Notas sobre a tradução dos textos de Habermans e Rawls Educação e Sociedade nº 57
Recebemos de nosso leitor Márcio Sotelo Felippe, jurista e procurador do Estado de São Paulo, as observações a seguir, relativas à tradução de termos técnicos no debate Jurgen Habermas-John Rawls, publicado em Educação e Sociedade nº 57.
Agradecemos ao Dr. Felippe a cuidadosa leitura e registramos seus valiosos comentários:
1. "Ao sujeitar partidos que fazem suas escolhas racionalmente (...)". pg. 613; (nota de rodapé 3, do tradutor: No texto em inglês, parties ora parece significar "partidos", ora tem sentido de partes, no sentido jurídico do termo...).
No que diz respeito à posição originária, "parties" não pode deixar de ter o significado de partes contratantes. Na posição concebida por Rawls, que é declaradamente (cf. cap. 1 de Theory of Justice) o contrato social de Rousseau, Locke e Kant em um grau mais alto de abstração, somente se pode cogitar de indivíduos, pessoas humanas, que são autônomos e obrigam-se reciprocamente. São, portanto, partes contratantes mesmo. Os indivíduos na posição originária, sob o véu de ignorância, desconhecem seus interesses, suas posições na sociedade, propensões psicológicas particulares, e, admite Rawls, até mesmo suas concepções do bem; não estão concebidos como indivíduos socialmente organizados ou como integrantes de um ente coletivo, coisas que exigem indivíduos concretos. A palavra partido é imprópria neste contexto.
2. "O projeto (design) da posição original". Pg. 599; "...essas características razoáveis de pessoas morais são substituídas pelas restrições de um projeto (design) racional". - pg. 600
A posição original é uma idéia da razão, puramente abstrata. A palavra projeto, aqui, não parece ser a mais adequada para expressar isto, porque o uso comum denota aquilo que se executa. Melhor seria "concepção", também razoável tradução para "design", mas mais adequada para a natureza abstrata da posição original.
3. "Além do mais, as normas apresentam uma pretensão de validade binária em virtude da qual diz-se que elas são válidas ou não válidas: às declarações devidas [ought], como às declarações assertivas, só podemos responder com "sim" ou "não" (...)". pg. 602.
Como "ought" é "dever", (v. ou s.) entendo que Habermas está se referindo a proposições de natureza normativa que falam de deveres. Nesse contexto, "declarações devidas" não tem significado. Seria mais adequado "declarações deônticas", ou mesmo "declarações normativas", expressando com clareza que e trata de algo relacionado com norma, obrigação, dever ser. Desse modo, no texto, "declarações assertivas" referem-se ao que é (ou não é) e "declarações deônticas", ou "normativas", referem-se ao que deve ser. Para Habermas, em ambos os casos pode-se dizer "sim", "não"ou abster-se, ao passo que "declarações valorativas" admitem graus de preferência.
Marcio Sotelo Felippe
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
22 Abr 1999 -
Data do Fascículo
Abr 1998