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Política e administração da educação: um estudo de algumas reformas recentes implementadas no estado de Minas Gerais

The administration of public school: Minas Gerais State, Brazil, 1995

Resumos

Este artigo estuda as reformas implementadas na administração da rede de ensino pública do estado de Minas Gerais em 1995. Considera que as medidas adotadas contribuem para a reestruturação do sistema público sob a racionalidade administrativa que informa o programa denominado Proqualidade, ao mesmo tempo em que reforçam a permanência de um padrão autoritário de formulação da política educacional. Procedeu-se a um levantamento estatístico do movimento de ampliação/retração das redes de ensino no estado de Minas, a análise de atos administrativos publicados pela Secretaria de estado da Educação e suas repercussões na configuração do sistema estadual.

política educacional; administração escolar; estado e educação; municipalização e descentralização; políticas públicas e administração da educação


This article discusses the reforms implemented in the administration of the public school system in the state of Minas Gerais in 1995. It is considered that those adopted actions contribute to the restructure of the public system on administrative rationality, which informs the entitled Proqualidade. At the same time, it reinforces the frequency of an authoritative pattern of political education. It was derived from a survey of the process of amplification/retraction of the state of Minas Gerais' public system, the analysis of administrative actions published by the State Secretary of Education and its repercussions on the configuration of the state system.


Política e administração da educação: Um estudo de algumas reformas recentes implementadas no estado de Minas Gerais

Dalila Andrade Oliveira* * Professora do Departamento de Administração Escolar da FaE/UFMG. Doutoranda do Programa de Pós-graduação da Feusp. ** Professora do Departamento de Administração Escolar da FaE/UFMG.

Marisa Ribeiro Teixeira Duarte** * Professora do Departamento de Administração Escolar da FaE/UFMG. Doutoranda do Programa de Pós-graduação da Feusp. ** Professora do Departamento de Administração Escolar da FaE/UFMG.

RESUMO: Este artigo estuda as reformas implementadas na administração da rede de ensino pública do estado de Minas Gerais em 1995. Considera que as medidas adotadas contribuem para a reestruturação do sistema público sob a racionalidade administrativa que informa o programa denominado Proqualidade, ao mesmo tempo em que reforçam a permanência de um padrão autoritário de formulação da política educacional. Procedeu-se a um levantamento estatístico do movimento de ampliação/retração das redes de ensino no estado de Minas, a análise de atos administrativos publicados pela Secretaria de estado da Educação e suas repercussões na configuração do sistema estadual.

Palavras-chave: política educacional, administração escolar, estado e educação, municipalização e descentralização, políticas públicas e administração da educação

A partir de pesquisas que temos desenvolvido na área de política e administração educacional acerca da gênese e da organização do sistema de ensino público estadual e seus recentes processos de reestruturação, buscamos uma melhor compreensão das atuais reformas implementadas no sistema de ensino em Minas Gerais. Este estudo busca oferecer subsídios para as análises das mudanças recentes, procurando perceber em que medida estas intervenções apresentam elementos de permanência ou ruptura com o modelo autoritário de gestão escolar.

O presente trabalho prioriza a realidade de Minas Gerais, embora estas mudanças venham ocorrendo, em maior ou menor grau, em muitos outros estados brasileiros. Esta opção deve-se ao fato de que o programa adotado para a educação neste estado tem servido de paradigma para muitas outras administrações, inclusive para o próprio Ministério da Educação, o que tem proporcionado ao estado de Minas um destacado papel neste setor, ultrapassando as fronteiras nacionais.1 1 . Consultar: BRASIL, MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO. Plano Decenal de Educação para Todos, 1993; GOVERNO DE MINAS GERAIS. Minas aponta o caminho: Saiba por que o Unicef deu nota 10 à educação – Pacto pela educação quando Minas dá as mãos. Informe publicitário. 1993, pp. 8-9.

A Constituição brasileira de 1988 estabelece princípios inovadores para a formulação de políticas de administração dos sistemas de ensino. Para os fins deste trabalho destacamos o artigo 37, que garante ao servidor público civil o direito de greve e a livre associação sindical; os incisos V, VI e VII do artigo 206, que dispõem sobre a valorização dos profissionais de ensino (piso nacional de salários e ingresso mediante concurso público), sobre a gestão democrática do ensino público e a garantia do padrão de qualidade, e o parágrafo segundo do artigo 211, que estabelece para os municípios atuação prioritária no ensino fundamental e pré-escolar. É necessário observar, no entanto, que as disposições contidas nestes artigos exigem leis complementares para sua efetiva aplicação.

Os dispositivos inovadores constantes na Carta Constitucional refletem o crescimento e a diversificação da sociedade civil ocorridos no país, assim como as opções políticas fundamentais gestadas no interior das lutas sociais. Apesar de constituírem uma referência fundamental na formulação e na implantação da política educacional e dado o caráter inovador destes dispositivos, deve-se ressaltar que sua aplicabilidade não ocorre de forma unívoca, mas eles são interpretados e operacionalizados por forças sociais atuantes nas diferentes instâncias da Federação.

A partir do início desta década temos assistido a um movimento inédito de formulações de propostas no âmbito da administração educacional. São medidas que vêm interferindo na administração dos sistemas de ensino municipais, estaduais e federal. Estas medidas são justificadas pela necessidade de responder aos apelos da sociedade civil em torno da universalização do ensino básico ou pela necessidade de responder às demandas econômicas ditadas pelas transformações ocorridas no mundo do trabalho. É dentro deste contexto que alguns estados brasileiros, particularmente Minas Gerais, têm adotado nos últimos anos projetos voltados para a reordenação de suas redes escolares, provocando mudanças significativas na organização e no funcionamento das escolas, na sua estrutura administrativa e na composição do quadro de pessoal.

Em 1991 o governo do estado de Minas Gerais anuncia um programa de melhoria da qualidade do ensino fundamental – posteriormente denominado Proqualidade.2 2 . MINAS GERAIS, SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO. Projeto Qualidade na Educação Básica em Minas Gerais (Proqualidade). Plano de Implementação 1993/1998. Belo Horizonte: SEE-MG, novembro/1993. Este programa tem como objetivo central a eliminação do "fracasso escolar", isto é, a redução dos índices de repetência e evasão, interpretados como os indicadores de ineficiência do sistema. As modificações que se processam desde então adquirem um novo espectro por priorizarem a busca de maior eficiência do sistema. O Proqualidade abrange a gestão do sistema como um todo, embora seja o gerenciamento da escola o seu locus preferencial, articulando diretrizes gerais provenientes dos órgãos centrais de administração com alterações na intimidade do processo de trabalho nas escolas. Isto vem se constituindo na formulação de uma nova política de gerenciamento das escolas e do sistema, objetivando uma maior otimização dos recursos empregados e consumidos no processo. Este programa obteve apoio financeiro do Banco Mundial (Bird), a partir de 1993, e consultoria técnica da Fundação Christiano Otoni (FCO).

A partir das resoluções da Conferência Mundial de Educação Para Todos, realizada em 1990 na Tailândia, o Banco Mundial passou a elaborar novas diretrizes para as décadas futuras. Como agência de fomento ao desenvolvimento internacional vinculada ao FMI, o Banco tem por finalidade precípua participar do desenvolvimento econômico de seus países-membros. Segundo Fonseca (1995), embora sejam diversas as modalidades de empréstimos feitos pelo Bird, os financiamentos concedidos à educação brasileira seguem as mesmas regras fixadas para qualquer projeto comercial. O tipo co-financiamento não significa empréstimo direto, mas, ao contrário, pressupõe uma contrapartida por parte do país contratante. Alguns autores, entre eles Torres (1995), chamam a atenção para o fato de que o Bird é uma agência de regulação no contexto do capitalismo internacional, que faz empréstimos e, como tal, faz exigências, tomando muitas vezes a iniciativa de sugeri-los.

As ações a serem desenvolvidas pelo Proqualidade, coerentes com os princípios estabelecidos na Conferência de Jontiem na Tailândia,3 3 . Conferência de Jontiem "Educação para Todos". estão dispostas em cinco prioridades:

• busca permanente da autonomia da escola em seus aspectos pedagógicos, administrativos e financeiros;

• fortalecimento da direção da escola, principalmente através da mudança no processo de seu preenchimento, seleção competitiva interna, seguida da escolha pela comunidade escolar entre os três primeiros colocados daquele que irá dirigir a unidade de ensino, e posterior realização de curso de treinamento gerencial para os escolhidos, com a finalidade de prepará-los para a nova função. O fortalecimento da direção das escolas pressupõe, ainda, a revitalização dos colegiados;

• desenvolvimento e profissionalização de professores, especialistas e demais servidores da educação, como forma de garantir-lhes uma carreira no setor público baseada no aperfeiçoamento profissional e na avaliação do desempenho de suas atividades;

• avaliação de desempenho das escolas: dos resultados acadêmicos e da auto-avaliação;

• promoção da articulação do estado com os municípios, como forma de otimizar a utilização dos recursos públicos aplicados em educação.4 4 . SEE-MG. Compromissos e prioridades da atual administração. Belo Horizonte, 1993, mimeo.

É possível inferir que as prioridades estabelecidas pelo governo de Minas Gerais venham responder, por um lado, a constrangimentos externos ou a orientações retiradas da Conferência de Jontiem e, por outro, às demandas internas amalgamadas nas lutas sociais em torno da educação pública, nas duas últimas décadas, cuja expressão pode ser identificada nos referidos dispositivos inovadores constantes na Constituição Federal de 1988. Neste sentido, consideramos que, para uma conseqüente análise da reestruturação administrativa do sistema de ensino público fundamental, é necessária uma observação criteriosa dos atos administrativos e de suas repercussões na configuração dos sistemas. No entanto, é necessário atentar para a articulação desses dispositivos legais com princípios políticos norteadores dos diferentes projetos em disputa, para melhor compreender sua operacionalização no interior de uma racionalidade específica.

Alguns indicadores de mudanças na configuração dos sistemas públicos de ensino

Os dados relativos à matrícula efetiva no ensino fundamental (1a à 8a série) no estado de Minas Gerais indicam o crescimento do número de alunos matriculados no decorrer do período 1989-1995, nas redes públicas estaduais e municipais (gráfico 5), sem alteração significativa da participação da rede particular. No intervalo considerado, o número de alunos matriculados na rede estadual passou de 2.199.528 em 1989 para 2.503.090 em 1995 e nas redes municipais do estado de 608.153 alunos em 1989 para 805.662 em 1995. As taxas anuais de crescimento da matrícula nas redes públicas de ensino de primeiro grau revelam que, no período inicial de implantação do Proqualidade – 1993/1994 e 1994/1995 –, a matrícula na rede estadual apresenta os menores índices de crescimento, com uma expressiva taxa de 10% de crescimento da matrícula na rede municipal no período de 1993/1994. Importa, ainda, ressaltar que considerando o período como um todo, verificam-se sempre maiores taxas de crescimento da matrícula nas redes municipais, com exceção apenas no período 1989-1990 com crescimento de 0,5%. A tendência de crescimento da matrícula no ensino fundamental é comprovada para todo o período estudado nas redes públicas, simultaneamente com a contenção do atendimento pela rede particular (gráficos 6 , 7 e 8 ). A diminuição do número de alunos atendidos pela rede particular no estado pode constituir-se num indicador significativo da perda de rendimentos dos setores médios na sociedade.

No entanto, os dados relativos ao crescimento da matrícula efetiva para as quatro primeiras séries do ensino fundamental na rede estadual revelam um decréscimo de sua participação (gráfico 3). O número de alunos matriculados na rede estadual de 1a à 4a série cai de 1.437.038 em 1989 para 1.361.886 em 1995. Enquanto o crescimento da matrícula verificado nas redes municipais importa no aumento em números absolutos de 71.523 alunos matriculados. Para o mesmo período a rede estadual apresentou uma retração de 75.152 matrículas. A série histórica selecionada, a partir da promulgação da Constituição de 1988, pode ser seccionada em dois períodos: de crescimento da rede estadual no intervalo que se estende até 1991 e de redução da mesma a partir desse ano. A diminuição dos números absolutos da matrícula efetiva na rede estadual coincide com o momento do anúncio das prioridades de obtenção de maior eficiência para a educação em Minas Gerais. Destacamos que dentre as prioridades justificadas na busca de maior eficiência no gerenciamento do sistema, inclui-se uma política de descentralização que se articula com propostas de municipalização.5 5 . Ver: SEE-MG. A realidade da educação em MG. Conferência proferida pelo secretário de Estado da Educação de MG, Walfrido Silvino dos Mares Guia Neto, no seminário "Educação: A hora da chamada", promovido pela Assembléia Legislativa de MG em 23 out. 1991. Neste documento o então secretário já anunciava o compromisso do estado com as cinco prioridades que vieram a se conformar no Proqualidade.

A justificativa do governo estadual, nas palavras da atual Secretaria, é de que a participação na rede pública de ensino deve ser correspondente à capacidade financeira de cada instância da Federação:

(...) O Estado não tinha de ter 79% dos alunos. Por esta relação tinha que ter 68% dos alunos, e os municípios não tinham de ter 21% e, sim, 32%. (...) Daí a nossa insistência. Como já estamos com este acúmulo, ou seja, com 79% da rede, não podíamos apenas estadualizar as escolas municipais dos municípios carentes. Para que pudéssemos assumir os municípios carentes precisávamos de passar para os municípios não-carentes uma parte da rede.6 6 . MINAS GERAIS. Relatório da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Turismo e Lazer da Assembléia Legislativa de MG. 28.2.1996.

Os argumentos apresentados centram-se na maior racionalidade administrativa, que se estaria imprimindo ao sistema de ensino, aliada à economia de recursos para investimentos no ensino de 2o grau. Se a tendência decrescente exposta permanecer, verifica-se a concretização de iniciativas de municipalização do ensino fundamental no estado, pela redução da participação da rede estadual nas quatro primeiras séries. Estes resultados não vêm sendo publicizados ou debatidos com a sociedade, nem mesmo em momentos mais acirrados de disputa política, como por exemplo nas campanhas eleitorais.7 7 . Alguns estudos, como Rosar (1995), demonstram a existência de um processo de desconstrução do sistema educacional brasileiro pela via da municipalização. O estudo estatístico evidencia a correlação linear negativa, para o período pesquisado, do crescimento das redes estadual e particular e a significativa correlação para o crescimento das redes municipais no estado de Minas Gerais (gráficos 2 , 3 e 4 ).

Dados coletados junto à SEE-MG trazem, ainda, indicações significativas quanto ao crescimento do corpo docente da rede estadual vis-a-vis com a rede municipal (gráfico 13). Para o período 1990-1995 o pessoal docente em exercício nas redes municipais do estado aumenta a uma taxa anual média de 8%, enquanto a rede pública estadual apresenta um período de crescimento do pessoal docente em exercício entre 1990-1993, retração de pessoal entre 1993 e 1994 e a permanência de um número de docentes próximo aos valores de 1993 para o ano de 1995. Os gráficos 10 e 11 revelam a inexistência de correlação significativa, o que não permite inferir a tendência em curso quanto ao crescimento do pessoal docente em exercício nas redes estadual e particular. Entretanto, o gráfico 12 comprova com precisão a expansão do número de funções docentes para as quatro primeiras séries do ensino fundamental nas redes municipais. As oscilações presentes na composição de docentes em exercício nas redes estadual e particular, que impedem inferir correlação significativa quanto ao crescimento, podem ser consideradas como reveladoras de embates políticos que disputam a contenção versus a expansão do emprego neste setor.

O gráfico 11 demonstra para a rede estadual um decréscimo do número de docentes em atuação nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a partir de 1993. Em números absolutos verificou-se no período a redução de 3.439 funções de docentes em exercício nas escolas estaduais (1993-1995). Em contrapartida, as redes municipais vêem-se acrescidas de 2.700 docentes em exercício no mesmo período.8 8 . A partir da publicação das resoluções 7.762, 7.763 e 7.764 foram dispensados no estado de Minas Gerais aproximadamente 32 mil servidores entre 1995/1996.

Estes dados indicam alterações nas relações entre governo estadual, municípios e escolas. Indicam, ainda, uma tendência que pode alterar a composição do magistério, modificando o perfil e a atuação de professores e especialistas em exercício.9 9 . OLIVEIRA, 1995. O papel do diretor no quadro de reestruturação do trabalho pedagógico. Trabalho apresentado na XVII Conferência da Anpae. Brasília, dez. 1995. Revista da Ande (no prelo). E se, por um lado, rompem com um padrão histórico centralizado de política educacional, por outro, reforçam um modelo autoritário de formulação de políticas, que exclui a participação e/ou negociação com diferentes setores sociais.

Neste estudo, exploramos alguns dos indicadores passíveis de ser obtidos com as atuais políticas de administração, no que se refere à configuração dos sistemas estadual e municipal de ensino fundamental. Consideramos, também, que a crítica às proposições de políticas fundamentadas no modelo neoliberal necessita deter informações mais rigorosas sobre como se processaram tais alterações e os produtos que se vêm obtendo. A preocupação com os resultados decorre, mais especificamente, de uma concepção de política em que os fins pretendidos podem ser múltiplos e até mesmo antagônicos. Considera-se que em uma sociedade democrática deve ocorrer o envolvimento no processo político de uma multiplicidade de sujeitos com interesses e objetivos diversos. Espera-se assim estar contribuindo na construção histórica de um aparato de estado suficientemente aberto para captar a diversidade dos fins, estabelecer prioridades e agir com eficiência na implementação das medidas necessárias. No entanto, supomos que o padrão de formulação da política educacional empreendido nos últimos anos fundamenta-se numa tradição autoritária que, se por um lado incorpora temas de reivindicações populares, por outro o faz reelaborando-os em face dos interesses hegemônicos.

No Brasil o sistema de ensino público fundamental expandiu-se e ganhou feições peculiares durante os dois períodos autoritários (Vargas – 1930 a 1945 – e regime militar – 1964 a 1985). Conseqüentemente, a formulação e a implantação da política educacional estiveram centralizadas no Poder Executivo, consagrando concepções autoritárias e processos fechados de decisão. Em 1934, um artigo publicado na Revista do Ensino comenta sobre as medidas legais adotadas pelo governo de Minas em face da crise financeira do estado à época.

O recente ato do governo do estado, dispondo sobre a aplicação de 10% da receita dos municípios para manutenção de escolas rurais, veio revigorar, grandemente, as atividades educacionais em Minas. A depressão financeira e o crescente aumento das responsabilidades da administração não permitem que o estado tome a si, exclusivamente, o encargo de prover a educação do povo. Faz-se mister que ao seu esforço venham juntar-se a cooperação dos municípios e a dos particulares.

Se o estado tivesse que prover às necessidades de toda a população escolar, que se elevava, em 1932, a 1.807.945 crianças, teria que gastar a metade de sua receita só com o pagamento do professorado, sem levar em conta as vultosas despesas com material.10 10 . CUNHA, M. O ensino primário em Minas Gerais. Revista do Ensino n o 102. Ano VIII, maio 1934.

Esse documento testemunha a permanência da mesma racionalidade de administração dos sistemas públicos de administração, em que o Poder Executivo prioriza medidas de redistribuição dos recursos existentes como requisito de expansão dos serviços para aqueles considerados como "carentes".11 11 . Estudos em desenvolvimento sobre a organização do sistema de ensino estadual em Minas Gerais observam sobre as medidas administrativas adotadas pelo governo estadual no período de 1930 a 1950. Ver: Duarte 1996. A permanência da justificativa de falta de novos recursos a serem destinados para a expansão dos sistemas de ensino e demais políticas sociais tem implicado a adoção de medidas que viabilizam a expansão, porém sustentada em precárias condições de trabalho e baixa qualidade dos serviços oferecidos.

Os atos administrativos e a reestruturação da rede de ensino estadual

A Secretaria do Estado da Educação de Minas Gerais publicou em 19 de dezembro de 1995 as resoluções de número 7.762, 7.763 e 7.764. Estas resoluções dispõem, respectivamente, sobre a organização e o funcionamento do ensino, a organização do quadro de pessoal e estabelecem normas para o desmembramento e a integração das escolas estaduais. Estas medidas foram tomadas, segundo a SEE/MG, dada a necessidade de efetuar ajustes administrativos na rede pública de ensino estadual. Estes ajustes tinham por objetivo cumprir compromisso assumido de pagar o piso nacional de salários para o professor. Este piso, embora conste como um dispositivo constitucional, foi acordado em 1994 entre a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), o Conselho Nacional dos Secretários de Educação (Consed), o Ministério da Educação e do Desporto (MEC) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Educação (CNTE).12 12 . Consultar: MINAS GERAIS. Relatório da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Turismo e Lazer da Assembléia Legislativa de MG. 28.2.1996.

Estas resoluções implicaram a não-renovação de cerca de 32 mil contratos de trabalho, com a dispensa de 18 mil professores e 14 mil auxiliares de serviço.13 13 . Jornal Hoje em Dia, 21/1/96. Jornal Estado de Minas, 22/1/96. Jornal Diário da Tarde, 23/1/96. Estes trabalhadores temporários se vinculavam ao estado de acordo com o disposto na resolução SEE nº 7.165/93, como designação para função pública, com uma situação diferenciada dos efetivos. Segundo a Secretaria de Estado da Educação, dos 181 mil professores temporários atuantes na rede, muitos não tinham cargo completo, outros eram detentores de contratos para ministrar seis, oito ou dez horas/aulas semanais.14 14 . Op. cit., nota 12. A situação destes trabalhadores é bastante heterogênea, encontrando-se desde aqueles que ministram poucas aulas como uma complementação salarial de outra atividade remunerada, até aqueles que se dedicam integralmente à escola. São trabalhadores submetidos a relações precárias, em que há uma instabilidade permanente com a possibilidade de ver-se dispensado, trocado ou transferido sempre que algum efetivo requer o seu lugar.

O recurso à subcontratação da força de trabalho, melhor caracterizado pelo termo terceirização,15 15 . Consultar Ramalho e Souza Martins 1994. vem se tornando prática freqüente nas gestões empresariais calcadas na racionalidade da produção enxuta. São medidas implementadas sob o manto da necessária flexibilização da produção, que na verdade acabam por generalizar-se em contratos mais voláteis de trabalho, em que os encargos sociais e os benefícios trabalhistas são sonegados ao estado e negados aos trabalhadores, que durante muitos anos de lutas inscreveram-nos como conquistas sociais. Direitos constitucionalmente garantidos, na prática, são retirados dos trabalhadores por encontrarem-se no limiar da sobrevivência, não contando muitas vezes com outras possibilidades e garantias de sua reprodução e de seu sustento.

Estes trabalhadores, justamente por encontrarem-se em relações contratuais desiguais entre si, e entre os efetivos, muitas vezes são considerados menores, menos capacitados, colocados a desempenhar as tarefas mais sofríveis. Esta tendência dos atuais modelos de gestão tem provocado uma segmentação no mercado de trabalho que reflete no interior do processo, traduzindo-se em competições entre efetivos e temporários, primeiros e terceiros, qualificados e (des)qualificados. Mattoso (1995) chama a atenção para a insegurança no emprego como uma característica da crescente insegurança no trabalho, no que denomina "terceira revolução industrial". Para o autor, tal insegurança é determinada pela ameaça constante do desemprego estrutural e das formas mais precárias de contratação do trabalho.

A este respeito, os efeitos das políticas implementadas em relação ao magistério da rede estadual confirmam esta crescente insegurança. Documento da SEE-MG, intitulado "Integração com os municípios, relatório 1991/95", ao destacar as principais dificuldades encontradas na implantação da proposta de integração estado/município, afirma:

2 - Resistência do conjunto de professores:

- da rede municipal – temem a redução dos salários em função da ampliação da rede;

- da rede estadual – temem a gestão política da escola, pela administração municipal; os professores designados temem a dispensa do emprego (sic);

3 - Resistência de diretores das escolas estaduais: temem perder o cargo de diretores e tentam preservar a equipe da escola já que, sempre que a escola é municipalizada, ocorre redução de pessoal, especialmente pessoal auxiliar. (grifo nosso)

A situação generalizada de temor, que o documento oficial já anunciava em 1995, aprofunda-se em 1996 com os ajustes de pessoal ocorridos com as resoluções editadas no final do ano anterior. A história de permanência de uma situação funcional marcada pela instabilidade tem um duplo efeito sobre o conjunto do magistério: impulsiona maior competitividade entre os trabalhadores em exercício nas escolas e maior dependência de políticos locais capazes de, numa relação de "favoritismo", fazer progredir carreira; dificulta a efetivação de normas como instrumentos mais universais de promoção e ingresso. Entretanto, as discussões e os debates em torno dos chamados "planos de carreira", quando ocorrem, não dispõem de medidas correspondentes para sua implantação. É importante salientar para o campo da educação, em especial o ensino fundamental, a urgência do debate amplo sobre as medidas de desempenho como critério de mobilidade funcional.

A resolução 7.763, que fixa a organização do pessoal de magistério das unidades escolares, divide por 23 o número total de alunos matriculados na escola, restando a cada unidade definir os cargos e as funções que vão compor seu respectivo quadro. Este quantitativo dificulta o aperfeiçoamento profissional para docentes e demais servidores em exercício nas escolas, visto que estas atividades passam a depender de uma sobrecarga de trabalho dos demais.

A aplicabilidade dos princípios constitucionais e a materialização de uma racionalidade administrativa

O princípio constitucional de gestão democrática – artigo 206 da Constituição Federal – em Minas Gerais traduziu-se no Proqualidade. Este programa traz orientações que definem medidas consideradas necessárias para uma administração competente, eficaz e participativa do sistema de ensino público. Porém, é importante destacar de que fórmulas se compõem tais indicações. As resoluções 7.762, 7.763, 7.764 são publicadas no momento em que o estado começa a divulgar os primeiros resultados positivos que obteve com o programa. A redução da taxa de repetência dos últimos anos ocorre com o aparecimento de outros resultados, a nosso ver, mais significativos e palpáveis, como demonstrado nos gráficos constantes neste estudo.

As resoluções 7.762, 7.763, 7.764 articulam as prioridades fixadas pelo Proqualidade:

a) na medida em que modificam os critérios de composição do quadro escolar e os critérios de enturmação provocando mudanças na forma como o trabalho é organizado na escola resultando em novos critérios de qualificação e produtividade docente;

b) quanto à valorização do magistério, em obediência ao princípio constitucional, durante anos a SEE-MG contou com contratos temporários para cobrir a carga letiva, em vez de adotar um plano de carreira, com um piso salarial digno, com progressões que articulam tempo de serviço, dedicação e um mecanismo de qualificação constante, discutido com os trabalhadores e implantado a partir da realização de concursos públicos. Estes contratos de trabalho flexíveis podem ser dispostos quando necessário;

c) para proceder aos ajustes administrativos que resultaram na dispensa de servidores o órgão estadual de administração do sistema de ensino fundamentou-se em duas diretrizes: critérios de composição do quadro de pessoal por unidade escolar, o que definiu o percentual numérico a ser cortado, e avaliação de desempenho nos termos da instrução normativa no 3, publicada no Minas Gerais de 21 de janeiro de 1995, e efetuada nas escolas no decorrer do ano. Declarações do secretário-adjunto de Educação, publicadas na imprensa estadual, consideram que os servidores dispensados são aqueles que apresentaram um desempenho de "sofrível a ruim";

d) implementa uma metodologia de atuação em que cabe às unidades escolares deliberar sobre quem deve perder seus empregos. A Secretaria trata de dados estatísticos, fixando diretrizes para um ajuste administrativo, responsabilizando as direções de unidade e os órgãos colegiados pela tarefa de demitir pessoas frente a frente.

Os movimentos sociais, que conduziram a democratização dos anos 80, questionaram fortemente a qualidade e as condições do trabalho docente nas redes públicas de ensino elementar. Estes temas foram apropriados por diferentes governos e, principalmente, nesta última década, (re)significados. Enfatiza-se a possibilidade de melhores condições de trabalho a partir de alterações nos critérios de produtividade docente, ou seja, melhorias salariais futuras ou dos equipamentos são vinculadas à implementação de medidas que reduzam a relação custo/benefício do sistema. Com relação à melhoria da qualidade do ensino, a centralidade das discussões pedagógicas, que enfatizavam a introdução de novos conteúdos, metodologias e condições de trabalho, foi deslocada pela prioridade no gerenciamento do fluxo escolar. Participação, maior autonomia e descentralização são vinculadas a programas de municipalização, que podem fragmentar princípios de universalização dos sistemas.

Notas

The administration of public school: Minas Gerais State, Brazil, 1995

ABSTRACT: This article discusses the reforms implemented in the administration of the public school system in the state of Minas Gerais in 1995. It is considered that those adopted actions contribute to the restructure of the public system on administrative rationality, which informs the entitled Proqualidade. At the same time, it reinforces the frequency of an authoritative pattern of political education. It was derived from a survey of the process of amplification/retraction of the state of Minas Gerais' public system, the analysis of administrative actions published by the State Secretary of Education and its repercussions on the configuration of the state system.

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    . Conferência de Jontiem "Educação para Todos".
  • 4
    . SEE-MG. Compromissos e prioridades da atual administração. Belo Horizonte, 1993, mimeo.
  • 5
    . Ver: SEE-MG. A realidade da educação em MG. Conferência proferida pelo secretário de Estado da Educação de MG, Walfrido Silvino dos Mares Guia Neto, no seminário "Educação: A hora da chamada", promovido pela Assembléia Legislativa de MG em 23 out. 1991. Neste documento o então secretário já anunciava o compromisso do estado com as cinco prioridades que vieram a se conformar no
    Proqualidade.
  • 6
    . MINAS GERAIS. Relatório da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Turismo e Lazer da Assembléia Legislativa de MG. 28.2.1996.
  • 7
    . Alguns estudos, como Rosar (1995), demonstram a existência de um processo de desconstrução do sistema educacional brasileiro pela via da municipalização.
  • 8
    . A partir da publicação das resoluções 7.762, 7.763 e 7.764 foram dispensados no estado de Minas Gerais aproximadamente 32 mil servidores entre 1995/1996.
  • 9
    . OLIVEIRA, 1995. O papel do diretor no quadro de reestruturação do trabalho pedagógico. Trabalho apresentado na XVII Conferência da Anpae. Brasília, dez. 1995.
    Revista da Ande (no prelo).
  • 10
    . CUNHA, M. O ensino primário em Minas Gerais.
    Revista do Ensino n
    o 102. Ano VIII, maio 1934.
  • 11
    . Estudos em desenvolvimento sobre a organização do sistema de ensino estadual em Minas Gerais observam sobre as medidas administrativas adotadas pelo governo estadual no período de 1930 a 1950. Ver: Duarte 1996.
  • 12
    . Consultar: MINAS GERAIS. Relatório da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Turismo e Lazer da Assembléia Legislativa de MG. 28.2.1996.
  • 13
    . Jornal
    Hoje em Dia, 21/1/96. Jornal
    Estado de Minas, 22/1/96. Jornal
    Diário da Tarde, 23/1/96.
  • 14
    .
    Op. cit., nota 12.
  • 15
    . Consultar Ramalho e Souza Martins 1994.
  • *
    Professora do Departamento de Administração Escolar da FaE/UFMG. Doutoranda do Programa de Pós-graduação da Feusp.
    ** Professora do Departamento de Administração Escolar da FaE/UFMG.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jun 2001
    • Data do Fascículo
      Jul 1997
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