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Os efeitos de uma "educação total": um colégio jesuíta, 1960

The effects of a "total education"

Resumos

Este artigo se baseia em um estudo sobre um colégio fundado pelos jesuítas no 16e arrondissement de Paris, cuja clientela se origina principalmente da burguesia e da aristocracia. Em particular, este artigo aborda os métodos aplicados de ensino, as trajetórias familiares e profissionais, as estratégias matrimoniais e a divisão de trabalho familiar entre as esposas dos formandos com o baccalauréat por este colégio em 1961. Visa também mostrar como certos colégios particulares podem ser vistos como substitutos da autoridade familiar, encarregados de transmitir um modelo de educação que se torna mais homogêneo pelo fato de pais e professores compartilharem a mesma concepção dos papéis da escola e da família, além de manterem seus alunos isolados de crianças de outras classes sociais, não somente durante o horário de aula, mas também (e esta é uma das "especialidades" deste tipo de colégio) durante a maioria das atividades de lazer, pelas quais são responsáveis.

ensino privado; aristocracia; burguesia de negócios; estratégias de reconversão; estratégias matrimoniais


This article is based on a monographic study of a school founded by the jesuits in the 16th arrondissement of Paris, whose clientele is drawn mainly from the business bourgeoisie and the aristocracy. In particular it studies the teaching methods applied and the professional and family trajectories, the matrimonial strategies, and the division of family work between spouses of those graduating from the school with the baccalauréat in 1961. It also seeks to show how certain private schools can be seen as substitutes for family authority, charged with transmitting a model of education that is made more homogeneous by the fact that the parents share with the teachers the same conception of the role of the family and the school; and that these schools keep their pupils away from all contact with children from other social classes, not only during teaching time but also (it is one of the "specialities" of this kind of school) during most of the leisure activities for which they are responsible.


Os efeitos de uma "educação total": Um colégio jesuíta, 1960* * Artigo originalmente publicado em Actes de la Recherche en Sciences Sociales, 86-87, 1991, pp. 25-43. Gentilmente cedido pelo autor. Traduzido por Alain P. François. ** Centre d'Etude d'Emploi, Noyse le Grand, França.

Jean-Pierre Faguer** * Artigo originalmente publicado em Actes de la Recherche en Sciences Sociales, 86-87, 1991, pp. 25-43. Gentilmente cedido pelo autor. Traduzido por Alain P. François. ** Centre d'Etude d'Emploi, Noyse le Grand, França.

RESUMO: Este artigo se baseia em um estudo sobre um colégio fundado pelos jesuítas no 16e arrondissement de Paris, cuja clientela se origina principalmente da burguesia e da aristocracia. Em particular, este artigo aborda os métodos aplicados de ensino, as trajetórias familiares e profissionais, as estratégias matrimoniais e a divisão de trabalho familiar entre as esposas dos formandos com o baccalauréat por este colégio em 1961. Visa também mostrar como certos colégios particulares podem ser vistos como substitutos da autoridade familiar, encarregados de transmitir um modelo de educação que se torna mais homogêneo pelo fato de pais e professores compartilharem a mesma concepção dos papéis da escola e da família, além de manterem seus alunos isolados de crianças de outras classes sociais, não somente durante o horário de aula, mas também (e esta é uma das "especialidades" deste tipo de colégio) durante a maioria das atividades de lazer, pelas quais são responsáveis.

Palavras-chave: ensino privado, aristocracia, burguesia de negócios, estratégias de reconversão, estratégias matrimoniais

Para as gerações nascidas depois da Segunda Guerra Mundial, a expansão escolar pode ter concorrido para a transformação do campo das carreiras profissionais, inclusive no caso de famílias mais hostis ao mundo do colégio, como, por exemplo, as famílias da aristocracia ou da burguesia de negócios para as quais a transmissão do patrimônio não implicava, pelo menos antes dos anos 60, a posse de diploma. Mas, o colégio também pode ter concorrido para a transformação dos desígnios matrimoniais das famílias mais apegadas aos valores tradicionais da família, na medida em que a generalização dos estudos superiores a todos os filhos e filhas de classes altas transformou os modos de encontro entre futuros cônjuges, a definição das qualidades constituindo a "qualificação" conjugal, e acabou controvertendo a divisão do trabalho familiar entre a educação das crianças e a profissão.

A existência de colégios particulares católicos que permaneceram, durante toda o período da expansão escolar, inatingidos pelas transformações da clientela dos liceus públicos, só ajudou a consolidar, por exemplo, a homogeneidade de sua clientela, na medida em que ofereciam contatos interfamiliares mais extensos que os mercados matrimoniais ou de "conhecidos" controlados pela família. Por isso essas instituições podem parecer substitutas do poder familiar encarregadas de transmitir um modelo de educação tornado mais homogêneo ainda pelo fato de pais e docentes compartilharem, principalmente por seu apego aos valores do catolicismo, uma mesma concepção do papel da família e da escola, e, por outro lado, também por manterem seus alunos afastados das crianças com outra origem social, não apenas durante o tempo dedicado aos estudos, mas também — e essa é uma das "especialidades" desse tipo de instituição — durante a maioria das atividades de lazer (o esporte, as atividades benévolas e caridosas, o escotismo, o coral), todas controladas pelo colégio.

No entanto, os efeitos produzidos pela extensão à escala de uma instituição de parte das tarefas educativas usualmente controladas pela família são por natureza ambíguos: se por um lado reforçam a homogeneidade social das relações familiares, por outro tendem a destituir a família de parte de seu poder de controle sobre as condições sociais de sua própria reprodução. A delegação para uma instituição escolar de parte das incumbências dos pais só pode produzir efeitos diferentes em função do poder de que as famílias dispõem em relação à instituição escolar. Desse ponto de vista, as escolas da grande burguesia católica distinguem-se tanto dos estabelecimentos públicos de nível equivalente quanto dos estabelecimentos particulares, que têm outra clientela, como, para citar dois casos extremos, as escolas técnicas de empresas, cujo principal objetivo é a formação de mão-de-obra "da casa" recrutada principalmente nas famílias de operários, técnicos e micro ou pequenos empresários, e as escolas "piloto" que se dedicam a satisfazer a demanda escolar da nova burguesia intelectual. Uma experiência pedagógica terá mais chance de êxito se for dirigida a um público ganho de antemão, isto é, já compartilhando com os docentes a mesma concepção do papel da escola, concepção que depende, pelo menos em parte, do lugar atribuído pelas famílias ao "êxito" escolar nas suas estratégias de reprodução social.

Os mecanismos sociais que mantêm, às vezes desde a infância, os alunos desses estabelecimentos particulares afastados do universo dos alunos dos liceus públicos não deixam de ter efeitos sobre as fronteiras dos diferentes mercados de trabalho dos executivos. A consideração da pessoa como identidade social irredutível à sua identidade escolar contribui para a reprodução das qualidades "privadas" que constituem um dos componentes do capital profissional não apenas dos executivos diplomados como também dos executivos "da casa", qualificação, no caso destes, muito difícil de ser reconvertida por ter sido adquirida "na marra", numa outra empresa ou num outro mercado de trabalho. Desse ponto de vista, um espírito escolar tem geralmente um campo de reconhecimento (nos dois sentidos de visibilidade e legitimação) mais amplo que qualquer espírito "da casa". É justamente porque o aprendizado é precoce e dirigido à pessoa inteira que as escolas da alta burguesia podem transmitir um conjunto de hábitos e de obrigações, alicerces de uma forma de solidariedade irredutível à "utilidade" das relações e, portanto, suscetível de sobreviver à consideração de interesses rigorosamente econômicos.

Não é de se espantar, portanto, que os laços de solidariedade entre alunos de uma escola com métodos de recrutamento tão homogêneos se mantenham até depois da dissolução do grupo, por definição provisório, fadado a dissolver-se a cada etapa da biografia escolar. Isso é ilustrado, por exemplo, pela existência de associações de ex-alunos particularmente ativas nos grandes estabelecimentos particulares. As pesquisas junto a esse tipo de associações representam, aliás, um dos métodos mais eficientes de se entrar em contato com os meios mais reticentes à objetivação de sua própria história por um observador exterior. Essas associações contribuem, particularmente por meio dos boletins ou anuários que publicam, para a preservação de um estilo de vida, aparentemente afastado de qualquer preocupação profissional, mas em afinidade com as escolhas matrimoniais, as atividades benévolas, os lazeres que oferecem as mais seguras garantias biográficas para se garantir uma carreira de executivo no setor privado.

A clientela de uma escola, por mais homogênea que seja, permanece no entanto suficientemente diversificada para que seja levantada a questão do interesse específico do êxito escolar, que varia em função da importância patrimonial familiar, em relação à aquisição de uma formação moral na qual a educação religiosa, o aprendizado da vida em grupo e da voluntariedade, e a educação desportiva ocupam um lugar importante. O que os estabelecimentos particulares têm em comum, e que corre o risco de ser esquecido por causa da diversidade de seus métodos pedagógicos e de suas clientelas, é precisamente uma concepção da educação que não se limita à aquisição de uma formação escolar ou profissional. Para os pais, os estudos permanecem estreitamente ligados à aquisição de qualidades morais que eles reivindicam como tantas qualidades distintivas em relação à formação transmitida aos alunos do ensino público. Por isso, qualquer tentativa de reorientação escolar ou profissional que se afaste do destino, geralmente proposto pela instituição, corre o risco de ser acompanhada por um processo de reconversão da identidade social e, portanto, dos usos de uma forma de qualificação moral em vigor não apenas no mercado de trabalho dos executivos mas, também, nos mercados que estruturam a vida privada, como os mercados de atividades benévolas ou o mercado matrimonial.

Uma solidariedade provisória

A pesquisa realizada em 1981 por questionário enviado pelos Correios, complementada em seguida por entrevistas biográficas, compara, cerca de 20 anos após completados seus estudos secundários, a história profissional e familiar de alunos de liceus parisienses formados no ensino público e no ensino privado.

Na amostra, tentou-se levar em conta as principais clivagens do mercado escolar tal como se encontrava no começo dos anos 60. A pesquisa incide sobre três classes de "retórica" (isto é, de 2o colegial [première]) de Saint-Louis-de-Gonzague, escola privada do 16e arrondissement,

Mesmo que essa pesquisa tenha sido dirigida a uma amostra masculina, era a relação entre homens e mulheres, particularmente os modos de colaboração ou de concorrência no plano profissional ou familiar, que constituía seu objeto principal: queríamos em particular compreender como o acesso das mulheres aos estudos superiores, este um dos principais fatores da transformação do próprio sentido do casamento para essa geração de estudantes, pôde exercer uma influência no entanto muito desigual sobre a carreira profissional dos estudantes que ingressaram na vida ativa em torno de 1968. A escola aparece de fato inseparavelmente como um local de aprendizado profissional e de aprendizado social, prefiguração de um meio profissional e de um tipo de colaboração matrimonial específicos na medida em que cada orientação escolar nessa época agrupava alunos tendo características sociais, uma representação do futuro e gostos relativamente homogêneos implicando modos de relação específicos entre sexos, tanto do ponto de vista dos laços "sentimentais" quanto do dos modos de colaboração profissional. Os mecanismos de seleção escolar podem assim apresentar-se não apenas como índices de qualificação profissional mas também do que se pode chamar de qualificação social e matrimonial. De fato, existia, nessa época em que as mulheres das classes mais altas começavam a trabalhar, tantas formas de gestão da vida matrimonial quanto havia mercados de trabalho abertos a titulares de diplomas do ensino superior. Um exemplo, talvez o mais significativo: tornar-se engenheiro ou professor levava os homens dessa geração a ingressar em mercados de trabalho exclusivamente masculinos para os primeiros e "mistos" para os segundos, o que não deixava de ter efeitos sobre a vida conjugal tanto do ponto de vista das circunstâncias do encontro do cônjuge quanto da repartição das tarefas familiares, do lugar da fecundidade em relação aos outros "investimentos" familiares e, em última análise, do ponto de vista da duração previsível dos laços conjugais.

As próprias condições de realização de uma pesquisa por via postal, que implicam que os entrevistados sejam sensíveis ao interesse que representa para eles próprios a pesquisa empreendida, em particular, por eles terem permanecido ligados à instituição em que se formaram, permitem-nos observar que quanto mais homogêneo é o público de uma instituição, mais os laços unindo uma mesma geração são fortes. Por exemplo, a percentagem de respostas à pesquisa (que leva em consideração tanto a percentagem de endereços encontrados mais de 20 anos após o término dos estudos secundários quanto a percentagem de questionários respondidos) cai de 38% dos ex-alunos de Saint-Louis-de-Gonzague para 22% dos ex-alunos de orientação científica (2o colegial [première] A' [matemática, latim-grego] e C [matemática] assim como math sup) e para 21% dos ex-alunos de hypokhâgne de Louis-le-Grand e Henri IV e finalmente para 20% do total de alunos de liceus do 14e arrondissement. É bem verdade que classes de fim de colegial, bem como as classes preparatórias para as Grandes Écoles,2 2 . A respeito da noção de Grande École e de sua função no sistema educacional francês, cf. Pierre Bourdieu, La noblesse d'Etat, Paris, Minuit, 1989. apesar da forte homogeneidade escolar de seu público, não constituem um meio tão solidário quanto o de um colégio particular, não apenas por seus alunos terem uma origem social menos homogênea, mas também porque os efeitos mais decisivos da seleção escolar sobre o destino profissional de alunos que esperam o essencial de sua posição social do seu êxito escolar incidem precisamente sobre o fim dos anos preparatórios. Mesmo se ex-alunos de hypokhâgne entrevistados ainda lembravam do nome de grande parte de seus camaradas ou professores, e guardavam às vezes uma lembrança precisa desse período de sua escolaridade,3 3 . Alguns deles tinham conservado fotos de classe; um entrevistado, filho de professor de khâgne, possuía até filmes realizados durante as festas e os rituais que constituem ao longo do ano escolar um fator de integração importante nesse universo de aprendizado dos valores do mundo intelectual. Existe a respeito de khâgne uma literatura autobiográfica da qual o livro de André Sernin ( L'apprenti philosophe, roman d'un khâgneux, Paris, France-Empire, 1981) pode parecer o caso-limite. raramente sabiam o que acontecera com seus camaradas de classe que não seguiram a mesma trajetória universitária e profissional.

Muito pelo contrário, os laços que unem os antigos alunos de Saint-Louis-de-Gonzague lembram-nos que esse colégio reúne um público socialmente homogêneo que encontra aí uma possibilidade de ampliar, em escala da instituição, o capital de relações familiares. O colégio possui uma associação da qual ainda eram membros, 20 anos após, mais de 80% dos alunos da geração escolhida. Essa associação publica um anuário com os alunos listados por turmas, ponto que tenderia a assemelhar esse colégio a uma Grande École se tal anuário não se diferenciasse dos das Grande École por dar muito mais ênfase à situação familiar do que à profissão, acrescentando à função de um anuário profissional a de um equivalente do Bottin mondain:II ao lado dos diplomas, da profissão e do endereço profissional do membro da associação, pode-se ler o sobrenome do cônjuge, os nomes dos filhos e o endereço atual da família. Três vezes por ano, no Natal, na Páscoa e no fim do ano escolar (junho), a associação publica uma revista na qual religiosos, docentes, pais, alunos e ex-alunos, assim como "personalidades" de diferentes meios profissionais, podem trocar lembranças e opiniões a respeito da evolução do colégio, de sua pedagogia e de suas perspectivas de carreiras. A seção carnet divulga as mudanças religosas, os ingressos nas Grande École, assim como o nascimento de irmãos e irmãs de alunos, os casamentos por meio dos quais se unem (como uma simples comparação dos nomes de cônjuges comprova) famílias de alunos de turmas diferentes, ou da mesma turma através da união com filhas ou irmãs de ex-alunos. Ficamos sabendo também que a associação dispõe de um "serviço de ajuda mútua e de ligação" cuja meta é "criar um laço de união" entre os ex-alunos e incitá-los a "ajudarem-se mutuamente nas diferentes circunstâncias da vida em função de sua situação e de seus meios" e a "acudir os ex-camaradas em dificuldades", especialmente "facilitando a educação de seus filhos".

A maneira como a pesquisa, realizada pelo Centre d'Etudes pour l'Emploi (Centro de Estudos para o Emprego), foi recebida pode ser ressaltada como um indicador útil das diferentes formas de solidariedade capazes de mobilizar os ex-alunos de uma mesma instituição escolar. Assim, os entrevistados tiveram uma reação diferente em relação ao questionário e à entrevista segundo sua origem escolar. Se os ex-alunos de Saint-Louis-de-Gonzague foram os mais numerosos a responder um questionário, apadrinhado, é verdade, pelo menos formalmente, pela sua associação, foram no entanto também os mais numerosos em manifestar uma certa resistência contra o pedido de entrevista complementar formulado no questionário. Sem chegarem a opor, geralmente, uma recusa direta e categórica (como aquele filho de professor do primário, ex-aluno de um liceu público, que se tornou engenheiro e é agora diplomata e justificou sua recusa dizendo: "já sabem o suficiente"), mostravam-se mais céticos quanto ao interesse de uma pesquisa que, aparentemente, não lhes acrescentava nada que já não soubessem: "Perguntas demais" (engenheiro); "Sem saber se sabem o que querem com esse questionário, pergunto-me o que nele vão encontrar, pois parece-me esquemático demais" (médico hospitalar); "Seu questionário deixou-me bastante interrogativo tanto pelo modo como foi apresentado quanto pelo modo como poderão tirar proveito dele" (engenheiro de gestão, ex-aluno de l'École Polytechnique e de l'École Nationale de la Statistique). Se foram os mais complacentes em relação ao questionário, talvez seja porque tratava-se, pelo menos aparentemente, de manifestar o aspecto mais objetivo, isto é, definido do ponto de vista dos critérios mais institucionais, e portanto menos discutíveis, da carreira profissional dos executivos em termos de salário, qualificação, diplomas ou promoção. Quando concordavam com a entrevista, marcavam sempre em seu local de trabalho e durante o expediente, ao passo que ex-alunos dos liceus propunham quase sempre que a entrevista fosse na sua casa e geralmente na presença de cônjuge. O fato de apartar sua vida familiar da "curiosidade" do entrevistador e a preocupação em manter o tema da entrevista no campo estritamente profissional manifestam, no caso deles, mais do que no caso dos ex-alunos dos liceus, um uso diretamente informativo da pesquisa. Em compensação, para esses últimos, a apresentação pelo entrevistador de uma foto de classe provocava a mobilização de lembranças e não raro pediam para ser informados dos "resultados" de uma pesquisa que pretendia patentear a diversidade de posições sociais ocupadas aos 40 anos pelos formados de sua geração. Aparentemente percebida como uma espécie de complemento útil do Bottin mondain ou do anuário de ex-alunos, essa pesquisa podia, pelo contrário, parecer para os ex-alunos de Saint-Louis-de-Gonzague uma ferramenta dentre outras para "tornar a entrar em contato", repertoriar relações úteis, avaliar objetivamente a posição social de camaradas que, de qualquer modo, deviam sua posição social menos à ação exercida por esse colégio do que à importância de seu patrimônio.

Capital social em escala de instituição escolar

Fundado pelos jesuítas no fim do século XIX no 16e arrondissement em Paris, o colégio Saint-Louis-de-Gonzague surgiu como uma solução intermediária particularmente adaptada à clientela parisiense dos jesuítas, entre o internato, pivô sobre o qual a pedagogia jesuíta era fundada, e os liceus, na medida em que o acompanhamento da criança era garantido, pelo menos até uma época não tão remota, durante todo o tempo passado fora de casa. Pode-se ler numa edição da revista publicada pela associação dos ex-alunos uma evocação do contexto escolar que pode ter incitado os jesuítas a criar um colégio suplementar quando já tinham três estabelecimentos em Paris:

Diante do avanço cada vez mais sensível de Paris em direção ao Oeste, diante da emigração de tantas famílias parisienses em direção a Auteuil, Passy e Neuilly, os três estabelecimentos de Vaugirard, da rue des Postes e da rue de Madrid, tinham optado por uma nova criação. Tendo reunido algum dinheiro – 30.000 francos cada – Saint-Louis-de-Gonzague, "le Petit Trocadéro", abria suas portas em 28 de setembro de 1894.4 4 . Entre Nous (revista da escola), 218, junho 1963.

A partir de 1908, o colégio iria substituir os outros estabelecimentos da rue de Vaugirard, que contava com um internato, e da rue de Madrid, considerada o "Stanislas" da rive droite,III com algo mais aristocrático, mais velha sociedade francesa.5 5 . Les établissements des jésuites en France depuis quatre siècle, repertório topobibliográfico publicado quando do quarto centenário da fundação da Companhia de Jesus, 1540-1940, sob direção de Pierre Delattre, s.j. Enghien (Bélgica), Institut Supérieur de Théologie, Wetteren (Bélgica ), Imprimerie de Meester frères, 1955. Quanto à escola da rue des Postes, tinha sido transferida em 1901 para Versailles, onde, desde então, oferecia, com seu internato, um equivalente a Louis-le-Grand para a preparação à Grande École para filhos de famílias pertencendo em sua maioria à burguesia ou à aristocracia interioranas, apegadas ao ensino privado. Hoje em dia, Saint-Louis-de-Gonzague e Sainte-Geneviève de Versailles são os dois únicos estabelecimentos dirigidos por jesuítas na região parisiense, cada qual com sua vocação de ensino específica e uma clientela relativamente diferente.6 6 . Segundo a revista Entre Nous, os jesuítas possuíam na França, em 1962, 20 colégios reunindo 12.248 alunos e quatro escolas superiores com 1.251 alunos.

Todo um conjunto de fatores ligados à localização e às características sociais da clientela de Saint-Louis-de-Gonzague pode ter facilitado uma ampliação do capital social acumulado pela família num mercado de trabalho e num mercado matrimonial bem mais extensos que o campo das relações que uma família, por maior que seja, tem condições de mobilizar. É claro que a homogeneidade social de sua clientela, muito mais forte que a dos liceus parisienses, mesmo os mais burgueses, pode ser explicada em primeiro lugar pela "característica sociológica do bairro" para retomar a frase de um docente: com raras exceções, os alunos moram nos 16e e 7e arrondissements ou numa cidade limítrofe como Neuilly, Boulogne, que constituem a parte da aglomeração parisiense com maior percentagem de executivos superiores, profissionais liberais ou empresários.7 7 . M. Pinçon, M. Pinçon-Charlot. Dans les beaux quartiers, Paris, Seuil, 1989. Segundo uma pesquisa sobre "a classe dirigente" que se apóia em dados do Who's who recolhidos em três momentos diferentes (1954, 1964, 1974), a parte da amostra morando no 16e arrondissement de Paris em 1964 era de 21%, a dos Hauts-de-Seine "essencialmente concentrada em Neuilly e Saint-Cloud", 6%. In: Birnbaum. P. La classe dirigeante française, dissociation, interprétation, intégration, Paris, PUF, 1978. Mas isso também vale para liceus implantados nos bairros nobres como Janson-de-Sailly, Claude-Bernard ou Pasteur. É preciso considerar, antes de mais nada, a ação de homogeneização exercida por um sistema pedagógico que mescla estreitamente educação escolar e educação religiosa, mobilizando em torno de uma concepção comum da moral familiar um conjunto de famílias mais amplo que o das relações de bairro, das relações profissionais ou das relações de lazer, e mais unido na medida em que essas famílias são socialmente mais "equivalentes" e, portanto, a priori, mais dispostas a se ligar e se ajudar mutuamente que os pais de alunos de um liceu do mesmo tamanho: no começo dos anos 60, Saint-Louis-de-Gonzague acolhia em torno de 1.400 alunos, o que correspondia a cerca de mil famílias, na sua maioria parisienses há muitas gerações. A maioria dos alunos pertencia a famílias numerosas, freqüentemente com mais de seis filhos, dentre os quais computam-se numerosos padres, religiosos ou religiosas. Numa época em que o ensino secundário público ainda não era misto, havia, nos mesmos bairros, uma grande variedade de instituições privadas para garotas: Sainte-Marie de Passy e Sainte-Marie de Neuilly, o Cours Maintenon, o colégio da rue de Lubeck, da rue de la Tour etc., nos quais foram escolarizadas quase todas as irmãs dos entrevistados.8 8 . M. De Saint-Martin, "Une bonne éducation", Ethnologie française, nº 1, 1990. Diferença notável, em relação às gerações de mulheres sete ou dez anos mais novas, aí receberam uma educação que as preparava menos para "ingressar na vida ativa" do que para adquirir as qualidades necessárias, segundo a expressão de um entrevistado, para "garotas prontas para se casar", ao seguirem, por exemplo, a orientação das "humanidades femininas" mais do que as que levavam ao Baccalauréat.9 9 . Segundo pesquisa sobre o estabelecimento escolar freqüentado pelos irmãos das alunas de Sainte-Marie pertencendo a uma geração relativamente mais nova (nascida entre 1955 e 1956), aproximadamente um terço dos irmãos tinha cursado o secundário na escola aqui pesquisada (chamada às vezes de Saint-Louis-de-Gonzague, outras de Franklin, nome da rua em que é localizada), B. Le Wita. Ni vue, ni connue, approche ethnographique de la culture bourgeoise, Paris, Maison des Sciences de L'homme, 1988.

O mercado do ensino privado entremeia critérios de proximidade social com pedidos familiares relativamente específicos ligados à dificuldade de cumprir o papel familiar de transmissão (famílias numerosas, pais separados, só para citarmos dois casos extremos). Desse ponto de vista, o ensino dos jesuítas distingue-se tanto das outras formas de ensino confessional quanto de um ensino privado não-religioso que se dedica por exemplo a valorizar outros aspectos da formação, dando um lugar importante ao esporte ou aos contatos com o mundo exterior. É particularmente o caso desses estabelecimentos, equivalentes "modernos" da preceptoria nos meios escolares, que oferecem, desde que a escola se tornou obrigatória, a possibilidade de praticar outras atividades paralelas aos estudos, propondo aos "alunos" um quadro de socialização pela escola, mas sob uma forma muito mais liberal, mais flexível do ponto de vista das obrigações e dos horários. Em primeiro lugar, ao optar por um internato, as famílias dos bairros burgueses da rive droite tinham escolha, já que a oferta ultrapassava até as fronteiras do espaço parisiense. O colégio dirigido pelos oratorianos em Juilly, na Seine-et-Marne, ou o Collège des Roches, na Normandia, são, provavelmente, dentre dois gêneros muito diferentes, os exemplos mais conhecidos. Um inventário mais sugestivo que exaustivo das diferentes possibilidades de ensino privado para moços permite pelo menos notar que os critérios da "oferta" deviam de fato levar em conta a concorrência entre as diferentes frações das classes altas ou médias que não traziam as mesmas "garantias" de várias gerações de burguesia e cujas expectativas pedagógicas e morais eram relativamente diversificadas. Por outro lado, poucos estabelecimentos furtavam-se ao princípio da segregação sexual. Tratava-se de escolas contando geralmente com poucos alunos, como o Cours Hattmer por exemplo, que era aliás apegado a um ensino mesclando estreitamente os pais – no caso, essencialmente as mães – à vida da classe. Podemos mencionar também estabelecimentos como Gerson que permitia conciliar o acompanhamento de um estabelecimento particular com o ensino do liceu Janson (existia uma forma equivalente de colaboração entre privado [Bossuet] e público [Montaigne], no Quartier Latin). E se existiam estabelecimentos de tamanho e reputação equivalentes aos de Saint-Louis-de-Gonzague no perímetro das poucas estações de metrô que interligam Auteuil, Passy e Neuilly, embora com uma ótica pedagógica diferente da dos jesuítas, tal como Sainte-Croix de Neuilly, Sainte-Marie de Monceau, não podemos esquecer as numerosas ofertas de escolaridade que correspondiam a tantos pedidos de "recuperação" cujo motivo não era apenas escolar. Por exemplo, o Collège du Montcel, se nos fiarmos a Patrick Modiano, nascido em 1945 e ex-aluno desse colégio, propunha nos subúrbios oeste e num quadro de colégio "suíço" uma espécie de substituto da vida em família para adolescentes entregues a si mesmos por famílias destruídas ou cujos pais viviam no exterior ou eram separados.10 10 . P. Modiano. De si braves gens, Paris, Gallimard, 1982. Em relação a todos esses exemplos de ensino privado, Saint-Louis-de-Gonzague ocupava uma posição intermediária: conciliava os efeitos de um trabalho educativo muito estreitamente controlado pela família com os efeitos do ensino escolar de um sistema de acompanhamento permitindo, até onde era possível em meio urbano, manter as crianças afastadas dos "perigos" do mundo.

A clientela de Saint-Louis-de-Gonzague distingue-se da das orientações literárias ou científicas dos liceus do Quartier Latin, não apenas do ponto de vista religioso mas também por um conjunto de variáveis que salientam ao mesmo tempo o fato de pertencer a frações diferentes das classes altas e usos diferentes da vida familiar, variáveis das quais a diferença de atitude em relação à fecundidade ou ao trabalho das mulheres é talvez o indicador mais significativo. Em 1959-1960, aproximadamente nove alunos em cada dez nas classes de retórica (equivalente ao 2o colegial [première]) de Saint-Louis-de-Gonzague eram filhos de executivos superiores, de profissionais liberais ou empresários ao passo que menos de 5% deles tinham um pai professor. Nos dois liceus do Quartier Latin escolhidos para essa pesquisa, o conjunto dos alunos oriundos de classes altas, afora os filhos de professores, representava 66% dos alunos de 2o colegial (première) A' (matemática, latim-grego) e C (matemática) e, respectivamente, 53% e 47% dos alunos de hypokhâgne e de maths sup. Inversamente, a percentagem de filhos de professores e professores universitários alcançava 20% em 2o colegial (première) e 16% para cada uma das duas orientações de preparação para a Grande École. Se em Saint-Louis-de-Gonzague, cerca de nove dentre dez mães de alunos nunca trabalharam fora, o mesmo se dava com pouco mais de duas dentre três mães de alunos de hypotaupe e um pouco menos de uma dentre duas mães de aluno de hypokhâgne (elas eram, na maioria das vezes, docentes: um quarto dos alunos de hypokhâgne tinha de fato uma mãe professora ou professora primária).

De fato, a proporção de entrevistados que continuam católicos praticantes ou que pertenciam a famílias numerosas assim como a famílias em que a mãe nunca trabalhara fora diminui na medida em que passamos da clientela de Saint-Louis-de-Gonzague à das classes científicas e em seguida literárias dos liceus, isto é, na medida em que passamos de um público escolar cujas famílias pertenciam a frações das classes altas próximas do poder econômico para frações ligadas à função pública e ao ensino. Nessas famílias, em que dois entre três avós (seja por parte de pai ou de mãe) já pertenciam às classes altas, podemos notar um conjunto de indicadores que dão muito bem conta dos laços diretos ou indiretos que elas mantiveram com o mundo industrial: cerca de nove dentre dez entrevistados tinham seja um pai, seja um avô, por parte de pai ou de mãe, empresário, executivo na indústria, "financista" ou "homem de negócio". Um pai entre três era engenheiro ou formado em engenharia. Cerca de metade passou por uma Grande École científica ou comercial, Sciences Po, Saint-Cyr.IV

A evocação de alguns nomes de ex-alunos basta para mostrar que o destino desse colégio (ou da rue de Vaugirard ao qual sucedeu e com o qual conservou vínculos por meio de uma associação comum de ex-alunos) permaneceu durante muito tempo ligado ao de uma parte do que certos entrevistados chamam de "classe dirigente".

"L'Annuaire des anciens élèves de Franklin et Vaugirard" ("O anuário dos ex-alunos de Franklin e Vaugirard" ) mistura nomes de pessoas ou até de dinastias familiares que cumpriram, pelo menos desde o advento da Troisième République, um papel importante na vida política ou econômica e que pertenciam à alta burguesia católica e à aristocracia (Broglie, Montalembert, Montesquiou, Polignac, La Rochefoucauld, Vogüé); em compensação, nele constam pouquíssimos nomes de artistas, escritores ou professores assim como de homens políticos de esquerda, num período, é verdade, que antecede a chegada do partido socialista ao poder. Ao contrário das escolas privadas da rive gauche como a École Alsacienne, Stanislas, ou até estabelecimentos da rive droite como Sainte-Croix de Neuilly, que conta, entre seus ex-alunos com o nome de Montherlant, não encontramos nenhum nome de escritor ou universitário conhecido (Philippe Ariès, que aliás pouco tempo freqüentou esses estabelecimentos e cuja carreira universitária foi marginal, sendo uma exceção). No campo da intelectualidade, o colégio formou principalmente jornalistas – mais versados em economia – ou patrões da imprensa mais do que professores; é o caso, em particular, de Jean-Louis Servan-Schreiber (que passou em seguida por hypokhâgne em Louis-le-Grand antes de cursar Sciences Po), e no campo da política, principalmente membros da antiga maioria política (François Missoffe, Michel Poniatowski – que aliás se declara apenas ex-aluno da École des Roches no Who's who), e oficiais, eles mesmos, não raro, filhos de oficiais (général massu). Quanto à geração que aqui nos interessa, os homens políticos de esquerda mais do que estabelecimentos particulares freqüentaram liceus públicos, os do 16e arrondissement quando seus pais moravam nos bairros nobres, e depois os liceus do Quartier Latin quando prepararam a Grande École (Janson para Jacques Attali, Janson e khâgne em Louis-le-Grand para Laurent Fabius). As escolas privadas de tradição liberal e protestante como a École Alsacienne (Michel Rocard) são a exceção. Se Phillipe Noiret é ex-aluno do Collège de Juilly cujo regime liberal convinha perfeitamente a famílias de artistas ou do espetáculo, os mais conhecidos representantes do jornalismo televisivo e do mundo do espetáculo freqüentaram essencialmente estabelecimentos como o Cours Hattmer (Anne Sinclair)11 11 . Uma edição de Avis de recherche no canal T.F.1 (programa televisivo em que participantes buscam reencontrar com a ajuda da televisão pessoas que há muito tempo não vêem), animado por Patrick Sabatier, reunia, há alguns anos, ex-alunos do Cours Hattmer tão diferentes quanto uma cantora (Véronique Sanson), uma representante da aristocracia e uma jornalista de televisão famosa (Anne Sinclair). ou a École Alsacienne (Michel Piccoli), que ofereciam a dupla vantagem, para as carreiras exigindo precocidade, de serem escolas mistas com regime flexível.

Não é, portanto, de se espantar se à época do gaullismo, o general De Gaulle, ex-aluno de 1901 a 1906 da École de Vaugirard (onde seu próprio pai estudara, foi prefeito de estudos e docente), tenha surgido como um representante emblemático da classe dirigente para uma associação de ex-alunos à qual ele, aliás, fizera questão de filiar-se (carta mandada à associação em julho de 1960, publicada na revista do colégio).

Afastados na maioria das vezes desde o primário, tanto dos garotos pertencendo às outras classes sociais, o que não seria o caso se tivessem sido escolarizados, por exemplo, num liceu público de outro arrondissement parisiense, quanto das garotas de seu "meio", escolarizadas em escolas religiosas, os alunos não podiam senão sofrer mais fortemente a influência da moral familiar. O êxito escolar era inseparável da obediência aos pais. Como disse um ex-aluno:

Dançávamos conforme a música porque não tínhamos escolha (...); havia quem não conseguia acompanhar e era eliminado, houve, provavelmente, quem se recusasse a dançar conforme a música e foi eliminado; por problemas de disciplina. Acho que, na época, para não dançar conforme a música, era preciso ter um caráter terrível (...), e, depois, tinha também a família. É sempre a mesma coisa. A partir do momento em que os pais se privam de algumas coisas para nos mandar a boas escolas, sempre pinta um pouco de remorso, e uma certa cobrança, se não capricharmos nos estudos.

Vemos que no ensino privado os mecanismos de seleção escolar não têm os mesmos efeitos sobre os laços familiares do que nos estabelecimentos públicos de nível comparável, como é o caso nessa pesquisa, por exemplo, para os diplomados de origem popular ou provinciana que tiveram que transpor uma barreira social em cada etapa de sua trajetória escolar. A passagem do primário à 5a série (sixième) (que até a volta às aulas de 1959 era regida por um exame em muitos aspectos equivalente a um verdadeiro concurso12 12 . Como precisa o artigo 9 da portaria de 8 de setembro de 1948, o exame para ingressar na 5 a série ( sixième) (que era ao mesmo tempo um exame para obtenção de bolsas) constituía, pelo menos nos liceus mais procurados, um verdadeiro concurso: "Em cada estabelecimento uma comissão, presidida pelo diretor do estabelecimento (...) com vista nas notas e após exame dos dossiês escolares, estabelece no limite dos dois terços das vagas, uma lista de candidatos pronunciando sua admissão no estabelecimento". In: Nouveaux horaires et programmes de l'enseignement du second degré, 19 a editor, librairie Vuibert, 1956, III, admission dans les classes. É também preciso levar em conta o fato de que a maioria dos grandes liceus parisienses dessa época ainda conservava suas classes elementárias. Uma carreira de aluno de liceu podia ser preparada desde a 1 a série ( cours préparatoire). ), da 8a série (troisième) ao 1o colegial (seconde) e do 3o colegial (terminale) à classe preparátoria correspondia, de fato, para os bacheliers de primeira geração menos a uma separação provisória, como acontecia com a separação dos sexos nos estabelecimentos escolares que ainda não eram mistos, do que a um processo contínuo de "desvio" do destino social em relação aos irmãos e irmãs e mais amplamente em relação ao dos camaradas do primário ou do bairro.

Isso pode ser observado comparando as trajetórias escolares dos alunos de Saint-Louis-de-Gonzague com as dos alunos dos liceus parisienses tendo participado dessa pesquisa. Para os alunos de liceus originários do 14e arrondissement de Paris, que não possuía, à época, liceus de ensino geral, o ingresso na 5a série (sixième) acentuava os efeitos de desagregação dos laços de vizinhança pelo fato de eles terem de continuar seus estudos em outros arrondissements ou nos subúrbios. A proporção de alunos pertencendo a classes populares ou às frações das classes médias em que os pais não tinham estudado além da 8a série (troisième) varia em função da localização dos estabelecimentos (era menor nos estabelecimentos do Quartier Latin, por exemplo, do que nos dos arrondissements limítrofes), da sua reputação e da orientação educacional para o baccalauréat. Parte dos alunos morando no 14e arrondissement, principalmente filhos de executivos superiores e de professores, freqüentava, desde a 5a série (sixième), estabelecimentos particulares muitas vezes de ótima reputação, como o Stanislas,13 13 . A respeito do colégio Stanislas nos anos 50, cf. A. Besançon, Une génération, Paris, Julliard, 1987. a École Alsacienne ou ainda os liceus do Quartier Latin. Após estudarem latim e, às vezes, grego, encontravam-se, na hora de prestar o baccalauréat, em classes cujos alunos, na sua grande maioria, pertenciam à mesma categoria social. Os filhos de executivos médios, de técnicos, de professores do primário, de artesãos e de comerciantes, assim como as poucas crianças oriundas de camadas populares que ingressaram no liceu seja em 5a série (sixième), seja após o BEPC,

Por fim, para essa geração contemporânea da expansão escolar, o desaparecimento das "empresas familiares" foi acompanhado por uma reestruturação do mundo econômico implicando uma transformação da definição do empresário e das metas escolares e sociais para ter acesso ao poder econômico.14 14 . P. Bourdieu, M. De Saint-Martin, "Le atronat" , Actes de la recherche en sciences sociales, 20-21, março-abril de 1978, p. 382. A passagem de um estado de concorrência entre empresas "privadas" para um sistema de produção mais estreitamente ligado ao Estado torna cada vez mais necessária a aquisição de uma competência profissional que recebe sua legitimidade do sistema escolar e implica que se leve em conta novas formas de capital social e novos usos do parentesco. Em Saint-Louis-de-Gonzague, os alunos podiam compartilhar desde sua mais tenra infância, uma vez que a escolaridade ali se desenrolava do início do 1o grau até o 3o colegial (terminale) – isto é, durante um período muito mais comprido e decisivo para a constituição de um espírito de grupo do que acontece com os alunos de uma Grande École – de uma mesma experiência da vida social: oriundos da burguesia industrial, do mundo dos negócios ou da aristocracia, eram unidos, ao que parece, por uma mesma concepção do futuro social e do papel incumbido à família no processo de formação que, ao mesmo tempo em que incitava à precocidade escolar, mantinha-os protegidos de todas as outras formas de precocidade.15 15 . Entre 70% e 90% dos alunos de 3º colegial ( terminale), de acordo com a revista Entre Nous, já estavam juntos desde a 5 a série ( sixième) (período de 63 a 65).

Uma pedagogia do homem total

Para exercer-se em tempo integral e mesclar intimamente a ação pedagógica dos pais à dos docentes, o modelo de formação adotado em Saint-Louis-de-Gonzague tende a separar os alunos do universo não apenas escolar, mas também extra-escolar dos alunos de liceus. Assim, exerce uma influência duradoura sobre a biografia deles, mesmo se sua trajetória posterior, durante seus estudos superiores ou sua vida profissional, puder aproximá-los de ex-alunos do ensino público e fazer com que compartilhem uma mesma "experiência de geração".

Os laços entre família e escola são patenteados primeiramente pelo lugar concedido a uma pedagogia que, ao dedicar-se "a levar em conta a personalidade completa das crianças", perpetua no meio escolar o trabalho de educação familiar. A quase inexistência de divórcios, um número bem maior de filhos do que as outras famílias de executivos parisienses (mesmo se esse número já foi reduzido pela metade em relação à geração de seus pais), e por fim uma divisão dos papéis entre cônjuges baseada na prioridade outorgada à carreira profissional do marido mesmo quando a mulher trabalha e fez estudos superiores, esses talvez sejam os traços mais marcantes da persistência, entre os entrevistados, que aliás continuam sendo, na sua grande maioria, católicos praticantes, de uma concepção "familiarista" da vida familiar.16 16 . R. Lenoir, "L'effondrement des bases sociales du familialisme", Actes de la recherche en sciences sociales, 57-58, junho de 1985, pp. 69-88.

Mas esses laços são também patenteados por um sistema de orientação que se opunha à hierarquia das orientações vigente nos anos de pós-guerra, com o predomínio do baccalauréat de filosofia. Incitavam os alunos, embora formados no sistema das humanidades clássicas (todos estudaram grego pelo menos até a 8a série [troisième] e latim até o 3o colegial [terminale]), a preparar os concursos de ingresso na Grande École de engenharia ou de comércio, Sciences Po, a cursar medicina, "antecipando" a transformação da hierarquia das orientações que iria acontecer depois de maio 1968 com a supremacia do baccalauréat C (matemática). Finalmente, podemos notar que entre os literários que não mudaram de orientação após o baccalauréat de filosofia (o colégio só preparava para o baccalauréat de filosofia, e para mathélèm [matemática elementar], o baccalauréat de ciências exatas e, a fortiori, o baccalauréat técnico não eram considerados como compatíveis com esse tipo de formação), a instauração de modos de reconversão permitiu rentabilizar formações que começavam a perder seu valor seja no mercado de trabalho do setor privado, seja no mercado de trabalho, que começava a expandir-se, dos empregos intermediários entre o Estado e o mundo das empresas. A força de integração familiar permitiu, nesse caso, ao que parece, manter, além das clivagens da orientação escolar, os membros de uma mesma família estreitamente solidários com os interesses familiares mesmo quando sua orientação, é o caso da maioria dos literários, levou-os a escolher uma profissão aparentemente afastada de seu meio de origem.

Como vemos, os efeitos produzidos pela separação desse universo são, numa instituição desse tipo, reforçados por uma pedagogia visando enquadrar não apenas o tempo escolar, mas também a totalidade do "tempo livre", o que assemelha tal trabalho de formação à ação que a École, os movimentos da juventude e os movimentos socioeducativos exercem ao mesmo tempo sobre os filhos de outras frações das classes altas ou médias. A instituição encarrega-se do aluno durante todo o tempo que passa longe da família de tal modo que permaneça, pelo menos de maneira indireta, sob a influência familiar, sendo os docentes encarregados de um trabalho de transmissão do saber escolar, essencialmente fundado sobre a aquisição de "hábitos" a partir de exercícios repetitivos, assim como de transmissão dos valores educativos aos quais os pais estão apegados. Afinal, se as famílias escolheram esse colégio, é principalmente porque ele perpetua a influência educativa da família durante todo o tempo em que a criança não está sob vigilância direta dos pais: "As famílias confiavam completamente seus filhos à instituição"; "Era um regime muito severo, que favorecia indiscutivelmente os estudos, mas muito pouco a criatividade (...), um regime muito militar que mal se interessava pela psicologia"; "Para meus pais, era principalmente o nível, eles viviam me dizendo: 'Lá, pelo menos, serás obrigado a estudar' enquanto no liceu, não controlam bastante, não acompanham o suficiente".

O acompanhamento diz respeito, em primeiro lugar, aos estudos com o período após as aulas dedicado aos deveres que, em outras escolas, são feitos em casa, e a um sistema de emulação que evocaria as condições de estudo e de controle vigentes nas classes preparatórias para a Grande École (chamadas orais e exercícios quase diários, provas uma vez por mês, simulados de exames em fim de trimestre etc.), se não levasse explicitamente em conta o "esforço" tanto quanto o valor "escolar" de um trabalho.

Pode-se ler no regulamento do colégio vigente nos anos 50 que:

No Grande, Médio e Pequeno Colégio, as lições são feitas na École e terminadas até o fim do estudo da noite. Para as classes do baccalauréat [2o e 3o colegiais], mais liberdade é concedida para certas lições que exigem um esforço especial de preparação e de redação. Na 5a série (sixième), o estudo da noite é imediatamente seguido por uma aula dedicada à correção das lições que acabam de ser feitas. As lições são sempre devolvidas ao aluno após corrigidas e os pais podem exigir que lhes sejam apresentadas (...). As provas são anunciadas com antecedência num regulamento impresso (...). Um sistema de chamadas orais semanais é organizado para os alunos preparando a primeira ou a segunda parte do baccalauréat [2o e 3o colegiais] (...). Para as classes de 5a série (sixième) a 7a série (quatrième), estudos especiais ou estudos dirigidos são previstos para os alunos precisando ser mais especialmente guiados e apoiados em seus estudos. Esses estudos não são nem classes suplementares nem repetições, mas uma iniciação ao estudo metódico. São dirigidos pelo professor principal e não agrupam mais de 4 a 8 alunos no máximo.

Essa concepção do acompanhamento do estudo escolar que se apega pelo menos tanto ao controle da pessoa quanto ao estudo em si, e que outorga um lugar essencial aos exercícios repetitivos realizados em sala de aula ou durante o estudo, opõe-se à de outras escolas privadas como, por exemplo, a École Alsacienne, também fundada nos primórdios da Troisíème République, mas por universitários e industriais protestantes cujos princípios educativos têm aliás influenciado os reformadores do sistema de ensino nos anos 1880. Num livro dedicado aos primeiros anos desse colégio o atual diretor sublinha que "a tendência, na École Alsacienne, era de aspirar a uma disciplina sem obrigações nem sanções". Uma "Abadia de Telema"VI onde todos pudessem agir com toda liberdade na medida em que não prejudicassem a liberdade de qualquer um de seus parceiros. Essa filosofia não é muito afastada da que era professada nas Friends Schools anglo-saxônicas inspiradas pelos Quakers.VIIOs fundadores eram hostis a todo sistema de sanções, positivas ou negativas, visando "motivar" os alunos ("se estes entenderem o objetivo de seu esforço, já estarão recompensados pelo próprio esforço, e depois, eventualmente, pelo seu resultado"). Queriam moderar os efeitos da competição escolar: "Nossos alunos têm o sentimento de que podem sempre, todos e sem exceção, obter a menção 'com louvor'. Disso resulta que não se podem formar nesse estabelecimento, bandos de alunos deserdados, dos que recebem a humilhante alcunha de 'últimos da turma' que pretendemos banir do vocabulário da École Alsacienne", escreve, em 1878, o vice-diretor do colégio.17 17 . F. Rieder. Deuxième rapport annuel, Paris, Meyrueis, 1876, citado por Georges Hacquard, op. cit. Enfim, não existem punições; num relatório anual, mais "moderno" ainda por datar de 1876, ficamos sabendo que não há nem "pensums"VIII, nem "colles", nem "retenues", nem "consignes"IX; "a disciplina é fundada no respeito e no afeto".18 18 . E. Braeunig. Rapport du sous-directeur, Paris, Noblet, 1878, citado por Georges Hacquard, op. cit.

Numa instituição que apresentava explicitamente a vocação religiosa, e mais particularmente o ingresso na Companhia de Jesus, como a mais acabada forma de educação,19 19 . Talvez seja porque a religião católica é dominante na França que os próprios católicos custam, particularmente os que romperam com toda prática religiosa, a ver o que devem à sua educação religiosa como investimento cultural e, mais amplamente, como laço, como mostra Gershom Scholem a respeito do judaísmo, com as tradições culturais de sua própria sociedade ("L'identité juive, entretiens avec Gershom Scholem", Actes de la recherche en sciences sociales, 35, novembro de 1980, pp. 3-19). Como bem lembra Mary Mc Carthy, católica nascida num país de maioria protestante, numa autobiografia de seus anos de colégio: "Nascido e educado no catolicismo, você já absorve boa parte da história do mundo e das idéias antes de chegar aos doze anos, e o resultado, como no caso de uma língua que aprendemos ainda crianças, é indelével". M. Mc. Carthy. Mémoires d'une jeune catholique, Paris, Plon, 1959. a religião constitui a ligação permitindo que pais, docentes e alunos trabalhem "num mesmo espírito", isto é, "em plena confiança". Para retomar a famosa fórmula de um docente dirigindo-se às famílias na revista do colégio, a fé contribui para tornar "crianças, pais, professores e prefeitos solidários num mesmo empreendimento". O mesmo se dá com o papel da catequese, em parte confiada a mães de alunos, apresentada como uma atividade permitindo "travar com os professores relações de amizade não convencionais". Num artigo da revista a respeito de um projeto de reforma da instrução religiosa no estabelecimento, escrito em 1969, destaca-se que os pais devem ser "intimamente ligados" à catequese, particularmente nas classes mais jovens: "Solicitamos a colaboração dos professores e dos pais nessa instrução religiosa; as modalidades desta colaboração podem variar, mas o essencial é mesmo sentirmo-nos responsáveis pela fé de nossos rapazes. Nesse âmbito, algumas reuniões entre pais e pais espirituais foram muito felizes. Alguns professores desejaram colaborar de mais perto, particularmente quando houvesse uma certa interferência entre os programas literários e o aspecto religioso da vida." "Ainda vivia-se ali, se quiserem, a cristandade", lembra-se um ex-aluno, filho de docente. "Havia missas obrigatórias, as confissões praticamente obrigatórias; éramos induzidos ao 'consumo'."

Na sua maioria, os professores eram laicos. Muitas vezes com menos diplomas que seus colegas do ensino público, eram considerados, em compensação, mais dedicados, mais atenciosos com os alunos, mais próximos das famílias, "amando sua profissão", segundo uma fórmula lida na revista do colégio, "com um entusiasmo comunicativo" que lhes permitia obter no baccalauréat resultados similares aos de seus colegas dos mais seletos liceus parisienses. Os jesuítas encarregavam-se do acompanhamento moral seja como professores principais, seja como prefeito ou pai espiritual ao qual todos os alunos de uma mesma série deviam confessar-se regularmente.

Num número recente da revista do colégio, o atual diretor destaca que o prefeito "deve ser o representante aos olhos dos alunos, a lembrança aos olhos dos professores e dos pais dessa unidade da pessoa que não se deve desfigurar (...). Prefiro que haja apenas um prefeito por série a ter, como acontece em outros estabelecimentos, um prefeito de estudos e um prefeito de disciplina. Precisa-se de alguém que seja percebido como responsável da unidade da pessoa que acarreta necessariamente a unidade pedagógica. É típico dos nossos colégios". Um professor de letras, que ensina no estabelecimento há muitos anos, acrescenta no mesmo número que "antigamente, no colégio médio, o prefeito de estudos (hoje substituído pelos laicos) era a peça fundamental do sistema. Encarnava a autoridade. Presença discreta, olho certeiro, vivia no lugar de estudo das crianças, e, vendo-as viver, conhecia-as muito bem (...). Como o prefeito de estudos acompanhava os alunos durante vários anos, podia aconselhar judiciosamente os pais". A influência desses delegados do poder familiar era reforçada pela continuidade de uma ação pedagógica que um fiel pessoal, ligado ao estabelecimento por múltiplos vínculos além dos estritamente profissionais, podia exercer não apenas durante toda a escolaridade do aluno, mas, também, pelo fato de haver estabilidade do corpo docente, sobretudo religioso – sobre várias gerações de alunos de uma mesma família. Por exemplo, o capelão dos alunos de 5a série (sixième), um antigo missionário que ocupa essa função há quase 40 anos, considera-se um pouco "avô" de muitas dessas crianças cujo pais estiveram sob seus cuidados.

Devido a uma participação mais diversificada em atividades periescolares, a duração diária do acompanhamento tendia a aumentar para os alunos mais velhos, mas as técnicas de controle tornavam-se menos explícitas.20 20 . Numa edição da revista publicada em 1986, um aluno observa, a propósito de uma pesquisa que tinha realizado junto de seus camaradas a respeito da maneira como percebiam o colégio e sua especificidade jesuíta, "que o rigor da disciplina perde seu aspecto negativo na medida em que se está melhor informado de seus desígnios" e que esse tem como objetivo "a autodisciplina do ano de 3 o colegial ( terminale)". Nas horas do estudo, após os horários de aulas dedicadas às lições "longe de qualquer solicitação externa", aos poucos acrescentavam-se de fato as atividades esportivas,21 21 . O esporte e os equipamentos necessários à sua prática contribuem para a reputação do estabelecimento, como podemos constatar neste trecho de um artigo dedicado, em 1982, a Saint-Louis-de-Gonzague: "Modernidade ainda no domínio dos esportes, calorosamente recomendados e muito praticados. Para tanto, uma sala de judô com capacidade para 20 pessoas; uma sala de esgrima do mesmo tamanho; uma grande sala de esporte com 600 m 2, rua Franklin, reservada ao secundário; outra sala, menor, reservada ao 'pequeno colégio' (...). Por que não acrescentar a esses 'equipamentos' os dois frontões de pelota basca, ladeando o maior dos três quintais de recreio do grande colégio?". P. Manez. "Franklin, la clé du pouvoir?", Autrement, 42, setembro de 1982 (edição intitulada: On le met dans le privé?). Segundo uma pesquisa realizada em 1971 pelos próprios alunos e enfocando os lazeres, 215 alunos do segundo ciclo, dentre os 265 que responderam ao questionário, afirmaram "passar duas ou três horas por semana praticando um esporte fora do colégio". Entre Nous, 243, Natal 1971. culturais, religiosas e de caridade enquanto, inversamente, os alunos do ensino público só podiam exercer tais atividades fora do meio escolar, em lugares geralmente afastados de seus bairros, o que exercia sobre eles um efeito de deslocamento de suas relações de amizade: coral dos meninos de Chaillot, escotismo (havia um grupo de escoteiros no próprio estabelecimento), teatro, atividades manuais etc., todo um conjunto de atividades de acompanhamento dos lazeres de um grupo de idade cuja finalidade moral era incessantemente relembrada. "Havia sempre essa noção de formação da elite, apesar de tudo" – conta um ex-aluno –, "elite intelectual e moral, a concepção jesuíta, e por isso a educação global, os movimentos ou as atividades deviam acontecer por intermédio do colégio". Um ex-responsável do coral lembra que "o regente do coral tinha por princípio que se devia ser generoso o bastante na vida cotidiana para poder, no coral, não cantar mais alto do que seu vizinho". Essa formação, dirigida à personalidade inteira e não apenas ao "aluno", deve ser aproximada não apenas das características comuns a todo o ensino privado, e sabemos da importância conferida à dimensão privada e familiar do indivíduo em tal ensino,22 22 . F. Bonvin. "Une seconde famille, un collège d'enseignement privé", Actes de la recherche en sciences sociales, 30, novembro de 1979, pp. 47-64. mas também da tradição jesuíta que Durkheim qualificava de "sistema de disciplina" fundado na emulação e num contato "contínuo e pessoal entre aluno e educador".23 23 . O amor-próprio sobre o qual, observa Durkheim, os jesuítas tinham fundado seu ensino é reaproveitado na idade adulta, no mundo do trabalho, mais particularmente no setor privado. Na sala de aula, "os próprios indivíduos eram juntos por pares e cada soldado numa decúria tinha seu êmulo na decúria correspondente (...) o trabalho escolar implicava uma espécie de corpo a corpo perpétuo". In: E. Durkheim. L'évolution pédagogique en France, Paris, PUF, 1969 . Esse conhecimento mais profundo de quem eram os alunos que ultrapassavam em muito sua observação no meio escolar facilitava por um lado o contato com os pais e por outro um "trabalho" de orientação muito delicado para aqueles que enfrentavam dificuldades escolares, multiplicando as "oportunidades" para os alunos de "revelarem todos aqueles talentos que nem sempre se manifestam se o trabalho for unicamente intelectual" e que permitem "atingir os cumes por meio de pequenas coisas".

Longe de prejudicar a "vida familiar", o aprendizado de uma separação total, no tempo e no espaço, entre as atividades que podem ser qualificadas de "profissionais" (o colégio e as atividades periescolares) e as atividades familiares (desde a 5a série [sixième], alguns alunos ficavam ausentes de suas casas até a hora do jantar pois, "após o colégio, havia o estudo, e após o estudo, o coral, por exemplo") preparava, pelo contrário, pelo menos tanto quanto os estudos escolares, o aprendizado de uma separação estrita do tempo reservado respectivamente para o trabalho e a vida privada, modo de separação das atividades no qual podemos ver um dos princípios essenciais da organização do tempo dos executivos, mais restritivo ainda quando estes trabalham no setor privado. Ao subtrair de fato o adolescente ao contato direto com sua família, mais particularmente com as mulheres, durante toda a parte "produtiva" do dia, esse tipo de aprendizado pode parecer uma preparação racional para a divisão do trabalho entre os pais sobre a qual eram fundados, à época, os mecanismos de reprodução social dessa fração burguesa. "Tinha 45 minutos de trajeto", explica um ex-aluno, hoje executivo no setor privado. "Começava de manhã cedo já que entrávamos às oito, e, portanto, saía de casa às sete, e terminávamos, dependendo do nível escolar, às seis, seis e meia. E três vezes por semana tinha os ensaios do coral depois. Portanto, voltava para a casa às oito, oito e quinze. Jantava sozinho na maioria das vezes. Achava que a família, muito concretamente, não tinha tanto tempo para participar." É assim que o controle dos lazeres de seus filhos, que escapa cada vez mais às mãos das famílias burguesas, era garantido nesse estabelecimento por "profissionais" do acompanhamento que, ao contrário dos profissionais "independentes", serviam melhor ainda aos interesses da família, pelo fato de o colégio dispor apenas de um poder de delegação.

O senso do social

Mais de metade dos titulares de baccalauréat de matemática ou filosofia da turma de 1961 foram para as classes preparatórias das Grandes Écoles de engenharia ou comércio ou para Sciences Po. A maioria preparou esses concursos no privado ou eventualmente nos liceus da rive droite como Janson ou Condorcet (raros são os que foram para um liceu do Quartier Latin); alguns cursaram os dois ou três anos de preparação como internos em Sainte-Geneviève de Versailles. Afastados até o fim dos seus estudos de qualquer influência outra que não a da família ou de uma instituição escolar estreitamente vinculada ao meio familiar, os engenheiros escolarizados só no privado podem parecer os melhores representantes de um modo de formação que se distinguia drasticamente da formação transmitida nos liceus naquela época. O mesmo nem sempre se pode dizer dos literários: esses podiam beneficiar-se, a partir da classe de filosofia (3o colegial), de maior liberdade, devida em parte à escolha de estudos mais "críticos", exigindo menos estudos "escolares", e levando a profissões mais diversificadas, mas contrabalançada pela falta de garantias de rentabilidade profissional. "Cursar letras" permitia, especialmente para os alunos fracos ou menos integrados à instituição, desinvestimentos possibilitando reconversões para novas profissões, com critérios de recrutamento talvez menos restritos em termos de diplomas. Por exemplo, profissões ligadas à arte, aos lazeres, às viagens, que se multiplicaram após 1968 e que possibilitavam um distanciamento do universo familiar. Estudar grego pelo menos até a 8a série (troisième), latim até o 3o colegial (terminal),24 24 . Quase um terço dos ex-alunos de Saint-Louis-de-Gonzague (contra 18% dos alunos de hypokhâgne, eles no entanto futuros especialistas em letras), que responderam a essa pesquisa, tinha prestado a primeira parte do baccalauréat na seção A' [latim-grego, matemática], orientação que no entanto representava, à época, por causa de sua polivalência científica e literária, uma opção relativamente rara (em torno de 1% do total de alunos na França inteira). línguas vivas colocadas no topo da hierarquia dos estudos literários (nesse colégio, à época, só se podia estudar alemão ou inglês), assim como o espírito de competição escolar insuflado desde o começo da escolaridade, permitiam-lhes, independentemente das relações familiares e do meio de interconhecimento, tirar, mesmo assim, apesar de sua desvalorização relativa, um proveito sensivelmente maior dos estudos literários do que a média dos estudantes de letras dessa geração.

Um inventário das profissões exercidas pelos ex-alunos das turmas entre 1945-1975 filiados à associação (ou seja, n=1500) permite situar melhor o lugar do colégio no mercado de trabalho. Em 1980, cerca de 55% trabalhavam na indústria, no setor de serviços, de seguros ou no setor bancário, menos de 5% na agricultura (eram, na sua grande maioria, casos de proprietários-cultivadores pertencendo a famílias aristocráticas). Apenas um pouco mais de um terço deles eram profissionais liberais ou empregados no serviço público, no setor de ensino ou no exército. Apesar do lugar preponderante que ocupavam na hierarquia das orientações no colégio, os padres e religiosos representam menos de 3% da totalidade dos ex-alunos. Finalmente, se compararmos as orientações profissionalizantes antes e depois de 1960, podemos observar uma diminuição do número dos que se dirigiram para a agricultura, a indústria e, principalmente, para o exército e para o clero, ao passo que aumentou o número dos que ingressaram nos serviços, seguros, bancos e, sobretudo, no setor das profissões médicas e paramédicas: médicos, dentistas e o pessoal paramédico representavam 7,8% nas turmas 1945-1960 contra 16,5% nas turmas entre 1961-1975. Nos mesmos períodos, o número de ex-alunos tendo ingressado no Exército passou de 8,7% para 6,7% e, no clero, de 4% para 1,3%.

Tudo leva a pensar que numa época caracterizada por uma transformação progressiva da hierarquia das orientações no superior, esse colégio "antecipava" a evolução do sistema de orientações que se impôs, com a supremacia do baccalauréat C (matemática), no ensino público após 1968. Dentre os alunos que obtiveram a média no conjunto de suas notas no 2o colegial (première) e que responderam a essa pesquisa, dois terços se orientaram para as Grandes Écoles de engenharia ou de comércio; 17%, para a medicina; 5% apenas, para as letras ou belas-artes, ao passo que essa orientação foi escolhida por um entre quatro alunos dentre os que não conseguiram a média naquele ano. O mesmo se dá ao compararmos a orientação escolhida pelos dez alunos da turma que obtiveram as melhores notas em 2o colegial (première) (entre cem alunos aproximadamente) e cujo percurso conseguimos reconstituir: seis cursaram numa Grande École (Polytechnique, Centrale, Mines de Paris, HEC e Sciences Po

A formação concentrada no "senso das responsabilidades", na "dedicação aos outros",25 25 . Sentimento que não podia senão ser reforçado pela ajuda financeira e moral recebida num estabelecimento que favorecia a promoção dos "valores familiares" e a solidariedade entre as famílias. Havia, por exemplo, "devido à grande proporção de famílias numerosas", uma "tarifa familiar" permitindo que as famílias com vários filhos fossem "ajudadas pelas que tinham menos encargos". e cujo valor moral era reforçado pelas atividades religiosas e de caridade ou pelos movimentos da juventude, não podia senão predispor aqueles que não eram herdeiros de uma empresa familiar, principalmente quando não tinham diplomas escolares elevados, a procurar empregos de gestão das "relações humanas" suscetíveis de valorizar seu capital social e sua formação de ex-aluno de escola privada. Comparado com os ex-alunos das classes preparatórias dos liceus do Quartier Latin, os mais representativos nessa pesquisa dentre os futuros engenheiros e docentes, os alunos desse colégio têm as mais características propriedades escolares e sociais de todo o universo do privado: mesmo quando ingressaram na função pública, em empresas públicas ou no setor sociocultural, tudo parece indicar que introduziram, no conjunto do mercado de trabalho dos diplomados, as qualidades profissionais implícitas – sociais e familiares – dos executivos do privado.

Se escolhermos a percentagem de ingresso no setor privado como um indicador da distância das diferentes orientações do mercado escolar parisiense dessa época para com o universo patronal, podemos observar que varia em função da orientação – científica ou literária – do baccalauréat e, geralmente, mais em função da origem social da clientela de cada tipo de estabelecimento. Assim, a percentagem de pesquisados que trabalham no setor privado é de 63% da totalidade dos ex-alunos das classes preparatórias científicas e comerciais, contra 18% de quem fez hypokhâgne. Do mesmo modo, a percentagem cai de 68% dos ex-alunos de Saint-Louis-de-Gonzague para 48% de ex-alunos das classes do secundário de Louis-le-Grand e Henri IV e para apenas 29% dos ex-alunos das classes preparatórias desses dois estabelecimentos que recrutaram alunos num mercado menos local, isto é, menos "parisiense" e menos burguês do que o dos alunos do secundário.

Do ponto de vista de sua trajetória profissional e familiar, os ex-alunos de Saint-Louis-de-Gonzague diferem, de fato, dos ex-alunos das classes preparatórias científicas tanto quanto literárias do Quartier Latin: com menos diplomas (cursaram com menor freqüência, por exemplo, as Grandes Écoles), e talvez por isso mesmo em menor número entre os beneficiados com os empregos mais bem remunerados, eles são, em compensação, facilmente absorvidos pelo setor privado, conseguindo seu emprego por meio de recomendações. Concedem uma importância menor aos "diplomas", à cultura ou às competências técnicas no seu trabalho do que aos contatos humanos, ao trabalho em equipe e à busca de uma vida equilibrada. Finalmente, grande parte deles quer separar suas relações privadas de suas relações de trabalho; ao contrário, por exemplo, dos docentes que tendem a não estabelecer fronteiras estritas entre sua vida privada e sua vida profissional.

O mundo do ensino privado exerceu, até entre quem não assumiu a empresa familiar, uma atração importante, mas de maneiras diferentes, em função de seus gostos escolares e de sua orientação. Assim, a proporção de ex-alunos exercendo uma profissão liberal é sensivelmente maior entre os ex-alunos de Louis-le-Grand. Mas, acima de tudo, encontramos um importante número de executivos cuja profissão está ligada à gestão das "relações humanas": dois ex-seminaristas são hoje em dia diretores de pessoal em grandes empresas do setor privado. O responsável pela associação dos ex-alunos, titular de um diploma de Sciences Po, é adido de direção num banco no "setor de pessoal" encarregado das relações com a comissão de fábrica. Mesmo quando cursaram direito ou letras, conseguiram com freqüência reconverter sua formação em empregos no setor privado que precisavam do tipo de capital específico que puderam adquirir nesse colégio. Podemos considerar como "ideal-típico" de uma reconversão com êxito a trajetória desse filho de banqueiro que se tornou jurisconsulta numa empresa após ter passado por khâgne no Condorcet e HEC (altos estudos comerciais). No caso desses alunos, a escolha de uma orientação em letras correspondia menos a uma orientação profissional do que a um momento da trajetória dedicado à aquisição da "cultura geral" supostamente necessária para em seguida poder preparar uma Grande École ou para sua profissão futura.

Compreendemos que nessa lógica os estudos literários devem ter representado uma escolha particularmente ambígua, já que podiam levar tanto a cargos de dirigentes quanto a cargos sem responsabilidades importantes, ou mesmo a cargos fora do mundo industrial, na esfera dos interesses intelectuais "puros", ou religiosos.26 26 . Pode surpreender a observação de que os ex-alunos hoje padres ou militares e que encarnavam os mais acabados modelos desse tipo de educação, pelo menos até os meados dos anos 50 e o começo da guerra da Argélia, período de "aggiornamento" político no estabelecimento, nunca formaram, como poderemos constatar ao comparar a evolução da orientação profissional dos ex-alunos desde 1945, mais que uma pequena minoria em cada turma. Tudo parece indicar que a percepção pelas famílias do que Max Weber chamava de uma mesma "comunidade de interesses", para definir as relações de dependência de tipo paternalista na sociedade rural do leste alemão, tinha de ser suficientemente poderosa para evidenciar a dedicação a uma causa implicando destinos tão diferentes quanto a gestão de uma empresa ou morrer pela pátria. Segundo a obra de P. Delattre dedicada aos estabelecimentos dirigidos pelos jesuítas na França, 2.280 alunos entre os 23.250 que estudaram no colégio Sainte-Geneviève de Versailles entre 1854 e 1954 "morreram pela França", ou seja, quase 10%.Vejam também: A. Billy. L'approbaniste, Paris, Flammarion, 1937. Nesse livro, André Billy conta o processo de exclusão de um aluno pobre, aceito pelos jesuítas com a condição de que se torne missionário, mas que se interessava demais pela literatura. Os que, no melhor dos casos, mal conseguiam ter acesso a um poder de delegação, por causa de sua falta de capital econômico ou de relações "úteis", são particularmente representativos do trabalho sobre si mesmo que tinham de cumprir para reconverter num capital profissional específico um capital de relações do qual não podiam tirar todo proveito num quadro de relações sociais e familiares tradicionais. Numa época em que se constituía entre o Estado e o mundo patronal um campo de relações cada vez mais diversificado, esses "oblatos" da causa das "relações humanas" foram levados a ocupar cargos conciliadores entre o universo do privado e a função pública ou, num outro plano, entre os interesses da empresa e os do pessoal. Quer sejam empregados no setor público ou no setor privado, eles incorporam de fato ao exercício de sua profissão as qualidades do "privado" manifestadas pelos seus investimentos "pessoais" – "escolha" dos estudos, de um cônjuge e de um estilo de vida – que são as melhores garantias profissionais para ocupar essa posição extremamente particular de intermediário da qual a função de diretor de pessoal talvez seja o exemplo mais significativo.

Administrada hoje em dia por uma associação juntando jesuítas, pais e ex-alunos na diretoria, Saint-Louis-de-Gonzague passou, a partir do começo dos anos 80, por um conjunto de reformas, cada qual respondendo a pedidos de famílias: criação de novas orientações, transformação dos métodos pedagógicos (não há mais, por exemplo, estudos noturnos obrigatórios), admissão de moças no colégio (finalmente), primeiro nas classes infantis e depois no ensino secundário. Hoje em dia não há mais orientações literárias, o que pode parecer paradoxal num colégio herdeiro da tradição jesuíta. Os alunos que querem preparar um baccalauréat de filosofia vão para Sainte-Croix de Neuilly, estabelecimento com o qual esse colégio tem convênio. Em compensação, um 3o colegial (terminale) D (biológicas e exatas) foi criado para os futuros estudantes em medicina e um 3o colegial (terminale) B (economia), dando acesso a classes preparatórias, mistas, para HEC (altos estudos comerciais), evolução que vai no sentido da procura de estudos rentáveis no mercado de trabalho.27 27 . F. De Dainville, num artigo dedicado à "geografia do humanismo", notou que os estabelecimentos dirigidos por jesuítas na França do século XVI ao século XVIII são em maior número nas cidades com "magistratura, parlamentos ou présidiaux (tribunais criados por Henri II em 1552, intermediário entre os juizados e os parlamentos, equivalente do Supremo Tribunal Federal)" onde os "meios da magistratura e dos funcionários (...) solicitam as criações de colégios, bem como a abertura de bibliotecas". E quando os jesuítas se instalavam em cidades comerciantes, o gosto pelos estudos e o interesse para um ensino "que no fundo só se preocupa com o valor mercantil dos seus diplomas" decresciam. Ele atribui essa degradação do humanismo quando se torna utilitário à persistência que revela de uma oposição à cultura dos meios literários nos meios de produção e de economia; in: "Villes de commerce et humanisme", publicado em Etudes, março de 1951, retomado em F. de Dainville. L'Education des jésuites, XVIe - XVIIIe siècles, Paris, Minuit, 1978, pp. 25-42.

Um ascetismo de conservação

Mesmo se o ensino dos jesuítas é bem adaptado ao espírito de concurso, o interesse representado por um investimento escolar extremo varia nas classes altas em função da importância e da estabilidade do patrimônio econômico das famílias. Saint-Louis-de-Gonzague não é Sainte-Geneviève de Versailles. No entanto, mesmo se essas duas escolas oferecessem exemplos-limite de reconversão do capital social em capital cultural correspondendo melhor aos interesses respectivos da burguesia parisiense e da burguesia provinciana ainda apegadas aos valores do catolicismo, elas têm em comum o fato de transmitir um modo de educação ascético cuja virtude é a de desestimular na criança qualquer forma de investimento cultural que poderia desviá-la dos estudos escolares. Desse ponto de vista, a precocidade escolar oferece a melhor garantia contra as outras formas de precocidade. Não poderemos entender o que constitui a especificidade desse tipo de ensino, se não vermos que há uma forma de ascetismo "católico" que se opõe ao ascetismo de ascensão social pelo lugar preponderante que atribui à família em relação à carreira "individual" (mesmo se isso significa implicitamente a dedicação incondicional de todos os membros da família para maximizar as chances de êxito de um de seus membros). Mais do que a garantia de uma carreira, essas escolas oferecem talvez, particularmente numa época de reestruturação dos vínculos entre o mundo da escola e o mercado de trabalho, a transmissão de um capital moral fundado no ascetismo, condição sine qua non de reprodução quase idêntica da família independentemente das obrigações do mercado de trabalho. Enquanto os valores da escola tendem a enfraquecer as bases do familiarismo, essas escolas possibilitam assim a persistência, sob formas escolarizadas, do que podemos chamar de usos familiaristas do parentesco. Elas constituem, de fato, pela concentração de capital social e pela "garantia" do modelo educativo que representam, a base de um mercado matrimonial cujos rallyes,28 28 . Bailes dados pelas famílias, que se uniam financeiramente para promover encontros sob seu controle. festas e atividades de lazer são meras técnicas, às vezes provisórias, possibilitando a aproximação das crianças, sob o controle das famílias. Numa época de transformação dos modelos burgueses de constituição da família, o que tais escolas talvez transmitam de essencial seja ligado menos aos diplomas ou às "relações" do que a uma visão do mundo social da qual Pierre Bourdieu diz que "tende a reduzir o público ao privado, o social ao pessoal, o político ao ético, o econômico ao político, em suma, a operar uma despolitização remetendo à ordem do mais irredutivelmente singular 'vivido' todas as experiências que a ação de politização visa ao contrário apartar da 'pessoa' em sua unicidade para fazê-las parecer comuns a uma classe".29 29 . P. Bourdieu. La noblesse d'Etat, Paris, Minuit, 1989. Os estabelecimentos aos quais a grande burguesia católica permanece apegada podem parecer um lugar em que se pode adquirir uma forma extrema de ascetismo que podemos qualificar de ascetismo de conservação, uma vez que visa manter, à custa de um preço moral elevado, a posição social da família, menos através da maximização das chances de êxito individual de seus membros do que pela perpetuação da solidariedade da linhagem.30 30 . Marie-Madeleine Compère notou que à base das Grandes Écoles estão, principalmente, as escolas militares, criadas no fim do Ancien régime, que, graças a um sistema de bolsas, eram destinadas prioritariamente às famílias da nobreza pobre. M.-M. Compère. Du collège au lycée (1500-1850), Paris, Gallimard, 1985. Para o burguês, a família não é apenas o lugar de acumulação do patrimônio, ela é o suporte de uma "sociodicéia" pela qual, como lembra Groethuysen, ele pode "justificar-se nos seus filhos".31 31 B. Groethuysen. Origines de l'esprit bourgeois en France 1 . L'Eglise et la bourgeoisie, Paris, Gallimard, 1937.

A forte homogeneidade social e geográfica da clientela de Saint-Louis-de-Gonzague podia assim encorajar escolhas matrimoniais visando conciliar as obrigações familiares de uma carreira de executivo no setor privado ("o espírito empreendedor") com os valores morais da família tradicional. Ao contrário das frações das classes médias ou altas em ascensão social, um trabalho contínuo de "mobilização" dos laços familiares e, mais ainda, a persistência de uma fecundidade relativamente elevada estão na base da conservação, e até da extensão de seu capital social.

As esposas dos alunos da turma de 1961 inscritos no Anuário do colégio têm como sobrenome de solteira o nome de um ex-aluno em mais de 36% dos casos. Mesmo admitindo que podem tratar-se de homônimos, a freqüência relativamente alta de nomes estatisticamente raros na população parisiense e sobretudo de nomes aristocráticos dos quais não se pôde encontrar menção no Bottin mondain deixa pensar que se trata, segundo toda verossimilhança, na maioria dos casos recenseados, de alianças entre famílias morando no mesmo bairro e ligadas, às vezes por várias gerações, por vínculos profissionais, de amizade e matrimoniais que a freqüentação desse colégio só pôde consolidar. A aproximação das famílias podia ser facilitada por um modo de escolarização agrupando dentro do estabelecimento as atividades escolares e os lazeres, o que tornava mais improváveis ainda os contatos com outros meios sociais. Isso vale mais particularmente para os futuros engenheiros, escolarizados num meio fechado por causa de sua escolaridade em estabelecimentos jesuítas, desde a mais tenra infância até seu ingresso numa Grande École.

Cruzamos, para o total dos pesquisados oriundos de Saint-Louis-de-Gonzague, as informações colhidas por meio do questionário a respeito da situação profissional e familiar dos cônjuges e parentes do entrevistado com outras informações permitindo avaliar melhor a importância e a natureza do patrimônio familiar: citação no Bottin mondain, no Who's who, e menção das informações constando neles a respeito da existência de uma empresa familiar, do fato de pertencer à nobreza (controlada pela consulta em dicionários especializados), de ter sido condecorado e de ser membro de um clube. Essas informações permitem observar que o desempenho de uma atividade profissional pela esposa é, ao que parece, independente do tamanho da família; muito pelo contrário, alguns casais em que os dois cônjuges exercem uma profissão liberal estão entre os que mais filhos têm. Notamos também que a esposa é mais freqüentemente ativa quando o marido não cursou uma Grande École e não é executivo no setor privado. Efeito da orientação escolar sobre o mercado matrimonial, as esposas dos entrevistados exercendo uma profissão liberal encontraram seu cônjuge durante seus estudos ou nos primeiros anos de vida profissional, isto é, ao contrário das esposas de engenheiros, num mercado escolar e num mercado de trabalho em que os homens não mais tinham o monopólio da formação.

Ao contrário no entanto das docentes casadas com docentes, essas mulheres dão, ao que parece, uma importância secundária às suas funções profissionais. Mesmo se tiveram acesso ao mesmo mercado de trabalho que o marido, foi para ocupar cargos por assim dizer "reservados às mulheres casadas" na medida em que lhes permitem levar em paralelo uma atividade profissional e uma atividade familiar "em tempo integral", se admitirmos com isso que elas fizeram uma carreira de mãe de família (relativamente) numerosa, conservando o essencial dos valores familiares. Assim, quando são médicas ou dentistas, é mais em meio período ou como substitutas, empregadas pela Dass (órgão do ministério da saúde pública), por exemplo, ao passo que seu marido médico é instalado num consultório ou é médico hospitalar especializado. Mesmo quando têm uma licence ou uma maîtrise (diploma sancionando o 4o ano de universidade), elas exercem, freqüentemente, profissões-"limite" suscetíveis de valorizar seu capital feminino e familiar: por exemplo, grafóloga, animadora de formação contínua ou, mais evidente ainda, conselheira matrimonial.

O conjunto das características biográficas dos ex-alunos desse colégio, que manifesta a conservação de um estilo de vida familiar cuja força foi relativamente mantida apesar das obrigações específicas de cada mercado de trabalho, permite-nos compreender como os entrevistados que não se tornaram executivos do setor privado conseguiram manter esses valores além das fronteiras desse mercado de trabalho. Os valores da escola e da família não se opõem necessariamente: mesmo nos meios mais apegados à divisão tradicional do trabalho familiar, as mulheres tinham interesse em apoderar-se dessas novas formas de trabalho "qualificado" que são tantos investimentos necessários à carreira de seu marido ou ao êxito escolar de seus filhos. São, aliás, formas de qualificação de que se apoderaram com maior facilidade ainda por terem realizado estudos superiores e por terem sido beneficiadas por uma experiência profissional. Para se tornar uma "boa esposa" de executivo, uma boa educação e boa vontade nem sempre bastam. O capital moral que está na base do capital familiar exige uma reconversão em títulos escolares e em qualificação profissional mais importante ainda quando a carreira do marido não mais se apóia unicamente sobre a transmissão de um patrimônio econômico.

Notas

The effects of a "total education"

ABSTRACT: This article is based on a monographic study of a school founded by the jesuits in the 16th arrondissement of Paris, whose clientele is drawn mainly from the business bourgeoisie and the aristocracy. In particular it studies the teaching methods applied and the professional and family trajectories, the matrimonial strategies, and the division of family work between spouses of those graduating from the school with the baccalauréat in 1961. It also seeks to show how certain private schools can be seen as substitutes for family authority, charged with transmitting a model of education that is made more homogeneous by the fact that the parents share with the teachers the same conception of the role of the family and the school; and that these schools keep their pupils away from all contact with children from other social classes, not only during teaching time but also (it is one of the "specialities" of this kind of school) during most of the leisure activities for which they are responsible.

A TRANSFORMAÇÃO DO ESPÍRITO DO COLÉGIO

Ontem...

III. — ESPÍRITO DO COLÉGIO

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O colégio Saint-Louis-de-Gonzague considera o seu dever manter, do duplo ponto de vista da educação cristã e da direção dos estudos, os princípios e as tradições dos antigos colégios dos padres jesuítas.

A meta que se propõe é a de garantir aos alunos que lhe são confiados os benefícios de uma instrução religiosa, com as vantagens de uma instrução sólida e adequada às necessidades do nosso tempo. As funções do ensino não estão distintas nem separadas das da educação.

Exercer uma vigilância afetuosa e paternal, exercer uma louvável emulação, agir sobre o coração pela fé, pela consciência, por tudo o que desperta sentimentos elevados: esses serão sempre os meios empregados de preferência. Fazemos todo o possível para evitar os erros de modo a não ter que reprimi-los.

e hoje

CARTA EDUCATIVA

I. As referências

O Evangelho segundo Jesus Cristo.

• Nossa ação educativa pretende inspirar-se no Evangelho segundo Jesus Cristo.

• Há uma boa notícia que vamos anunciar, um convite permanente a converter-nos e a incitar os jovens a se converterem ao dom de si, ao espírito de serviço e de pobreza, ao respeito e ao amor para com os outros. Ele nos ajuda a discernir os objetivos e os meios educativos a serviço de qualquer homem e de todos os homens.

A tradição espiritual e pedagógica dos jesuítas.

• A tradição espiritual e pedagógica dos jesuítas foi e deve continuar sendo uma das fontes de inspiração do colégio. Essa tradição não está parada no passado; ela permanece viva na experiência de religiosos e leigos a serviço dos jovens em inúmeros países.

Entre Nous, 291, Natal 1986, p. 18.

Um "pai espiritual"

O padre N., 75 anos, é o capelão dos 150 alunos de 5a série (sixième). Ingressou no estabelecimento em 1951 após ter sido missionário na China durante mais de 10 anos de 1938 a 1948 (foi ordenado padre e, após ter aprendido chinês, foi durante anos professor de francês em Peking). "Dez anos de China para ensinar na França é um luxo". Ele é o que se chama, nos estabelecimentos dirigidos por jesuítas, de "pai espiritual", função que desempenha há 36 anos e que não se identifica à de docente nem à de prefeito, mas que permanece puramente religiosa: "Aconselho, apóio, estou aí". Há alguns anos, é ajudado por um laico para a catequese. Sua sala permanece permanentemente aberta. Ele acolhe, na hora do recreio, os alunos que vêm vê-lo pelos mais diversos motivos. É responsável pelas duas missas semanais ("não são obrigatórias, mas todo mundo assiste") e os alunos têm de se confessar com ele regularmente (cada série tem, em princípio, seu capelão; a escolha de outro é possível, mas excepcional).

Por ser um dos mais antigos membros do estabelecimento, ele pode parecer, para as famílias, apesar das transformações do colégio, como o representante de uma certa continuidade da tradição jesuíta: "Quando cheguei, éramos em 20 jesuítas, hoje em dia somos apenas sete ou oito"; "Há muitas crianças cujos pais atendi na 5a série (sixième). Sou avô. Eles me dizem: "Conheceu meu pai na 5a série (sixième)". Ele também ocupa, por causa de seu longo tempo no colégio, múltiplas funções, periféricas da função de ensino, entre as quais, a de secretário da associação dos ex-alunos (como disse dele um membro dessa associação, "ele conhece bem a todos").

Uma família Franklin

Educado numa família que "tinha um desejo mais ou menos confesso de ter um filho padre", Christian se tornou, após ter estudado teologia e sociologia, diretor de pessoal numa importante empresa norte-americana. Como seu pai, cursou todo o secundário em Saint-Louis-de-Gonzague. Sua família, "uma família antiga do sétimo arrondissement", tem vínculos há várias gerações com o mundo industrial, mas com "todo um tecido social muito orientado para a vida social". Seu pai, que ingressou no Ministère du Travail após dois anos de direito, foi um dos fundadores da revista Liaisons Sociales. Seu avô paterno tinha uma pequena empresa, seu avô materno era médico. Vários tios e primos dele tiveram atividades ligadas à política social da Igreja e há na família dele vários diretores de pessoal. Nessa família numerosa católica, os filhos mais velhos, nascidos antes da guerra, têm quase uma geração de diferença com os mais novos. Dentre sete filhos, três permaneceram solteiros. Sua irmã mais velha entrou nas ordens e trabalha como bibliotecária. Mas a mais nova, ela também solteira, é psicóloga. Seu irmão mais velho, que fez todos seus estudos no ensino público "por uma questão essencialmente de caráter", tornou-se, após os estudos, padre de paróquia. Ele tem outro irmão que, após estudos no privado e no público, tornou-se, ele também, responsável de pessoal numa empresa privada, e cuja mulher, mãe de filho único, trabalha no "setor de compras" da mesma empresa. Uma de suas irmãs, casada com um professor, passou uma licence (diploma sancionando o 3o ano de estudos universitários) em biologia; ela teve quatro filhos e não trabalha fora. Finalmente outra de suas irmãs que, depois de ter passado o baccalauréat, tornou-se secretária, casou com um fotógrafo com quem teve um filho.

Seu desejo de ser padre data de seu ingresso em Saint-Louis-de-Gonzague (tinha cursado todo o primário no Bossuet, colégio particular do Quartier Latin). É em relação à sua vocação religiosa que é preciso entender sua orientação para um baccalauréat de filosofia após um 2o colegial (première) C [matemática] e bons resultados em matemática. Após ingressar no seminário, assim que passou o baccalauréat, ele passou uma licence em teologia no Institut Catholique. Bolsista durante quase todos seus estudos numa escola em que não mais de um ou dois alunos se viam nesse caso, sempre teve a impressão que seus camaradas "tinham mais dinheiro, mais facilidades". Censuravam-no por ser escoteiro no bairro onde morava, e não ter integrado a turma do colégio, mas participou do coral dos meninos de Passy do qual se tornou, nas classes maiores, um dos responsáveis. Escolhia seus companheiros de preferência entre os que pertenciam a famílias "cuja moral de vida não era baseada no dinheiro" e que manifestavam "uma abertura para os outros" em detrimento dos para os quais o mais importante "eram os estudos, (para quem) era preciso que o filho tivesse êxito". Os laços criavam-se durante as atividades culturais, desportivas, e em várias oportunidades foi passar as férias na família de seus camaradas.

Desde o colégio, dedicou-se a atividades caritativas "essencialmente dirigidas à formação", tal como a de instrutor de monitor de colônias de férias. Embora tenha perdido de vista quase todos seus antigos camaradas, continua membro da associação de ex-alunos. Sem ter "o culto aos ex-alunos", ele reconhece, embora sua vocação tenha se enfraquecido após dois anos de seminário e uma estada na África como cooperante encarregado dos problemas de formação, ter encontrado nos jesuítas uma "educação completa", que insistia sobre "o valor moral da noção de trabalho, de esforço, de rigor de vida". "Tenho a impressão que se sou o que sou, eles têm a ver com isso."

Titular de uma licence em sociologia, iniciou essa formação ao voltar da África, porque, "por não ser mais jovem", era "por causa de seu background" algo "relativamente fácil de se fazer", "uma solução de facilidade" que podia levar a cabo apenas "com aulas noturnas", sem ter de deixar de trabalhar. Aos 27 anos, ele consegue seu primeiro emprego em período integral, acaba sua licence, e se casa. (Deixou o seminário devido a uma "evolução" lenta, uma "tomada de consciência mais orientada para o que ele realmente queria do que uma tentativa de raciocínio sobre o conteúdo da religião ou sobre o celibato".) Sua carreira profissional "cuja continuidade foi a formação" levou-o a ocupar cargos de responsabilidade em várias empresas norte-americanas como chefe do serviço de formação, das relações sociais ou das relações entre formação e emprego. Atualmente, ele é diretor de pessoal das dez filiais de um grupo multinacional, instaladas na Europa e no Oriente Médio. Ele vê sua profissão como "uma profissão aberta para os outros" e que deixa um amplo espaço para os "contatos humanos", sendo "o setor de pessoal um dos elementos mais determinantes da evolução da empresa".

Sua mulher, três anos mais nova que ele, pertence a uma família da aristocracia católica em muitos pontos parecida com a dele (as duas famílias estão citadas no Bottin mondain). Originária do mesmo bairro, como ele, ela pertence a uma família numerosa e também estudou no privado. Aluna até o 2o colegial (première) em Sainte-Marie de Passy, preparou em outro estabelecimento privado do mesmo bairro sua formação para "as humanidades femininas". Ele a conheceu no seu lugar de trabalho, um emprego numa associação patronal ("ela era minha assistente, naquela época"). Seu sogro, vice-presidente dessa associação, dirigia várias empresas e tinha sido colega de estudos do pai dele em Saint-Louis-de-Gonzague.

Sua mulher parou de trabalhar desde o nascimento do primeiro de seus quatro filhos, é responsável pela casa, verdadeiro emprego em tempo integral, não apenas por causa do número de filhos cujos nascimentos estendem-se num período de mais de dez anos, mas também por causa do trabalho representado pela educação que ambos desejavam transmitir-lhes, e principalmente por causa das "contingências do tipo de carreira" numa empresa norte-americana que levaram a família a mudar-se com freqüência ("com os americanos, é sempre muito rápido"). "Engajada nas associações de pais de alunos" (os quatro filhos estudaram no privado) e nas atividades educativas que lhe permitem cuidar dos lazeres de seus filhos, como por exemplo as "bibliotecas para todos", sua mulher deve ao mesmo tempo assumir as múltiplas tarefas, difíceis de se planejar, associadas a uma vida familiar complicada pelas inúmeras mudanças, com sua porção de novas obrigações – trabalhos de reforma, mudanças de estabelecimentos escolares (sua filha mais velha freqüentou nove escolas), renovação forçada de suas relações de amizade, atividades caritativas. Quanto a ele, foi obrigado, em várias oportunidades, quando sua nomeação se dava em meio ao ano escolar, "a viver como solteiro", voltando para casa apenas nos fins de semana: "Era árduo e tinha um impacto sobre as crianças e a minha própria mulher". Agora que as crianças cresceram, ele acha que ela deveria reservar um tempo para se dedicar "a uma atividade benévola numa associação". Mas ele "não concorda muito" com a idéia de ela voltar a trabalhar, nem que seja num emprego em meio período, "mesmo se muita coisa a gente não consegue comprar" quando a mulher não trabalha.

Os benefícios secundários de uma desqualificação

Ao se tornar fonoaudiólogo, profissão de cunho "mais feminino" escolhida após ter abandonado estudos de medicina e uma licence em direito, Denis foi levado a exercer uma atividade profissional aparentemente menos burguesa que a da maioria de seus colegas de Saint-Louis-de-Gonzague, mas que, por seu casamento, por sua instalação em província numa cidade universitária embora de tamanho modesto, por seu estilo de vida e suas atividades extraprofissionais, assemelha-se mais a de um profissional liberal do que com a de um executivo médio. Seu pai, engenheiro eletrônico formado na universidade de Grenoble, mas que seguiu carreira em Paris, era filho de um diretor de indústria do setor têxtil. Sua mãe era filha de engenheiro. Suas duas irmãs, ambas ex-alunas de Sainte-Marie de Passy e bem mais velhas que ele, nunca trabalharam fora nem completaram estudos superiores, como era o caso, para essa geração, da maioria das mulheres casadas que pertenciam à burguesia católica. A mais velha, casada com um agente de seguros, teve três filhos e a outra, casada com um arquiteto, teve dois filhos. Seu irmão, dois anos mais novo que ele, também ex-aluno de Saint-Louis-de-Gonzague, é médico e professor da Faculdade de Medicina de Paris; casado com uma mulher que exerce a mesma profissão que ele, eles têm três filhos.

Mesmo que continue participando da associação dos ex-alunos (ele tem, por exemplo, mantido contatos com alguns companheiros de classe, particularmente os que se tornaram médicos ou dentistas e que o visitam quando passam "na região"), ele não conserva uma boa lembrança dos anos passados com os jesuítas onde estudou do primário até o baccalauréat: "Preciso dizer que o ritmo escolar era maluco e devo confessar que se tivesse de recomeçar minha vida escolar no Franklin, não o faria de novo (...). A vida social, a vida entre aspas amorosa não tinham muito espaço. Por isso vivo repetindo que minha adolescência passou meio batida porque só tinha os estudos, e com pais que queriam saber essencialmente dos estudos" (seus pais, por exemplo, não deixaram que ele, com 17 ou 18 anos à época, arrumasse um emprego de verão para poder em seguida sair de férias com uns amigos). Apenas na filosofia (2o colegial) começou a sentir-se "um pouco menos prisioneiro da estrutura dos jesuítas", o que não teria sido o caso se estivesse em mathélèm. "Talvez certos alunos precisassem ser superprotegidos, passar por um certo bachotageXI para ter êxito, mas recusar-se a dançar conforme a música não era fácil frente à estrutura autoritária do estabelecimento, e frente à família (...), sinceramente, só vejo nisso aspectos negativos, em nível dos estudos (...), em nível profissional; talvez isso me tenha conferido, no meu modo de ver os outros e de ter uma certa abertura, uma abertura mais humana, embora eu ache que isso provinha mais do lado familiar."

Sua mulher, que tem uma licence em direito, trabalha meio período num gabinete jurídico e dá aulas de formação permanente. Conheceram-se quando ambos eram alunos de direito, durante uma "viagem de estudos" à Argélia organizada pouco depois de sua independência por uma associação de estudantes católicos, mas se casaram apenas depois de ele ter servido o Exército, em outubro de 1967: acabava de completar 25 anos e começava seu último ano de fonoaudiologia enquanto sua mulher, apesar de três anos mais nova que ele, terminara sua licence e acabava de aceitar um emprego num gabinete fiscal. Ele morou com os pais até casar.

Resolveu ser fonoaudiólogo porque era uma profissão "relativamente nova", a meio caminho entre as profissões ligadas às ciências humanas ou à psicologia ("não sou fã de carteirinha da psicologia"), talvez consideradas "intelectuais demais" e as profissões ligadas ao trabalho social, educador especializado por exemplo, "que permitem contatos com crianças e adultos excepcionais que passam por dificuldades", consideradas, ao que parece, como não burguesas o bastante. Por causa das vicissitudes "de uma carreira em que é preciso mudar-se muito", mais freqüentemente exercida por mulheres "que se instalam, casam e mudam de lugar" (eles passaram os dois primeiros anos da vida profissional dele em Quebec onde encontrou trabalho graças a um amigo, e onde "dava aulas na universidade"; seus dois primeiros filhos nasceram lá), de uma agenda parecida com a de um executivo do setor privado uma vez que trabalha 50 horas por semana, de manhã no hospital, à tarde no seu consultório, das atividades militantes e associativas, e das reciclagens em formação permanente, sua mulher, particularmente durante os primeiros anos de casados, teve de passar por inúmeras mudanças de empregos (em Quebec, achara com facilidade um emprego com um advogado) e de estar presente em casa de um modo que não teria sido possível, por exemplo, se ela trabalhasse na função pública e que não é garantida, pelo contrário, pelo fato de se ter um diploma superior.

Instalados em Grenoble, no sudeste da França, desde 1971, moraram primeiro numa grande casa com jardim, num vilarejo a meia hora de carro da cidade ("isso nos permitiu educar nossos três filhos"). Quando o mais velho entrou na 5a série (sixième), passaram a morar no centro da cidade, num apartamento que compraram e que "tiveram a sorte de encontrar" através de "amigos de amigos".

Seu emprego, do qual sempre tentou manter "uma certa distância", "um serviço um pouco cansativo que exige muito controle, muita paciência, muita psicologia", deixa-o pouco disponível para a vida familiar, uma vez que também dedica seu tempo livre a outras atividades: pratica esporte, faz teatro amador, toca trombeta, inicia-se "em pesquisas na área da voz" com um grupo de médicos e faz um curso de informática no câmpus. Às vezes, de noite, ele leva a mulher ao cinema (no entanto, ela é que tem de voltar à casa para preparar o jantar das crianças). Ele só passa com a família mesmo os fins de semana e as férias, geralmente numa casa que compraram no Vercors (região entre Grenoble e Valence), e no verão eles viajam de trailer para o exterior.

Católico praticante, como sua esposa, "com uma certa distância, mas sem crítica" (ele se sente mais à vontade, por exemplo, com "a equipe litúrgica no Vercors do que com a da sua própria paróquia em Grenoble"), faz questão que seus filhos, que estudam no ensino público (os dois mais velhos são alunos no liceu Champollion "afinal é um bom liceu em Grenoble"), freqüentem os louveteaux (escoteiros mirins, entre 8 e 11 anos) e a catequese. Ele se sente "preso em Grenoble", uma cidade de que não gosta, "que não tem alma", onde "as pessoas ganham experiência profissional antes de se mudarem para outros lugares" como foi o caso com tantos amigos deles, mas que oferece "a vantagem de ser uma cidade de província em que se pode freqüentar um curso de informática, qualquer ateliê de cerâmica, de tear, fazer ioga, ginástica; tudo é muito perto e não custa caro". Embora participe de um trabalho de pesquisa em fonoaudiologia, "não bota muita fé nele": "Já pus uma pedra em cima; aliás, é por isso que invisto em outras atividades, não posso mais investir no meu trabalho". Responsável local de Amnesty International, ele acha que politicamente "gente de direita, gente de esquerda, nada significa". Já foi secretário do conjunto musical e vice-presidente da união desportiva da comarca onde morava antes de se mudar para a cidade; ele continua delegado dos pais de alunos. Consciente de pertencer à burguesia como seus pais, ele define seu meio atual como "menos conformista e mais aberto a todas as categorias sociais".

As grandes famílias
"Carnet", Entre Nous, 212, junho de 1961, p. 50.

NOIVADOS

COLÉGIO

Srta. Béatrix Balsan, irmã de Patrick, 3e, filha de François, 19, com o Conde Louis de Contenson = Srta. Marie Rochete de Lempdes, irmã de Xavier, 5e, Denys, 7e e Alain, 10e, com o Sr. Yves de Tarlé = Srta. Marie-Noël Rodde, irmã de François, Ph., Vincent, 4e e Pascal, 8com o Sr. Jean Revol.

CASAMENTOS

Srta. Hélène Le Brun, trabalhando no Colégio, com o Sr. Michel Gaullier = Srta. Beátrice O' Neill, irmã de André, 8e e de Nial, 11e com o Sr. Robert Gaullier = Srta. Christine Huygues Despointes, irmã de Vincent, 6e, com o conde François de Vitry d'Avancourt = Michel Hermary, 53, irmão de Antoine, 51, e de Phillipe, 46, com a Srta. Laurence Renaud = Philippe de Margerie, 55, irmão de Charles, R, André, 7e, Antoine, 59, com a Srta. Dolorés de Yturbe, irmã de Miguel, 59 = Pierre Terray, 49, irmão de Xavier, H, com a Srta Béatrice de Carmoy, irmã de Pierre, 61 = Pierre Aumonier, 53, irmão de Bernard, 59, Jean, 60, Phillipe, H, com a Srta, Jeanne Grenier, irmã de François, 50 = Srta. Brigitte de Bouchony de Montalet, irmã de Alain, 6e, com o Sr. Jean-François Triniac de Parade = Srta. Béatrice de Surirey de Saint-Rémy, irmã de Hubert, 55, François, 57, Michel, R, Bertrand, 3e, Philippe, 5e, com o Sr. Hervé de Laubier = Srta. Chantal Ingé, irmã de Francis, 3e, com o Sr. Jean-Pierre Hatt.

II.Repertório da alta sociedade, da aristocracia. (N.T.)

III.Em Paris, há uma distinção entre a rive droite (margem direita) do rio Sena, considerada mais burguesa, e a rive gauche (margem esquerda), considerada mais intelectual. (N.T.)

IV. Sciences po. Escola de Ciências Políticas; St.-Cyr. Escola Especial Militar de St.-Cyr (perto de Paris), transferida na Britanha após a guerra. (N.T.)

VI. Comunidade laica imaginada por Rabelais em Gargantua, exato contraponto da instituição monacal, e cuja regra de ouro era "faça o que quiser". (N.T.)

VII. Grupo religioso, também chamado de Society of Friends, famoso por suas posições contra a guerra e a violência, particularmente ativo na educação e na ajuda aos outros. (N.T.)

VIII. Lição suplementar imposta a um aluno para puni-lo. (N.T.)

IX. "Colle", "retenue" ou "consigne": punição obrigando o aluno a ficar estudando no colégio. (N.T.)

XI. Tipo de estudos de preparação intensiva para exames (especialmente o baccalauréat), com a única preocupação de ver o aluno passar, sem preocupação com a formação de base do aluno. (N.T.)

  • I I.Bairro nobre de Paris. (N.T.) alunos dos liceus (públicos)
    Louis-le-Grand e
    Henri IV de nível equivalente, ou de classes preparatórias para as
    Grandes Écoles assim como sobre o conjunto de alunos de liceus da mesma geração de quem conseguimos o endereço atual, e que moravam no
    14e
    arrondissement e estudavam, no 2
    o colegial [
    première], num estabelecimento parisiense ou dos subúrbios próximos.
    1 1 . Por causa dos efeitos de eliminação de um exame que ainda acontecia, no começo dos anos 60, em duas partes – respectivamente em fim de 2 o colegial ( première) e de 3 o colegial ( terminale) –, a amostra consultada foi constituída por alunos de 2 o colegial ( première) com escolaridade no privado e no público em 1959-1960 aos quais foram acrescentados alunos de primeiro ano de classes preparatórias, pertencendo a essa mesma geração, escolarizados em hypokhâgne [classes preparatórias para a École Normale Supérieure (Letras), cf. J.-P. Faguer, Khâgneux pour la vie, une histoire des années 60, Dossier 5, nouvelles séries, Centre d'Etudes pour l'Emploi, 1955] e math sup [matemática superior, classe preparatória para matemática especial] em 1961-1962. Mais de 75% dos entrevistados nasceram entre 1943 e 1944. Para reconstituir o mercado escolar dos alunos de liceus do 14e arrondissement, usamos o Annuaire des établissements d'enseignement public, ano escolar 1959-1960, do Service Technique des Statistiques Scolaires, du Ministère de l'Education Nationale (infelizmente não existe registro equivalente, para o mesmo ano, no ensino privado). Esse
    arrondissement, apesar de próximo do
    Quartier Latin, tinha a particularidade de não ter liceus de ensino geral para rapazes.
  • V V. Brevet d'Etudes du Premier Cycle, exame que valida a passagem da 5 a série ( troisième) ao 1 o colegial [ seconde], ou seja, do ginasial ao colegial. (N.T.) constituíam, em compensação, quase metade dos alunos de 2
    o colegial (
    première) de outros liceus que não os do
    Quartier Latin e mais de dois terços dos alunos de estabelecimentos técnicos preparando para o
    baccalauréat. Os que não tinham estudado latim eram mais numerosos, e o fato de terem passado, por exemplo, por um CEG (Colégio de Ensino Geral) obrigava-os a prestar um
    baccalauréat M ou M' porque só tinham estudado uma língua viva, e a orientarem-se para a segunda parte do
    baccalauréat para as carreiras de ciências exatas ou técnicas, carreiras que não existiam em
    Saint-Louis-de-Gonzague.
  • X X. École Polytechnique (também chamada de X): escola de ensino superior fundada em Paris em 1794, sob tutela do Ministério dos Exércitos. Hoje localizada em Palaiseau, forma para empregos de altas qualificações nas grandes corporações militares ou civis do Estado; École Centrale: escola central das artes e manufaturas; École des Mines de Paris: uma das maiores escolas de engenharia; HEC: escola de altos estudos comerciais; Sciences Po: escola de estudos de ciências políticas. ). Apenas um aluno escolheu estudos literários mas, ao que parece, acabou entrando em
    Sciences Po após fazer
    khâgne em
    Louis-le-Grand.
  • 1
    . Por causa dos efeitos de eliminação de um exame que ainda acontecia, no começo dos anos 60, em duas partes – respectivamente em fim de 2
    o colegial (
    première) e de 3
    o colegial (
    terminale) –, a amostra consultada foi constituída por alunos de 2
    o colegial (
    première) com escolaridade no privado e no público em 1959-1960 aos quais foram acrescentados alunos de primeiro ano de classes preparatórias, pertencendo a essa mesma geração, escolarizados em
    hypokhâgne [classes preparatórias para a
    École Normale Supérieure (Letras), cf. J.-P. Faguer,
    Khâgneux pour la vie, une histoire des années 60, Dossier 5, nouvelles séries, Centre d'Etudes pour l'Emploi, 1955] e
    math sup [matemática superior, classe preparatória para matemática especial] em 1961-1962. Mais de 75% dos entrevistados nasceram entre 1943 e 1944. Para reconstituir o mercado escolar dos alunos de liceus do
    14e
    arrondissement, usamos o
    Annuaire des établissements d'enseignement public, ano escolar 1959-1960, do
    Service Technique des Statistiques Scolaires, du Ministère de l'Education Nationale (infelizmente não existe registro equivalente, para o mesmo ano, no ensino privado).
  • 2
    . A respeito da noção de
    Grande École e de sua função no sistema educacional francês, cf. Pierre Bourdieu,
    La noblesse d'Etat, Paris, Minuit, 1989.
  • 3
    . Alguns deles tinham conservado fotos de classe; um entrevistado, filho de professor de
    khâgne, possuía até filmes realizados durante as festas e os rituais que constituem ao longo do ano escolar um fator de integração importante nesse universo de aprendizado dos valores do mundo intelectual. Existe a respeito de
    khâgne uma literatura autobiográfica da qual o livro de André Sernin (
    L'apprenti philosophe, roman d'un khâgneux, Paris, France-Empire, 1981) pode parecer o caso-limite.
  • 4
    .
    Entre Nous (revista da escola), 218, junho 1963.
  • 5
    .
    Les établissements des jésuites en France depuis quatre siècle, repertório topobibliográfico publicado quando do quarto centenário da fundação da Companhia de Jesus, 1540-1940, sob direção de Pierre Delattre, s.j. Enghien (Bélgica),
    Institut Supérieur de Théologie, Wetteren (Bélgica
    ), Imprimerie de Meester frères, 1955.
  • 6
    . Segundo a revista
    Entre Nous, os jesuítas possuíam na França, em 1962, 20 colégios reunindo 12.248 alunos e quatro escolas superiores com 1.251 alunos.
  • 7
    . M. Pinçon, M. Pinçon-Charlot.
    Dans les beaux quartiers, Paris, Seuil, 1989. Segundo uma pesquisa sobre "a classe dirigente" que se apóia em dados do
    Who's who recolhidos em três momentos diferentes (1954, 1964, 1974), a parte da amostra morando no
    16e arrondissement de Paris em 1964 era de 21%, a dos
    Hauts-de-Seine "essencialmente concentrada em Neuilly e Saint-Cloud", 6%.
    In: Birnbaum. P.
    La classe dirigeante française, dissociation, interprétation, intégration, Paris, PUF, 1978.
  • 8
    . M. De Saint-Martin, "Une bonne éducation",
    Ethnologie française, nº 1, 1990.
  • 9
    . Segundo pesquisa sobre o estabelecimento escolar freqüentado pelos irmãos das alunas de
    Sainte-Marie pertencendo a uma geração relativamente mais nova (nascida entre 1955 e 1956), aproximadamente um terço dos irmãos tinha cursado o secundário na escola aqui pesquisada (chamada às vezes de
    Saint-Louis-de-Gonzague, outras de
    Franklin, nome da rua em que é localizada), B. Le Wita.
    Ni vue, ni connue, approche ethnographique de la culture bourgeoise, Paris, Maison des Sciences de L'homme, 1988.
  • 10
    . P. Modiano.
    De si braves gens, Paris, Gallimard, 1982.
  • 11
    . Uma edição de
    Avis de recherche no canal T.F.1 (programa televisivo em que participantes buscam reencontrar com a ajuda da televisão pessoas que há muito tempo não vêem), animado por Patrick Sabatier, reunia, há alguns anos, ex-alunos do
    Cours Hattmer tão diferentes quanto uma cantora (Véronique Sanson), uma representante da aristocracia e uma jornalista de televisão famosa (Anne Sinclair).
  • 12
    . Como precisa o artigo 9 da portaria de 8 de setembro de 1948, o exame para ingressar na 5
    a série (
    sixième) (que era ao mesmo tempo um exame para obtenção de bolsas) constituía, pelo menos nos liceus mais procurados, um verdadeiro concurso: "Em cada estabelecimento uma comissão, presidida pelo diretor do estabelecimento (...) com vista nas notas e após exame dos dossiês escolares, estabelece no limite dos dois terços das vagas, uma lista de candidatos pronunciando sua admissão no estabelecimento".
    In:
    Nouveaux horaires et programmes de l'enseignement du second degré, 19
    a editor, librairie Vuibert, 1956, III, admission dans les classes. É também preciso levar em conta o fato de que a maioria dos grandes liceus parisienses dessa época ainda conservava suas classes elementárias. Uma carreira de aluno de liceu podia ser preparada desde a 1
    a série (
    cours préparatoire).
  • 13
    . A respeito do colégio
    Stanislas nos anos 50, cf. A. Besançon,
    Une génération, Paris, Julliard, 1987.
  • 14
    . P. Bourdieu, M. De Saint-Martin, "Le atronat"
    , Actes de la recherche en sciences sociales, 20-21, março-abril de 1978, p. 382.
  • 15
    . Entre 70% e 90% dos alunos de 3º colegial (
    terminale), de acordo com a revista
    Entre Nous, já estavam juntos desde a 5
    a série (
    sixième) (período de 63 a 65).
  • 16
    . R. Lenoir, "L'effondrement des bases sociales du familialisme",
    Actes de la recherche en sciences sociales, 57-58, junho de 1985, pp. 69-88.
  • 17
    . F. Rieder.
    Deuxième rapport annuel, Paris, Meyrueis, 1876, citado por Georges Hacquard,
    op. cit.
  • 18
    . E. Braeunig.
    Rapport du sous-directeur, Paris, Noblet, 1878, citado por Georges Hacquard,
    op. cit.
  • 19
    . Talvez seja porque a religião católica é dominante na França que os próprios católicos custam, particularmente os que romperam com toda prática religiosa, a ver o que devem à sua educação religiosa como investimento cultural e, mais amplamente, como laço, como mostra Gershom Scholem a respeito do judaísmo, com as tradições culturais de sua própria sociedade ("L'identité juive, entretiens avec Gershom Scholem",
    Actes de la recherche en sciences sociales, 35, novembro de 1980, pp. 3-19). Como bem lembra Mary Mc Carthy, católica nascida num país de maioria protestante, numa autobiografia de seus anos de colégio: "Nascido e educado no catolicismo, você já absorve boa parte da história do mundo e das idéias antes de chegar aos doze anos, e o resultado, como no caso de uma língua que aprendemos ainda crianças, é indelével". M. Mc. Carthy.
    Mémoires d'une jeune catholique, Paris, Plon, 1959.
  • 20
    . Numa edição da revista publicada em 1986, um aluno observa, a propósito de uma pesquisa que tinha realizado junto de seus camaradas a respeito da maneira como percebiam o colégio e sua especificidade jesuíta, "que o rigor da disciplina perde seu aspecto negativo na medida em que se está melhor informado de seus desígnios" e que esse tem como objetivo "a autodisciplina do ano de 3
    o colegial (
    terminale)".
  • 21
    . O esporte e os equipamentos necessários à sua prática contribuem para a reputação do estabelecimento, como podemos constatar neste trecho de um artigo dedicado, em 1982, a
    Saint-Louis-de-Gonzague: "Modernidade ainda no domínio dos esportes, calorosamente recomendados e muito praticados. Para tanto, uma sala de judô com capacidade para 20 pessoas; uma sala de esgrima do mesmo tamanho; uma grande sala de esporte com 600 m
    2, rua Franklin, reservada ao secundário; outra sala, menor, reservada ao 'pequeno colégio' (...). Por que não acrescentar a esses 'equipamentos' os dois frontões de pelota basca, ladeando o maior dos três quintais de recreio do grande colégio?". P. Manez. "Franklin, la clé du pouvoir?",
    Autrement, 42, setembro de 1982 (edição intitulada:
    On le met dans le privé?). Segundo uma pesquisa realizada em 1971 pelos próprios alunos e enfocando os lazeres, 215 alunos do segundo ciclo, dentre os 265 que responderam ao questionário, afirmaram "passar duas ou três horas por semana praticando um esporte fora do colégio".
    Entre Nous, 243, Natal 1971.
  • 22
    . F. Bonvin. "Une seconde famille, un collège d'enseignement privé",
    Actes de la recherche en sciences sociales, 30, novembro de 1979, pp. 47-64.
  • 23
    . O amor-próprio sobre o qual, observa Durkheim, os jesuítas tinham fundado seu ensino é reaproveitado na idade adulta, no mundo do trabalho, mais particularmente no setor privado. Na sala de aula, "os próprios indivíduos eram juntos por pares e cada soldado numa decúria tinha seu êmulo na decúria correspondente (...) o trabalho escolar implicava uma espécie de corpo a corpo perpétuo".
    In: E. Durkheim.
    L'évolution pédagogique en France, Paris, PUF, 1969
    .
  • 24
    . Quase um terço dos ex-alunos de
    Saint-Louis-de-Gonzague (contra 18% dos alunos de
    hypokhâgne, eles no entanto futuros especialistas em letras), que responderam a essa pesquisa, tinha prestado a primeira parte do
    baccalauréat na seção A' [latim-grego, matemática], orientação que no entanto representava, à época, por causa de sua polivalência científica e literária, uma opção relativamente rara (em torno de 1% do total de alunos na França inteira).
  • 25
    . Sentimento que não podia senão ser reforçado pela ajuda financeira e moral recebida num estabelecimento que favorecia a promoção dos "valores familiares" e a solidariedade entre as famílias. Havia, por exemplo, "devido à grande proporção de famílias numerosas", uma "tarifa familiar" permitindo que as famílias com vários filhos fossem "ajudadas pelas que tinham menos encargos".
  • 26
    . Pode surpreender a observação de que os ex-alunos hoje padres ou militares e que encarnavam os mais acabados modelos desse tipo de educação, pelo menos até os meados dos anos 50 e o começo da guerra da Argélia, período de "aggiornamento" político no estabelecimento, nunca formaram, como poderemos constatar ao comparar a evolução da orientação profissional dos ex-alunos desde 1945, mais que uma pequena minoria em cada turma. Tudo parece indicar que a percepção pelas famílias do que Max Weber chamava de uma mesma "comunidade de interesses", para definir as relações de dependência de tipo paternalista na sociedade rural do leste alemão, tinha de ser suficientemente poderosa para evidenciar a dedicação a uma causa implicando destinos tão diferentes quanto a gestão de uma empresa ou morrer pela pátria. Segundo a obra de P. Delattre dedicada aos estabelecimentos dirigidos pelos jesuítas na França, 2.280 alunos entre os 23.250 que estudaram no colégio
    Sainte-Geneviève de Versailles entre 1854 e 1954 "morreram pela França", ou seja, quase 10%.Vejam também: A. Billy.
    L'approbaniste, Paris, Flammarion, 1937. Nesse livro, André Billy conta o processo de exclusão de um aluno pobre, aceito pelos jesuítas com a condição de que se torne missionário, mas que se interessava demais pela literatura.
  • 27
    . F. De Dainville, num artigo dedicado à "geografia do humanismo", notou que os estabelecimentos dirigidos por jesuítas na França do século XVI ao século XVIII são em maior número nas cidades com "magistratura, parlamentos ou
    présidiaux (tribunais criados por Henri II em 1552, intermediário entre os juizados e os parlamentos, equivalente do Supremo Tribunal Federal)" onde os "meios da magistratura e dos funcionários (...) solicitam as criações de colégios, bem como a abertura de bibliotecas". E quando os jesuítas se instalavam em cidades comerciantes, o gosto pelos estudos e o interesse para um ensino "que no fundo só se preocupa com o valor mercantil dos seus diplomas" decresciam. Ele atribui essa degradação do humanismo quando se torna utilitário à persistência que revela de uma oposição à cultura dos meios literários nos meios de produção e de economia;
    in: "Villes de commerce et humanisme", publicado em
    Etudes, março de 1951, retomado em F. de Dainville.
    L'Education des jésuites, XVIe - XVIIIe siècles, Paris, Minuit, 1978, pp. 25-42.
  • 28
    . Bailes dados pelas famílias, que se uniam financeiramente para promover encontros sob seu controle.
  • 29
    . P. Bourdieu.
    La noblesse d'Etat, Paris, Minuit, 1989.
  • 30
    . Marie-Madeleine Compère notou que à base das
    Grandes Écoles estão, principalmente, as escolas militares, criadas no fim do
    Ancien régime, que, graças a um sistema de bolsas, eram destinadas prioritariamente às famílias da nobreza pobre. M.-M. Compère.
    Du collège au lycée (1500-1850), Paris, Gallimard, 1985.
  • 31
    B. Groethuysen.
    Origines de l'esprit bourgeois en France 1
    . L'Eglise et la bourgeoisie, Paris, Gallimard, 1937.
  • *
    Artigo originalmente publicado em
    Actes de la Recherche en Sciences Sociales,
    86-87, 1991, pp. 25-43. Gentilmente cedido pelo autor. Traduzido por Alain P. François.
    ** Centre d'Etude d'Emploi, Noyse le Grand, França.
  • II alunos dos liceus (públicos) Louis-le-Grand e Henri IV de nível equivalente, ou de classes preparatórias para as Grandes Écoles assim como sobre o conjunto de alunos de liceus da mesma geração de quem conseguimos o endereço atual, e que moravam no 14earrondissement e estudavam, no 2o colegial [première], num estabelecimento parisiense ou dos subúrbios próximos.1 Esse arrondissement, apesar de próximo do Quartier Latin, tinha a particularidade de não ter liceus de ensino geral para rapazes. .Bairro nobre de Paris. (N.T.)
  • VV constituíam, em compensação, quase metade dos alunos de 2o colegial (première) de outros liceus que não os do Quartier Latin e mais de dois terços dos alunos de estabelecimentos técnicos preparando para o baccalauréat. Os que não tinham estudado latim eram mais numerosos, e o fato de terem passado, por exemplo, por um CEG (Colégio de Ensino Geral) obrigava-os a prestar um baccalauréat M ou M' porque só tinham estudado uma língua viva, e a orientarem-se para a segunda parte do baccalauréat para as carreiras de ciências exatas ou técnicas, carreiras que não existiam em Saint-Louis-de-Gonzague. .
    Brevet d'Etudes du Premier Cycle, exame que valida a passagem da 5
    a série (
    troisième) ao 1
    o colegial [
    seconde], ou seja, do ginasial ao colegial. (N.T.)
  • XX). Apenas um aluno escolheu estudos literários mas, ao que parece, acabou entrando em Sciences Po após fazer khâgne em Louis-le-Grand. .
    École Polytechnique (também chamada de X): escola de ensino superior fundada em Paris em 1794, sob tutela do Ministério dos Exércitos. Hoje localizada em Palaiseau, forma para empregos de altas qualificações nas grandes corporações militares ou civis do Estado;
    École Centrale: escola central das artes e manufaturas;
    École des Mines de Paris: uma das maiores escolas de engenharia;
    HEC: escola de altos estudos comerciais;
    Sciences Po: escola de estudos de ciências políticas.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jun 2001
    • Data do Fascículo
      Jul 1997
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