responsabilizadas pelos cuidados de seus membros, aqueles estão sendo responsabilizados pelos cuidados de “suas famílias”.

Foi relatado que os visitadores sociais têm pouco suporte logístico para a realização das visitas, sendo necessárias caminhadas desprotegidas e de longas distâncias para cumprirem o cronograma de visitas, assim como baixo apoio financeiro para a aquisição de materiais para as atividades domiciliares, já que os visitadores usam recursos próprios para manterem a qualidade e a diversidade das ações. Isso demonstra uma ideologia de particularização de esforços, como se a caridade, o “amor ao próximo” e o voluntariado fossem a âncora do programa, invertendo a lógica da política pública de responsabilidade estatal.

É preciso ressaltar que os cuidados suficientemente bons englobam desde os cuidados direcionados ao bebê por seus familiares, até os cuidados direcionados às famílias, como instituição, proferidos pelo Estado, através do acesso a direitos, serviços, bens e informações.

A Psicologia e Assistência Social ensinam sobre o olhar generoso em relação ao outro, que é diferente, sendo que a escuta e o olhar para o diferente devem ser realizados com respeito e valorização, para ampliação do espaço de troca e aprendizagem.

Dessa maneira, ao entrar na casa das famílias acompanhadas, o profissional deve estar atento aos próprios preconceitos e julgamentos, na tentativa de expandir o olhar e a capacidade humana dos pais nas relações familiares, sem menosprezar a cultura familiar ou tentar ensinar algo que se supõe como certo. Essa é uma tarefa árdua para um profissional que não tem ensino superior ou que não tem experiências com o campo das políticas públicas no contexto brasileiro.

Dessa forma, ressalta-se a relevância de se investir financeira, política e afetivamente nos aspectos sociais, motores, cognitivos, emocionais infantis, a fim de que haja um ambiente de crescimento do bebê suficientemente bom e saudável, para o desenvolvimento de uma sociedade também saudável, promotora dos direitos de seus membros, com equidade e universalidade.

Por fim, a presente pesquisa mostrou que o Programa Criança Feliz ainda tem pontos que precisam ser remanejados e readequados para seu aprimoramento e para sua execução efetiva e exitosa, especialmente referente às questões chamadas nesta pesquisa de “burocráticas”.

Assim, considera-se de grande importância a continuação de estudos sobre o tema da Primeira Infância e a relação com as políticas públicas voltadas para esse público no Brasil, principalmente estudos longitudinais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    18 Mar 2023
  • Aceito
    28 Jul 2023
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